Entrevista com Colin Powell: A ONU deve endossar a criação de um governo interino

02-05-2003
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Entrevista com Colin Powell: A ONU Deve Endossar a Criação de Um Governo Interino

Por TERESA DE SOUSA

Sábado, 05 de Abril de 2003

Começou por estar prevista uma entrevista de uma hora com o secretário de Estado americano Colin Powell, dada a oito jornais europeus, entre os quais o PÚBLICO. A alucinante agenda do secretário de Estado americano em Bruxelas, na sede da NATO, quinta-feira passada, acabou por reduzi-la a 40 minutos. Entre um encontro com o seu homólogo alemão Joschka Fischer e o seu homólogo russo, Igor Ivanov - apenas dois dos 20 encontros bilaterais e multilaterais que manteve com os responsáveis europeus da Aliança e da União Europeia.

Colin Powell foi a Bruxelas dizer que tinha chegado a altura para iniciar a "reconciliação" e que ela pode passar, de novo, pelo regresso a uma abordagem multilateral da reconstrução do Iraque. Powell perdeu a batalha diplomática que precedeu esta guerra, "entalado" entre uma administração americana que adoptou a estratégia "unilateralista" do Pentágono e a recusa da França em legitimar o conflito. O seu regresso em força à diplomacia multilateral foi bem acolhido na Europa. Mas resta ainda saber qual é a sua verdadeira margem de manobra em Washington.

Durante a entrevista, o secretário de Estado não quis minimizar a crise entre os aliados nem a dificuldade em encontrar soluções de consenso, mas tentou relativizá-la recorrendo sobretudo ao bom humor. Em Bruxelas, no velho e desconfortável edifício onde a Aliança tem a sua sede desde uma outra crise, em 1966, que a "expulsou" de Paris, Colin Powell recebeu os oito jornais (PÚBLICO, "Le Figaro", "The Times", "Frankfurter Allgemeine", "La Libre Bélgique", "ABC", "Il Giornale", "Gazeta Wyborcza") para uma entrevista que acabou por centrar-se sobretudo nas questões da actualidade: as condições da cooperação entre a Europa e a América no pós-conflito, o eventual papel da NATO na estabilização do Iraque e, inevitavelmente, as "guerras" seguintes que os EUA querem - ou não querem - travar. Excertos.

R. - Compreendemos perfeitamente que as Nações Unidas têm de estar envolvidas. O Presidente [George W. Bush] tem dito sempre isso mesmo. Vim aqui hoje [na quinta-feira] ouvir aquilo que os meus colegas europeus pensam sobre qual deve ser o papel da ONU.

As Nações Unidas disseram, muito claramente, que não querem ser os primeiros responsáveis pelo Iraque. Kofi Annan disse-o claramente. Não há pois uma competição sobre quem é o principal responsável.

Tentaremos garantir que o papel das Nações Unidas na reconstrução seja apropriado e adequado - que preencha as exigências da ajuda humanitária, que endosse a criação de um "governo interino" de forma a que seja visto internacionalmente como tendo o apoio e a legitimidade da ONU. Trabalharemos com os nossos parceiros de coligação e os nossos amigos no Conselho de Segurança para preparar as resoluções necessárias a esse efeito.

Quanto à autoridade interina, é uma questão sobre a qual ainda estamos a trabalhar. Não vou especificar, mas posso dizer que queremos que integre gente da oposição externa que lutou duramente para se ver livre deste regime despótico, mas também tem de incluir gente de dentro, de forma a ser vista como representativa e não como imposta de fora.

Se uma conferência internacional [sugerida pelo chefe da diplomacia britânica, Jack Straw] é a melhor maneira de organizar essa autoridade, como aconteceu no caso do Afeganistão, é o tipo de questão que ainda estamos a discutir com os nossos parceiros de coligação.

R. - Desde o momento em que iniciámos a campanha militar, os responsáveis pelo território que estamos a ocupar são o comando militar da coligação e os seus líderes políticos. Quando derrubarmos o regime, teremos de assumir a imediata responsabilidade pela segurança das pessoas e dos seus bens, pela estabilidade do país e pela sua integridade territorial. Mais ninguém a não ser a coligação pode assumir esta responsabilidade. Não se pode dar esta responsabilidade imediata nem à ONU nem à UE. Esta é a responsabilidade da força que entrou no Iraque. E o facto não deve surpreender ninguém. Temos as forças e temos a autoridade para o fazer.

Mas logo que seja estabelecida a segurança e a estabilidade, e garantida a reconstrução das infra-estruturas básicas que permitam fazer chegar água, alimentos e medicamentos às pessoas, o nosso desejo é começar a transferir responsabilidades o mais depressa possível dos militares para ministérios civis. Criaremos uma administração interina para a qual queremos transferir a autoridade logo que tenha demonstrado a sua capacidade para controlar as coisas. Paralelamente, as Nações Unidas já terão estabelecido o seu próprio papel através de uma resolução do Conselho de Segurança adequada para o definir.

Mas não posso dizer-lhe quanto tempo todo este processo vai levar. Não posso dizer-lhes hoje que a estabilização levará uma semana ou um mês.

R. - O financiamento inicial deve vir dos EUA. E os contratos terão de ser feitos tão depressa quanto for possível com empresas que tenham a capacidade para fazer aquilo que precisamos. É preciso, por exemplo, pôr a funcionar o porto de Um Qasr. Depois, a UE poderá contribuir para a reconstrução e decidirá ela própria como vai afectar essa ajuda. Mas o Iraque é um país rico, haverá recursos provenientes do petróleo e caberá ao novo governo iraquiano determinar a sua utilização. Houve quem afirmasse que existia uma "lista negra" de empresas que seriam impedidas de obter qualquer contrato. Não é verdade. Queremos que a atribuição de contratos seja transparente, sobretudo no quadro do programa da ONU para o desenvolvimento.

R. - Não apenas na reconstrução e na ajuda humanitária mas também para endossar a organização da autoridade de transição. Mas, insisto, é prematuro tentar responder com precisão a essa questão. Kofi Annan não esteve presente nestes encontros. Hoje, discutimos com os nossos parceiros europeus como é que eles vêem a situação. A verdadeira discussão sobre o papel exacto da ONU terá lugar no Conselho de Segurança e não em Bruxelas.

R. - Ainda não temos uma resposta para isso. Fizemos algumas sugestões sobre a sua participação no que podem vir a ser operações de estabilização e de manutenção da paz. Também sugerimos que podem ajudar na procura e destruição de armas de destruição maciça.

Mas o que mais me satisfaz nas conversas de hoje [quinta-feira] é que ninguém falou contra este tipo de participação em todas as reuniões em que estive. Houve vontade de considerar um papel para a NATO no Iraque. E também foi expressa a vontade de considerar um papel para a NATO no Afeganistão. Vamos ver como as coisas se vão desenvolver a partir daqui.

Entrevista com Colin Powell: A ONU Deve Endossar a Criação de Um Governo Interino

Por TERESA DE SOUSA

Sábado, 05 de Abril de 2003

Começou por estar prevista uma entrevista de uma hora com o secretário de Estado americano Colin Powell, dada a oito jornais europeus, entre os quais o PÚBLICO. A alucinante agenda do secretário de Estado americano em Bruxelas, na sede da NATO, quinta-feira passada, acabou por reduzi-la a 40 minutos. Entre um encontro com o seu homólogo alemão Joschka Fischer e o seu homólogo russo, Igor Ivanov - apenas dois dos 20 encontros bilaterais e multilaterais que manteve com os responsáveis europeus da Aliança e da União Europeia.

Colin Powell foi a Bruxelas dizer que tinha chegado a altura para iniciar a "reconciliação" e que ela pode passar, de novo, pelo regresso a uma abordagem multilateral da reconstrução do Iraque. Powell perdeu a batalha diplomática que precedeu esta guerra, "entalado" entre uma administração americana que adoptou a estratégia "unilateralista" do Pentágono e a recusa da França em legitimar o conflito. O seu regresso em força à diplomacia multilateral foi bem acolhido na Europa. Mas resta ainda saber qual é a sua verdadeira margem de manobra em Washington.

Durante a entrevista, o secretário de Estado não quis minimizar a crise entre os aliados nem a dificuldade em encontrar soluções de consenso, mas tentou relativizá-la recorrendo sobretudo ao bom humor. Em Bruxelas, no velho e desconfortável edifício onde a Aliança tem a sua sede desde uma outra crise, em 1966, que a "expulsou" de Paris, Colin Powell recebeu os oito jornais (PÚBLICO, "Le Figaro", "The Times", "Frankfurter Allgemeine", "La Libre Bélgique", "ABC", "Il Giornale", "Gazeta Wyborcza") para uma entrevista que acabou por centrar-se sobretudo nas questões da actualidade: as condições da cooperação entre a Europa e a América no pós-conflito, o eventual papel da NATO na estabilização do Iraque e, inevitavelmente, as "guerras" seguintes que os EUA querem - ou não querem - travar. Excertos.

R. - Compreendemos perfeitamente que as Nações Unidas têm de estar envolvidas. O Presidente [George W. Bush] tem dito sempre isso mesmo. Vim aqui hoje [na quinta-feira] ouvir aquilo que os meus colegas europeus pensam sobre qual deve ser o papel da ONU.

As Nações Unidas disseram, muito claramente, que não querem ser os primeiros responsáveis pelo Iraque. Kofi Annan disse-o claramente. Não há pois uma competição sobre quem é o principal responsável.

Tentaremos garantir que o papel das Nações Unidas na reconstrução seja apropriado e adequado - que preencha as exigências da ajuda humanitária, que endosse a criação de um "governo interino" de forma a que seja visto internacionalmente como tendo o apoio e a legitimidade da ONU. Trabalharemos com os nossos parceiros de coligação e os nossos amigos no Conselho de Segurança para preparar as resoluções necessárias a esse efeito.

Quanto à autoridade interina, é uma questão sobre a qual ainda estamos a trabalhar. Não vou especificar, mas posso dizer que queremos que integre gente da oposição externa que lutou duramente para se ver livre deste regime despótico, mas também tem de incluir gente de dentro, de forma a ser vista como representativa e não como imposta de fora.

Se uma conferência internacional [sugerida pelo chefe da diplomacia britânica, Jack Straw] é a melhor maneira de organizar essa autoridade, como aconteceu no caso do Afeganistão, é o tipo de questão que ainda estamos a discutir com os nossos parceiros de coligação.

R. - Desde o momento em que iniciámos a campanha militar, os responsáveis pelo território que estamos a ocupar são o comando militar da coligação e os seus líderes políticos. Quando derrubarmos o regime, teremos de assumir a imediata responsabilidade pela segurança das pessoas e dos seus bens, pela estabilidade do país e pela sua integridade territorial. Mais ninguém a não ser a coligação pode assumir esta responsabilidade. Não se pode dar esta responsabilidade imediata nem à ONU nem à UE. Esta é a responsabilidade da força que entrou no Iraque. E o facto não deve surpreender ninguém. Temos as forças e temos a autoridade para o fazer.

Mas logo que seja estabelecida a segurança e a estabilidade, e garantida a reconstrução das infra-estruturas básicas que permitam fazer chegar água, alimentos e medicamentos às pessoas, o nosso desejo é começar a transferir responsabilidades o mais depressa possível dos militares para ministérios civis. Criaremos uma administração interina para a qual queremos transferir a autoridade logo que tenha demonstrado a sua capacidade para controlar as coisas. Paralelamente, as Nações Unidas já terão estabelecido o seu próprio papel através de uma resolução do Conselho de Segurança adequada para o definir.

Mas não posso dizer-lhe quanto tempo todo este processo vai levar. Não posso dizer-lhes hoje que a estabilização levará uma semana ou um mês.

R. - O financiamento inicial deve vir dos EUA. E os contratos terão de ser feitos tão depressa quanto for possível com empresas que tenham a capacidade para fazer aquilo que precisamos. É preciso, por exemplo, pôr a funcionar o porto de Um Qasr. Depois, a UE poderá contribuir para a reconstrução e decidirá ela própria como vai afectar essa ajuda. Mas o Iraque é um país rico, haverá recursos provenientes do petróleo e caberá ao novo governo iraquiano determinar a sua utilização. Houve quem afirmasse que existia uma "lista negra" de empresas que seriam impedidas de obter qualquer contrato. Não é verdade. Queremos que a atribuição de contratos seja transparente, sobretudo no quadro do programa da ONU para o desenvolvimento.

R. - Não apenas na reconstrução e na ajuda humanitária mas também para endossar a organização da autoridade de transição. Mas, insisto, é prematuro tentar responder com precisão a essa questão. Kofi Annan não esteve presente nestes encontros. Hoje, discutimos com os nossos parceiros europeus como é que eles vêem a situação. A verdadeira discussão sobre o papel exacto da ONU terá lugar no Conselho de Segurança e não em Bruxelas.

R. - Ainda não temos uma resposta para isso. Fizemos algumas sugestões sobre a sua participação no que podem vir a ser operações de estabilização e de manutenção da paz. Também sugerimos que podem ajudar na procura e destruição de armas de destruição maciça.

Mas o que mais me satisfaz nas conversas de hoje [quinta-feira] é que ninguém falou contra este tipo de participação em todas as reuniões em que estive. Houve vontade de considerar um papel para a NATO no Iraque. E também foi expressa a vontade de considerar um papel para a NATO no Afeganistão. Vamos ver como as coisas se vão desenvolver a partir daqui.

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