Suplemento Mil Folhas

18-10-2002
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Era e Não Era Uma Vez

Por RITA PIMENTA

Sábado, 12 de Outubro de 2002

Narrativas que não usam o alfabeto, mas as formas e as cores. Sem recorrer ao "era uma vez", os ilustradores querem ampliar o sentido das palavras. E conseguem.

Alain Corbel - Encontrar um alfabeto de formas

Ilustrar uma história pressupõe entrar num texto para o entender, encontrar um alfabeto certo de formas e cores para o acompanhar. É possível ser fiel à história, mas também um bocadinho traidor. Um ilustrador não tem de ser o vassalo do autor, deve desenvolver um novo espaço a partir do texto. Melhor, num livro ilustrado os autores são dois: o escritor e o ilustrador.

As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift

Luísa Ducla Soares

Civilização, 2002

Aguarela, lápis de cor e guache sobre papel

André Letria - Construir tudo de novo

É-se ilustrador para se recriar o mundo à nossa maneira. Ao ilustrar um livro, sinto que tenho oportunidade para reconstruir tudo de novo. Não há a ilustração certa para uma narrativa, mas infinitas hipóteses. Desde que permitam sonhar para além do texto.

Se Eu Fosse Muito Alto

António Mota

Gailivro, 2002

Acrílico sobre papel

Carla Pott - Representação concisa do texto

Ilustrar é conseguir representar de uma forma sintetizada o conceito principal do texto. É-me mais fácil ilustrar para crianças, as hipóteses de representação são mais alargadas. E eu adoro o absurdo. Posso pôr um porco no cimo de uma árvore ou uma vaca na Lua, que os miúdos não desatam a fazer perguntas sobre o sentido de tudo aquilo, fruem simplesmente. A ilustração pode ser um primeiro contacto com a arte, de uma forma barata e de fácil acesso.

Um Buraco no Meu Quintal

Marisa Pott

Everest Editora, 2001

Guache e acrílico sobre papel

Danuta Wojciechowska - Imagem que fala

Ilustrar é transformar uma ideia numa imagem capaz de falar. É dar corpo, vestir com forma, cor e dinâmica. É dar identidade e expressão própria a essa ideia. Quando gosto muito da ideia, quando estou profundamente de acordo ou em harmonia com a ideia que tenho de retratar, então neste processo de identificação há algo de mim, algo muito pessoal que anima e que passa a viver dentro da ilustração. O que por sua vez liberta a forma e a leva junto da ideia ou do conceito original.

Hipopótimos - Uma História de Amor

Álvaro Magalhães

Edições Asa, 2001

(Menção honrosa do Prémio Nacional de Ilustração)

Guache sobre papel

Elsa Navarro - Formar e informar a criança

A ilustração para crianças pode ser assumida em duas grandes vertentes, reflexo da oposição natural entre arte e pedagogia. O meu trabalho tem sido muito marcado por preocupações pedagógicas, visando a informação e formação da criança a partir de imagens que têm uma relação muito clara com o texto. No entanto, não deixo de acrescentar elementos à história a partir das minhas imagens e tenho procurado cimentar um registo.

A História da Aranha Leopoldina

Ana Luísa Amaral

Editora Campo das Letras, 2000

Guache, acrílico sobre papel

Henrique Cayatte - Sair daqui

Ilustrar é sair daqui. É entrar num universo novo em folha, que ainda não é de ninguém mas vai ser de muitos. Ilustrar é ter medo de não trair o que o escritor imaginou e não matar a imaginação do leitor. É este o mundo de liberdade do ilustrador. O resto sabe-se. Lápis, pincéis, medo, aventura - muita aventura - papéis e tintas. Ilustrar é muito bom.

Estranhões e Bizarrocos

José Eduardo Agualusa

D. Quixote, 2000

Acrílico e lápis de cera e tempera sobre papel

João Caetano - Iluminar o que foi escrito

Ilustrar quer dizer iluminar, aquilo que para os artistas da Idade Média significava "dar luz" a um texto ou a um conjunto de textos. Ainda hoje entendo que ao ilustrador cabe a função de trazer à luz das cores e das formas aquela voz interior que soa quando se lê uma história. Porque o caminho de quem desenha não coincide (visto ser paralelo) com o de quem escreve, deve o ilustrador emprestar à obra a parte da sua alma que lhe pertence. Se se trata de alguém talentoso, este acto de entrega conduzirá a que cada ilustração seja única e autêntica, e com isso alcance um estatuto artístico.

El Traje Nuevo del Rey, de H. C. Andersen

Adaptado por Xosé Ballesteros

Kalandraka Editora, 2000

Acrílico, aguarela, tinta-da-china e colagem sobre papel aguarela

João Fazenda - Completar as palavras

Ilustrar um texto parece-me sempre um exercício de contenção. Um jogo que põe desenhos a completar palavras. Esse completar não se quer muleta nem tão-pouco elemento redutor ou redundante dessa estória que nos contam. Vejo-as mais, às ilustrações, como o companheiro inseparável de um texto. As cumplicidades têm múltiplas "nuances", e fica ao critério de cada um julgar da mais-valia de cada uma destas interacções. Quando ilustro uma estória, leio-a desenhando e procuro descobrir nessas imagens que me surgem aquelas curiosidades de que são feitas as personagens, os lugares, o ritmo, as cores de tudo aquilo que me contam e que eu conto. Nas entrelinhas de um texto

existem mil imagens, e é por lá que o ilustrador se move. Mas nunca as revela todas (porque também não as encontra, é certo).

Olá, Brasil!

José Jorge Letria

Terramar, 2000

Aguarela e ecolines sobre papel

José Saraiva - Enriquecer o texto

Ao ilustrar para crianças, procuro não esquecer nunca o destinatário das minhas imagens. Assim, existe sempre uma tentativa de adequação do meu registo ao público mais pequeno. Espero que as minhas ilustrações possam trilhar um caminho complementar ao texto, enriquecendo-o e não apenas submeter-se a esse texto. É um registo que em alguns casos espera pela participação dos pais no auxílio à leitura da relação entre texto e ilustração.

O Rebanho Perdeu as Asas

António Mota

Editora Ambar, 2000

Guache, acrílico sobre papel

Marta Torrão - Pôr a cobertura no bolo

A ilustração é um mundo em que se pode explorar tudo. Normalmente, encontro na narrativa dois ou três elementos que me deixam "água na boca", e a partir daí deixo tudo por conta da parte imaginativa.

Para mim, ilustrar é como ler a receita de um bolo, misturar os ingredientes, mas adicionar-lhe uma cobertura.

O Sol Quentinho

Anabela Batista

Everest Editora, 2002 (2ª edição)

Lápis de cera, lápis de cor e colagem sobre papel

Teresa Lima - Recriar a história

Ilustrar é recriar através de imagens um texto, uma história, um conto, numa relação de dependência, mas nunca de servilidade.

A ilustração são formas, cores, composições, que nascem de uma cumplicidade muito forte entre as ideias escritas e o mundo pessoal, gostos e modos de fazer do ilustrador.

É o penetrar num espaço duma sensibilidade muito especial e particular em que encontrei a resposta para aquilo que gostava realmente de fazer.

Alice no País das Maravilhas

Lewis Carroll

Civilização Editora, 1998

Aguarela, acrílico, gesso com cola sobre papel

Era e Não Era Uma Vez

Por RITA PIMENTA

Sábado, 12 de Outubro de 2002

Narrativas que não usam o alfabeto, mas as formas e as cores. Sem recorrer ao "era uma vez", os ilustradores querem ampliar o sentido das palavras. E conseguem.

Alain Corbel - Encontrar um alfabeto de formas

Ilustrar uma história pressupõe entrar num texto para o entender, encontrar um alfabeto certo de formas e cores para o acompanhar. É possível ser fiel à história, mas também um bocadinho traidor. Um ilustrador não tem de ser o vassalo do autor, deve desenvolver um novo espaço a partir do texto. Melhor, num livro ilustrado os autores são dois: o escritor e o ilustrador.

As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift

Luísa Ducla Soares

Civilização, 2002

Aguarela, lápis de cor e guache sobre papel

André Letria - Construir tudo de novo

É-se ilustrador para se recriar o mundo à nossa maneira. Ao ilustrar um livro, sinto que tenho oportunidade para reconstruir tudo de novo. Não há a ilustração certa para uma narrativa, mas infinitas hipóteses. Desde que permitam sonhar para além do texto.

Se Eu Fosse Muito Alto

António Mota

Gailivro, 2002

Acrílico sobre papel

Carla Pott - Representação concisa do texto

Ilustrar é conseguir representar de uma forma sintetizada o conceito principal do texto. É-me mais fácil ilustrar para crianças, as hipóteses de representação são mais alargadas. E eu adoro o absurdo. Posso pôr um porco no cimo de uma árvore ou uma vaca na Lua, que os miúdos não desatam a fazer perguntas sobre o sentido de tudo aquilo, fruem simplesmente. A ilustração pode ser um primeiro contacto com a arte, de uma forma barata e de fácil acesso.

Um Buraco no Meu Quintal

Marisa Pott

Everest Editora, 2001

Guache e acrílico sobre papel

Danuta Wojciechowska - Imagem que fala

Ilustrar é transformar uma ideia numa imagem capaz de falar. É dar corpo, vestir com forma, cor e dinâmica. É dar identidade e expressão própria a essa ideia. Quando gosto muito da ideia, quando estou profundamente de acordo ou em harmonia com a ideia que tenho de retratar, então neste processo de identificação há algo de mim, algo muito pessoal que anima e que passa a viver dentro da ilustração. O que por sua vez liberta a forma e a leva junto da ideia ou do conceito original.

Hipopótimos - Uma História de Amor

Álvaro Magalhães

Edições Asa, 2001

(Menção honrosa do Prémio Nacional de Ilustração)

Guache sobre papel

Elsa Navarro - Formar e informar a criança

A ilustração para crianças pode ser assumida em duas grandes vertentes, reflexo da oposição natural entre arte e pedagogia. O meu trabalho tem sido muito marcado por preocupações pedagógicas, visando a informação e formação da criança a partir de imagens que têm uma relação muito clara com o texto. No entanto, não deixo de acrescentar elementos à história a partir das minhas imagens e tenho procurado cimentar um registo.

A História da Aranha Leopoldina

Ana Luísa Amaral

Editora Campo das Letras, 2000

Guache, acrílico sobre papel

Henrique Cayatte - Sair daqui

Ilustrar é sair daqui. É entrar num universo novo em folha, que ainda não é de ninguém mas vai ser de muitos. Ilustrar é ter medo de não trair o que o escritor imaginou e não matar a imaginação do leitor. É este o mundo de liberdade do ilustrador. O resto sabe-se. Lápis, pincéis, medo, aventura - muita aventura - papéis e tintas. Ilustrar é muito bom.

Estranhões e Bizarrocos

José Eduardo Agualusa

D. Quixote, 2000

Acrílico e lápis de cera e tempera sobre papel

João Caetano - Iluminar o que foi escrito

Ilustrar quer dizer iluminar, aquilo que para os artistas da Idade Média significava "dar luz" a um texto ou a um conjunto de textos. Ainda hoje entendo que ao ilustrador cabe a função de trazer à luz das cores e das formas aquela voz interior que soa quando se lê uma história. Porque o caminho de quem desenha não coincide (visto ser paralelo) com o de quem escreve, deve o ilustrador emprestar à obra a parte da sua alma que lhe pertence. Se se trata de alguém talentoso, este acto de entrega conduzirá a que cada ilustração seja única e autêntica, e com isso alcance um estatuto artístico.

El Traje Nuevo del Rey, de H. C. Andersen

Adaptado por Xosé Ballesteros

Kalandraka Editora, 2000

Acrílico, aguarela, tinta-da-china e colagem sobre papel aguarela

João Fazenda - Completar as palavras

Ilustrar um texto parece-me sempre um exercício de contenção. Um jogo que põe desenhos a completar palavras. Esse completar não se quer muleta nem tão-pouco elemento redutor ou redundante dessa estória que nos contam. Vejo-as mais, às ilustrações, como o companheiro inseparável de um texto. As cumplicidades têm múltiplas "nuances", e fica ao critério de cada um julgar da mais-valia de cada uma destas interacções. Quando ilustro uma estória, leio-a desenhando e procuro descobrir nessas imagens que me surgem aquelas curiosidades de que são feitas as personagens, os lugares, o ritmo, as cores de tudo aquilo que me contam e que eu conto. Nas entrelinhas de um texto

existem mil imagens, e é por lá que o ilustrador se move. Mas nunca as revela todas (porque também não as encontra, é certo).

Olá, Brasil!

José Jorge Letria

Terramar, 2000

Aguarela e ecolines sobre papel

José Saraiva - Enriquecer o texto

Ao ilustrar para crianças, procuro não esquecer nunca o destinatário das minhas imagens. Assim, existe sempre uma tentativa de adequação do meu registo ao público mais pequeno. Espero que as minhas ilustrações possam trilhar um caminho complementar ao texto, enriquecendo-o e não apenas submeter-se a esse texto. É um registo que em alguns casos espera pela participação dos pais no auxílio à leitura da relação entre texto e ilustração.

O Rebanho Perdeu as Asas

António Mota

Editora Ambar, 2000

Guache, acrílico sobre papel

Marta Torrão - Pôr a cobertura no bolo

A ilustração é um mundo em que se pode explorar tudo. Normalmente, encontro na narrativa dois ou três elementos que me deixam "água na boca", e a partir daí deixo tudo por conta da parte imaginativa.

Para mim, ilustrar é como ler a receita de um bolo, misturar os ingredientes, mas adicionar-lhe uma cobertura.

O Sol Quentinho

Anabela Batista

Everest Editora, 2002 (2ª edição)

Lápis de cera, lápis de cor e colagem sobre papel

Teresa Lima - Recriar a história

Ilustrar é recriar através de imagens um texto, uma história, um conto, numa relação de dependência, mas nunca de servilidade.

A ilustração são formas, cores, composições, que nascem de uma cumplicidade muito forte entre as ideias escritas e o mundo pessoal, gostos e modos de fazer do ilustrador.

É o penetrar num espaço duma sensibilidade muito especial e particular em que encontrei a resposta para aquilo que gostava realmente de fazer.

Alice no País das Maravilhas

Lewis Carroll

Civilização Editora, 1998

Aguarela, acrílico, gesso com cola sobre papel

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