O espectáculo fora de jogo

15-08-2002
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DESTAQUE 2

O Espectáculo Fora de Jogo

Por JOSÉ AUGUSTO MOREIRA

Sábado, 6 de Julho de 2002 Em ano de Mundial, não se fala sequer em transferências de jogadores, e nem mesmo as equipas tradicionalmente mais activas e poderosas arriscam novas contratações. Também o mercado das receitas televisivas parece estar exaurido, depois de nos últimos anos ter alimentado o sonho de crescimento que levou os clubes a viverem quase sempre acima das suas reais possibilidades. Multiplicaram-se os ordenados e os montantes das transferências e como é que se pode agora encontrar o caminho de saída? "It's the economy, stupid!" (é a economia, estúpido!). A célebre fase do ex-presidente norte-americano Bill Clinton parece ecoar hoje de uma forma brutal nas mentes do actuais dirigentes dos clubes de futebol um pouco por toda a Europa. Um mercado próspero, que na última década cresceu de forma quase desmesurada e multiplicou várias vezes as receitas, vê-se subitamente bloqueado e em recessão. Em ano de Mundial, o até agora tão agitado mercado europeu tarda em dar sinais de vida, a ponto de praticamente não se ter falado de transferências - excepção para a venda de Hugo Viana aos ingleses do Newcastle -, uma apatia que ameaça a viabilidade económica de muitos clubes e levanta sérias dúvidas quanto ao futuro dum negócio que até aqui se anunciava próspero e duradouro. Que se passou, então, que justifique tamanha retracção? E a resposta impõe-se desde logo pela mais básica das regras da economia: há muito que os clubes andam a gastar muito acima das suas possibilidades. De facto, há vários anos que os indicadores económicos apontavam para a inevitabilidade da situação actual, mas o sonho de multiplicação das receitas foi sendo alimentado pelo incremento das verbas provenientes da cedência dos direitos televisivos. Uma espécie de galinha dos ovos de ouro, cuja magia se desvaneceu de forma abrupta com a recente falência do grupo Kirch Media, o gigante alemão que detinha, entre outros, os direitos de transmissão dos Mundiais de 2002 (Coreia/Japão) e 2006 (Alemanha) e das provas da UEFA, a que se seguiu idêntico colapso da inglesa ITV Digital, detentora os direitos de transmissão das ligas secundárias naquele país e que anunciou já a suspensão de todos os pagamentos. Também em Espanha a empresa que explora o mercado do "pay-per view" (pagar para ver) se apresta a encerrar o negócio (ver texto ao lado), enquanto em Portugal este sistema não deverá sequer chegar a iniciar-se, depois de os clubes há muito terem já vendido (e recebido) esses direitos. Um pouco por todo o lado a tendência é agora para rever em baixa as expectativas respeitantes às receitas provenientes da cedência de direitos televisivos. "As próprias cadeias de televisão sobrestimaram o negócio e estão agora a corrigir", disse ao PÚBLICO Hélder Varandas, o responsável da consultora Deloitte & Touche que nos últimos anos tem levado a cabo um estudo sistematizado sobre "As finanças do futebol profissional" em Portugal, à semelhança do que faz no restante mercado europeu. Varandas estima que, além dum claro sobredimensionamento do mercado, a crise actual é também uma consequência dos acontecimentos que em 11 de Setembro abalaram o mundo. "À retracção do mercado seguiu-se a quebra das receitas publicitárias e o consequente retorno ligado aos eventos desportivos", num efeito dominó que em pouco tempo fez ruir um negócio cujos números "deveriam continuar a crescer até 2005, triplicando, no mínimo". A conclusão consta de estudos da União Europeia levados a cabo pela empresa irlandesa "Norcotel", citados num documento de análise que a liga espanhola apresentou em Janeiro na Feira de Barcelona. O mesmo documento refere ainda que "as receitas de televisão foram as que mais cresceram nos últimos anos, sobretudo nos mercados mais desenvolvidos da Europa, com taxas de crescimento superiores aos 20 por cento/ano". Espiral de despesa Mas é precisamente fruto desse súbito aumento das receitas que os clubes parecem ter entrado numa espiral de despesa, que levou a que hoje a generalidade das grandes equipas gastem bem mais do que aquilo que recebem, e, pior ainda, que o grosso dessas despesas esteja directamente ligado aos ordenados dos técnicos e jogadores. Embora a grande parte das receitas do mercado futebolístico seja absorvida pelas princiais ligas europeias, com destaque para Inglaterra, Espanha e Itália, o certo é que clubes como a Lazio ou a Fiorentina tiveram este ano sérios problemas no pagamento de salários, enquanto em Espanha quase todos acumulam dívidas milionárias, e até alguns dos grandes clubes ingleses, normalmente apontados como modelo de gestão, vão este ano apresentar resultados negativos. Os elevados gastos com pessoal (jogadores e treinadores, essencialmente) são a principal razão para o desequilíbrio das contas, o que, mais uma vez, fica bem patente nos estudos da Deloitte & Touche referentes à temporada 2000-01. Em Itália, os gastos com pessoal representaram cerca de 125 por cento das receitas dos clubes, seguindo-se a Escócia, a rondar os 100, Espanha e França também acima dos 90 por cento, e Portugal, onde os salários consumiram já 83 por cento das receitas dos clubes. Em termos globais, a I Liga portuguesa gerou uma receita de 155 milhões de euros contra 246 milhões de despesas, o que representa um prejuízo líquido de 91 milhões de euros. Um resultado claramente negativo, mas que ganha contornos ainda mais preocupantes quando analisada a evolução dos últimos quatro anos. Entre 1997-98 e 2000-01 as receitas cresceram apenas três por cento enquanto as despesas tiveram uma evolução de 28 por cento, sendo que no mesmo período os custos com pessoal passaram de 63 para 83 por cento do total das receitas. Um crescente desequilíbrio, não só entre o que se ganha e o que se gasta, mas também na evolução da própria estrutura da despesa, perante o qual o actual bloqueio do mercado acaba por ser apenas o início, ou mesmo o primeiro reflexo, de uma atitude de mudança. A não ser que sejamos obrigados a concluir que no futebol a estupidez possa estar antes do lado da economia. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE CDS pode votar pela incompatibilidade de Maria Elisa

Judite Jorge, a deputada intermitente

Ser ou não ser "funcionário", eis a questão

Os "tiros" na credibilidade do Parlamento

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O espectáculo fora de jogo

Breves

Redução de custos e mais gestão

Fim do namoro do futebol e da televisão em Espanha

Crise arrefece entusiasmo das televisões

DESTAQUE 2

O Espectáculo Fora de Jogo

Por JOSÉ AUGUSTO MOREIRA

Sábado, 6 de Julho de 2002 Em ano de Mundial, não se fala sequer em transferências de jogadores, e nem mesmo as equipas tradicionalmente mais activas e poderosas arriscam novas contratações. Também o mercado das receitas televisivas parece estar exaurido, depois de nos últimos anos ter alimentado o sonho de crescimento que levou os clubes a viverem quase sempre acima das suas reais possibilidades. Multiplicaram-se os ordenados e os montantes das transferências e como é que se pode agora encontrar o caminho de saída? "It's the economy, stupid!" (é a economia, estúpido!). A célebre fase do ex-presidente norte-americano Bill Clinton parece ecoar hoje de uma forma brutal nas mentes do actuais dirigentes dos clubes de futebol um pouco por toda a Europa. Um mercado próspero, que na última década cresceu de forma quase desmesurada e multiplicou várias vezes as receitas, vê-se subitamente bloqueado e em recessão. Em ano de Mundial, o até agora tão agitado mercado europeu tarda em dar sinais de vida, a ponto de praticamente não se ter falado de transferências - excepção para a venda de Hugo Viana aos ingleses do Newcastle -, uma apatia que ameaça a viabilidade económica de muitos clubes e levanta sérias dúvidas quanto ao futuro dum negócio que até aqui se anunciava próspero e duradouro. Que se passou, então, que justifique tamanha retracção? E a resposta impõe-se desde logo pela mais básica das regras da economia: há muito que os clubes andam a gastar muito acima das suas possibilidades. De facto, há vários anos que os indicadores económicos apontavam para a inevitabilidade da situação actual, mas o sonho de multiplicação das receitas foi sendo alimentado pelo incremento das verbas provenientes da cedência dos direitos televisivos. Uma espécie de galinha dos ovos de ouro, cuja magia se desvaneceu de forma abrupta com a recente falência do grupo Kirch Media, o gigante alemão que detinha, entre outros, os direitos de transmissão dos Mundiais de 2002 (Coreia/Japão) e 2006 (Alemanha) e das provas da UEFA, a que se seguiu idêntico colapso da inglesa ITV Digital, detentora os direitos de transmissão das ligas secundárias naquele país e que anunciou já a suspensão de todos os pagamentos. Também em Espanha a empresa que explora o mercado do "pay-per view" (pagar para ver) se apresta a encerrar o negócio (ver texto ao lado), enquanto em Portugal este sistema não deverá sequer chegar a iniciar-se, depois de os clubes há muito terem já vendido (e recebido) esses direitos. Um pouco por todo o lado a tendência é agora para rever em baixa as expectativas respeitantes às receitas provenientes da cedência de direitos televisivos. "As próprias cadeias de televisão sobrestimaram o negócio e estão agora a corrigir", disse ao PÚBLICO Hélder Varandas, o responsável da consultora Deloitte & Touche que nos últimos anos tem levado a cabo um estudo sistematizado sobre "As finanças do futebol profissional" em Portugal, à semelhança do que faz no restante mercado europeu. Varandas estima que, além dum claro sobredimensionamento do mercado, a crise actual é também uma consequência dos acontecimentos que em 11 de Setembro abalaram o mundo. "À retracção do mercado seguiu-se a quebra das receitas publicitárias e o consequente retorno ligado aos eventos desportivos", num efeito dominó que em pouco tempo fez ruir um negócio cujos números "deveriam continuar a crescer até 2005, triplicando, no mínimo". A conclusão consta de estudos da União Europeia levados a cabo pela empresa irlandesa "Norcotel", citados num documento de análise que a liga espanhola apresentou em Janeiro na Feira de Barcelona. O mesmo documento refere ainda que "as receitas de televisão foram as que mais cresceram nos últimos anos, sobretudo nos mercados mais desenvolvidos da Europa, com taxas de crescimento superiores aos 20 por cento/ano". Espiral de despesa Mas é precisamente fruto desse súbito aumento das receitas que os clubes parecem ter entrado numa espiral de despesa, que levou a que hoje a generalidade das grandes equipas gastem bem mais do que aquilo que recebem, e, pior ainda, que o grosso dessas despesas esteja directamente ligado aos ordenados dos técnicos e jogadores. Embora a grande parte das receitas do mercado futebolístico seja absorvida pelas princiais ligas europeias, com destaque para Inglaterra, Espanha e Itália, o certo é que clubes como a Lazio ou a Fiorentina tiveram este ano sérios problemas no pagamento de salários, enquanto em Espanha quase todos acumulam dívidas milionárias, e até alguns dos grandes clubes ingleses, normalmente apontados como modelo de gestão, vão este ano apresentar resultados negativos. Os elevados gastos com pessoal (jogadores e treinadores, essencialmente) são a principal razão para o desequilíbrio das contas, o que, mais uma vez, fica bem patente nos estudos da Deloitte & Touche referentes à temporada 2000-01. Em Itália, os gastos com pessoal representaram cerca de 125 por cento das receitas dos clubes, seguindo-se a Escócia, a rondar os 100, Espanha e França também acima dos 90 por cento, e Portugal, onde os salários consumiram já 83 por cento das receitas dos clubes. Em termos globais, a I Liga portuguesa gerou uma receita de 155 milhões de euros contra 246 milhões de despesas, o que representa um prejuízo líquido de 91 milhões de euros. Um resultado claramente negativo, mas que ganha contornos ainda mais preocupantes quando analisada a evolução dos últimos quatro anos. Entre 1997-98 e 2000-01 as receitas cresceram apenas três por cento enquanto as despesas tiveram uma evolução de 28 por cento, sendo que no mesmo período os custos com pessoal passaram de 63 para 83 por cento do total das receitas. Um crescente desequilíbrio, não só entre o que se ganha e o que se gasta, mas também na evolução da própria estrutura da despesa, perante o qual o actual bloqueio do mercado acaba por ser apenas o início, ou mesmo o primeiro reflexo, de uma atitude de mudança. A não ser que sejamos obrigados a concluir que no futebol a estupidez possa estar antes do lado da economia. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE CDS pode votar pela incompatibilidade de Maria Elisa

Judite Jorge, a deputada intermitente

Ser ou não ser "funcionário", eis a questão

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Fim do namoro do futebol e da televisão em Espanha

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