Era e Não Era Uma Vez
Por RITA PIMENTA
Sábado, 12 de Outubro de 2002
Narrativas que não usam o alfabeto, mas as formas e as cores. Sem recorrer ao "era uma vez", os ilustradores querem ampliar o sentido das palavras. E conseguem.
Alain Corbel - Encontrar um alfabeto de formas
Ilustrar uma história pressupõe entrar num texto para o entender, encontrar um alfabeto certo de formas e cores para o acompanhar. É possível ser fiel à história, mas também um bocadinho traidor. Um ilustrador não tem de ser o vassalo do autor, deve desenvolver um novo espaço a partir do texto. Melhor, num livro ilustrado os autores são dois: o escritor e o ilustrador.
As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift
Luísa Ducla Soares
Civilização, 2002
Aguarela, lápis de cor e guache sobre papel
André Letria - Construir tudo de novo
É-se ilustrador para se recriar o mundo à nossa maneira. Ao ilustrar um livro, sinto que tenho oportunidade para reconstruir tudo de novo. Não há a ilustração certa para uma narrativa, mas infinitas hipóteses. Desde que permitam sonhar para além do texto.
Se Eu Fosse Muito Alto
António Mota
Gailivro, 2002
Acrílico sobre papel
Carla Pott - Representação concisa do texto
Ilustrar é conseguir representar de uma forma sintetizada o conceito principal do texto. É-me mais fácil ilustrar para crianças, as hipóteses de representação são mais alargadas. E eu adoro o absurdo. Posso pôr um porco no cimo de uma árvore ou uma vaca na Lua, que os miúdos não desatam a fazer perguntas sobre o sentido de tudo aquilo, fruem simplesmente. A ilustração pode ser um primeiro contacto com a arte, de uma forma barata e de fácil acesso.
Um Buraco no Meu Quintal
Marisa Pott
Everest Editora, 2001
Guache e acrílico sobre papel
Danuta Wojciechowska - Imagem que fala
Ilustrar é transformar uma ideia numa imagem capaz de falar. É dar corpo, vestir com forma, cor e dinâmica. É dar identidade e expressão própria a essa ideia. Quando gosto muito da ideia, quando estou profundamente de acordo ou em harmonia com a ideia que tenho de retratar, então neste processo de identificação há algo de mim, algo muito pessoal que anima e que passa a viver dentro da ilustração. O que por sua vez liberta a forma e a leva junto da ideia ou do conceito original.
Hipopótimos - Uma História de Amor
Álvaro Magalhães
Edições Asa, 2001
(Menção honrosa do Prémio Nacional de Ilustração)
Guache sobre papel
Elsa Navarro - Formar e informar a criança
A ilustração para crianças pode ser assumida em duas grandes vertentes, reflexo da oposição natural entre arte e pedagogia. O meu trabalho tem sido muito marcado por preocupações pedagógicas, visando a informação e formação da criança a partir de imagens que têm uma relação muito clara com o texto. No entanto, não deixo de acrescentar elementos à história a partir das minhas imagens e tenho procurado cimentar um registo.
A História da Aranha Leopoldina
Ana Luísa Amaral
Editora Campo das Letras, 2000
Guache, acrílico sobre papel
Henrique Cayatte - Sair daqui
Ilustrar é sair daqui. É entrar num universo novo em folha, que ainda não é de ninguém mas vai ser de muitos. Ilustrar é ter medo de não trair o que o escritor imaginou e não matar a imaginação do leitor. É este o mundo de liberdade do ilustrador. O resto sabe-se. Lápis, pincéis, medo, aventura - muita aventura - papéis e tintas. Ilustrar é muito bom.
Estranhões e Bizarrocos
José Eduardo Agualusa
D. Quixote, 2000
Acrílico e lápis de cera e tempera sobre papel
João Caetano - Iluminar o que foi escrito
Ilustrar quer dizer iluminar, aquilo que para os artistas da Idade Média significava "dar luz" a um texto ou a um conjunto de textos. Ainda hoje entendo que ao ilustrador cabe a função de trazer à luz das cores e das formas aquela voz interior que soa quando se lê uma história. Porque o caminho de quem desenha não coincide (visto ser paralelo) com o de quem escreve, deve o ilustrador emprestar à obra a parte da sua alma que lhe pertence. Se se trata de alguém talentoso, este acto de entrega conduzirá a que cada ilustração seja única e autêntica, e com isso alcance um estatuto artístico.
El Traje Nuevo del Rey, de H. C. Andersen
Adaptado por Xosé Ballesteros
Kalandraka Editora, 2000
Acrílico, aguarela, tinta-da-china e colagem sobre papel aguarela
João Fazenda - Completar as palavras
Ilustrar um texto parece-me sempre um exercício de contenção. Um jogo que põe desenhos a completar palavras. Esse completar não se quer muleta nem tão-pouco elemento redutor ou redundante dessa estória que nos contam. Vejo-as mais, às ilustrações, como o companheiro inseparável de um texto. As cumplicidades têm múltiplas "nuances", e fica ao critério de cada um julgar da mais-valia de cada uma destas interacções. Quando ilustro uma estória, leio-a desenhando e procuro descobrir nessas imagens que me surgem aquelas curiosidades de que são feitas as personagens, os lugares, o ritmo, as cores de tudo aquilo que me contam e que eu conto. Nas entrelinhas de um texto
existem mil imagens, e é por lá que o ilustrador se move. Mas nunca as revela todas (porque também não as encontra, é certo).
Olá, Brasil!
José Jorge Letria
Terramar, 2000
Aguarela e ecolines sobre papel
José Saraiva - Enriquecer o texto
Ao ilustrar para crianças, procuro não esquecer nunca o destinatário das minhas imagens. Assim, existe sempre uma tentativa de adequação do meu registo ao público mais pequeno. Espero que as minhas ilustrações possam trilhar um caminho complementar ao texto, enriquecendo-o e não apenas submeter-se a esse texto. É um registo que em alguns casos espera pela participação dos pais no auxílio à leitura da relação entre texto e ilustração.
O Rebanho Perdeu as Asas
António Mota
Editora Ambar, 2000
Guache, acrílico sobre papel
Marta Torrão - Pôr a cobertura no bolo
A ilustração é um mundo em que se pode explorar tudo. Normalmente, encontro na narrativa dois ou três elementos que me deixam "água na boca", e a partir daí deixo tudo por conta da parte imaginativa.
Para mim, ilustrar é como ler a receita de um bolo, misturar os ingredientes, mas adicionar-lhe uma cobertura.
O Sol Quentinho
Anabela Batista
Everest Editora, 2002 (2ª edição)
Lápis de cera, lápis de cor e colagem sobre papel
Teresa Lima - Recriar a história
Ilustrar é recriar através de imagens um texto, uma história, um conto, numa relação de dependência, mas nunca de servilidade.
A ilustração são formas, cores, composições, que nascem de uma cumplicidade muito forte entre as ideias escritas e o mundo pessoal, gostos e modos de fazer do ilustrador.
É o penetrar num espaço duma sensibilidade muito especial e particular em que encontrei a resposta para aquilo que gostava realmente de fazer.
Alice no País das Maravilhas
Lewis Carroll
Civilização Editora, 1998
Aguarela, acrílico, gesso com cola sobre papel
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Entidades
Era e Não Era Uma Vez
Por RITA PIMENTA
Sábado, 12 de Outubro de 2002
Narrativas que não usam o alfabeto, mas as formas e as cores. Sem recorrer ao "era uma vez", os ilustradores querem ampliar o sentido das palavras. E conseguem.
Alain Corbel - Encontrar um alfabeto de formas
Ilustrar uma história pressupõe entrar num texto para o entender, encontrar um alfabeto certo de formas e cores para o acompanhar. É possível ser fiel à história, mas também um bocadinho traidor. Um ilustrador não tem de ser o vassalo do autor, deve desenvolver um novo espaço a partir do texto. Melhor, num livro ilustrado os autores são dois: o escritor e o ilustrador.
As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift
Luísa Ducla Soares
Civilização, 2002
Aguarela, lápis de cor e guache sobre papel
André Letria - Construir tudo de novo
É-se ilustrador para se recriar o mundo à nossa maneira. Ao ilustrar um livro, sinto que tenho oportunidade para reconstruir tudo de novo. Não há a ilustração certa para uma narrativa, mas infinitas hipóteses. Desde que permitam sonhar para além do texto.
Se Eu Fosse Muito Alto
António Mota
Gailivro, 2002
Acrílico sobre papel
Carla Pott - Representação concisa do texto
Ilustrar é conseguir representar de uma forma sintetizada o conceito principal do texto. É-me mais fácil ilustrar para crianças, as hipóteses de representação são mais alargadas. E eu adoro o absurdo. Posso pôr um porco no cimo de uma árvore ou uma vaca na Lua, que os miúdos não desatam a fazer perguntas sobre o sentido de tudo aquilo, fruem simplesmente. A ilustração pode ser um primeiro contacto com a arte, de uma forma barata e de fácil acesso.
Um Buraco no Meu Quintal
Marisa Pott
Everest Editora, 2001
Guache e acrílico sobre papel
Danuta Wojciechowska - Imagem que fala
Ilustrar é transformar uma ideia numa imagem capaz de falar. É dar corpo, vestir com forma, cor e dinâmica. É dar identidade e expressão própria a essa ideia. Quando gosto muito da ideia, quando estou profundamente de acordo ou em harmonia com a ideia que tenho de retratar, então neste processo de identificação há algo de mim, algo muito pessoal que anima e que passa a viver dentro da ilustração. O que por sua vez liberta a forma e a leva junto da ideia ou do conceito original.
Hipopótimos - Uma História de Amor
Álvaro Magalhães
Edições Asa, 2001
(Menção honrosa do Prémio Nacional de Ilustração)
Guache sobre papel
Elsa Navarro - Formar e informar a criança
A ilustração para crianças pode ser assumida em duas grandes vertentes, reflexo da oposição natural entre arte e pedagogia. O meu trabalho tem sido muito marcado por preocupações pedagógicas, visando a informação e formação da criança a partir de imagens que têm uma relação muito clara com o texto. No entanto, não deixo de acrescentar elementos à história a partir das minhas imagens e tenho procurado cimentar um registo.
A História da Aranha Leopoldina
Ana Luísa Amaral
Editora Campo das Letras, 2000
Guache, acrílico sobre papel
Henrique Cayatte - Sair daqui
Ilustrar é sair daqui. É entrar num universo novo em folha, que ainda não é de ninguém mas vai ser de muitos. Ilustrar é ter medo de não trair o que o escritor imaginou e não matar a imaginação do leitor. É este o mundo de liberdade do ilustrador. O resto sabe-se. Lápis, pincéis, medo, aventura - muita aventura - papéis e tintas. Ilustrar é muito bom.
Estranhões e Bizarrocos
José Eduardo Agualusa
D. Quixote, 2000
Acrílico e lápis de cera e tempera sobre papel
João Caetano - Iluminar o que foi escrito
Ilustrar quer dizer iluminar, aquilo que para os artistas da Idade Média significava "dar luz" a um texto ou a um conjunto de textos. Ainda hoje entendo que ao ilustrador cabe a função de trazer à luz das cores e das formas aquela voz interior que soa quando se lê uma história. Porque o caminho de quem desenha não coincide (visto ser paralelo) com o de quem escreve, deve o ilustrador emprestar à obra a parte da sua alma que lhe pertence. Se se trata de alguém talentoso, este acto de entrega conduzirá a que cada ilustração seja única e autêntica, e com isso alcance um estatuto artístico.
El Traje Nuevo del Rey, de H. C. Andersen
Adaptado por Xosé Ballesteros
Kalandraka Editora, 2000
Acrílico, aguarela, tinta-da-china e colagem sobre papel aguarela
João Fazenda - Completar as palavras
Ilustrar um texto parece-me sempre um exercício de contenção. Um jogo que põe desenhos a completar palavras. Esse completar não se quer muleta nem tão-pouco elemento redutor ou redundante dessa estória que nos contam. Vejo-as mais, às ilustrações, como o companheiro inseparável de um texto. As cumplicidades têm múltiplas "nuances", e fica ao critério de cada um julgar da mais-valia de cada uma destas interacções. Quando ilustro uma estória, leio-a desenhando e procuro descobrir nessas imagens que me surgem aquelas curiosidades de que são feitas as personagens, os lugares, o ritmo, as cores de tudo aquilo que me contam e que eu conto. Nas entrelinhas de um texto
existem mil imagens, e é por lá que o ilustrador se move. Mas nunca as revela todas (porque também não as encontra, é certo).
Olá, Brasil!
José Jorge Letria
Terramar, 2000
Aguarela e ecolines sobre papel
José Saraiva - Enriquecer o texto
Ao ilustrar para crianças, procuro não esquecer nunca o destinatário das minhas imagens. Assim, existe sempre uma tentativa de adequação do meu registo ao público mais pequeno. Espero que as minhas ilustrações possam trilhar um caminho complementar ao texto, enriquecendo-o e não apenas submeter-se a esse texto. É um registo que em alguns casos espera pela participação dos pais no auxílio à leitura da relação entre texto e ilustração.
O Rebanho Perdeu as Asas
António Mota
Editora Ambar, 2000
Guache, acrílico sobre papel
Marta Torrão - Pôr a cobertura no bolo
A ilustração é um mundo em que se pode explorar tudo. Normalmente, encontro na narrativa dois ou três elementos que me deixam "água na boca", e a partir daí deixo tudo por conta da parte imaginativa.
Para mim, ilustrar é como ler a receita de um bolo, misturar os ingredientes, mas adicionar-lhe uma cobertura.
O Sol Quentinho
Anabela Batista
Everest Editora, 2002 (2ª edição)
Lápis de cera, lápis de cor e colagem sobre papel
Teresa Lima - Recriar a história
Ilustrar é recriar através de imagens um texto, uma história, um conto, numa relação de dependência, mas nunca de servilidade.
A ilustração são formas, cores, composições, que nascem de uma cumplicidade muito forte entre as ideias escritas e o mundo pessoal, gostos e modos de fazer do ilustrador.
É o penetrar num espaço duma sensibilidade muito especial e particular em que encontrei a resposta para aquilo que gostava realmente de fazer.
Alice no País das Maravilhas
Lewis Carroll
Civilização Editora, 1998
Aguarela, acrílico, gesso com cola sobre papel