O Entrevistador Entrevistado
Sexta-feira, 20 de Dezembro de 2002 A manchete de "O Independente" (17 do corrente), grafada num berrante corpo 70, sustenta: "Sócrates pode ser líder do PS". A previsão é atribuída a Correia de Campos, efémero ministro da Saúde do último Governo de António Guterres. O perfil do candidato indigitado, em grande plano, compõe a peça, acompanhada de uma pequena imagem do entrevistado com a mão direita levantada, à maneira de quem indica o caminho certo. Quem lê esta primeira página deduz que Correia de Campos decidiu declarar guerra aberta ao actual secretário-geral do PS, Ferro Rodrigues, apontando José Sócrates, enquanto possível sucessor. Se o leitor decidir confirmar esta inferência, fica logo desiludido. Basta ler algumas passagens da entrevista, concedida ao jornalista Francisco Esteves, publicada a páginas 8 e 9 da mesma edição: Certas entrevistas jornalísticas funcionam como se o entrevistador se entrevistasse a si próprio e, depois, colasse as suas palavras, com fita adesiva, na boca do entrevistado... "(...) Não lhe agradaria um dirigente com um posicionamento mais ao centro, como António Costa ou José Sócrates? - São dois elementos da outra geração, que podem vir mais tarde e têm muito tempo à sua frente. Neste momento, o líder é Ferro Rodrigues. O futuro do PS passa por esses dois nomes? - Já está a passar. Temos de ser absolutamente objectivos. António Costa é líder parlamentar, é uma pessoa que tem travado uma luta muito difícil no Parlamento. - José Sócrates daria um bom líder do partido? - José Sócrates é jovem, com enorme capacidade e tem tido um desempenho político - porque se trata disso mesmo - notável aos domingos, na sua controvérsia com Santana Lopes. Penso que está a colocar os portugueses perante muitas alternativas, com um tom civilizado e inteligente. - Sócrates reúne as condições para ser líder do PÉS? - Com certeza que sim. É um dos muitos que reúnem essas condições (...)". Ao contrário do que se poderia deduzir do título da primeira página, Correia de Campos não manifesta qualquer preferência por Sócrates em relação a outros possíveis candidatos a secretário-geral do PÉS. Manifesta, na actual fase, o seu apoio a Ferro Rodrigues. Elogia as qualidades e o trabalho de António Costa (no Parlamento) e de José Sócrates (no telejornal da RTP, aos domingos). Considera que Sócrates reúne condições para ser líder do PS, mas... que é tão-só "um dos muitos" que as possuem... O entrevistador "puxa" pela declaração de apoio a Sócrates. O entrevistado esquiva-se, mas aqueles que não cotejaram o título e o conteúdo da entrevista podem concluir, legitimamente, que Sócrates é o candidato de Correia de Campos e que a entrevista ao semanário, modestamente subtitulado "O 4º Poder", foi um balão de ensaio da possível candidatura do interlocutor dominical de Santana Lopes. Esta forma de atribuir ao entrevistado, em manchete, aquilo que ele, afinal, não disse causa alguns prejuízos. Prejudica Correia de Campos, junto de quem não teve ocasião de ler a entrevista na íntegra. Prejudica Ferro Rodrigues, porque dá a entender que o seu lugar de secretário-geral está em saldo. Prejudica José Sócrates, porque, apesar de tudo, não se conquista a liderança do PS com tanto empenho da direita. Prejudica ainda "O Independente" e os seus jornalistas aos olhos de quem neles acredite. Prejudica a credibilidade remanescente do "4º poder", porque, se os "media" são "usados" deste modo, mais vale acreditar noutro instância de poder qualquer, seja ela a primeira, a segunda ou a terceira... Prejudica ainda o género jornalístico "entrevista", porque, deste modo, é como se o entrevistador se entrevistasse a si próprio e, depois, colasse as suas palavras, com fita adesiva, na boca do entrevistado... OUTROS TÍTULOS EM MEDIA Alta-Autoridade e ICS têm os dias contados
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O entrevistador entrevistado
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O Entrevistador Entrevistado
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