Santana Lopes pediu isenção de avaliação ambiental para túnel do Marquês

02-06-2004
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Santana Lopes Pediu Isenção de Avaliação Ambiental para Túnel do Marquês

Por RICARDO GARCIA

Quinta-feira, 29 de Abril de 2004 A Câmara Municipal de Lisboa tentou, junto do Governo, obter a dispensa, com carácter excepcional, da realização de avaliação de impacte ambiental ao projecto do túnel do Marquês de Pombal, em Lisboa - caso esta avaliação fosse declarada obrigatória pelo Ministério das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, o que não aconteceu. O pedido foi feito através de uma carta do presidente da câmara, Santana Lopes, redigida na passada sexta-feira, um dia depois de o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa ter mandado suspender as obras do túnel, precisamente por não ter sido feita a referida avaliação ambiental prévia - que é obrigatória para uma série de projectos rodoviários. A carta foi entregue ao secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, pelas mãos do chefe de gabinete de Santana Lopes, na segunda-feira de manhã - no mesmo dia em que foi divulgada a decisão do tribunal. Na missiva, Santana Lopes reitera o seu entendimento de que a avaliação não era obrigatória para o túnel do Marquês, citando exemplos de obras semelhantes em Madrid e Barcelona. Mas, caso fosse de facto necessária, o presidente da câmara invoca uma disposição legal que permite, excepcionalmente, a dispensa do processo de avaliação ambiental. Caso o projecto parasse, diz Santana Lopes, o incómodo causado pelas obras seria amplificado no tempo. Além disso, a realização do Euro 2004 "ficaria irremediavelmente prejudicada". Antes de invocar a dispensa, no entanto, Santana Lopes pediu, na mesma carta, que o Ministério das Cidades clarificasse o seu entendimento sobre a obrigatoriedade da avaliação. A resposta foi enviada ontem, através de uma carta do secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, que diz que o projecto do túnel do Marquês "não está sujeito a avaliação do impacte ambiental" - posição que é contrária ao entendimento do tribunal. E se o projecto não está abrangido pela legislação, então o pedido de dispensa excepcional não fazia sentido, pelo que não foi alvo de qualquer decisão. A suspensão das obras do túnel resulta de uma providência cautelar interposta pelo advogado José Sá Fernandes. Dos vários argumentos apresentados, apenas a ausência de avaliação ambiental foi considerada com fundamento suficiente para justificar a paragem das obras, que podem ser consideradas ilegais. Daí que uma declaração de dispensa, passada pelo Ministério das Cidades, pudesse ser uma alternativa para o prosseguimento do projecto, caso a câmara eventualmente perca o recurso que vai apresentar contra a decisão do tribunal. Correspondência tardia Na terça-feira, Santana Lopes atirou a culpa da suspensão das obras para José Eduardo Martins, por este ter dito, anteriormente, que o projecto não estava abrangido pela lei dos impactes ambientais. "Não tenho culpas, tenho responsabilidades e assumo-as todas", disse o secretário de Estado ao PÚBLICO. A legalidade das obras chegou a ser levantada pelo Ministério das Cidades, internamente, no princípio de Fevereiro - mais de seis meses depois do início das obras. Nessa altura, a Inspecção-Geral do Ambiente questionou o Instituto do Ambiente sobre a necessidade da avaliação de impactes para as obras do túnel. O instituto julgava que o procedimento não era obrigatório, mas disse que pediria à autarquia elementos sobre o projecto para emitir um parecer final. A palavra definitiva - confirmando o entendimento inicial - só veio anteontem, depois da decisão do tribunal e um dia depois da Câmara de Lisboa ter enviado os elementos solicitados. De acordo com uma directiva comunitária, é obrigatória a avaliação ambiental prévia de auto-estradas e vias rápidas, com qualquer dimensão, e de estradas novas, com pelos menos quatro faixas de rodagem, com um mínimo de dez quilómetros de extensão. Um túnel, enquanto tal, não se enquadra nesta categoria, segundo fontes da Comissão Europeia ouvidas pelo PÚBLICO. O problema, porém, está na interpretação da legislação nacional que transpôs a directiva - cujo texto é ligeiramente diferente. O tribunal considerou que o túnel se enquadra numa alínea da lei, que obriga à avaliação ambiental de estradas com duas faixas de rodagem, com separador, e pelo menos duas vias cada. O limite mínimo de 10 quilómetros de extensão aplica-se apenas aos itinerários principais e complementares. O presidente da Associação Portuguesa de Avaliação de Impactes, Júlio de Jesus, diz que está é uma "zona cinzenta" da lei, que pode ser interpretada de diferentes formas. O mais importante, porém, é o facto de uma obra como o túnel do Marquês ter uma dimensão tal que justificaria uma avaliação prévia dos seus efeitos sobre o ambiente. "Tecnicamente, acho que ninguém diria que isto não faz sentido", opina Júlio de Jesus. "Eu faço estudos de impacte ambiental para projectos muito menores", completa. Essa também é a opinião de Ana Teresa Chinita, presidente da Associação Portuguesa dos Engenheiros do Ambiente. A obra do túnel do Marquês, diz Teresa Chinita, enquadra-se no espírito da legislação, que submete a uma avaliação prévia os empreendimentos urbanos com carácter estruturante. "É um projecto de certa forma estruturante das acessibilidades de Lisboa", afirma. Manuel Pinheiro, professor da cadeira de impactes ambientais no Instituto Superior Técnico, também aponta que há uma margem de dúvida sobre a aplicação da lei. Mas defende que deveria ter sido feita uma avaliação prévia, mesmo que não obrigatória. "Num caso destes, em que o projecto é relativamente polémico, acho que era necessário uma análise ambiental", afirma. "A inclinação do túnel comporta riscos? O projecto cumpre com as normas de qualidade do ar? Haverá afectação da hidrogeologia?", indaga Pinheiro. O cumprimento ou não da directiva dos impactes ambientais vai ser analisado pela Comissão Europeia, que acolheu uma queixa de uma plataforma de organizações não-governamentais portuguesas. A comissária do ambiente, Margot Wallstrom, disse, numa carta às ONG, que chamaria a atenção do Governo para as disposições da directiva. Contactado pelo PÚBLICO, o responsável em Bruxelas pelos contenciosos ambientais da Comissão com Portugal não deu qualquer informação sobre quaisquer processos envolvendo a directiva dos impactes ambientais, alegando confidencialidade. Com Isabel Arriaga e Cunha, em Bruxelas OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Santana Lopes pediu isenção de avaliação ambiental para túnel do Marquês

Vias de comunicação urbanas com e sem avaliação

O principal argumento legal do tribunal

Câmara recorre da suspensão

Durão Barroso desagradado com manifestação motivada por decisão judicial

Convocatória de concentração de apoio a Santana Lopes envolta em secretismo

P&R O que fazer com o túnel?

EDITORIAL

"Força, força, companheiro Pedro"

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Quinta-feira, 29 de Abril de 2004 A Câmara Municipal de Lisboa tentou, junto do Governo, obter a dispensa, com carácter excepcional, da realização de avaliação de impacte ambiental ao projecto do túnel do Marquês de Pombal, em Lisboa - caso esta avaliação fosse declarada obrigatória pelo Ministério das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, o que não aconteceu. O pedido foi feito através de uma carta do presidente da câmara, Santana Lopes, redigida na passada sexta-feira, um dia depois de o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa ter mandado suspender as obras do túnel, precisamente por não ter sido feita a referida avaliação ambiental prévia - que é obrigatória para uma série de projectos rodoviários. A carta foi entregue ao secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, pelas mãos do chefe de gabinete de Santana Lopes, na segunda-feira de manhã - no mesmo dia em que foi divulgada a decisão do tribunal. Na missiva, Santana Lopes reitera o seu entendimento de que a avaliação não era obrigatória para o túnel do Marquês, citando exemplos de obras semelhantes em Madrid e Barcelona. Mas, caso fosse de facto necessária, o presidente da câmara invoca uma disposição legal que permite, excepcionalmente, a dispensa do processo de avaliação ambiental. Caso o projecto parasse, diz Santana Lopes, o incómodo causado pelas obras seria amplificado no tempo. Além disso, a realização do Euro 2004 "ficaria irremediavelmente prejudicada". Antes de invocar a dispensa, no entanto, Santana Lopes pediu, na mesma carta, que o Ministério das Cidades clarificasse o seu entendimento sobre a obrigatoriedade da avaliação. A resposta foi enviada ontem, através de uma carta do secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, que diz que o projecto do túnel do Marquês "não está sujeito a avaliação do impacte ambiental" - posição que é contrária ao entendimento do tribunal. E se o projecto não está abrangido pela legislação, então o pedido de dispensa excepcional não fazia sentido, pelo que não foi alvo de qualquer decisão. A suspensão das obras do túnel resulta de uma providência cautelar interposta pelo advogado José Sá Fernandes. Dos vários argumentos apresentados, apenas a ausência de avaliação ambiental foi considerada com fundamento suficiente para justificar a paragem das obras, que podem ser consideradas ilegais. Daí que uma declaração de dispensa, passada pelo Ministério das Cidades, pudesse ser uma alternativa para o prosseguimento do projecto, caso a câmara eventualmente perca o recurso que vai apresentar contra a decisão do tribunal. Correspondência tardia Na terça-feira, Santana Lopes atirou a culpa da suspensão das obras para José Eduardo Martins, por este ter dito, anteriormente, que o projecto não estava abrangido pela lei dos impactes ambientais. "Não tenho culpas, tenho responsabilidades e assumo-as todas", disse o secretário de Estado ao PÚBLICO. A legalidade das obras chegou a ser levantada pelo Ministério das Cidades, internamente, no princípio de Fevereiro - mais de seis meses depois do início das obras. Nessa altura, a Inspecção-Geral do Ambiente questionou o Instituto do Ambiente sobre a necessidade da avaliação de impactes para as obras do túnel. O instituto julgava que o procedimento não era obrigatório, mas disse que pediria à autarquia elementos sobre o projecto para emitir um parecer final. A palavra definitiva - confirmando o entendimento inicial - só veio anteontem, depois da decisão do tribunal e um dia depois da Câmara de Lisboa ter enviado os elementos solicitados. De acordo com uma directiva comunitária, é obrigatória a avaliação ambiental prévia de auto-estradas e vias rápidas, com qualquer dimensão, e de estradas novas, com pelos menos quatro faixas de rodagem, com um mínimo de dez quilómetros de extensão. Um túnel, enquanto tal, não se enquadra nesta categoria, segundo fontes da Comissão Europeia ouvidas pelo PÚBLICO. O problema, porém, está na interpretação da legislação nacional que transpôs a directiva - cujo texto é ligeiramente diferente. O tribunal considerou que o túnel se enquadra numa alínea da lei, que obriga à avaliação ambiental de estradas com duas faixas de rodagem, com separador, e pelo menos duas vias cada. O limite mínimo de 10 quilómetros de extensão aplica-se apenas aos itinerários principais e complementares. O presidente da Associação Portuguesa de Avaliação de Impactes, Júlio de Jesus, diz que está é uma "zona cinzenta" da lei, que pode ser interpretada de diferentes formas. O mais importante, porém, é o facto de uma obra como o túnel do Marquês ter uma dimensão tal que justificaria uma avaliação prévia dos seus efeitos sobre o ambiente. "Tecnicamente, acho que ninguém diria que isto não faz sentido", opina Júlio de Jesus. "Eu faço estudos de impacte ambiental para projectos muito menores", completa. Essa também é a opinião de Ana Teresa Chinita, presidente da Associação Portuguesa dos Engenheiros do Ambiente. A obra do túnel do Marquês, diz Teresa Chinita, enquadra-se no espírito da legislação, que submete a uma avaliação prévia os empreendimentos urbanos com carácter estruturante. "É um projecto de certa forma estruturante das acessibilidades de Lisboa", afirma. Manuel Pinheiro, professor da cadeira de impactes ambientais no Instituto Superior Técnico, também aponta que há uma margem de dúvida sobre a aplicação da lei. Mas defende que deveria ter sido feita uma avaliação prévia, mesmo que não obrigatória. "Num caso destes, em que o projecto é relativamente polémico, acho que era necessário uma análise ambiental", afirma. "A inclinação do túnel comporta riscos? O projecto cumpre com as normas de qualidade do ar? Haverá afectação da hidrogeologia?", indaga Pinheiro. O cumprimento ou não da directiva dos impactes ambientais vai ser analisado pela Comissão Europeia, que acolheu uma queixa de uma plataforma de organizações não-governamentais portuguesas. A comissária do ambiente, Margot Wallstrom, disse, numa carta às ONG, que chamaria a atenção do Governo para as disposições da directiva. Contactado pelo PÚBLICO, o responsável em Bruxelas pelos contenciosos ambientais da Comissão com Portugal não deu qualquer informação sobre quaisquer processos envolvendo a directiva dos impactes ambientais, alegando confidencialidade. Com Isabel Arriaga e Cunha, em Bruxelas OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Santana Lopes pediu isenção de avaliação ambiental para túnel do Marquês

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