BENTO DE JESUS CARAÇA

13-03-2003
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Sessão Comemorativa do Centenário do Nascimento de Bento de Jesus Caraça

Instituto Superior de Economia e Gestão - ISEG

18 de Abril de 2001

INTERVENÇÃO, LIBERDADE CRÍTICA E COMPROMISSO

José Tengarrinha

Prof. Universitário, Historiador

As primeiras palavras são para a CGTP-IN, organizadora desta sessão e promotora de um vasto conjunto de iniciativas comemorativas do centenário do nascimento de Bento de Jesus Caraça. É de elementar justiça reconhecer, também, que o empenho desta central sindical tem sido fundamental, não apenas agora, mas nos últimos anos para que permaneça mais viva entre nós a memória e o estimulante exemplo do grande cientista e humanista.

Foi-me pedido que, nesta sessão, falasse sobre a intervenção política de Bento de Jesus Caraça, à luz dos condicionalismos em que decorreu. O que é, também, falar do militante cultural, como duas faces indissociáveis, em ligação permanente e profunda com as incertezas e os desalentos, as esperanças e os dramas do mundo e do País nos tormentosos tempos em que viveu. Com o sentido permanente da necessidade de compreender para transformar, nessa militância constante com que encarava a sua intervenção na sociedade a favor do Progresso, da Dignificação Humana e da Liberdade. Assim, este homem que da Matemática fez profissão, não a encarava como uma construção formal, fora da vida, mas como uma construção essencialmente humana, em permanente aperfeiçoamento, como toda a Ciência, ao serviço da libertação e da felicidade dos homens [1] . Parece fácil encontrar, neste plano, uma síntese das suas múltiplas vertentes como cidadão, como intelectual, como pedagogo. Mas descortina-se que dentro de um curso central firme e coerente há convergências estreitas, mas também distanciamentos reflexivos, nunca perdendo a perspectiva mais ampla de quem intervém para a mudança da sociedade, mas não com um sentido meramente pragmático e imediatista. Por isso, a dimensão política da sua intervenção é inseparável de uma permanente preocupação formadora, combinando objectivos de diferentes temporalidades.

Atribuía, assim, à Ideia o sentido tanto mais revolucionário quanto melhor interpretasse as aspirações gerais e essenciais da Humanidade e, ao mesmo tempo, conforme as circunstâncias do momento. Por isso, na sua intervenção política tinha como objecto não o Homem – que no abstracto legitimaria tão graves perversões – mas os homens, na sua dimensão variada e concreta. E por isso, igualmente, confere à intervenção política um denso conteúdo ético, que contrasta com a cultura política dominante no final da Primeira República e, mais ainda, no Estado Novo.

O estreito entrelaçamento entre o homem político, o homem de cultura, o pedagogo – nem sempre num processo simples, como se disse - tem no cerne um conceito não elitista da cultura. Assim o praticou desde a direcção da Universidade Popular Portuguesa em 1919, passando pela criação da pioneira Biblioteca Cosmos (do editor e seu amigo Manuel Rodrigues de Oliveira), de 1941 a 1948, com 114 títulos e 6 990 exemplares de tiragem média!

Será errada, por isso, a meu ver, a inspiração iluminista que alguns atribuem ao seu conceito de cultura. Essa é, sim, uma das principais contradições em que se debatem os “seareiros”. E este é, também, um dos vértices que melhor definem a natureza da intervenção cultural e política de Caraça. Conceitos opostos de que decorrem, naturalmente, pensamentos e comportamentos políticos divergentes. Na verdade, o discurso elitista da Seara Nova (Sérgio, Cortesão, Proença, entre outros) pouco tem a ver com democracia. Poderemos mesmo dizer que é a base teórica da ditadura “esclarecida” e “de competência”. Por isso, é supra-partidária.

Exactamente o oposto de B. J.C., para quem a democracia se sustenta, por um lado, na ampla capacidade de intervenção esclarecida dos cidadãos e, por outro, na organização partidária como instrumento indispensável dessa intervenção. Contrariamente aos “seareiros”, Caraça é, pois, um homem “de partido”. As coordenadas fundamentais do seu empenhamento cívico só serão compreensíveis no quadro de um compromisso partidário, embora aí sempre tivesse mantido toda a abertura e liberdade crítica [2] .

Mas em que quadro partidário? O republicanismo liberal, com o seu pensamento elitista, a que correspondia uma táctica revolucionária predominantemente “putschista”, não poderia ser aquele com que se identificaria. O Partido Socialista, afastado das massas populares e longos anos inerte até se extinguir, fora uma amarga desilusão para os jovens socialistas marxistas, pelo que não poderia ser igualmente opção. A formação profundamente democrática de B. J. C. , o reconhecimento da necessidade de uma intervenção política maciça dos cidadãos, que nessa prática tinham a fonte principal da sua consciência cívica, e a sua dominante ideia do papel das massas populares e nomeadamente do proletariado na construção da sociedade futura conduziam-no, logicamente, ao Partido Comunista. Se não fossem suficientes os testemunhos já apresentados neste sentido, bastaria analisar o cerne do seu ideário e comportamento políticos para o admitirmos.

Quanto às formas dessa adesão ao PCP obviamente que, naquelas condições excepcionais, não podem ser identificadas com as actuais. Por um lado, o trabalho unitário que Bento Caraça predominantemente desenvolvia, aconselhava – como sempre em tais circunstâncias – a ocultar as suas ligações partidárias, mesmo nos círculos políticos com que se relacionava. Por outro lado, a ligação ao PCP, em tempos de tão dura clandestinidade, impedia qualquer formalização documental, frequentemente não permitia contactos regulares, por vezes espaçados meses ou até anos, dependentes de múltiplas contingências repressivas e conspirativas, e nem sequer exigia a integração num organismo com funcionamento permanente. O que era indispensável, sim, é que estivesse disponível para contactos com os dirigentes partidários, quando possível e conveniente, cumprisse a orientação consigo acordada e que esta estivesse em consonância com a estratégia geral do Partido – o que parece não haver dúvidas ter-se verificado. Era, afinal, o único meio orgânico de que B.J.C. dispunha para se ligar às massas populares, que sempre estiveram no centro da sua acção e pensamento políticos e pedagógicos [3] .

Sessão Comemorativa do Centenário do Nascimento de Bento de Jesus Caraça

Instituto Superior de Economia e Gestão - ISEG

18 de Abril de 2001

INTERVENÇÃO, LIBERDADE CRÍTICA E COMPROMISSO

José Tengarrinha

Prof. Universitário, Historiador

As primeiras palavras são para a CGTP-IN, organizadora desta sessão e promotora de um vasto conjunto de iniciativas comemorativas do centenário do nascimento de Bento de Jesus Caraça. É de elementar justiça reconhecer, também, que o empenho desta central sindical tem sido fundamental, não apenas agora, mas nos últimos anos para que permaneça mais viva entre nós a memória e o estimulante exemplo do grande cientista e humanista.

Foi-me pedido que, nesta sessão, falasse sobre a intervenção política de Bento de Jesus Caraça, à luz dos condicionalismos em que decorreu. O que é, também, falar do militante cultural, como duas faces indissociáveis, em ligação permanente e profunda com as incertezas e os desalentos, as esperanças e os dramas do mundo e do País nos tormentosos tempos em que viveu. Com o sentido permanente da necessidade de compreender para transformar, nessa militância constante com que encarava a sua intervenção na sociedade a favor do Progresso, da Dignificação Humana e da Liberdade. Assim, este homem que da Matemática fez profissão, não a encarava como uma construção formal, fora da vida, mas como uma construção essencialmente humana, em permanente aperfeiçoamento, como toda a Ciência, ao serviço da libertação e da felicidade dos homens [1] . Parece fácil encontrar, neste plano, uma síntese das suas múltiplas vertentes como cidadão, como intelectual, como pedagogo. Mas descortina-se que dentro de um curso central firme e coerente há convergências estreitas, mas também distanciamentos reflexivos, nunca perdendo a perspectiva mais ampla de quem intervém para a mudança da sociedade, mas não com um sentido meramente pragmático e imediatista. Por isso, a dimensão política da sua intervenção é inseparável de uma permanente preocupação formadora, combinando objectivos de diferentes temporalidades.

Atribuía, assim, à Ideia o sentido tanto mais revolucionário quanto melhor interpretasse as aspirações gerais e essenciais da Humanidade e, ao mesmo tempo, conforme as circunstâncias do momento. Por isso, na sua intervenção política tinha como objecto não o Homem – que no abstracto legitimaria tão graves perversões – mas os homens, na sua dimensão variada e concreta. E por isso, igualmente, confere à intervenção política um denso conteúdo ético, que contrasta com a cultura política dominante no final da Primeira República e, mais ainda, no Estado Novo.

O estreito entrelaçamento entre o homem político, o homem de cultura, o pedagogo – nem sempre num processo simples, como se disse - tem no cerne um conceito não elitista da cultura. Assim o praticou desde a direcção da Universidade Popular Portuguesa em 1919, passando pela criação da pioneira Biblioteca Cosmos (do editor e seu amigo Manuel Rodrigues de Oliveira), de 1941 a 1948, com 114 títulos e 6 990 exemplares de tiragem média!

Será errada, por isso, a meu ver, a inspiração iluminista que alguns atribuem ao seu conceito de cultura. Essa é, sim, uma das principais contradições em que se debatem os “seareiros”. E este é, também, um dos vértices que melhor definem a natureza da intervenção cultural e política de Caraça. Conceitos opostos de que decorrem, naturalmente, pensamentos e comportamentos políticos divergentes. Na verdade, o discurso elitista da Seara Nova (Sérgio, Cortesão, Proença, entre outros) pouco tem a ver com democracia. Poderemos mesmo dizer que é a base teórica da ditadura “esclarecida” e “de competência”. Por isso, é supra-partidária.

Exactamente o oposto de B. J.C., para quem a democracia se sustenta, por um lado, na ampla capacidade de intervenção esclarecida dos cidadãos e, por outro, na organização partidária como instrumento indispensável dessa intervenção. Contrariamente aos “seareiros”, Caraça é, pois, um homem “de partido”. As coordenadas fundamentais do seu empenhamento cívico só serão compreensíveis no quadro de um compromisso partidário, embora aí sempre tivesse mantido toda a abertura e liberdade crítica [2] .

Mas em que quadro partidário? O republicanismo liberal, com o seu pensamento elitista, a que correspondia uma táctica revolucionária predominantemente “putschista”, não poderia ser aquele com que se identificaria. O Partido Socialista, afastado das massas populares e longos anos inerte até se extinguir, fora uma amarga desilusão para os jovens socialistas marxistas, pelo que não poderia ser igualmente opção. A formação profundamente democrática de B. J. C. , o reconhecimento da necessidade de uma intervenção política maciça dos cidadãos, que nessa prática tinham a fonte principal da sua consciência cívica, e a sua dominante ideia do papel das massas populares e nomeadamente do proletariado na construção da sociedade futura conduziam-no, logicamente, ao Partido Comunista. Se não fossem suficientes os testemunhos já apresentados neste sentido, bastaria analisar o cerne do seu ideário e comportamento políticos para o admitirmos.

Quanto às formas dessa adesão ao PCP obviamente que, naquelas condições excepcionais, não podem ser identificadas com as actuais. Por um lado, o trabalho unitário que Bento Caraça predominantemente desenvolvia, aconselhava – como sempre em tais circunstâncias – a ocultar as suas ligações partidárias, mesmo nos círculos políticos com que se relacionava. Por outro lado, a ligação ao PCP, em tempos de tão dura clandestinidade, impedia qualquer formalização documental, frequentemente não permitia contactos regulares, por vezes espaçados meses ou até anos, dependentes de múltiplas contingências repressivas e conspirativas, e nem sequer exigia a integração num organismo com funcionamento permanente. O que era indispensável, sim, é que estivesse disponível para contactos com os dirigentes partidários, quando possível e conveniente, cumprisse a orientação consigo acordada e que esta estivesse em consonância com a estratégia geral do Partido – o que parece não haver dúvidas ter-se verificado. Era, afinal, o único meio orgânico de que B.J.C. dispunha para se ligar às massas populares, que sempre estiveram no centro da sua acção e pensamento políticos e pedagógicos [3] .

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