Os "tiros" na credibilidade do Parlamento

15-08-2002
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Os "Tiros" na Credibilidade do Parlamento

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Sábado, 6 de Julho de 2002

O caso Maria Elisa é um dos vários "dossiers" que têm de ser analisados pela comissão de ética. Armando Vara e Pacheco Pereira são outros

O descrédito do Parlamento na opinião pública tem motivado o apertar do crivo das incompatibilidades. Uma imagem que se baseia na ideia de que a vida parlamentar permite laxismos e que os políticos aplicam a lei para os outros mas se colocam acima dela.

Ora, precisamente para contradizer esta ideia da opinião pública, a Assembleia da República tem feito, desde 1995, um paulatino apertar do crivo das incompatibilidades, que teve o seu momento máximo na aprovação de uma lei sobre a matéria, no final do cavaquismo, já com Fernando Nogueira à frente do PSD. Na altura, os sociais-democratas e o PS de António Guterres foram pressionados pelo discurso moralizador da vida pública do então líder do CDS-PP Manuel Monteiro, que chegou até a chamar "sanguessugas" aos deputados.

Desde então, ou seja, desde Outubro de 1995, a criada comissão parlamentar de ética tem a missão de verificar a validade dos mandatos e conferir os conflitos de interesses. Bem ou mal, com entorses ou sem entorses, a lei tem sido cumprida. E um dos casos simbólicos e paradigmáticos do justicialismo da comissão de ética foi o de obrigar a deputada Manuela Moura Guedes, eleita pelo PP em 1995, bem como o marido, José Eduardo Moniz, a vender as acções que detinham numa empresa que produzia programas para a RTP.

E no arranque da actual legislatura cabe à comissão de ética verificar, mais uma vez, quais os deputados que estão ou não em condições de exercer o mandato. Desta vez, estreia-se mais uma revisão da lei que apertou as incompatibilidades, ao alterar o estatuto dos deputados e acabando, por exemplo, com a permissão de acumulação de mandatos electivos, terminando com os deputados-presidentes de câmara mas também deputados europeus que têm de escolher ao fim de seis meses entre um dos dois mandatos.

A novidade é assim que, em alguns casos, onde antes era aplicada a suspensão imediata caso existisse uma incompatibilidade, agora dá-se a perda imediata do mandato. A não ser que em causa esteja uma situação de relevante interesse público, o que poderá vir a ser concluído, por exemplo, na situação do social-democrata Pacheco Pereira, que acumula a Assembleia da República com o Parlamento Europeu, e seja permitida a suspensão de mandato à AR no prazo previsto para estas situações, que é de dez meses.

Outro caso em que a sanção aplicada é a perda de mandato é a acumulação deste com cargos em pessoas colectivas públicas. Para definir o conceito, o presidente da comissão de ética, Jorge Lacão, preparou um documento em que estabelecia critérios de aferição desta questão por forma a estabelecer regras genéricas. Mas os partidos do Governo, PSD e CDS, não o votaram e rejeitaram-no como referência para a verificação de mandatos nesta legislatura.

Assim, a aferição está a ser casuística e cada deputado que faz a análise de cada caso faz a sua interpretação da lei. E é livre a possibilidade de considerar o grau de abrangência deste conceito em pessoas colectivas públicas - se inclui só as empresas do Estado ou entidades públicas, ou se também são consideradas as empresas públicas e empresas de direito privado, mas com capitais do Estado, como queria Lacão -, que pode ou não colocar na alçada da perda de mandato alguns deputados.

E, neste capítulo do choque com pessoas colectivas públicas, o facto de Maria Elisa Domingues estar profissionalmente vinculada à RTP e receber salário em acumulação - a prática, por exemplo, com os professores universitários é a de que mesmo que dêem aulas fazem-no graciosamente - não é o único caso. Há já conhecido outro, o do socialista e ex-ministro da Administração Interna Armando Vara, que está com o mandato suspenso e é funcionário da Caixa Geral de Depósitos.

Os "Tiros" na Credibilidade do Parlamento

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Sábado, 6 de Julho de 2002

O caso Maria Elisa é um dos vários "dossiers" que têm de ser analisados pela comissão de ética. Armando Vara e Pacheco Pereira são outros

O descrédito do Parlamento na opinião pública tem motivado o apertar do crivo das incompatibilidades. Uma imagem que se baseia na ideia de que a vida parlamentar permite laxismos e que os políticos aplicam a lei para os outros mas se colocam acima dela.

Ora, precisamente para contradizer esta ideia da opinião pública, a Assembleia da República tem feito, desde 1995, um paulatino apertar do crivo das incompatibilidades, que teve o seu momento máximo na aprovação de uma lei sobre a matéria, no final do cavaquismo, já com Fernando Nogueira à frente do PSD. Na altura, os sociais-democratas e o PS de António Guterres foram pressionados pelo discurso moralizador da vida pública do então líder do CDS-PP Manuel Monteiro, que chegou até a chamar "sanguessugas" aos deputados.

Desde então, ou seja, desde Outubro de 1995, a criada comissão parlamentar de ética tem a missão de verificar a validade dos mandatos e conferir os conflitos de interesses. Bem ou mal, com entorses ou sem entorses, a lei tem sido cumprida. E um dos casos simbólicos e paradigmáticos do justicialismo da comissão de ética foi o de obrigar a deputada Manuela Moura Guedes, eleita pelo PP em 1995, bem como o marido, José Eduardo Moniz, a vender as acções que detinham numa empresa que produzia programas para a RTP.

E no arranque da actual legislatura cabe à comissão de ética verificar, mais uma vez, quais os deputados que estão ou não em condições de exercer o mandato. Desta vez, estreia-se mais uma revisão da lei que apertou as incompatibilidades, ao alterar o estatuto dos deputados e acabando, por exemplo, com a permissão de acumulação de mandatos electivos, terminando com os deputados-presidentes de câmara mas também deputados europeus que têm de escolher ao fim de seis meses entre um dos dois mandatos.

A novidade é assim que, em alguns casos, onde antes era aplicada a suspensão imediata caso existisse uma incompatibilidade, agora dá-se a perda imediata do mandato. A não ser que em causa esteja uma situação de relevante interesse público, o que poderá vir a ser concluído, por exemplo, na situação do social-democrata Pacheco Pereira, que acumula a Assembleia da República com o Parlamento Europeu, e seja permitida a suspensão de mandato à AR no prazo previsto para estas situações, que é de dez meses.

Outro caso em que a sanção aplicada é a perda de mandato é a acumulação deste com cargos em pessoas colectivas públicas. Para definir o conceito, o presidente da comissão de ética, Jorge Lacão, preparou um documento em que estabelecia critérios de aferição desta questão por forma a estabelecer regras genéricas. Mas os partidos do Governo, PSD e CDS, não o votaram e rejeitaram-no como referência para a verificação de mandatos nesta legislatura.

Assim, a aferição está a ser casuística e cada deputado que faz a análise de cada caso faz a sua interpretação da lei. E é livre a possibilidade de considerar o grau de abrangência deste conceito em pessoas colectivas públicas - se inclui só as empresas do Estado ou entidades públicas, ou se também são consideradas as empresas públicas e empresas de direito privado, mas com capitais do Estado, como queria Lacão -, que pode ou não colocar na alçada da perda de mandato alguns deputados.

E, neste capítulo do choque com pessoas colectivas públicas, o facto de Maria Elisa Domingues estar profissionalmente vinculada à RTP e receber salário em acumulação - a prática, por exemplo, com os professores universitários é a de que mesmo que dêem aulas fazem-no graciosamente - não é o único caso. Há já conhecido outro, o do socialista e ex-ministro da Administração Interna Armando Vara, que está com o mandato suspenso e é funcionário da Caixa Geral de Depósitos.

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