Testemunho
"Ninguém Sabe como Acorda Díli"
Quinta-feira, 05 de Dezembro de 2002
10h30
Tomo o pequeno-almoço no Hotel Timor (antigo Macota). O gerente e já meu amigo Tiago aparece na sala a comentar o estado de sítio que se vive no Parlamento e no Palácio do Governo. Falo de imediato à assessora do ministro Ramos-Horta, que me pede para ninguém sair do hotel. Fico tranquilo a escrever os "mails" do dia, enquanto espero por um almoço de trabalho.
12h45
Estou sentado frente ao bar do hotel, é absolutamente impossível descrever o que senti. Não percebi, sabia apenas que tinha que me proteger das pedras e fugir dali. Para onde? Vi o Tiago, fugimos com ele para os fundos do hotel, cozinha e corredores. Ouvimos gritar "vão entrar por trás".
E agora, não há saída possível. Começo a correr, encontrões gritos, atropelos!
Agarro no móvel, ligo afogueado para a tenente médica do batalhão português a pedir uma patrulha urgente. Vários telefonemas. É-me dito que o comando das forças das Nações Unidas (PKF) não permite a saída de patrulhas. Os timorenses têm uma polícia e os militares não podem sair nestas circunstâncias, a não ser em caso de perda de soberania. Dizem-nos para não sair até que a situação se esclareça.
Depois de muitos pedidos e uma hora de pânico, chegou uma patrulha que acompanha parte da comitiva do Ministro [José Luís] Arnaut, cujo objectivo era levar os seus pertences. Por sorte, parte dos militares que chegaram já me conheciam, pedi-lhes que me levarem para porto seguro.
Vinte minutos depois entro no meu quarto e agarro nas primeiras coisas que vejo. Saímos pelos fundos, entrei num carro da embaixada, fomos entrando, não cabia nem mais um mosquito da malária. E agora restam poucos minutos de angústia, sem perceber o que está a acontecer lá fora. Trancámos as portas e pusemos malas a tapar os vidros.
Pronto, chegamos ao comando central (Caicoli), quartel armado até aos ossos, onde para além do nosso ministro estava parte do Governo timorense.
Primeiros sorrisos de alívio e um sem número de relatos. Gera-se uma onda de solidariedade típica nestas situações. Depois de várias comunicações, pedem-nos que levantemos uma ração de combate onde temos asseguradas 3 refeições. Dos cerca de 300 civis que aqui estão, metade já conheço.
Depois das diligências da médica amiga, tenho a sorte de ser levado por uma patrulha para junto dela.
Passaram 12 horas, ninguém sabe como acorda Díli. Como e quando saímos daqui.
Depoimento de José Pedro Gil, português de visita a Timor
Testemunho
"Ninguém Sabe como Acorda Díli"
Quinta-feira, 05 de Dezembro de 2002
10h30
Tomo o pequeno-almoço no Hotel Timor (antigo Macota). O gerente e já meu amigo Tiago aparece na sala a comentar o estado de sítio que se vive no Parlamento e no Palácio do Governo. Falo de imediato à assessora do ministro Ramos-Horta, que me pede para ninguém sair do hotel. Fico tranquilo a escrever os "mails" do dia, enquanto espero por um almoço de trabalho.
12h45
Estou sentado frente ao bar do hotel, é absolutamente impossível descrever o que senti. Não percebi, sabia apenas que tinha que me proteger das pedras e fugir dali. Para onde? Vi o Tiago, fugimos com ele para os fundos do hotel, cozinha e corredores. Ouvimos gritar "vão entrar por trás".
E agora, não há saída possível. Começo a correr, encontrões gritos, atropelos!
Agarro no móvel, ligo afogueado para a tenente médica do batalhão português a pedir uma patrulha urgente. Vários telefonemas. É-me dito que o comando das forças das Nações Unidas (PKF) não permite a saída de patrulhas. Os timorenses têm uma polícia e os militares não podem sair nestas circunstâncias, a não ser em caso de perda de soberania. Dizem-nos para não sair até que a situação se esclareça.
Depois de muitos pedidos e uma hora de pânico, chegou uma patrulha que acompanha parte da comitiva do Ministro [José Luís] Arnaut, cujo objectivo era levar os seus pertences. Por sorte, parte dos militares que chegaram já me conheciam, pedi-lhes que me levarem para porto seguro.
Vinte minutos depois entro no meu quarto e agarro nas primeiras coisas que vejo. Saímos pelos fundos, entrei num carro da embaixada, fomos entrando, não cabia nem mais um mosquito da malária. E agora restam poucos minutos de angústia, sem perceber o que está a acontecer lá fora. Trancámos as portas e pusemos malas a tapar os vidros.
Pronto, chegamos ao comando central (Caicoli), quartel armado até aos ossos, onde para além do nosso ministro estava parte do Governo timorense.
Primeiros sorrisos de alívio e um sem número de relatos. Gera-se uma onda de solidariedade típica nestas situações. Depois de várias comunicações, pedem-nos que levantemos uma ração de combate onde temos asseguradas 3 refeições. Dos cerca de 300 civis que aqui estão, metade já conheço.
Depois das diligências da médica amiga, tenho a sorte de ser levado por uma patrulha para junto dela.
Passaram 12 horas, ninguém sabe como acorda Díli. Como e quando saímos daqui.
Depoimento de José Pedro Gil, português de visita a Timor