Processo n

07-08-2003
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Acórdão n.º 306/03

Processo n.º 382/03

Plenário

Relator: Cons. Mário Torres

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. O Presidente da República requereu, nos termos dos artigos 278.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas:

1) normas constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto da Assembleia da República n.º 51/IX, que aprova o "Código do Trabalho", por eventual violação dos n.ºs 1 e 3 do artigo 56.º da CRP;

2) norma constante do n.º 1 do artigo 4.º do "Código do Trabalho", aprovado pelo referido Decreto, por eventual violação dos n.ºs 1 e 6 do artigo 112.º da CRP;

3) norma constante do segundo segmento do n.º 2 do artigo 17.º do mesmo Código, por eventual violação dos artigos 26.º e 18.º, n.º 2, da CRP;

4) norma constante do n.º 2 do artigo 436.º do mesmo Código, por eventual violação do artigo 2.º da CRP;

5) norma resultante da interpretação conjugada dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 438.º do mesmo Código, por eventual violação do artigo 53.º da CRP;

6) norma resultante da interpretação conjugada dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 557.º do mesmo Código, por eventual violação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 56.º da CRP; e

7) norma constante da segunda parte do artigo 606.º do mesmo Código, por eventual violação do n.º 1 do artigo 57.º da CRP.

2. Os fundamentos do pedido são, em suma, os seguintes:

1) Quanto ao artigo 15.º do Decreto da Assembleia da República n.º 51/IX, que regula o regime transitório de uniformização dos instrumentos de regulamentação colectiva negociais aplicáveis nas empresas e sectores de actividade nos quais se encontrem em vigor um ou mais instrumentos outorgados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho:

– as soluções previstas na alínea a) do n.º 1, ao atribuir o direito de adesão individual dos trabalhadores a convenção outorgada por sindicatos de que não são filiados, e nas alíneas b) e c) do mesmo número, ao fazer cessar, logo que verificada a adesão da maioria dos trabalhadores da empresa ou do sector a novo instrumento de regulamentação, os efeitos das anteriores convenções, independentemente da vontade das associações sindicais que as outorgaram ou da vontade dos trabalhadores que pretendessem continuar por elas abrangidos, não apenas podem constituir um desincentivo sério à filiação e participação sindicais, como podem contribuir para a desestruturação das tradicionais relações de representatividade sindical, num sentido que é muito dificilmente compatível com a relevância que a Constituição dá às associações sindicais, à sua actividade e aos seus direitos e, por outro lado, afectam sensivelmente a autonomia e a representatividade sindical (artigo 56.º, n.º 1, da CRP), esvaziando, de forma que para algumas associações sindicais pode ser decisiva, o seu direito constitucional à contratação colectiva (artigo 56.º, n.º 3, da CRP) e à representação dos associados;

2) Quanto ao artigo 4.º do Código do Trabalho, cujo n.º 1 permite o afastamento das normas do Código, desde que delas não resulte o contrário, por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, sem explicitar que esse afastamento só é consentido quando se estabeleçam condições mais favoráveis para o trabalhador, como o subsequente n.º 2 faz relativamente ao afastamento de normas do Código por força de cláusulas constantes de contratos individuais de trabalho:

– a possibilidade de actos de natureza não legislativa derrogarem preceitos legais, quer num sentido mais favorável quer num sentido menos favorável ao trabalhador, parece violar a hierarquia constitucional dos actos normativos e o princípio da tipicidade dos actos legislativos, consagrados no artigo 112.º, n.ºs 1 e 6, da CRP;

3) Quanto ao artigo 17.º do Código do Trabalho, cujo n.º 2, após, na primeira parte, proibir que o empregador exija ao candidato a emprego ou ao trabalhador a prestação de informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, abre, na segunda parte, essa possibilidade "quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem":

– encontrando-se estes elementos da esfera privada e íntima do trabalhador ou do candidato a emprego indiscutivelmente protegidos pela reserva da intimidade da vida privada garantida pelo artigo 26.º, n.º 1, da CRP, mesmo que se entenda que, por si só, a possibilidade de o empregador lhes exigir a prestação de informações relativas à sua saúde ou ao estado de gravidez não viola tal garantia, por estar constitucionalmente justificada pela necessária protecção de outros valores, a abertura dessa possibilidade, conferida pela segunda parte do n.º 2 deste artigo 17.º, constitui, em qualquer caso, uma restrição do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada;

– ora, tal restrição só seria constitucionalmente admissível se, entre outros limites, observasse as exigências impostas pelo princípio da proibição do excesso (segunda parte do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição), nas suas dimensões de princípio da determinabilidade e principio da indispensabilidade ou do meio menos restritivo, o que, no caso em apreço, parece muito discutível, atenta, por um lado, a indeterminabilidade que resulta da utilização de conceitos tão vagos como as "particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional", e, por outro lado, a possibilidade de utilização de meios menos restritivos, como, por exemplo, através do recurso à intervenção de médico que se reservaria o conhecimento de tais dados e só comunicaria ao empregador se o trabalhador ou candidato a emprego estava ou não apto a desempenhar a actividade, tal como, de resto, o Código do Trabalho dispõe no artigo 19.º, n.º 3;

4) Quanto ao artigo 436.º do Código do Trabalho, cujo n.º 2 permite que, no caso de ter sido impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, este seja reaberto até ao termo do prazo para contestar, iniciando-se os prazos de prescrição do exercício do procedimento disciplinar e de prescrição da infracção disciplinar interrompidos com a comunicação da nota de culpa:

– esta possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar, sendo susceptível de, por parte do empregador, fazer desaparecer, numa primeira fase, o ónus do respeito das garantias formais do procedimento disciplinar, estimulando a inobservância das exigências procedimentais, e de, por parte do trabalhador, desincentivar a impugnação judicial dos despedimentos formalmente inválidos e dificultar objectivamente as hipóteses de uma defesa que poderá ter de ocorrer muitos meses após o despedimento e perante a invocação de factos que podem, nessa segunda oportunidade, estar a ser invocados pela primeira vez, ao que acresce o prolongamento dos prazos de prescrição da infracção e de caducidade do procedimento disciplinar, pode traduzir-se numa diminuição das garantias de defesa do trabalhador e afecta sensivelmente as garantias de certeza e segurança jurídicas, umas e outras próprias do princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da CRP;

5) Quanto ao artigo 438.º do Código do Trabalho, cujo n.º 2 permite que, em caso de microempresa ou relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção, o empregador se oponha à reintegração desde que justifique que o regresso do trabalhador é gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial, prevendo o n.º 3 que o fundamento invocado pelo empregador seja apreciado pelo tribunal, e excluindo o n.º 4 a aplicabilidade deste regime aos despedimentos fundados em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos ou quando o fundamento justificativo da oposição à reintegração tiver sido culposamente criado pelo empregador:

– a possibilidade de, face a um despedimento judicialmente considerado ilícito, o trabalhador perder o direito a manter o seu posto de trabalho e a ser nele reintegrado, desde que se verifiquem alguns pressupostos sobre os quais não tem qualquer possibilidade de agir, é susceptível de constituir uma violação da garantia de segurança no emprego e proibição de despedimentos sem justa causa consagrada no artigo 53.º da CRP;

6) Quanto ao artigo 557.º do Código do Trabalho, de cujos n.ºs 2, 3 e 4 resulta que, decorrido o prazo da chamada sobrevigência sem que se tenha celebrado nova convenção ou sem que se tenha iniciado a arbitragem, a convenção colectiva em vigor cessa os seus efeitos:

– assumindo a contratação colectiva e a regulação convencional das relações de trabalho a natureza constitucional objectiva de garantias institucionais, a que se aplica o regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias, o legislador, embora constitucionalmente habilitado a densificar o respectivo conteúdo, não pode fazê-lo de tal sorte que resulte, ou possa resultar na prática, esvaziado o seu alcance essencial;

– ora, quando impõe a caducidade das convenções colectivas em vigor sem que esteja assegurada a entrada em vigor das novas, o legislador ordinário pode estar a determinar a criação, a curto prazo, de um extenso vazio contratual, assim afectando o próprio conteúdo essencial da garantia institucional da contratação colectiva e da regulação convencional das relações de trabalho;

7) Quanto ao artigo 606.º do Código do Trabalho, na parte em que permite o estabelecimento, na contratação colectiva, de limitações, durante a vigência do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes por motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção:

– sendo o direito à greve um direito, liberdade ou garantia dos trabalhadores, consagrado no artigo 57.º da CRP, é, pelo menos, constitucionalmente duvidoso se podem os sindicatos vincular-se juridicamente a aceitar as limitações convencionalmente acordadas, renunciando ou dispondo do direito de declarar a greve de que são legalmente titulares, pois, sendo a declaração sindical da greve um pressuposto da possibilidade de exercício do direito à greve por parte dos trabalhadores, a renúncia ou disposição, mesmo que temporária, parcelar ou condicionada, do direito de declarar a greve por parte dos sindicatos priva os trabalhadores, nos exactos termos e condições daquela renúncia, do exercício do seu direito constitucional à greve.

3. Determinada, pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da LTC, a notificação do Presidente da Assembleia da República, este, na sua resposta, ofereceu o merecimento dos autos, juntando os Diários da Assembleia da República que contêm os trabalhos preparatórios relativos ao diploma em apreciação e cópias de outros elementos ainda a aguardar publicação nesse Diário, designadamente do Parecer n.º 8/2003, de 20 de Maio de 2003, da Comissão Nacional de Protecção de Dados.

4. Concluída a discussão do memorando elaborado nos termos do n.º 2 do artigo 58.º da LTC e apurado o vencimento formado relativamente a cada uma das questões de constitucionalidade suscitadas, cumpre formular a decisão, começando pela questão relativa aos direitos de personalidade, passando pelas relativas ao despedimento (reabertura do processo disciplinar e não reintegração) e concluindo, por razões de proximidade temática, com as conexionadas com a regulamentação colectiva do trabalho (eficácia, âmbito, caducidade e regime transitório).

II – Fundamentação

A) Inconstitucionalidade da norma constante do segundo segmento do n.º 2 do artigo 17.º do Código do Trabalho, relativa a prestação ao empregador de informações relativas à saúde ou estado de gravidez do candidato ao emprego ou do trabalhador. 5. Uma das inovações do Código do Trabalho consiste na concentração do tratamento de questões relacionadas com os direitos de personalidade dos trabalhadores, dedicando-lhes a Subsecção II (Direitos de personalidade) da Secção II (Sujeitos) do Capítulo I (Disposições gerais) do Título II (Contrato de trabalho) do Livro I (Parte geral). A regulamentação que hoje existe sobre a matéria encontra-se dispersa por vários diplomas, designadamente na legislação sobre protecção de dados pessoais e sobre segurança, higiene e saúde no trabalho e, no que especificamente se refere à intimidade da vida privada, no artigo 80.º do Código Civil. Nesta Subsecção, o Código do Trabalho – para além de disposições sobre liberdade de expressão e de opinião (artigo 15.º), integridade física e moral (artigo 18.º), meios de vigilância a distância (artigo 20.º) e confidencialidade de mensagens e de acesso a informação (artigo 21.º) –, dedica especialmente à protecção da intimidade da vida privada os seus artigos 16.º, 17.º e 19.º. Após proclamar, no artigo 16.º, que o empregador e o trabalhador devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada da contraparte (n.º 1) e especificar que o direito a esta intimidade abrange quer o acesso quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas (n.º 2), dispõe no artigo 17.º, sob a epígrafe "Protecção de dados pessoais":

"1. O empregador não pode exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador que preste informações relativas à sua vida privada, salvo quando estas sejam estritamente necessárias e relevantes para avaliar da respectiva aptidão no que respeita à execução do contrato de trabalho e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação.

2. O empregador não pode exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador que preste informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação.

3. O candidato a emprego ou o trabalhador que haja fornecido ao empregador, ou a quem actue por conta deste, informações de índole pessoal, goza do direito ao controlo dos respectivos dados pessoais, podendo tomar conhecimento do seu teor e dos fins a que se destinam, bem como exigir a sua rectificação e actualização.

4. Os ficheiros e acessos informáticos utilizados pelo empregador para tratamento de dados pessoais ao candidato a emprego ou trabalhador ficam sujeitos à legislação em vigor relativa à protecção de dados pessoais."

Este preceito corresponde ao artigo 16.º da Proposta de Lei e ao artigo 14.º do Anteprojecto. Quanto ao preceituado no n.º 2, há que registar que quer a Proposta de Lei quer o texto final do Código eliminaram a referência que no Anteprojecto se fazia à possibilidade de serem também exigidas informações relativas à "situação familiar" do candidato ao emprego ou do trabalhador, e que uma e outro aditaram o requisito do fornecimento por escrito da fundamentação da exigência da prestação das informações relativas à saúde e estado de gravidez. Quanto a testes e exames médicos, dispõe o artigo 19.º do Código do Trabalho:

"1 – Para além das situações previstas na legislação relativa a segurança, higiene e saúde no trabalho, o empregador não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a protecção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respectiva fundamentação.

2 – O empregador não pode, em circunstância alguma, exigir à candidata a emprego ou à trabalhadora a realização ou apresentação de testes ou exames de gravidez.

3 – O médico responsável pelos testes e exames médicos só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto para desempenhar a actividade, salvo autorização escrita deste."

6. Os fundamentos do pedido de apreciação da constitucionalidade da norma ora em causa são os seguintes:

"2. Enquanto que na primeira parte do artigo 17.º, n.º 2, se proíbe que o empregador exija ao candidato a emprego ou ao trabalhador a prestação de informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, no segmento normativo em questão abre-se, todavia, essa possibilidade «quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem».

Ora, tratando-se aqui de elementos da esfera privada e íntima do trabalhador ou do candidato a emprego, eles encontram-se indiscutivelmente protegidos pela reserva da intimidade da vida privada garantida pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição. Assim, mesmo que se entenda que, por si só, a possibilidade de o empregador exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador a prestação de informações relativas à sua saúde ou ao estado de gravidez não viola a garantia constitucional do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, por estar constitucionalmente justificada pela necessária protecção de outros valores, a abertura da sua possibilidade conferida pela segunda parte do artigo 17.º, n.º 2, do Código do Trabalho constitui, em qualquer caso, uma restrição do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada.

Nestes termos, tal restrição só seria constitucionalmente admissível se, entre outros limites, observasse as exigências impostas pelo princípio da proibição do excesso constitucionalmente consagrado na segunda parte do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição (nas suas dimensões de princípio da determinabilidade e principio da indispensabilidade ou do meio menos restritivo), o que, no caso em apreço, parece muito discutível.

Mais concretamente, não parece que a indeterminabilidade que resulta da utilização de conceitos tão vagos como as «particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional», enquanto invocado fundamento para a restrição, seja compatível com a certeza requerida pela protecção de um domínio tão sensível como é o da reserva da intimidade da vida privada. Por outro lado, parece seguro que teria sido possível chegar aos mesmos fins que se procuram atingir com a restrição em causa através da utilização de meios menos restritivos, tal como o exige a observância do princípio da proibição do excesso. Assim, sem perda de eficácia, seria possível, como se defende no Parecer emitido pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (solicitado e emitido já depois da aprovação final global do Código do Trabalho pela Assembleia da República), atingir os mesmos fins recorrendo à intervenção de médico que se reservaria o conhecimento de tais dados e só comunicaria ao empregador se o trabalhador ou candidato a emprego estava ou não apto a desempenhar a actividade, tal como, de resto, o Código do Trabalho dispõe no artigo 19.º, n.º 3."

Por estas razões, o segundo segmento normativo do artigo 17.º em causa "parece constituir uma violação da garantia de reserva da intimidade da vida privada consagrada no artigo 26.º da Constituição, bem como uma violação do princípio da proibição do excesso nas restrições a direitos, liberdades e garantias do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição". 7. No aludido Parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados sustenta-se que o n.º 2 do artigo 17.º, para além de admitir, numa formulação bastante genérica, excepção à não vinculação do trabalhador a fornecer informações sobre o seu estado de saúde, deixa esta decisão nas mãos da entidade empregadora, sem que haja qualquer referência a uma intervenção médica ou enquadramento do pedido no âmbito dos serviços de higiene e saúde no trabalho, o que suscita a dúvida sobre se esta indagação sobre o estado de saúde, a coberto de um fundamento impreciso, e sem qualquer conexão com a preservação da saúde dos trabalhadores, não estará a contribuir para institucionalizar uma sistemática e global devassa da reserva da vida privada, constitucionalmente censurável. Comparando este regime com o do artigo 19.º, n.º 3, em que os testes e exames médicos só podem ser feitos por ordem e indicação do médico e em que, em princípio, o resultado dos mesmos será inacessível à entidade empregadora, no aludido parecer sugere-se que se clarifique, no artigo 17.º, que a solicitação por escrito e a respectiva fundamentação sejam subscritas por médico e que à entidade empregadora só seja revelada a aptidão ou a inaptidão para o cargo. Caso não seja feita tal precisão – conclui o parecer – ocorrerá violação dos artigos 26.º e 18.º, n.º 2, da CRP, por a limitação da intimidade da vida privada dos trabalhadores se revelar excessiva, não adequada, desproporcionada e desnecessária, traduzindo-se numa efectiva aniquilação de um direito fundamental sem se atender ao princípio da mútua compressão que deve nortear a harmonização dos direitos fundamentais. No caso, a restrição do direito ultrapassa o estritamente necessário para salvaguardar os direitos da entidade empregadora: esta não precisa de conhecer os dados, bastando que o médico se pronuncie no sentido de que o trabalhador está apto a desempenhar as funções e só o médico estará em condições de emitir tal juízo, e, por isso, a solução encontrada representa uma diminuição injustificada da extensão e alcance do conteúdo essencial do direito fundamental em causa. 8. O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 368/02 (Diário da República, II Série, n.º 247, de 25 de Outubro de 2002, págs. 17 780-17 791), a propósito das normas do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro (que estabelece o regime de organização e funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho), na redacção dada pela Lei n.º 7/95, de 29 de Março, que previam a realização de exames periódicos de saúde aos trabalhadores, "tendo em vista verificar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da sua profissão, bem como a repercussão do trabalho e das suas condições na saúde do trabalhador" e estabeleciam o dever de os trabalhadores comparecerem aos exames médicos e realizarem os testes "que visem garantir a segurança e saúde no trabalho", teve oportunidade de, com exaustiva invocação da sua jurisprudência anterior pertinente e da doutrina mais relevante, desenvolver o seguinte encadeamento argumentativo: 1) O direito à reserva da intimidade da vida privada, entre outros direitos pessoais, está previsto no artigo 26.º da CRP, sendo caracterizável como o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular, ou, noutra formulação, como o direito que toda a pessoa tem a que permaneçam desconhecidos determinados aspectos da sua vida, assim como a controlar o conhecimento que terceiros tenham dela; 2) Este direito analisa-se principalmente em dois direitos menores: o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem, nestas se incluindo obviamente os elementos respeitantes à saúde; 3) No caso então em apreço, muito embora a efectivação dos testes ou exames pressupusesse a aceitação do trabalhador, a verdade é que a respectiva realização constituía, para o candidato, um ónus relativamente à obtenção do emprego ou, para o trabalhador, um verdadeiro dever jurídico de que podia depender a própria manutenção da relação laboral; 4) Mas o aludido direito não é absoluto em todos os casos e relativamente a todos os domínios e mesmo a submissão juridicamente obrigatória a exames ou testes clínicos – constituindo uma intromissão na vida privada, na medida em que aqueles se destinam a recolher dados relativos à saúde, os quais integram necessariamente dados relativos à vida privada – pode, em certos casos e condições, ser tida como admissível, tendo em conta a necessidade de harmonização do direito à intimidade da vida privada com outros direitos ou interesses legítimos constitucionalmente reconhecidos (v. g., a protecção da saúde pública ou a realização da justiça), desde que respeitado o princípio da proporcionalidade; 5) No âmbito das relações laborais, tem-se por certo que o direito à protecção da saúde, a todos reconhecido no artigo 64.º, n.º 1, da CRP, bem como o dever de defender e promover a saúde, consignado no mesmo preceito constitucional, não podem deixar de credenciar suficientemente a obrigação para o trabalhador de se sujeitar, desde logo, aos exames médicos necessários e adequados para assegurar – tendo em conta a natureza e o modo de prestação do trabalho e sempre dentro de critérios de razoabilidade – que ele não representa um risco para terceiros: por exemplo, para minimizar os riscos de acidentes de trabalho de que outros trabalhadores ou o público possam vir a ser vítimas, em função de deficiente prestação por motivo de doença no exercício de uma actividade perigosa; ou para evitar situações de contágio para os restantes trabalhadores ou para terceiros, propiciadas pelo exercício da actividade profissional do trabalhador; 6) Impõe-se é que a obrigatoriedade dessa sujeição se não revele, pela natureza e finalidade do exame de saúde, como abusiva, discriminatória ou arbitrária; 7) No caso então em análise, o exame de saúde destinava-se exclusivamente a "verificar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da sua profissão, bem como a repercussão do trabalho e das suas condições na saúde do trabalhador"; 8) Embora reconhecendo que o fim a que os exames clínicos estavam legalmente adstritos podia, na prática e em determinados casos, ser obstáculo flanqueável na detecção de situações patogénicas que nada tenham a ver com a aptidão física ou psíquica do trabalhador para o exercício actual da sua profissão, nem com os efeitos das condições do trabalho na saúde do trabalhador, ponderou-se que o médico do trabalho estava vinculado, nos exames a que procedia ou mandava proceder, ao aludido objectivo legal, o que implicava, necessariamente, que ele se confinasse a um exame limitado e perfeitamente balizado por aquele objectivo, devendo ater-se ao estritamente necessário, adequado e proporcionado à verificação de alterações na saúde do trabalhador causadas pelo exercício da sua actividade profissional e à determinação da aptidão ou inaptidão física ou psíquica do trabalhador para o exercício das funções correspondentes à respectiva categoria profissional, bem como ao seu estado de saúde presente; 9) Devendo tais restrições respeitar, desde logo, o preceituado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP – isto é, que se encontrem expressamente previstas na Constituição e que se limitem ao necessário para salvaguardar outros interesses constitucionalmente protegidos –, recorrendo ao preceituado nas disposições combinadas dos artigos 59.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, alínea c), e 64.º, n.º 1, da CRP, deverá admitir-se que a obrigatoriedade de sujeição a exame médico possa radicar na própria necessidade de verificar que a prestação de trabalho decorra sem risco para o próprio trabalhador e para terceiros; 10) Mas, nesta perspectiva, o que inequivocamente se exige é que esse exame se contenha no estritamente necessário, adequado e proporcionado à verificação de alterações na saúde do trabalhador causadas pelo exercício da sua actividade profissional e à determinação da aptidão ou inaptidão física ou psíquica do trabalhador para o exercício das funções inerentes à correspondente categoria profissional, para defesa da sua própria saúde, ou seja, é constitucionalmente imposto que o exame de saúde obrigatório se adeque, com precisão, ao fim prosseguido; 11) O mesmo vale para questionários e testes relativos a aspectos incluídos na vida privada do trabalhador: a utilização destes meios – abrangendo os testes sobre a saúde do trabalhador – deve ser limitada aos casos em que seja necessária para protecção de interesses de segurança de terceiros (assim, por exemplo, testes de estabilidade emocional de um piloto de avião) ou do próprio trabalhador, ou de outro interesse público relevante, e apenas se se mostrarem realmente adequados aos objectivos prosseguidos; 12) Nesta conformidade, considerando que os exames de saúde previstos no Decreto-Lei n.º 26/94 estavam exclusivamente direccionados ao fim de prevenção dos riscos profissionais e à prevenção de saúde dos trabalhadores, entendeu o Tribunal Constitucional não se poder concluir que se tivesse instituído uma sistemática e global devassa da reserva da vida privada constitucionalmente censurável, e, por isso, não julgou inconstitucionais as normas então impugnadas. 9. Recordada essa orientação do Tribunal Constitucional e retornando à norma ora em apreciação, é incontroverso que: (i) os dados relativos à saúde ou estado de gravidez do candidato a emprego ou do trabalhador respeitam à intimidade da sua vida privada; (ii) a intromissão nessa esfera íntima ocorre não apenas através da exigência da efectivação de testes e exames médicos, de que trata o artigo 19.º, mas também através da exigência de prestação de informações, prevista no n.º 2 do artigo 17.º; (iii) no contexto desta norma, a prestação das referidas informações por parte do candidato a emprego ou do trabalhador constitui um ónus relativamente à obtenção do emprego ou um verdadeiro dever jurídico de que pode depender a própria manutenção da relação laboral; (iv) tal restrição ao direito fundamental à intimidade da vida privada só será constitucionalmente admissível se observar as exigências impostas pelo princípio da proibição do excesso consagrado na segunda parte do n.º 2 do artigo 18.º da CRP. No n.º 1 do artigo 19.º do Código do Trabalho é reproduzida a formulação usada no n.º 2 do artigo 17.º ("particulares exigências inerentes à actividade") a par da referência à "protecção e segurança do trabalhador e de terceiros", como finalidades justificadoras da imposição da efectivação de exames ou testes, o que parece sugerir que a finalidade invocada no artigo 17.º, n.º 2, não se prenderá com estas preocupações relativas à protecção e segurança do trabalhador e de terceiros, de indiscutível relevância constitucional. No sentido da indeterminabilidade da restrição prevista no segmento normativo impugnado, poderá invocar-se o carácter vago da razão invocável para invadir a intimidade da vida privada do candidato ao emprego ou do trabalhador ("particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional"), a que acresce que a latitude do critério não permite discernir, dentre as hipóteses nele subsumíveis, aquelas em que seria reconhecível a necessidade de protecção de valores constitucionalmente relevantes daquelas em que o motivo invocado não teria valor suficiente para justificar a intromissão. Entende, porém, este Tribunal Constitucional (entendimento não partilhado pelo relator) que, nesta perspectiva, a solução legal não é merecedora de censura de inconstitucionalidade, porquanto, para além da protecção da segurança ou da saúde do trabalhador ou de terceiros, podem existir outras exigências ligadas a especificidades da actividade ("particulares exigências") que justifiquem que sejam pedidas informações sobre a sua saúde ou estado de gravidez, ao trabalhador ou ao candidato ao emprego: é o caso da determinação da aptidão – ou da melhor aptidão – destes para a realização das tarefas que lhes serão cometidas (as quais, mesmo independentemente da segurança do trabalhador ou de terceiros, podem exigir, por exemplo, particular acuidade visual, ou de outro sentido). Ora, é justamente esse o sentido do segmento normativo impugnado. Considera-se, no entanto, que a norma em apreço, numa outra dimensão, viola o princípio da proporcionalidade. Com efeito, para a finalidade tida em vista seria suficiente, como no caso do artigo 19.º, n.º 1, a intervenção do médico, com a imposição de este apenas comunicar ao empregador a aptidão ou inaptidão do trabalhador para o desempenho da actividade em causa. O empregador não tem necessidade de conhecer directamente dados relativos à esfera íntima do candidato a emprego ou do trabalhador, bastando-lhe obter a informação da eventual existência de inconvenientes à contratação ou à atribuição de determinadas actividades. Ora, a vinculação do médico ao segredo profissional reduz ao mínimo a indevida e desnecessária divulgação de dados cobertos pela reserva da intimidade da vida privada. De resto, o juízo de adaptação ou inadaptação entre as condições de saúde e estado de gravidez e a natureza da actividade pressuporá, por vezes, conhecimentos científicos que, em princípio, só o médico possuirá. Conclui-se, assim, que a norma constante do segundo segmento do n.º 2 do artigo 17.º do Código do Trabalho – na medida em que permite o acesso directo do empregador a informações relativas à saúde ou estado de gravidez do candidato ao emprego ou do trabalhador – viola o princípio da proibição do excesso nas restrições ao direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, decorrente das disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP. B) Inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 436.º do Código do Trabalho, que permite a reabertura do procedimento disciplinar quando com base na sua invalidade haja sido impugnado judicialmente o despedimento. 10. O Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, introduziu a regra da proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos (artigo 9.º, n.º 1), fazendo depender sempre a verificação de justa causa de procedimento disciplinar (artigo 11.º, n.º 2), cuja nulidade ou inexistência determinavam a nulidade do despedimento (artigo 12.º, n.º 1). A nulidade do despedimento (seja por inexistência de justa causa, seja por inadequação da sanção ao comportamento verificado, seja por nulidade ou inexistência do processo disciplinar) conferia ao trabalhador, para além do direito às prestações pecuniárias que deveria ter normalmente auferido desde a data do despedimento até à data da sentença, o direito à reintegração na empresa no respectivo cargo ou posto de trabalho e com a antiguidade que lhe pertencia, podendo o trabalhador, em substituição da reintegração, optar pela "indemnização de antiguidade", correspondente a um mês de retribuição por cada ano ou fracção, não podendo ser inferior a três meses (artigo 12.º, n.ºs 2 e 3). O n.º 6 do artigo 11.º, relativo à tramitação do processo disciplinar, dispunha que a falta de qualquer dos elementos referidos nos números anteriores do mesmo preceito (processo escrito; nota de culpa com descrição dos comportamentos imputados ao trabalhador; audição do arguido; realização das diligências por ele solicitadas e outras que se mostrem razoavelmente necessárias para o esclarecimento da verdade; sujeição do processo, depois de concluído, a parecer de entidade representativa dos trabalhadores; comunicação por escrito da decisão de despedimento com indicação dos fundamentos considerados provados, decisão essa a proferir só após decorridos 15 dias após o termo do prazo para emissão do aludido parecer) "determina nulidade insuprível do procedimento disciplinar e a consequente impossibilidade de se efectivar o despedimento com base nos comportamentos concretos invocados". Esta disposição, implicando o carácter irreparável da nulidade do despedimento fundada em nulidade ou inexistência do processo disciplinar, não foi mantida na redacção dada ao referido artigo 11.º pelo Decreto-Lei n.º 841-C/76, de 7 de Dezembro, e a partir daí nunca mais foi reproduzida na legislação laboral portuguesa. Neste contexto, registou-se divergência na doutrina e na jurisprudência quanto à possibilidade de o empregador, apercebendo-se – após comunicar ao trabalhador a sua decisão de o despedir – da ocorrência de nulidade (ou mesmo inexistência) do processo disciplinar, "revogar" aquela decisão e (re)iniciar o processo disciplinar, corrigindo os vícios de que inicialmente padecia e eventualmente proferindo nova decisão de despedimento. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Julho de 2001, processo n.º 3236/00 (Acórdãos Doutrinais, n.º 485, págs. 709-750, em especial no seu ponto III.1.2., a págs. 726-738), dá-se notícia, tanto quanto possível exaustiva, dessas divergências. Assim, no sentido da inadmissibilidade dessa renovação do procedimento, pronunciaram-se, na doutrina, Morais Antunes e Amadeu Guerra (Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, Almedina, Coimbra, 1984, págs. 149 e 150), e Messias Carvalho ("A ilicitude do despedimento e seus efeitos", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXI, (IV da 2.ª Série), 1989, n.ºs 3/4, pág. 396), e, na jurisprudência, os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 21 de Fevereiro de 1985, processo n.º 182/84 (Colectânea de Jurisprudência, ano X, tomo 1, pág. 344), do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de Dezembro de 1983, processo n.º 18 226 (Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo 5, pág. 262), e do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Janeiro de 1988, processo n.º 1693 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 373, pág. 428), e de 17 de Maio de 1995, processo n.º 3954 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 447, pág. 417). Para esta corrente, sendo o despedimento uma declaração unilateral receptícia, ela produz todos os seus efeitos logo que chegue ao conhecimento do destinatário, provocando a imediata cessação da relação laboral, pelo que, sem o consentimento do trabalhador, a entidade patronal não lhe pode impor a restauração da relação. No sentido da admissibilidade, pronunciaram-se, na doutrina, José António Mesquita ("Despedimento (Sanação da sua nulidade) – Caducidade do procedimento disciplinar (Conhecimento oficioso – Prazo)", Revista do Ministério Público, ano 2, vol. 8, Dezembro 1981, pág. 41), Bernardo da Gama Lobo Xavier ("A recente legislação dos despedimentos (O processo disciplinar na rescisão por justa causa)", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, n.ºs 1-2-3-4, Janeiro-Dezembro 1978, pág. 153 e seguintes, em especial pág. 178), e Henrique Salinas ("Algumas questões sobre as nulidades do processo de despedimento", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXIV (VII da 2.ª Série), 1992, n.º 1, págs. 19 e seguintes, em especial págs. 53 e seguintes), e, na jurisprudência, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Fevereiro de 1983, processo n.º 3278 (Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo 1, pág. 189), do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Junho de 1983, processo n.º 2174 (Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo 3, pág. 302), e de 9 de Fevereiro de 1987, processo n.º 5717 (Colectânea de Jurisprudência, ano XII, tomo 1, pág. 279), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17 de Fevereiro de 1987, processo n.º 1331 (Colectânea de Jurisprudência, ano XII, tomo 1, pág. 87), e do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Junho de 1988, processo n.º 1898, e de 6 de Dezembro de 1995, processo n.º 4249 (Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, tomo III, pág. 301), e, por último, o já citado acórdão de 12 de Julho de 2001. Para esta corrente, o que está efectivamente em causa é a delimitação dos poderes da entidade patronal enquanto detentora de poder disciplinar sobre o trabalhador, poder que não se resume à aplicação de sanções, mas também abarca a competência para organizar e dirigir o correspondente processo disciplinar e, nesta competência de direcção processual, não pode deixar de estar incluída a faculdade de apreciar, por iniciativa sua ou na sequência de reclamação do arguido, a ocorrência de nulidades processuais e, sendo caso, o poder de as declarar e de extrair dessa declaração todas as consequências, que normalmente se traduzirão na inutilização dos actos subsequentes, incluindo mesmo a decisão final do processo, se esta já tiver sido proferida. Constituíam, no entanto, pressupostos constantes destas posições, por um lado, o de que a instauração de novo processo disciplinar ou a prática dos actos indevidamente omitidos em processo já desencadeado tinham de respeitar os prazos de caducidade da acção disciplinar e de prescrição da infracção disciplinar, e, por outro lado, o de que a nova decisão de despedimento não podia reportar os seus efeitos à data da anterior. 11. Recordadas as divergências que o regime legal vigente suscita em matéria de possibilidade de reabertura do processo disciplinar, torna-se mais fácil compreender as dúvidas que a norma ora em análise suscita em termos de constitucionalidade.

Dispõe o artigo 436.º do Código – inserido na Subsecção III (Ilicitude do despedimento) da Secção IV (Cessação por iniciativa do empregador) do Capítulo IX (Cessação do contrato) do Título II (Contrato de trabalho) do Livro I (Parte geral) –, sob a epígrafe "Efeitos da ilicitude":

"1. Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado: a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados; b) A reintegrá-lo no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. 2. No caso de ter sido impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, este pode ser reaberto até ao termo do prazo para contestar, iniciando-se o prazo interrompido nos termos do n.º 4 do artigo 411.º, não se aplicando, no entanto, este regime mais do que uma vez."

Por seu turno, o n.º 4 do artigo 411.º determina que a comunicação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos no artigo 372.º, a saber: prazo para o exercício do procedimento disciplinar, fixado em 60 dias, a contar da data do conhecimento da infracção por parte do empregador ou do superior hierárquico com competência disciplinar; e prazo de prescrição da infracção disciplinar, fixado em um ano a contar do momento em que ela teve lugar, salvo se os factos constituírem igualmente crime, caso em que são aplicáveis os prazos prescricionais da lei penal.

O artigo 436.º do Código corresponde aos artigos 399.º do Anteprojecto e 425.º da Proposta de Lei, cujos n.ºs 2 dispunham que "sendo o despedimento declarado ilícito por nulidade do procedimento, com o trânsito em julgado da decisão judicial inicia-se o prazo interrompido nos termos do n.º 4 do artigo (...), não se aplicando, no entanto, este regime mais do que uma vez." Isto é: enquanto no Anteprojecto e na Proposta de Lei a possibilidade de reabertura do processo disciplinar surgia com o trânsito em julgado da declaração judicial de ilicitude do despedimento por nulidade do procedimento, o Código só consente essa reabertura até ao termo do prazo para contestar a acção de impugnação de despedimento fundada em invalidade do procedimento disciplinar.

12. Para o Requerente, "esta possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar que, na prática, poderá ou tenderá mesmo a ocorrer mais de um ano após a ocorrência dos factos que determinaram o despedimento pode traduzir-se numa diminuição das garantias de defesa do trabalhador e afecta sensivelmente as garantias de certeza e segurança jurídicas, umas e outras próprias do princípio do Estado de Direito", pois "a segunda oportunidade dada ao empregador, mesmo quando o despedimento se tenha processado com eventual violação grosseira dos mais elementares direitos de defesa do trabalhador despedido, faz desaparecer, numa primeira fase, o ónus do respeito das garantias formais do procedimento disciplinar por parte do empregador e, como este pode retirar benefícios dessa preterição, tem como riscos práticos prováveis o estímulo à inobservância das exigências procedimentais" e, "no lado do trabalhador, desincentiva-se a impugnação judicial dos despedimentos formalmente inválidos e dificultam-se, objectivamente, as hipóteses de uma defesa que poderá ter de ocorrer muitos meses após o despedimento e perante a invocação de factos que podem, nessa segunda oportunidade de abertura de um procedimento disciplinar conforme às exigências legais e constitucionais de defesa, estar a ser invocados pela primeira vez por parte do empregador", ao que acresce que "a possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar nos termos previstos no artigo 436.º, n.º 2, permite o prolongamento dos prazos de prescrição da infracção e de caducidade do procedimento disciplinar".

Daqui decorreria que "a norma constante do artigo 436.º, n.º 2, pode violar as garantias constitucionais de defesa do trabalhador despedido com preterição das exigência procedimentais que decorrem do princípio do Estado de Direito e pode constituir uma violação da garantia da certeza e segurança jurídicas próprias do mesmo princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição".

13. Antes de entrarmos na apreciação da constitucionalidade da norma ora em causa, cumpre assinalar o respectivo alcance.

Surge como seguro que a norma não se aplica aos casos de inexistência do processo disciplinar e que se exige que, no mínimo, tenha sido emitida nota de culpa, pois só assim será possível fazer activar a previsão contida na segunda parte do preceito (reinício do prazo interrompido com a notificação da nota de culpa). Ora, existindo nota de culpa, ela delimita o objecto do processo, não podendo, na decisão sancionatória, ser invocados factos não constantes da nota de culpa, conforme determina o artigo 415.º, n.º 3, do Código do Trabalho, correspondente ao artigo 10.º, n.º 9, do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante designado por LCCT). Assim, a reabertura do processo disciplinar não consentirá o alargamento da nota de culpa a novos factos (neste sentido: Pedro Romano Martinez, "Considerações gerais sobre o Código do Trabalho", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XLIV (XVII da 2.ª Série), n.ºs 1 e 2, Janeiro-Junho 2003, págs. 5 a 28, em especial pág. 24), a menos que a mesma ocorra antes de expirado o prazo de 60 dias cominado no n.º 1 do artigo 372.º do Código do Trabalho, o que raramente se verificará. Na verdade, atendendo a que na base da estipulação deste prazo está o entendimento de que o facto de o empregador ter deixado decorrer mais de 60 dias sobre a data do conhecimento das infracções imputadas ao trabalhador implica que não as considerou como tornando "imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho", isto é, não as considerou como susceptíveis de integrar justa causa de despedimento, seria absolutamente injustificado que o empregador aproveitasse a reabertura do processo disciplinar para aditar à primitiva nota de culpa novas imputações que anteriormente considerara insusceptíveis de inviabilizar a persistência da relação laboral. Aliás, uma vez esgotado o aludido prazo de 60 dias, não faz sentido falar-se em reinício do mesmo prazo.

Interpretada, nos termos expostos, como inaplicável aos casos de inexistência de processo disciplinar e como não consentindo o alargamento das imputações contidas na nota de culpa (excepto se as novas infracções tivessem chegado ao conhecimento do empregador, ou do superior hierárquico com competência disciplinar, há menos de 60 dias), padecerá a norma em causa de inconstitucionalidade?

A possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar, em si mesma considerada, não ofende a perspectiva substantiva da proibição de despedimentos sem justa causa, pois a acção de impugnação do despedimento só soçobrará definitivamente se o empregador provar ter o trabalhador praticado infracção disciplinar que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. E também não viola a perspectiva procedimental dessa garantia constitucional, pois a reabertura do processo disciplinar visa justamente fazer respeitar os requisitos formais destinados a assegurar eficazmente os direitos de defesa do arguido.

Os efeitos perversos que, segundo o Requerente, essa possibilidade de reabertura do processo disciplinar poderá provocar, quer estimulando o desrespeito das regras procedimentais por parte do empregador, quer desincentivando os trabalhadores de impugnarem despedimentos formalmente inválidos, serão atenuados pelo facto de o empregador não poder reportar os efeitos do "segundo despedimento" à data do primeiro e de ao trabalhador sempre interessar fazer respeitar as garantias processuais que lhe assistem e impugnar despedimentos infundamentados.

A única objecção relevante respeita ao prolongamento do(s) prazo(s) de prescrição, que a solução legislativa consagra, enquanto que, como se viu, mesmo a jurisprudência e a doutrina que defendiam a admissibilidade da reabertura do processo disciplinar sempre pressupuseram que não eram excedidos os prazos prescricionais. Entende-se, apesar disso, que tal não afecta de forma intolerável os direitos de defesa dos trabalhadores arguidos nem os valores da segurança e da certeza jurídicas. Se é certo que agora expressamente se consagra que a acção de impugnação de despedimento tem de ser intentada no prazo de um ano (artigo 435.º, n.º 2), não é menos certo que os trabalhadores se sentem incentivados a propor essa acção no prazo de 30 dias subsequentes ao despedimento, sob pena de, no caso de procedência da acção, perderem o direito ao pagamento das retribuições devidas após esse período de 30 dias (artigo 437.º, n.º 4). Sendo de 10 dias (contados da eventual frustração de tentativa de conciliação a realizar no prazo de 15 dias após a recepção da petição) o prazo para contestar as acções de impugnação de despedimento (artigo 56.º, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro), daqui deriva que, em regra, a faculdade de reabertura do processo disciplinar será exercitada escassos meses após o despedimento, o que atenua fortemente os alegados factores de incerteza jurídica e de maior dificuldade do exercício do direito de defesa do trabalhador arguido.

Por último – e embora o Requerente não tenha invocado este fundamento de inconstitucionalidade, o que, como é sabido, não impede o Tribunal de o apreciar (artigo 51.º, n.º 5, da LTC) –, ainda se dirá que a solução em causa não viola o princípio non bis in idem. Este princípio – que a CRP consagra de forma expressa apenas no âmbito criminal (artigo 29.º, n.º 5), mas cuja aplicação a outros domínios sancionatórios se poderá fundar noutras normas e princípios constitucionais, desde logo os da certeza e segurança jurídicas, ínsitos no princípio do Estado de Direito – não obsta, nem sequer em processo criminal, a que, anulado por razões formais um julgamento (com a consequente eliminação da condenação que dele haja derivado), o arguido, relativamente ao qual procederam os motivos da anulação, seja sujeito a outro julgamento. Com efeito, interposto recurso ordinário e ocorrendo anulação do julgamento e reenvio do processo para novo julgamento (artigos 410.º, n.º 2, e 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), não estamos perante dois julgamentos pela prática do mesmo crime, já que a anulação de um julgamento implicou o seu desaparecimento da ordem jurídica: o "novo" julgamento passará a ser o único julgamento do caso. Aliás, este Tribunal Constitucional, em recursos em que era invocada a violação do citado princípio, concluiu pela improcedência dessa arguição em casos em que a mesma conduta era sancionada como infracção disciplinar e como crime (Acórdãos n.ºs 263/94 e 161/95), ou como integrando um concurso real de crimes (Acórdão n.º 102/99), ou como integrando crime e contra-ordenação (Acórdão n.º 244/99), ou em que pelo mesmo crime eram responsabilizados a pessoa colectiva e o seu representante (Acórdãos n.ºs 212/95, 9/99, 134/01 e 389/01), ou em que, findo o julgamento em processo sumário, se decidiu proceder a reenvio para o processo comum (Acórdão n.º 452/02).

Conclui-se, assim, que a norma constante do n.º 2 do artigo 436.º do Código do Trabalho, que, como se viu, é inaplicável aos casos de inexistência de processo disciplinar e não consente o alargamento das imputações contidas na nota de culpa a novos factos, conhecidos há mais de 60 dias pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar, não padece de inconstitucionalidade.

C) Inconstitucionalidade da norma resultante da interpretação conjugada dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 438.º do Código do Trabalho, que permite a não reintegração de trabalhador de microempresa ou que ocupe cargo de administração ou de direcção, cujo despedimento haja sido judicialmente declarado ilícito, se o seu regresso for gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial.

14. O Código do Trabalho prevê que o contrato de trabalho cesse por caducidade, por revogação (por acordo das partes), por denúncia pelo trabalhador independentemente de justa causa e por resolução (artigo 384.º). Esta resolução pode ser da iniciativa do empregador – por facto imputável ao trabalhador (consistente em comportamento culposo deste que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – artigo 396.º, n.º 1), por despedimento colectivo (fundado em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou em redução de pessoal determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos – artigo 397º, n.º 1), por extinção de posto de trabalho (determinada por motivos económicos, tanto de mercado como estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa, desde que, além do mais, estes motivos não sejam devidos a actuação culposa do empregador ou do trabalhador e seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – artigos 402.º e 403.º, n.º 1, alíneas a) e b)) ou por inadaptação do trabalhador (determinada pela inadaptação superveniente do trabalhador ao posto de trabalho, que torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – artigos 405.º e 406.º, n.º 1) – ou da iniciativa do trabalhador com invocação de justa causa (artigo 441.º).

Relativamente ao despedimento individual por facto imputável ao trabalhador, o Código do Trabalho considera-o ilícito (cf. artigos 429.º e 430.º): (i) se não tiver sido precedido do respectivo procedimento; (ii) se este procedimento for inválido (por faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa; por a nota de culpa não conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador; por não ter sido concedido o prazo de 10 dias úteis para o trabalhador consultar o processo e responder à nota de culpa ou, nas microempresas, por não ter sido garantida a audição do trabalhador; por não terem sido realizadas as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa e não consideradas patentemente dilatórias ou impertinentes; ou por a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito); (iii) se tiverem decorrido os prazos de prescrição do exercício do procedimento disciplinar ou da infracção disciplinar; (iv) se se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso; e (v) se forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento.

A declaração judicial da ilicitude do despedimento implica a condenação do empregador a: (i) pagar as retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento (ou apenas desde 30 dias antes da data da propositura da acção de impugnação do despedimento, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento) até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, com dedução do aliunde perceptum, isto é, das importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; (ii) a indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados; e (iii) a reintegrá-lo no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, podendo o trabalhador optar, em substituição da reintegração, por uma indemnização a fixar pelo tribunal, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do despedimento.

É neste contexto que se insere o artigo 438.º do Código do Trabalho, que, sob a epígrafe "Reintegração", dispõe:

"1. O trabalhador pode optar pela reintegração na empresa até à sentença do tribunal. 2. Em caso de microempresa ou relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção, o empregador pode opor-se à reintegração se justificar que o regresso do trabalhador é gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial. 3. O fundamento invocado pelo empregador é apreciado pelo tribunal. 4. O disposto no n.º 2 não se aplica sempre que a ilicitude do despedimento se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso, bem como quando o juiz considere que o fundamento justificativo da oposição à reintegração foi culposamente criado pelo empregador."

No correspondente n.º 2 do artigo 401.º do Anteprojecto o regime era extensivo igualmente às pequenas empresas, possibilidade que já não constava do correspondente artigo 427.º da Proposta de Lei. Nesta Proposta previa-se, no n.º 4 então aditado, o afastamento da possibilidade de não reintegração quando a ilicitude do despedimento resultasse de este se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso. Só na votação na especialidade é que foi aditada, como causa de exclusão do regime do n.º 2, a de o juiz considerar que o fundamento justificativo da oposição à reintegração fora culposamente criado pelo empregador (Diário da Assembleia da República, II Série-A, Suplemento ao n.º 85, de 9 de Abril de 2003, págs. 3504-(133) e 3504-(134)).

Nos termos do artigo 91.º, n.º 1, considera-se microempresa a que empregar no máximo 10 trabalhadores, pequena empresa a que empregar mais de 10 e até ao máximo de 50 trabalhadores, média empresa a que empregar mais de 50 e até ao máximo de 200 trabalhadores e grande empresa a que empregar mais de 200 trabalhadores.

Para se avaliar o alcance da medida em causa, interessará atentar nos seguintes dados estatísticos apurados pelo Ministério da Segurança Social e do Trabalho com base nos quadros de pessoal de 2000:

Empresas Trabalhadores Número % Número % Microempresas 173 350 81,11 637 333 29,24 Pequena empresa 30 796 14,41 480 550 22,05 Média empresa 7 514 3,52 391 417 17,96 Grande empresa 2 065 0,97 670 009 30,74 Total 213 725 100,00 2 179 309 100,00

Daqui resulta que este regime especial de não reintegração abrange 29,24% dos trabalhadores, abstraindo dos trabalhadores que ocupem cargos de administração ou de direcção. 15. Segundo o Requerente, "ainda que o seu verdadeiro sentido não seja fácil de apurar, da norma em causa parece resultar que em circunstâncias pré-determinadas (microempresas ou relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção) e sempre que o juiz considere não estar perante um dos fundamentos discriminados no n.º 4 do artigo 438.º, o empregador pode opor-se à reintegração de um trabalhador ilicitamente despedido se justificar que o regresso do trabalhador é gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial e poderá fazer valer essa oposição mesmo quando o trabalhador opte pela reintegração na empresa", embora não fique "claro se, à margem dos fundamentos discriminados no n.º 4, é o juiz ou o empregador quem, em última análise, decide da não reintegração". Porém, "em qualquer das hipóteses, estaríamos perante um despedimento judicialmente considerado ilícito e, todavia, ao arrepio do que parece decorrer da garantia constitucional da segurança no emprego, o trabalhador ilicitamente despedido, desde que se verificassem alguns pressupostos sobre os quais não tem qualquer possibilidade de agir, perderia o direito a manter a seu posto de trabalho e a ser nele reintegrado", e, "assim, a norma em apreço pode constituir uma violação da garantia de segurança no emprego e proibição de despedimentos sem justa causa consagrada no artigo 53.º da Constituição". 16. No regime legal actualmente vigente, a declaração judicial da ilicitude do despedimento tem sempre como efeito, além do mais, a condenação do empregador na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, a menos que este, até à sentença, opte pela "indemnização de antiguidade". Apenas no contrato de trabalho doméstico se prevê que a reintegração como consequência da declaração judicial da ilicitude do despedimento só ocorra se houver acordo entre trabalhador e empregador (artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de Outubro). Neste contexto, justifica-se que se recorde a jurisprudência deste Tribunal Constitucional sobre o alcance da proibição constitucional de despedimentos sem justa causa. No Acórdão n.º 107/88 procedeu-se a desenvolvida análise da evolução legislativa pertinente e dos pronunciamentos doutrinais e jurisprudenciais que provocou, em termos que se consideram adquiridos. Face à norma do artigo 2.º, alínea d), do Decreto da Assembleia da República n.º 81/V, então sujeito a fiscalização preventiva da constitucionalidade, que, ao definir o sentido da autorização legislativa a conceder ao Governo para rever o "regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, do contrato de trabalho a termo e o regime processual da suspensão e redução da prestação do trabalho", previa a "admissão de substituição judicial da reintegração do trabalhador, em caso de despedimento ilícito, por indemnização quando, após pedido da entidade empregadora, o tribunal crie a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho", ponderou-se o seguinte:

"Na vertente agora em apreço, autoriza a norma que, em caso de despedimento judicialmente declarado ilícito, a reintegração do trabalhador, após pedido da entidade empregadora, seja substituída por indemnização quando o tribunal crie a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho.

Quer isto dizer que, não obstante o despedimento ordenado pela entidade patronal haver sido declarado ilícito na acção que contra a mesma e por tal facto instaurou o trabalhador, pode ainda assim o juiz, quando criar a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho, substituir a reintegração por indemnização, após pedido em tal sentido da entidade empregadora.

A inexistência de justa causa, a inadequação da sanção ao comportamento verificado e a nulidade ou inexistência do processo disciplinar determinam a nulidade do despedimento que, apesar disso, tenha sido declarado e constituem no trabalhador o direito à reintegração na empresa no respectivo cargo ou posto de trabalho (cf. artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75).

O acto que extingue o contrato de trabalho, no regime da norma em apreço, vem a revelar-se ilícito, antijurídico, e, não obstante isso, pode vir a ocasionar o despedimento quando o juiz criar a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho.

Quer isto dizer que a entidade patronal, ao desencadear um despedimento ilícito, originou uma situação de conflito e tensão na relação laboral, acabando o clima de perturbação a ela devido por servir para levar o juiz a substituir a reintegração por indemnização.

Não existe aqui lugar para o apelo a qualquer princípio de tu quoque, de compensação de culpas, pois que, ao menos no recorte abstracto da situação normativa, apenas à entidade empregadora pertence responsabilidade na degradação da relação de trabalho, por efectuar um despedimento ilícito em termos de assim ser reconhecido pelo tribunal.

A culpa do empregador, através do mecanismo instituído neste norma, volta-se, não contra ele próprio, mas sim contra o trabalhador, que acaba despedido, em última análise, por força de um acto judicialmente declarado ilícito e situado na esfera de exclusiva responsabilidade da entidade patronal. É que a eventual impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho dever-se-á, em direitas contas, ao menos na generalidade das situações, ao próprio despedimento ilícito e às tensões que se lhe seguiram e o acompanharam.

A substituição da reintegração pela indemnização, em semelhante quadro, permitiria que a entidade patronal sempre pudesse despedir o trabalhador à margem de qualquer «causa constitucionalmente lícita», bastando-lhe para tanto criar, mesmo que artificialmente, as condições objectivas (despedimento ilícito + perturbações da relação laboral = impossibilidade do reatamento de normais relações do trabalho) conducentes à cessação do contrato de trabalho.

É patente a violação do disposto no artigo 53.º da Constituição."

O Tribunal Constitucional viria a ser novamente confrontado com esta problemática perante pedidos de fiscalização sucessiva da constitucionalidade de diversas normas da Lei (de autorização legislativa) n.º 107/88, de 17 de Setembro (originado na iniciativa legislativa sobre que se debruçara o Acórdão n.º 107/88), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (emitido ao abrigo daquela autorização), e do Regime Jurídico por ele aprovado (LCCT), entre elas as que previam "formas de cessação do contrato de trabalho com base em causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador ou do trabalhador, fundadas em motivos económicos, tecnológicos, estruturais ou de mercado, relativos à empresa, estabelecimento ou serviço que, em cada caso concreto, tornassem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho" e especificamente a cessação do contrato por extinção do posto de trabalho. A este propósito, e tendo em vista a garantia constitucional da segurança no emprego, ponderou-se no Acórdão n.º 581/95:

"III (...) – 1. A Constituição, no artigo 53.º, garante aos trabalhadores «a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos». Esta garantia constitui uma manifestação essencial da fundamentalidade do direito ao trabalho e da ideia conformadora de dignidade que lhe vai ligada. Por via dela se afirma em modo paradigmático a influência jus-fundamental nas relações entre privados, que não é aí apenas uma influência de irradiação objectiva, mas uma influência de ordenação directa das relações contratuais do trabalho. E é também o valor da autonomia que se realiza no programa da norma constitucional do artigo 53.º. A Constituição deixa claro o reconhecimento de que as relações do trabalho subordinado não se configuram como verdadeiras relações entre iguais, ao jeito das que se estabelecem no sistema civilístico dos contratos. A relevância constitucional do «direito ao lugar» do trabalhador envolve um desvio claro da autonomia contratual clássica e do «equilíbrio de liberdades» que a caracteriza. É que as normas sobre direitos fundamentais detêm, no plano das relações de trabalho, uma eficácia de protecção da autonomia dos menos autónomos. Aqui é evidente o desiderato constitucional de ligação da liberdade fáctica e da liberdade jurídica. A Constituição faz depender a validade dos contratos não apenas do consentimento das partes no caso particular, mas também do facto de que esse consentimento «se haja dado dentro de um marco jurídico-normativo que assegure que a autonomia de um dos indivíduos não está subordinada à do outro» (C. S. Nino, Ética y Derechos Humanos, Buenos Aires, 1984, pág. 178). A segurança no emprego implica, pois, a construção legislativa de um conjunto de meios orientados à sua realização. Desde logo, estão entre esses meios a excepcionalidade dos regimes da suspensão e da caducidade do contrato de trabalho e da sua celebração a termo. Mas a proibição dos despedimentos sem justa causa apresenta-se como elemento central da segurança no emprego, como a «garantia da garantia». Enquanto pauta de valoração, que carece de preenchimento, a «justa causa» implica uma abertura hermenêutica à estrutura geral da Constituição e à ordem de valores que entranha essa estrutura. Se bem que a «justa causa» se subtraia a uma definição conceptual, excluindo assim um método subsuntivo para lhe conferir operatividade, ela não pode ter-se como «fórmula vazia pseudo-normativa» compatível «com todas ou quase todas as formas concretas de comportamento e regras de comportamento (...). Ao invés, contém uma ideia jurídica específica» (Karl Larenz, referindo-se às pautas de regulação que carecem de preenchimento valorativo e exemplificando precisamente com a «justa causa» (Metodologia da Ciência do Direito, tradução portuguesa, 2.ª edição, a partir da 5.ª edição alemã de 1983, Lisboa, 1989, págs. 263-264)). A interpretação tem pois que fazer apelo aos valores da dignidade e da autonomia e aos paradigmas do Estado social de direito. O critério de medida da legislação haverá de ter em conta que para a ordem constitucional o trabalho constitui um importante meio de auto-realização do indivíduo, que o trabalhador é «um fim em si», não é um simples meio para os planos de vida do empregador, e também que – como afirma Forsthoff – para a ordem da Constituição Social, «a realidade da concreta existência individual deixou de se desenvolver num espaço vital dominado e passou a desenvolver-se num espaço vital efectivo» (Ernst Forsthoff, «Problemas constitucionales del Estado Social», in Wolfgang Abendroth / Ernst Forsthoff / Karl Doehring, El Estado Social, tradução castelhana, Madrid, 1986, págs. 43 e seguintes). Essa ideia tem expressão exemplar no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/88 (citado): «(...) A garantia de segurança do emprego (...) postula, desde logo, a garantia da estabilidade da posição do trabalhador na relação de trabalho e de emprego e a sua não funcionalização aos interesses da entidade patronal . E esta verificação não pode deixar de interpenetrar o verdadeiro sentido da justa causa para despedimento e a avaliação constitucional que sobre ela se empreenda» (sublinhado agora). 2. Da justa causa retira-se, no essencial, que o trabalhador não pode ser privado do trabalho por mero arbítrio do empregador. A garantia constitucional da segurança no emprego significa, num certo sentido, como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, uma «alteração qualitativa do estatuto do titular da empresa» que, assim, «não goza de liberdade de disposição sobre as relações de trabalho» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pág. 287). Na teleologia da norma do artigo 53.º da Constituição está pois a ideia de que a estabilidade do emprego envolve uma «resistência» aos desígnios do empregador, que ela não pode ser posta em causa por mero exercício da vontade deste. Este sentido nuclear assinalou-o a jurisprudência constitucional ao conceito de justa causa e à garantia, que funda, da segurança no emprego. Em vários momentos deixa claro que em nenhuma circunstância estão justificados os despedimentos arbitrários ou discricionários. O acórdão n.º 107/88 (citado) perguntava se a garantia constitucional da segurança no emprego admitia apenas a justa causa disciplinar como fundamento de despedimento (existência de culpa grave do trabalhador) ou se admitia também «despedimentos fundados em causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador e que, em cada caso concreto, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho». E se bem que se não houvesse aí concretizado uma resposta definitiva para o problema, advertiu-se logo para que a eventual admissibilidade de despedimentos fundados em causas objectivas haveria de pressupor um particular sistema (legal) de garantias substantivas e de procedimento. Este acórdão – que empreendera um longo excurso pela legislação laboral anterior aos trabalhos preparatórios da Constituição – afirmou ainda que não cabia na «intenção jurídico-normativa» da norma constitucional do artigo 53.º o ressurgimento da figura do motivo atendível que o Decreto-Lei n.º 372-A/75 erigira em causa de despedimento e definira como «o facto, situação ou circunstância objectiva, ligado à pessoa do trabalhador ou à empresa, que dentro dos condicionalismos da economia da empresa, torne contrária aos interesses desta e aos interesses globais da economia a manutenção da relação de trabalho». Mesmo para quem não empreenda esta aproximação «originalista» da norma constitucional, é clara a ideia – aliás, expressamente assumida no mesmo acórdão – de que a essencialidade da justa causa está na não funcionalização do trabalho aos interesses do empregador ou à mera conveniência da empresa. Ideia que vem também estruturar a argumentação do acórdão n.º 64/91 (citado): aqui, é retomado o problema que se deixara em aberto no primeiro acórdão, da determinação dos fundamentos de cessação do contrato de trabalho constitucionalmente admissíveis. Diz-se: «(...) ao lado da ‘justa causa’ disciplinar, a Constituição não vedou em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral». O acórdão adverte para que, neste caso dos despedimentos por causa objectiva, se impõe a instituição de garantias substantivas e de procedimento. Entre essas garantias estão a de determinação das causas (com suficiente concretização dos conceitos da lei), da controlabilidade das situações de impossibilidade objectiva, e do asseguramento ao trabalhador de uma indemnização. 3. Manifestamente, a Constituição não quis afastar as hipóteses de desvinculação do trabalhador naquelas situações em que a relação de trabalho não tem viabilidade de subsistência e que não são imputáveis à livre vontade do empregador. A cessação do contrato de trabalho tem aqui um fundamento que radica na mesma lógica de legitimação dos despedimentos colectivos. Para usar a formulação do acórdão n.º 64/91 (citado), «a verdadeira impossibilidade objectiva de subsistência da relação laboral é que justifica a legitimidade constitucional dos despedimentos colectivos (...). Ora, é uma impossibilidade análoga que há-de justificar também (aqui) os despedimentos individuais (...)». Nos despedimentos por causa objectiva não existe o pressuposto da culpa, com a censura ético-jurídica que lhe vai ligada. A emergência da cessação do vínculo laboral não deriva de qualquer facto que o trabalhador houvesse que ter prevenido com a sua própria vontade. E também não é imputável ao empregador. «A inviabilidade [do contrato] respeita a todos, é uma impossibilidade objectiva» (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 5.ª edição, Coimbra, 1992, págs. 66-67). Ao decidir sobre a validade dos despedimentos concretamente declarados, o tribunal abstrai dos pontos de vista relativos à culpa para erigir em critério de decisão as causas e circunstâncias que a lei ligou àquela impossibilidade. A garantia constitucional da segurança no emprego exige aqui que o «direito do sistema» seja já, na maior medida possível, «direito do problema», direito operativo que não regulação aberta capaz de potenciar despedimentos arbitrários, judicialmente incontroláveis."

Passando depois à análise das normas então impugnadas (artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88 e artigos 26.º a 33.º da LCCT), o citado Acórdão n.º 581/95 expendeu o seguinte:

"Desde logo, a norma do artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88 não afronta a garantia constitucional da segurança no emprego. Ali, as causas objectivas de cessação do contrato de trabalho são ordenadas a uma circunstância de impossibilidade prática, de inexigibilidade da permanência do contrato. Segundo o programa da norma, essas causas devem revelar «a inexistência ou inadequação prática de medida alternativa à extinção do vínculo» (Monteiro Fernandes). Depois, não devem ser em qualquer caso imputáveis a culpa do empregador. Finalmente, está o Governo-legislador incumbido de instituir, quanto a essas formas de cessação, um sistema adequado de garantias substantivas e de procedimento. A norma vem, por este modo, ao encontro dos pressupostos que o acórdão n.º 107/88, ao analisar o Decreto n.º 81/V, já ensejava para a admissibilidade – que então não discutiu – dos despedimentos por causa objectiva. Ora, é justamente o desiderato estabelecido na norma do artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88, que se realiza nas normas dos artigos 26.º a 33.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89. Aqui, o Governo exerce uma competência normativa que tem os limites e se ordena aos fins ditados na lei de autorização. Nas normas dos artigos 26.º a 33.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, o legislador exige, no sentido da Constituição, uma motivação justa, processualmente adequada, judicialmente controlável e com pagamento de uma indemnização para os despedimentos por causa objectiva. Para isso, explicita as causas (motivos económicos ou de mercado, motivos tecnológicos, motivos estruturais (artigo 26.º, n.ºs 1 e 2)), impõe a verificação cumulativa de certas condições (artigo 27.º, n.º 1, alíneas a), b), c), d) e e)) e também critérios para a «concretização dos postos de trabalho a extinguir» (artigo 27.º, n.º 2). Dentre as condições a que se subordina a cessação do contrato de trabalho relevam, em especial, a de não imputabilidade dos motivos invocados a culpa do empregador (artigo 26.º, n.º 1, alínea a)), a de impossibilidade prática da subsistência do vínculo (artigo 26.º, n.º 1, alínea a)) e a não existência de contratos a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto (artigo 26.º, n.º 1, alínea a)), para além da garantia – que mais se afirma como garantia a posteriori – de uma indemnização. E relevam porque aí se revêem os traços essenciais da justificação que a garantia constitucional de segurança no emprego exige aos despedimentos por causa objectiva: a não disponibilidade do empregador sobre a relação de trabalho, a emergência da resolução do contrato como «imperativo prático» (Monteiro Fernandes), a inexistência de formas contratuais a termo para as tarefas correspondentes ao posto de trabalho a extinguir, aqui se consubstanciando um «controlo de prognoses» (Gomes Canotilho e Vital Moreira) sobre a permanência no futuro das causas de extinção do vínculo. A condição de impossibilidade prática de subsistência do contrato (artigo 26.º, n.º 3) é mesmo especialmente concretizada por forma a poder-se constituir em critério de valoração para o controlo do despedimento. Esse critério – que é, de novo, explicitado na norma do artigo 30.º, n.º 1, alínea b) – é o da inexistência de uma alternativa razoável à cessação do vínculo (sublinhado no original). Mas no sistema das normas em análise relevam ainda garantias adequadas de procedimento: a entidade empregadora deve comunicar às estruturas representativas dos trabalhadores a intenção de extinguir os postos de trabalho em causa (artigo 28.º). Essas estruturas e o trabalhador podem «em caso de oposição à cessação, emitir parecer fundamentado» e «solicitar a intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho» (artigo 29.º). A decisão de despedimento deve ser fundamentada, entre o mais, com a indicação dos motivos e «justificação de inexistência de alternativas à cessação do contrato do ocupante do posto de trabalho extinto» (artigo 30.º) e comunicada ao trabalhador e seus representantes e também à Inspecção-Geral do Trabalho. O Decreto-Lei n.º 64-A/89 define ainda as causas de nulidade do despedimento cujo controlo é cometido ao tribunal (artigo 32.º) e institui a providência cautelar da suspensão de cessação do contrato (artigo 33.º). Finalmente, garante ao trabalhador os direitos a aviso prévio, crédito de horas e compensação pecuniária por despedimento (artigo 31.º, remetendo para os artigos 21.º, 22.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 23.º). A cessação do contrato de trabalho por causas objectivas, prevista nas normas dos artigos 26.º a 33.º do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, não afronta a garantia constitucional da segurança no emprego. Aí estão suficientemente determinadas as causas objectivas e a sua ligação à circunstância da impossibilidade prática de subsistência do vínculo laboral, aí se afasta expressamente a liberdade de «disposição» do empregador, aí se estabelecem garantias adequadas de procedimento. Essas normas radicam a cessação do contrato de trabalho na ideia de que a manutenção do trabalho deixou de ser possível ou proporcionada em certas situações. E têm a determinabilidade exigível para oferecer ao juiz critérios de controlo dos despedimentos concretamente declarados."

A evocação da anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a presente problemática não pode prescindir de referência a dois aspectos tratados no Acórdão n.º 64/91, emitido em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade do Decreto da Assembleia da República n.º 302/V: um relativo à prestação de trabalho em comissão de serviço e o outro relativo à cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador.

Quanto ao primeiro aspecto, o diploma em causa, propondo-se regular pela primeira vez em Portugal o desempenho de funções em comissão de serviço no âmbito de um contrato de trabalho subordinado, previa três situações: (i) desempenho dessas funções por trabalhador da empresa, (ii) desempenho por pessoa estranha à empresa mas com simultânea colocação em lugar ou categoria existente ou a criar na empresa e (iii) desempenho por pessoa estranha à empresa com previsão da cessação do contrato com a cessação da comissão de serviço. Podendo o desempenho de funções em comissão de serviço (para o exercício de cargos de administração, de direcção directamente dependentes da administração e de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos) cessar em qualquer momento por decisão de qualquer das partes, a violação da garantia da segurança do emprego não se colocava nas duas primeiras situações: cessada a comissão de serviço por iniciativa do empregador, o trabalhador da empresa regressava à categoria anteriormente detida (ou àquela a que entretanto devesse ter sido promovido) e o trabalhador recém admitido assumiria o lugar ou a categoria para que fora simultaneamente contratado. Só na terceira situação se colocavam as questões do eventual desrespeito da aludida garantia constitucional e da admissibilidade da disposição pelo trabalhador de um direito irrenunciável. A essas questões a maioria do Tribunal emitiu então pronúncia de não inconstitucionalidade com a seguinte fundamentação:

"Foi entendido que os cargos dirigentes ou a eles equiparados se revestem de um evidente carácter fiduciário, de tal forma que, pela sua natureza, são exercidos pelos titulares de forma precária, estando subjacente sempre uma ideia de que a todo o tempo pode cessar a comissão, por decisão de qualquer das partes no contrato. Não está legalmente excluído que as partes possam apor um termo a este contrato. Em algumas dessas funções, nomeadamente nas funções de administração, tem-se predominantemente entendido que se não está perante um contrato de trabalho, mas antes perante um contrato de mandato ou de prestação de serviço em regime liberal, como, aliás, foi aventado durante o debate parlamentar desta proposta de lei. Em outros, porém, especialmente nos de secretariado pessoal, existe prestação de serviços ou de trabalho, embora com regime próprio. Mas também então se verifica aquela modificação no conteúdo ou na essencialidade do dever de lealdade, que Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 190) considera típica dos «cargos de direcção ou de confiança»: «a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador». Não necessita este Tribunal de dirimir a questão de saber se o carácter fiduciário (e, portanto, a diferente ponderação em que a fidelidade pessoal e adequação funcional objectiva determinam o conteúdo dos deveres do prestador de serviços) implica a constituição de um tipo contratual distinto do contrato de trabalho. Bastará ao Tribunal reconhecer que, nestes casos, há fundamento material para um regime de cessação do contrato, restrito ao contrato ou acordo de comissão de serviço, que o fará terminar com a cessação da relação de confiança considerada essencial. Nestes casos, a quebra de relação fiduciária torna absolutamente impossível o serviço comissionado, como se de impossibilidade objectiva se tratasse, não tendo sentido falar-se de derrogação de normas inderrogáveis a este propósito" (itálicos no original).

Relativamente à admissibilidade da cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador, o Tribunal não considerou constitucionalmente ilegítima esta nova figura, com base na seguinte argumentação:

"Este Tribunal perfilha o entendimento de que não é constitucionalmente ilegítima esta nova figura de cessação de contrato de trabalho, nos precisos termos em que está regulada no Decreto em apreciação, desenvolvendo assim a problemática que se deixara em aberto no Acórdão n.° 107/88, isto é, a questão da admissibilidade de despedimentos individuais fundados em «causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador que, em cada caso concreto, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho». Em abono da constitucionalidade da figura agora prevista no diploma sub judicio poderá desde logo argumentar-se, num primeiro entendimento, que o conceito constitucional de justa causa é susceptível de cobrir factos, situações ou circunstâncias objectivas, não se limitando à noção de justa causa disciplinar que está aceite no nosso Direito do Trabalho desde 1976 (artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 372-A/75, na redacção do Decreto-Lei n.° 841-C/76: «comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho»; noção esta repetida no artigo 9.°, n.° l, da nova Lei dos Despedimentos de 1989, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89). Partindo da ideia de que a Constituição, «quando proíbe os despedimentos sem justa causa, coloca-se noutra perspectiva: a da defesa do emprego e da necessidade de não consentir denúncias imotivadas. Não fez apelo aos casos excepcionais da antiga ‘justa causa’ que legitimava uma rescisão imediata sem indemnizações; a proibição constitucional tem uma explicação diversa, pois pretende atingir os despedimentos arbitrários, isto é, sem motivo justificado» (Bernardo da Gama Lobo Xavier, «A recente legislação dos despedimentos», in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, 1976, pág. 161, passo transcrito na declaração de voto conjunta dos Conselheiros Cardoso da Costa e Messias Bento, anexa ao Acórdão n.° 107/88), é assim possível defender que a Constituição não veda formas de despedimento do trabalhador com fundamento em motivos objectivos, «tais como o despedimento tecnológico ou por absolutas necessidades da empresa». Isto sem prejuízo de o despedimento por estes últimos motivos dever obedecer a uma regulamentação específica, rodeada de adequadas garantias. Mas ainda quando se não partilhe o ponto de vista acabado de referir, quanto ao preenchimento do conceito constitucional indeterminado de justa causa, continuar-se-á a sustentar, agora num segundo entendimento, o juízo de legitimidade constitucional desta regulamentação. É que, mesmo partindo-se de uma «densificação semântica» do conceito constitucional de justa causa que privilegie a história dos trabalhos preparatórios e a preocupação do legislador constituinte de proscrever os despedimentos com base em motivo atendível, previstos na Lei dos Despedimentos de 1975 (vejam-se Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª ed., Coimbra, 1984, pág. 291), deve entender-se que, ao lado da «justa causa» (disciplinar), a Constituição não vedou em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral. Já se não estará perante situações de despedimento com base em justa causa quando se permite a cessação do contrato de trabalho pela causa objectiva de o trabalhador não conseguir adaptar-se a uma alteração tecnológica do seu posto de trabalho, inadaptação que, sem culpa do empregador, torne praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral e justifique por isso, a respectiva caducidade. Não pode admitir-se que baste a conveniência da empresa, por razões objectivas, para ser constitucionalmente legítimo pôr-se termo ao contrato de trabalho. Há-de considerar-se que tem de verificar-se uma prática impossibilidade objectiva e que tais despedimentos hão-de ter uma regulamentação substantiva e processual distinta da dos despedimentos com justa causa (disciplinar), de tal forma que fiquem devidamente acauteladas as exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade, não podendo através desse meio conseguir-se, em caso algum, uma «transfiguração» da regulamentação que redunde na possibilidade, mais ou menos encapotada, de despedimentos imotivados ou ad nutum ou de despedimentos com base na mera conveniência da empresa. Ainda segundo este ponto de vista mais restritivo na densificação semântica da noção constitucional de justa causa, considera-se que a verdadeira impossibilidade objectiva de subsistência da relação laboral é que justifica a legitimidade constitucional dos despedimentos colectivos, regulamentados pelo Decreto-Lei n.° 84/76, de 28 de Janeiro, já depois de aprovado o texto do que viria a ser o artigo 52.°, alínea b), da versão original da Constituição de 1976, correspondente ao actual artigo 53.° da Constituição. Ora é uma impossibilidade objectiva análoga que há-de justificar também os despedimentos individuais com base em motivos de inadaptação por evolução tecnológica («despedimentos tecnológicos»), a que se referia o deputado Francisco Marcelo Curto no debate da Assembleia Constituinte com o deputado Mário Pinto, na sessão em que foi aprovado o texto da referida norma constitucional (remete-se para o Diário da Assembleia Constituinte, n.° 48, de 18 de Setembro de 1975, pág. 1388, e para o texto do Acórdão n.° 107/88 e para as declarações de voto dos Conselheiros Raul Mateus, Cardoso da Costa e Messias Bento), pois não se vê por que há-de ser constitucionalmente legítimo o despedimento colectivo de dois trabalhadores numa empresa de, por exemplo, 40 trabalhadores, com base em motivos tecnológicos, e já passe a ser ilegítimo o despedimento individual de um trabalhador na mesma empresa, por inadaptação decorrente de introdução de modificações tecnológicas no seu posto de trabalho (vejam-se os artigos 13.°, n.° 2, da Lei dos Despedimentos de 1975, na redacção introduzida pelo citado Decreto-Lei n.° 84/76, e 16.° da Lei dos Despedimentos de 1989). Ponto fundamental é que a regulamentação substantiva e processual seja distinta da prevista para os despedimentos com justa causa, os conceitos utilizados não sejam vagos ou demasiado imprecisos (como se entendeu no Acórdão n.° 107/88 que sucedia com o diploma então em apreço) e que as garantias concedidas ao trabalhador, quer no plano da fiscalização (por entidade estranha ao vínculo) da existência de uma situação de impossibilidade objectiva, quer no que toca à indemnização a conceder-lhe, estejam asseguradas. Determinante neste juízo de constitucionalidade foi pois – para qualquer das posições em presença – o regime traçado em concreto no diploma em apreciação, constante das onze alíneas do n.° 6 do seu artigo 2.°, quer no que toca à caracterização da causa de despedimento e da finalidade visada, quer no que toca aos seus elementos integrantes e aos condicionalismos ligados à sua efectivação, quer, por último, às significativas garantias do trabalhador que aí estão previstas. Impõe-se, por isso, uma análise da regulamentação globalmente traçada no Decreto n.° 302/V. Do corpo do n.° 6 do artigo 2.°, retira-se que a cessação do contrato de trabalho por inadaptação nos casos em que forem introduzidas modificações tecnológicas no posto de trabalho há-de visar «acautelar a eficácia da reestruturação das empresas como instrumento essencial da competitividade no mercado e, nessa medida, de segurança do emprego dos respectivos trabalhadores, bem como proteger a posição do trabalhador, garantindo-lhe, nomeadamente, prévia formação profissional e um período de adaptação suficiente no posto de trabalho». Os elementos integradores desta causa constam das três primeiras alíneas do referido número, e, nas alíneas d) e e), prevê-se um aviso prévio fundamentado obrigatoriamente comunicado ao trabalhador e à estrutura representativa dos trabalhadores, assegura-se a intervenção desta estrutura na apreciação dos motivos invocados e reconhece-se um direito de oposição do próprio trabalhador quanto à cessação. Além disso, garantem-se os direitos a aviso prévio, a crédito de horas durante esse período, a uma compensação pecuniária proporcional à duração do contrato e até a rescisão do contrato pelo trabalhador durante o prazo de pré-aviso, sem perda do direito à compensação. No plano das garantias processuais da protecção do emprego, o Decreto em apreciação tutela as consequências da ilicitude do despedimento, confere carácter urgente às acções judiciais destinadas a declarar a mesma ilicitude, bem como prevê a instituição de providência cautelar de suspensão desta causa de cessação do contrato de trabalho. Impõe-se à entidade patronal a manutenção do nível de emprego permanente, bem como a obrigação de informação e consulta das estruturas representativas dos trabalhadores quanto às modificações nos postos de trabalho decorrentes da reestruturação ou alterações tecnológicas. Por último, estabelece-se um «adequado regime punitivo» relativo às infracções cometidas pela entidade empregadora na matéria. Há-de, assim, concluir-se que não se mostram violados os artigos 53.º ou 18.º, n.º 2, da Constituição, visto que a cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador nos casos de introdução de modificações tecnológicas no posto de trabalho é ainda compatível com o princípio constitucional da proibição dos despedimentos sem justa causa, funcionando como ultima ratio, verificação de uma situação de impossibilidade objectiva, mostrando a regulamentação proposta que fica afastado o risco de transfiguração ou desvirtuamento do instituto, de forma a que a sua aplicação não permita, na prática, os despedimentos imotivados ou ad nutum ou com base na mera conveniência da empresa." (itálicos no original).

17. Recordada a anterior jurisprudência mais relevante deste Tribunal sobre a noção de despedimento sem justa causa, da qual não resulta directamente qualquer solução para o presente caso, é tempo de retornar à norma ora em apreciação, norma cuja interpretação suscita algumas dúvidas.

A declaração judicial da ilicitude do despedimento, determinando a invalidade desse facto extintivo da relação contratual laboral, implica que juridicamente tudo se deve passar como se essa relação nunca tivesse sido interrompida, pelo que a "reintegração" surge como o efeito normal de tal declaração. Porém, a legislação vigente confere ao trabalhador – e apenas a este – a faculdade de renunciar à reintegração e optar pela indemnização de antiguidade, configurando assim o facto de ele ter sido alvo de um despedimento ilícito como integrando uma justa causa para a rescisão do contrato de trabalho por sua iniciativa. Reintegração e indemnização de antiguidade não são alternativas que estejam colocadas ao mesmo nível, surgindo a indemnização como sucedâneo da reintegração. Este sistema é mantido como regra pelo Código do Trabalho (cf. artigos 436.º, n.º 1, alínea b), e 439.º, n.º 1): o que resulta do sistema do Código é que o trabalhador tem, à partida, direito à reintegração, embora ele (e só ele) possa optar, como sucedâneo, pela indemnização de antiguidade.

Seguidamente, cumpre assinalar que, pela sua inserção sistemática, a norma em causa parece susceptível de aplicação a todas as situações de ilicitude de despedimento, quer este despedimento se funde em facto imputável ao trabalhador, em extinção do posto de trabalho ou em inadaptação do trabalho, quer se trate de despedimento colectivo.

Depois, da fórmula usada no n.º 3 resulta que há-de partir da iniciativa do empregador a oposição à reintegração, embora incumba ao tribunal a verificação da efectiva ocorrência do fundamento legal dessa oposição, no caso de essa ocorrência ser questionada pelo trabalhador.

Finalmente, a culpa do empregador, que exclui o direito de oposição à reintegração, respeita à criação da situação de grave prejuízo e perturbação para o prosseguimento da actividade empresarial, o que não se confunde com a culpa do mesmo empregador ao ter procedido a um despedimento ilícito.

18. O cerne da questão suscitada a propósito desta norma consiste em saber se à proibição constitucional do despedimento sem justa causa corresponde, necessária e invariavelmente, a invalidade de tal despedimento e o consequente direito do trabalhador à reintegração – uma tutela específica, ou "real", do posto de trabalho – ou se existirão situações em que são constitucionalmente admissíveis desvios – com tutela ressarcitória – à regra da reintegração, e se uma destas situações não poderá ser a hipótese ora em apreciação.

No direito ordinário está hoje consagrada, pelo menos, solução que é expressão desta segunda possibilidade: é o caso, já referido, do contrato de trabalho doméstico.

Para além disto, no caso do contrato de trabalho do praticante desportivo, apesar de o artigo 27.º, n.º 2, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, consagrar o direito do trabalhador/praticante desportivo à reintegração no clube em caso de despedimento ilícito, João Leal Amado (Vinculação versus Liberdade. O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, págs. 297-307) critica essa opção legislativa, por reputar não constitucionalmente imposta em todos os casos a tutela reintegratória e considerar que a voluntariedade da relação desportiva não convive facilmente com a coercibilidade do vínculo jurídico-laboral do praticante, pelo que a lei deveria prescindir daquela tutela nesse domínio, optando por um sistema meramente ressarcitório, que é, aliás, o consagrado, para o futebol profissional, tanto na PRT de 1975 como no CCT de 1991 e até no CCT de 1999, já posterior àquela lei. Por outro lado, Jorge Leite e Coutinho de Almeida (Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, págs. 263-264), reflectem em geral sobre a obrigação de "reocupação do posto de trabalho" como consequência da nulidade do despedimento, adiantando que "a ordem jurídica não pode nem deve estimular obstáculos de natureza subjectiva à realização de direitos fundamentais ou de quaisquer outros, antes os deve contrariar", e que "a oposição gerada em sentimentos do empregador (respeitáveis ou condenáveis) não pode prevalecer sobre os interesses na realização do direito ao trabalho e à segurança no emprego", e concluindo que a obrigação de reintegração "se deve excluir do âmbito do contrato de serviço doméstico e de empresas famil

Acórdão n.º 306/03

Processo n.º 382/03

Plenário

Relator: Cons. Mário Torres

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. O Presidente da República requereu, nos termos dos artigos 278.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas:

1) normas constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto da Assembleia da República n.º 51/IX, que aprova o "Código do Trabalho", por eventual violação dos n.ºs 1 e 3 do artigo 56.º da CRP;

2) norma constante do n.º 1 do artigo 4.º do "Código do Trabalho", aprovado pelo referido Decreto, por eventual violação dos n.ºs 1 e 6 do artigo 112.º da CRP;

3) norma constante do segundo segmento do n.º 2 do artigo 17.º do mesmo Código, por eventual violação dos artigos 26.º e 18.º, n.º 2, da CRP;

4) norma constante do n.º 2 do artigo 436.º do mesmo Código, por eventual violação do artigo 2.º da CRP;

5) norma resultante da interpretação conjugada dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 438.º do mesmo Código, por eventual violação do artigo 53.º da CRP;

6) norma resultante da interpretação conjugada dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 557.º do mesmo Código, por eventual violação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 56.º da CRP; e

7) norma constante da segunda parte do artigo 606.º do mesmo Código, por eventual violação do n.º 1 do artigo 57.º da CRP.

2. Os fundamentos do pedido são, em suma, os seguintes:

1) Quanto ao artigo 15.º do Decreto da Assembleia da República n.º 51/IX, que regula o regime transitório de uniformização dos instrumentos de regulamentação colectiva negociais aplicáveis nas empresas e sectores de actividade nos quais se encontrem em vigor um ou mais instrumentos outorgados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho:

– as soluções previstas na alínea a) do n.º 1, ao atribuir o direito de adesão individual dos trabalhadores a convenção outorgada por sindicatos de que não são filiados, e nas alíneas b) e c) do mesmo número, ao fazer cessar, logo que verificada a adesão da maioria dos trabalhadores da empresa ou do sector a novo instrumento de regulamentação, os efeitos das anteriores convenções, independentemente da vontade das associações sindicais que as outorgaram ou da vontade dos trabalhadores que pretendessem continuar por elas abrangidos, não apenas podem constituir um desincentivo sério à filiação e participação sindicais, como podem contribuir para a desestruturação das tradicionais relações de representatividade sindical, num sentido que é muito dificilmente compatível com a relevância que a Constituição dá às associações sindicais, à sua actividade e aos seus direitos e, por outro lado, afectam sensivelmente a autonomia e a representatividade sindical (artigo 56.º, n.º 1, da CRP), esvaziando, de forma que para algumas associações sindicais pode ser decisiva, o seu direito constitucional à contratação colectiva (artigo 56.º, n.º 3, da CRP) e à representação dos associados;

2) Quanto ao artigo 4.º do Código do Trabalho, cujo n.º 1 permite o afastamento das normas do Código, desde que delas não resulte o contrário, por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, sem explicitar que esse afastamento só é consentido quando se estabeleçam condições mais favoráveis para o trabalhador, como o subsequente n.º 2 faz relativamente ao afastamento de normas do Código por força de cláusulas constantes de contratos individuais de trabalho:

– a possibilidade de actos de natureza não legislativa derrogarem preceitos legais, quer num sentido mais favorável quer num sentido menos favorável ao trabalhador, parece violar a hierarquia constitucional dos actos normativos e o princípio da tipicidade dos actos legislativos, consagrados no artigo 112.º, n.ºs 1 e 6, da CRP;

3) Quanto ao artigo 17.º do Código do Trabalho, cujo n.º 2, após, na primeira parte, proibir que o empregador exija ao candidato a emprego ou ao trabalhador a prestação de informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, abre, na segunda parte, essa possibilidade "quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem":

– encontrando-se estes elementos da esfera privada e íntima do trabalhador ou do candidato a emprego indiscutivelmente protegidos pela reserva da intimidade da vida privada garantida pelo artigo 26.º, n.º 1, da CRP, mesmo que se entenda que, por si só, a possibilidade de o empregador lhes exigir a prestação de informações relativas à sua saúde ou ao estado de gravidez não viola tal garantia, por estar constitucionalmente justificada pela necessária protecção de outros valores, a abertura dessa possibilidade, conferida pela segunda parte do n.º 2 deste artigo 17.º, constitui, em qualquer caso, uma restrição do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada;

– ora, tal restrição só seria constitucionalmente admissível se, entre outros limites, observasse as exigências impostas pelo princípio da proibição do excesso (segunda parte do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição), nas suas dimensões de princípio da determinabilidade e principio da indispensabilidade ou do meio menos restritivo, o que, no caso em apreço, parece muito discutível, atenta, por um lado, a indeterminabilidade que resulta da utilização de conceitos tão vagos como as "particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional", e, por outro lado, a possibilidade de utilização de meios menos restritivos, como, por exemplo, através do recurso à intervenção de médico que se reservaria o conhecimento de tais dados e só comunicaria ao empregador se o trabalhador ou candidato a emprego estava ou não apto a desempenhar a actividade, tal como, de resto, o Código do Trabalho dispõe no artigo 19.º, n.º 3;

4) Quanto ao artigo 436.º do Código do Trabalho, cujo n.º 2 permite que, no caso de ter sido impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, este seja reaberto até ao termo do prazo para contestar, iniciando-se os prazos de prescrição do exercício do procedimento disciplinar e de prescrição da infracção disciplinar interrompidos com a comunicação da nota de culpa:

– esta possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar, sendo susceptível de, por parte do empregador, fazer desaparecer, numa primeira fase, o ónus do respeito das garantias formais do procedimento disciplinar, estimulando a inobservância das exigências procedimentais, e de, por parte do trabalhador, desincentivar a impugnação judicial dos despedimentos formalmente inválidos e dificultar objectivamente as hipóteses de uma defesa que poderá ter de ocorrer muitos meses após o despedimento e perante a invocação de factos que podem, nessa segunda oportunidade, estar a ser invocados pela primeira vez, ao que acresce o prolongamento dos prazos de prescrição da infracção e de caducidade do procedimento disciplinar, pode traduzir-se numa diminuição das garantias de defesa do trabalhador e afecta sensivelmente as garantias de certeza e segurança jurídicas, umas e outras próprias do princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da CRP;

5) Quanto ao artigo 438.º do Código do Trabalho, cujo n.º 2 permite que, em caso de microempresa ou relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção, o empregador se oponha à reintegração desde que justifique que o regresso do trabalhador é gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial, prevendo o n.º 3 que o fundamento invocado pelo empregador seja apreciado pelo tribunal, e excluindo o n.º 4 a aplicabilidade deste regime aos despedimentos fundados em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos ou quando o fundamento justificativo da oposição à reintegração tiver sido culposamente criado pelo empregador:

– a possibilidade de, face a um despedimento judicialmente considerado ilícito, o trabalhador perder o direito a manter o seu posto de trabalho e a ser nele reintegrado, desde que se verifiquem alguns pressupostos sobre os quais não tem qualquer possibilidade de agir, é susceptível de constituir uma violação da garantia de segurança no emprego e proibição de despedimentos sem justa causa consagrada no artigo 53.º da CRP;

6) Quanto ao artigo 557.º do Código do Trabalho, de cujos n.ºs 2, 3 e 4 resulta que, decorrido o prazo da chamada sobrevigência sem que se tenha celebrado nova convenção ou sem que se tenha iniciado a arbitragem, a convenção colectiva em vigor cessa os seus efeitos:

– assumindo a contratação colectiva e a regulação convencional das relações de trabalho a natureza constitucional objectiva de garantias institucionais, a que se aplica o regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias, o legislador, embora constitucionalmente habilitado a densificar o respectivo conteúdo, não pode fazê-lo de tal sorte que resulte, ou possa resultar na prática, esvaziado o seu alcance essencial;

– ora, quando impõe a caducidade das convenções colectivas em vigor sem que esteja assegurada a entrada em vigor das novas, o legislador ordinário pode estar a determinar a criação, a curto prazo, de um extenso vazio contratual, assim afectando o próprio conteúdo essencial da garantia institucional da contratação colectiva e da regulação convencional das relações de trabalho;

7) Quanto ao artigo 606.º do Código do Trabalho, na parte em que permite o estabelecimento, na contratação colectiva, de limitações, durante a vigência do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes por motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção:

– sendo o direito à greve um direito, liberdade ou garantia dos trabalhadores, consagrado no artigo 57.º da CRP, é, pelo menos, constitucionalmente duvidoso se podem os sindicatos vincular-se juridicamente a aceitar as limitações convencionalmente acordadas, renunciando ou dispondo do direito de declarar a greve de que são legalmente titulares, pois, sendo a declaração sindical da greve um pressuposto da possibilidade de exercício do direito à greve por parte dos trabalhadores, a renúncia ou disposição, mesmo que temporária, parcelar ou condicionada, do direito de declarar a greve por parte dos sindicatos priva os trabalhadores, nos exactos termos e condições daquela renúncia, do exercício do seu direito constitucional à greve.

3. Determinada, pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da LTC, a notificação do Presidente da Assembleia da República, este, na sua resposta, ofereceu o merecimento dos autos, juntando os Diários da Assembleia da República que contêm os trabalhos preparatórios relativos ao diploma em apreciação e cópias de outros elementos ainda a aguardar publicação nesse Diário, designadamente do Parecer n.º 8/2003, de 20 de Maio de 2003, da Comissão Nacional de Protecção de Dados.

4. Concluída a discussão do memorando elaborado nos termos do n.º 2 do artigo 58.º da LTC e apurado o vencimento formado relativamente a cada uma das questões de constitucionalidade suscitadas, cumpre formular a decisão, começando pela questão relativa aos direitos de personalidade, passando pelas relativas ao despedimento (reabertura do processo disciplinar e não reintegração) e concluindo, por razões de proximidade temática, com as conexionadas com a regulamentação colectiva do trabalho (eficácia, âmbito, caducidade e regime transitório).

II – Fundamentação

A) Inconstitucionalidade da norma constante do segundo segmento do n.º 2 do artigo 17.º do Código do Trabalho, relativa a prestação ao empregador de informações relativas à saúde ou estado de gravidez do candidato ao emprego ou do trabalhador. 5. Uma das inovações do Código do Trabalho consiste na concentração do tratamento de questões relacionadas com os direitos de personalidade dos trabalhadores, dedicando-lhes a Subsecção II (Direitos de personalidade) da Secção II (Sujeitos) do Capítulo I (Disposições gerais) do Título II (Contrato de trabalho) do Livro I (Parte geral). A regulamentação que hoje existe sobre a matéria encontra-se dispersa por vários diplomas, designadamente na legislação sobre protecção de dados pessoais e sobre segurança, higiene e saúde no trabalho e, no que especificamente se refere à intimidade da vida privada, no artigo 80.º do Código Civil. Nesta Subsecção, o Código do Trabalho – para além de disposições sobre liberdade de expressão e de opinião (artigo 15.º), integridade física e moral (artigo 18.º), meios de vigilância a distância (artigo 20.º) e confidencialidade de mensagens e de acesso a informação (artigo 21.º) –, dedica especialmente à protecção da intimidade da vida privada os seus artigos 16.º, 17.º e 19.º. Após proclamar, no artigo 16.º, que o empregador e o trabalhador devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada da contraparte (n.º 1) e especificar que o direito a esta intimidade abrange quer o acesso quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas (n.º 2), dispõe no artigo 17.º, sob a epígrafe "Protecção de dados pessoais":

"1. O empregador não pode exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador que preste informações relativas à sua vida privada, salvo quando estas sejam estritamente necessárias e relevantes para avaliar da respectiva aptidão no que respeita à execução do contrato de trabalho e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação.

2. O empregador não pode exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador que preste informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação.

3. O candidato a emprego ou o trabalhador que haja fornecido ao empregador, ou a quem actue por conta deste, informações de índole pessoal, goza do direito ao controlo dos respectivos dados pessoais, podendo tomar conhecimento do seu teor e dos fins a que se destinam, bem como exigir a sua rectificação e actualização.

4. Os ficheiros e acessos informáticos utilizados pelo empregador para tratamento de dados pessoais ao candidato a emprego ou trabalhador ficam sujeitos à legislação em vigor relativa à protecção de dados pessoais."

Este preceito corresponde ao artigo 16.º da Proposta de Lei e ao artigo 14.º do Anteprojecto. Quanto ao preceituado no n.º 2, há que registar que quer a Proposta de Lei quer o texto final do Código eliminaram a referência que no Anteprojecto se fazia à possibilidade de serem também exigidas informações relativas à "situação familiar" do candidato ao emprego ou do trabalhador, e que uma e outro aditaram o requisito do fornecimento por escrito da fundamentação da exigência da prestação das informações relativas à saúde e estado de gravidez. Quanto a testes e exames médicos, dispõe o artigo 19.º do Código do Trabalho:

"1 – Para além das situações previstas na legislação relativa a segurança, higiene e saúde no trabalho, o empregador não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a protecção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respectiva fundamentação.

2 – O empregador não pode, em circunstância alguma, exigir à candidata a emprego ou à trabalhadora a realização ou apresentação de testes ou exames de gravidez.

3 – O médico responsável pelos testes e exames médicos só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto para desempenhar a actividade, salvo autorização escrita deste."

6. Os fundamentos do pedido de apreciação da constitucionalidade da norma ora em causa são os seguintes:

"2. Enquanto que na primeira parte do artigo 17.º, n.º 2, se proíbe que o empregador exija ao candidato a emprego ou ao trabalhador a prestação de informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, no segmento normativo em questão abre-se, todavia, essa possibilidade «quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem».

Ora, tratando-se aqui de elementos da esfera privada e íntima do trabalhador ou do candidato a emprego, eles encontram-se indiscutivelmente protegidos pela reserva da intimidade da vida privada garantida pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição. Assim, mesmo que se entenda que, por si só, a possibilidade de o empregador exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador a prestação de informações relativas à sua saúde ou ao estado de gravidez não viola a garantia constitucional do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, por estar constitucionalmente justificada pela necessária protecção de outros valores, a abertura da sua possibilidade conferida pela segunda parte do artigo 17.º, n.º 2, do Código do Trabalho constitui, em qualquer caso, uma restrição do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada.

Nestes termos, tal restrição só seria constitucionalmente admissível se, entre outros limites, observasse as exigências impostas pelo princípio da proibição do excesso constitucionalmente consagrado na segunda parte do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição (nas suas dimensões de princípio da determinabilidade e principio da indispensabilidade ou do meio menos restritivo), o que, no caso em apreço, parece muito discutível.

Mais concretamente, não parece que a indeterminabilidade que resulta da utilização de conceitos tão vagos como as «particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional», enquanto invocado fundamento para a restrição, seja compatível com a certeza requerida pela protecção de um domínio tão sensível como é o da reserva da intimidade da vida privada. Por outro lado, parece seguro que teria sido possível chegar aos mesmos fins que se procuram atingir com a restrição em causa através da utilização de meios menos restritivos, tal como o exige a observância do princípio da proibição do excesso. Assim, sem perda de eficácia, seria possível, como se defende no Parecer emitido pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (solicitado e emitido já depois da aprovação final global do Código do Trabalho pela Assembleia da República), atingir os mesmos fins recorrendo à intervenção de médico que se reservaria o conhecimento de tais dados e só comunicaria ao empregador se o trabalhador ou candidato a emprego estava ou não apto a desempenhar a actividade, tal como, de resto, o Código do Trabalho dispõe no artigo 19.º, n.º 3."

Por estas razões, o segundo segmento normativo do artigo 17.º em causa "parece constituir uma violação da garantia de reserva da intimidade da vida privada consagrada no artigo 26.º da Constituição, bem como uma violação do princípio da proibição do excesso nas restrições a direitos, liberdades e garantias do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição". 7. No aludido Parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados sustenta-se que o n.º 2 do artigo 17.º, para além de admitir, numa formulação bastante genérica, excepção à não vinculação do trabalhador a fornecer informações sobre o seu estado de saúde, deixa esta decisão nas mãos da entidade empregadora, sem que haja qualquer referência a uma intervenção médica ou enquadramento do pedido no âmbito dos serviços de higiene e saúde no trabalho, o que suscita a dúvida sobre se esta indagação sobre o estado de saúde, a coberto de um fundamento impreciso, e sem qualquer conexão com a preservação da saúde dos trabalhadores, não estará a contribuir para institucionalizar uma sistemática e global devassa da reserva da vida privada, constitucionalmente censurável. Comparando este regime com o do artigo 19.º, n.º 3, em que os testes e exames médicos só podem ser feitos por ordem e indicação do médico e em que, em princípio, o resultado dos mesmos será inacessível à entidade empregadora, no aludido parecer sugere-se que se clarifique, no artigo 17.º, que a solicitação por escrito e a respectiva fundamentação sejam subscritas por médico e que à entidade empregadora só seja revelada a aptidão ou a inaptidão para o cargo. Caso não seja feita tal precisão – conclui o parecer – ocorrerá violação dos artigos 26.º e 18.º, n.º 2, da CRP, por a limitação da intimidade da vida privada dos trabalhadores se revelar excessiva, não adequada, desproporcionada e desnecessária, traduzindo-se numa efectiva aniquilação de um direito fundamental sem se atender ao princípio da mútua compressão que deve nortear a harmonização dos direitos fundamentais. No caso, a restrição do direito ultrapassa o estritamente necessário para salvaguardar os direitos da entidade empregadora: esta não precisa de conhecer os dados, bastando que o médico se pronuncie no sentido de que o trabalhador está apto a desempenhar as funções e só o médico estará em condições de emitir tal juízo, e, por isso, a solução encontrada representa uma diminuição injustificada da extensão e alcance do conteúdo essencial do direito fundamental em causa. 8. O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 368/02 (Diário da República, II Série, n.º 247, de 25 de Outubro de 2002, págs. 17 780-17 791), a propósito das normas do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro (que estabelece o regime de organização e funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho), na redacção dada pela Lei n.º 7/95, de 29 de Março, que previam a realização de exames periódicos de saúde aos trabalhadores, "tendo em vista verificar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da sua profissão, bem como a repercussão do trabalho e das suas condições na saúde do trabalhador" e estabeleciam o dever de os trabalhadores comparecerem aos exames médicos e realizarem os testes "que visem garantir a segurança e saúde no trabalho", teve oportunidade de, com exaustiva invocação da sua jurisprudência anterior pertinente e da doutrina mais relevante, desenvolver o seguinte encadeamento argumentativo: 1) O direito à reserva da intimidade da vida privada, entre outros direitos pessoais, está previsto no artigo 26.º da CRP, sendo caracterizável como o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular, ou, noutra formulação, como o direito que toda a pessoa tem a que permaneçam desconhecidos determinados aspectos da sua vida, assim como a controlar o conhecimento que terceiros tenham dela; 2) Este direito analisa-se principalmente em dois direitos menores: o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem, nestas se incluindo obviamente os elementos respeitantes à saúde; 3) No caso então em apreço, muito embora a efectivação dos testes ou exames pressupusesse a aceitação do trabalhador, a verdade é que a respectiva realização constituía, para o candidato, um ónus relativamente à obtenção do emprego ou, para o trabalhador, um verdadeiro dever jurídico de que podia depender a própria manutenção da relação laboral; 4) Mas o aludido direito não é absoluto em todos os casos e relativamente a todos os domínios e mesmo a submissão juridicamente obrigatória a exames ou testes clínicos – constituindo uma intromissão na vida privada, na medida em que aqueles se destinam a recolher dados relativos à saúde, os quais integram necessariamente dados relativos à vida privada – pode, em certos casos e condições, ser tida como admissível, tendo em conta a necessidade de harmonização do direito à intimidade da vida privada com outros direitos ou interesses legítimos constitucionalmente reconhecidos (v. g., a protecção da saúde pública ou a realização da justiça), desde que respeitado o princípio da proporcionalidade; 5) No âmbito das relações laborais, tem-se por certo que o direito à protecção da saúde, a todos reconhecido no artigo 64.º, n.º 1, da CRP, bem como o dever de defender e promover a saúde, consignado no mesmo preceito constitucional, não podem deixar de credenciar suficientemente a obrigação para o trabalhador de se sujeitar, desde logo, aos exames médicos necessários e adequados para assegurar – tendo em conta a natureza e o modo de prestação do trabalho e sempre dentro de critérios de razoabilidade – que ele não representa um risco para terceiros: por exemplo, para minimizar os riscos de acidentes de trabalho de que outros trabalhadores ou o público possam vir a ser vítimas, em função de deficiente prestação por motivo de doença no exercício de uma actividade perigosa; ou para evitar situações de contágio para os restantes trabalhadores ou para terceiros, propiciadas pelo exercício da actividade profissional do trabalhador; 6) Impõe-se é que a obrigatoriedade dessa sujeição se não revele, pela natureza e finalidade do exame de saúde, como abusiva, discriminatória ou arbitrária; 7) No caso então em análise, o exame de saúde destinava-se exclusivamente a "verificar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da sua profissão, bem como a repercussão do trabalho e das suas condições na saúde do trabalhador"; 8) Embora reconhecendo que o fim a que os exames clínicos estavam legalmente adstritos podia, na prática e em determinados casos, ser obstáculo flanqueável na detecção de situações patogénicas que nada tenham a ver com a aptidão física ou psíquica do trabalhador para o exercício actual da sua profissão, nem com os efeitos das condições do trabalho na saúde do trabalhador, ponderou-se que o médico do trabalho estava vinculado, nos exames a que procedia ou mandava proceder, ao aludido objectivo legal, o que implicava, necessariamente, que ele se confinasse a um exame limitado e perfeitamente balizado por aquele objectivo, devendo ater-se ao estritamente necessário, adequado e proporcionado à verificação de alterações na saúde do trabalhador causadas pelo exercício da sua actividade profissional e à determinação da aptidão ou inaptidão física ou psíquica do trabalhador para o exercício das funções correspondentes à respectiva categoria profissional, bem como ao seu estado de saúde presente; 9) Devendo tais restrições respeitar, desde logo, o preceituado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP – isto é, que se encontrem expressamente previstas na Constituição e que se limitem ao necessário para salvaguardar outros interesses constitucionalmente protegidos –, recorrendo ao preceituado nas disposições combinadas dos artigos 59.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, alínea c), e 64.º, n.º 1, da CRP, deverá admitir-se que a obrigatoriedade de sujeição a exame médico possa radicar na própria necessidade de verificar que a prestação de trabalho decorra sem risco para o próprio trabalhador e para terceiros; 10) Mas, nesta perspectiva, o que inequivocamente se exige é que esse exame se contenha no estritamente necessário, adequado e proporcionado à verificação de alterações na saúde do trabalhador causadas pelo exercício da sua actividade profissional e à determinação da aptidão ou inaptidão física ou psíquica do trabalhador para o exercício das funções inerentes à correspondente categoria profissional, para defesa da sua própria saúde, ou seja, é constitucionalmente imposto que o exame de saúde obrigatório se adeque, com precisão, ao fim prosseguido; 11) O mesmo vale para questionários e testes relativos a aspectos incluídos na vida privada do trabalhador: a utilização destes meios – abrangendo os testes sobre a saúde do trabalhador – deve ser limitada aos casos em que seja necessária para protecção de interesses de segurança de terceiros (assim, por exemplo, testes de estabilidade emocional de um piloto de avião) ou do próprio trabalhador, ou de outro interesse público relevante, e apenas se se mostrarem realmente adequados aos objectivos prosseguidos; 12) Nesta conformidade, considerando que os exames de saúde previstos no Decreto-Lei n.º 26/94 estavam exclusivamente direccionados ao fim de prevenção dos riscos profissionais e à prevenção de saúde dos trabalhadores, entendeu o Tribunal Constitucional não se poder concluir que se tivesse instituído uma sistemática e global devassa da reserva da vida privada constitucionalmente censurável, e, por isso, não julgou inconstitucionais as normas então impugnadas. 9. Recordada essa orientação do Tribunal Constitucional e retornando à norma ora em apreciação, é incontroverso que: (i) os dados relativos à saúde ou estado de gravidez do candidato a emprego ou do trabalhador respeitam à intimidade da sua vida privada; (ii) a intromissão nessa esfera íntima ocorre não apenas através da exigência da efectivação de testes e exames médicos, de que trata o artigo 19.º, mas também através da exigência de prestação de informações, prevista no n.º 2 do artigo 17.º; (iii) no contexto desta norma, a prestação das referidas informações por parte do candidato a emprego ou do trabalhador constitui um ónus relativamente à obtenção do emprego ou um verdadeiro dever jurídico de que pode depender a própria manutenção da relação laboral; (iv) tal restrição ao direito fundamental à intimidade da vida privada só será constitucionalmente admissível se observar as exigências impostas pelo princípio da proibição do excesso consagrado na segunda parte do n.º 2 do artigo 18.º da CRP. No n.º 1 do artigo 19.º do Código do Trabalho é reproduzida a formulação usada no n.º 2 do artigo 17.º ("particulares exigências inerentes à actividade") a par da referência à "protecção e segurança do trabalhador e de terceiros", como finalidades justificadoras da imposição da efectivação de exames ou testes, o que parece sugerir que a finalidade invocada no artigo 17.º, n.º 2, não se prenderá com estas preocupações relativas à protecção e segurança do trabalhador e de terceiros, de indiscutível relevância constitucional. No sentido da indeterminabilidade da restrição prevista no segmento normativo impugnado, poderá invocar-se o carácter vago da razão invocável para invadir a intimidade da vida privada do candidato ao emprego ou do trabalhador ("particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional"), a que acresce que a latitude do critério não permite discernir, dentre as hipóteses nele subsumíveis, aquelas em que seria reconhecível a necessidade de protecção de valores constitucionalmente relevantes daquelas em que o motivo invocado não teria valor suficiente para justificar a intromissão. Entende, porém, este Tribunal Constitucional (entendimento não partilhado pelo relator) que, nesta perspectiva, a solução legal não é merecedora de censura de inconstitucionalidade, porquanto, para além da protecção da segurança ou da saúde do trabalhador ou de terceiros, podem existir outras exigências ligadas a especificidades da actividade ("particulares exigências") que justifiquem que sejam pedidas informações sobre a sua saúde ou estado de gravidez, ao trabalhador ou ao candidato ao emprego: é o caso da determinação da aptidão – ou da melhor aptidão – destes para a realização das tarefas que lhes serão cometidas (as quais, mesmo independentemente da segurança do trabalhador ou de terceiros, podem exigir, por exemplo, particular acuidade visual, ou de outro sentido). Ora, é justamente esse o sentido do segmento normativo impugnado. Considera-se, no entanto, que a norma em apreço, numa outra dimensão, viola o princípio da proporcionalidade. Com efeito, para a finalidade tida em vista seria suficiente, como no caso do artigo 19.º, n.º 1, a intervenção do médico, com a imposição de este apenas comunicar ao empregador a aptidão ou inaptidão do trabalhador para o desempenho da actividade em causa. O empregador não tem necessidade de conhecer directamente dados relativos à esfera íntima do candidato a emprego ou do trabalhador, bastando-lhe obter a informação da eventual existência de inconvenientes à contratação ou à atribuição de determinadas actividades. Ora, a vinculação do médico ao segredo profissional reduz ao mínimo a indevida e desnecessária divulgação de dados cobertos pela reserva da intimidade da vida privada. De resto, o juízo de adaptação ou inadaptação entre as condições de saúde e estado de gravidez e a natureza da actividade pressuporá, por vezes, conhecimentos científicos que, em princípio, só o médico possuirá. Conclui-se, assim, que a norma constante do segundo segmento do n.º 2 do artigo 17.º do Código do Trabalho – na medida em que permite o acesso directo do empregador a informações relativas à saúde ou estado de gravidez do candidato ao emprego ou do trabalhador – viola o princípio da proibição do excesso nas restrições ao direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, decorrente das disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP. B) Inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 436.º do Código do Trabalho, que permite a reabertura do procedimento disciplinar quando com base na sua invalidade haja sido impugnado judicialmente o despedimento. 10. O Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, introduziu a regra da proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos (artigo 9.º, n.º 1), fazendo depender sempre a verificação de justa causa de procedimento disciplinar (artigo 11.º, n.º 2), cuja nulidade ou inexistência determinavam a nulidade do despedimento (artigo 12.º, n.º 1). A nulidade do despedimento (seja por inexistência de justa causa, seja por inadequação da sanção ao comportamento verificado, seja por nulidade ou inexistência do processo disciplinar) conferia ao trabalhador, para além do direito às prestações pecuniárias que deveria ter normalmente auferido desde a data do despedimento até à data da sentença, o direito à reintegração na empresa no respectivo cargo ou posto de trabalho e com a antiguidade que lhe pertencia, podendo o trabalhador, em substituição da reintegração, optar pela "indemnização de antiguidade", correspondente a um mês de retribuição por cada ano ou fracção, não podendo ser inferior a três meses (artigo 12.º, n.ºs 2 e 3). O n.º 6 do artigo 11.º, relativo à tramitação do processo disciplinar, dispunha que a falta de qualquer dos elementos referidos nos números anteriores do mesmo preceito (processo escrito; nota de culpa com descrição dos comportamentos imputados ao trabalhador; audição do arguido; realização das diligências por ele solicitadas e outras que se mostrem razoavelmente necessárias para o esclarecimento da verdade; sujeição do processo, depois de concluído, a parecer de entidade representativa dos trabalhadores; comunicação por escrito da decisão de despedimento com indicação dos fundamentos considerados provados, decisão essa a proferir só após decorridos 15 dias após o termo do prazo para emissão do aludido parecer) "determina nulidade insuprível do procedimento disciplinar e a consequente impossibilidade de se efectivar o despedimento com base nos comportamentos concretos invocados". Esta disposição, implicando o carácter irreparável da nulidade do despedimento fundada em nulidade ou inexistência do processo disciplinar, não foi mantida na redacção dada ao referido artigo 11.º pelo Decreto-Lei n.º 841-C/76, de 7 de Dezembro, e a partir daí nunca mais foi reproduzida na legislação laboral portuguesa. Neste contexto, registou-se divergência na doutrina e na jurisprudência quanto à possibilidade de o empregador, apercebendo-se – após comunicar ao trabalhador a sua decisão de o despedir – da ocorrência de nulidade (ou mesmo inexistência) do processo disciplinar, "revogar" aquela decisão e (re)iniciar o processo disciplinar, corrigindo os vícios de que inicialmente padecia e eventualmente proferindo nova decisão de despedimento. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Julho de 2001, processo n.º 3236/00 (Acórdãos Doutrinais, n.º 485, págs. 709-750, em especial no seu ponto III.1.2., a págs. 726-738), dá-se notícia, tanto quanto possível exaustiva, dessas divergências. Assim, no sentido da inadmissibilidade dessa renovação do procedimento, pronunciaram-se, na doutrina, Morais Antunes e Amadeu Guerra (Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, Almedina, Coimbra, 1984, págs. 149 e 150), e Messias Carvalho ("A ilicitude do despedimento e seus efeitos", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXI, (IV da 2.ª Série), 1989, n.ºs 3/4, pág. 396), e, na jurisprudência, os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 21 de Fevereiro de 1985, processo n.º 182/84 (Colectânea de Jurisprudência, ano X, tomo 1, pág. 344), do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de Dezembro de 1983, processo n.º 18 226 (Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo 5, pág. 262), e do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Janeiro de 1988, processo n.º 1693 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 373, pág. 428), e de 17 de Maio de 1995, processo n.º 3954 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 447, pág. 417). Para esta corrente, sendo o despedimento uma declaração unilateral receptícia, ela produz todos os seus efeitos logo que chegue ao conhecimento do destinatário, provocando a imediata cessação da relação laboral, pelo que, sem o consentimento do trabalhador, a entidade patronal não lhe pode impor a restauração da relação. No sentido da admissibilidade, pronunciaram-se, na doutrina, José António Mesquita ("Despedimento (Sanação da sua nulidade) – Caducidade do procedimento disciplinar (Conhecimento oficioso – Prazo)", Revista do Ministério Público, ano 2, vol. 8, Dezembro 1981, pág. 41), Bernardo da Gama Lobo Xavier ("A recente legislação dos despedimentos (O processo disciplinar na rescisão por justa causa)", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, n.ºs 1-2-3-4, Janeiro-Dezembro 1978, pág. 153 e seguintes, em especial pág. 178), e Henrique Salinas ("Algumas questões sobre as nulidades do processo de despedimento", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXIV (VII da 2.ª Série), 1992, n.º 1, págs. 19 e seguintes, em especial págs. 53 e seguintes), e, na jurisprudência, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Fevereiro de 1983, processo n.º 3278 (Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo 1, pág. 189), do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Junho de 1983, processo n.º 2174 (Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo 3, pág. 302), e de 9 de Fevereiro de 1987, processo n.º 5717 (Colectânea de Jurisprudência, ano XII, tomo 1, pág. 279), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17 de Fevereiro de 1987, processo n.º 1331 (Colectânea de Jurisprudência, ano XII, tomo 1, pág. 87), e do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Junho de 1988, processo n.º 1898, e de 6 de Dezembro de 1995, processo n.º 4249 (Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, tomo III, pág. 301), e, por último, o já citado acórdão de 12 de Julho de 2001. Para esta corrente, o que está efectivamente em causa é a delimitação dos poderes da entidade patronal enquanto detentora de poder disciplinar sobre o trabalhador, poder que não se resume à aplicação de sanções, mas também abarca a competência para organizar e dirigir o correspondente processo disciplinar e, nesta competência de direcção processual, não pode deixar de estar incluída a faculdade de apreciar, por iniciativa sua ou na sequência de reclamação do arguido, a ocorrência de nulidades processuais e, sendo caso, o poder de as declarar e de extrair dessa declaração todas as consequências, que normalmente se traduzirão na inutilização dos actos subsequentes, incluindo mesmo a decisão final do processo, se esta já tiver sido proferida. Constituíam, no entanto, pressupostos constantes destas posições, por um lado, o de que a instauração de novo processo disciplinar ou a prática dos actos indevidamente omitidos em processo já desencadeado tinham de respeitar os prazos de caducidade da acção disciplinar e de prescrição da infracção disciplinar, e, por outro lado, o de que a nova decisão de despedimento não podia reportar os seus efeitos à data da anterior. 11. Recordadas as divergências que o regime legal vigente suscita em matéria de possibilidade de reabertura do processo disciplinar, torna-se mais fácil compreender as dúvidas que a norma ora em análise suscita em termos de constitucionalidade.

Dispõe o artigo 436.º do Código – inserido na Subsecção III (Ilicitude do despedimento) da Secção IV (Cessação por iniciativa do empregador) do Capítulo IX (Cessação do contrato) do Título II (Contrato de trabalho) do Livro I (Parte geral) –, sob a epígrafe "Efeitos da ilicitude":

"1. Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado: a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados; b) A reintegrá-lo no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. 2. No caso de ter sido impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, este pode ser reaberto até ao termo do prazo para contestar, iniciando-se o prazo interrompido nos termos do n.º 4 do artigo 411.º, não se aplicando, no entanto, este regime mais do que uma vez."

Por seu turno, o n.º 4 do artigo 411.º determina que a comunicação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos no artigo 372.º, a saber: prazo para o exercício do procedimento disciplinar, fixado em 60 dias, a contar da data do conhecimento da infracção por parte do empregador ou do superior hierárquico com competência disciplinar; e prazo de prescrição da infracção disciplinar, fixado em um ano a contar do momento em que ela teve lugar, salvo se os factos constituírem igualmente crime, caso em que são aplicáveis os prazos prescricionais da lei penal.

O artigo 436.º do Código corresponde aos artigos 399.º do Anteprojecto e 425.º da Proposta de Lei, cujos n.ºs 2 dispunham que "sendo o despedimento declarado ilícito por nulidade do procedimento, com o trânsito em julgado da decisão judicial inicia-se o prazo interrompido nos termos do n.º 4 do artigo (...), não se aplicando, no entanto, este regime mais do que uma vez." Isto é: enquanto no Anteprojecto e na Proposta de Lei a possibilidade de reabertura do processo disciplinar surgia com o trânsito em julgado da declaração judicial de ilicitude do despedimento por nulidade do procedimento, o Código só consente essa reabertura até ao termo do prazo para contestar a acção de impugnação de despedimento fundada em invalidade do procedimento disciplinar.

12. Para o Requerente, "esta possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar que, na prática, poderá ou tenderá mesmo a ocorrer mais de um ano após a ocorrência dos factos que determinaram o despedimento pode traduzir-se numa diminuição das garantias de defesa do trabalhador e afecta sensivelmente as garantias de certeza e segurança jurídicas, umas e outras próprias do princípio do Estado de Direito", pois "a segunda oportunidade dada ao empregador, mesmo quando o despedimento se tenha processado com eventual violação grosseira dos mais elementares direitos de defesa do trabalhador despedido, faz desaparecer, numa primeira fase, o ónus do respeito das garantias formais do procedimento disciplinar por parte do empregador e, como este pode retirar benefícios dessa preterição, tem como riscos práticos prováveis o estímulo à inobservância das exigências procedimentais" e, "no lado do trabalhador, desincentiva-se a impugnação judicial dos despedimentos formalmente inválidos e dificultam-se, objectivamente, as hipóteses de uma defesa que poderá ter de ocorrer muitos meses após o despedimento e perante a invocação de factos que podem, nessa segunda oportunidade de abertura de um procedimento disciplinar conforme às exigências legais e constitucionais de defesa, estar a ser invocados pela primeira vez por parte do empregador", ao que acresce que "a possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar nos termos previstos no artigo 436.º, n.º 2, permite o prolongamento dos prazos de prescrição da infracção e de caducidade do procedimento disciplinar".

Daqui decorreria que "a norma constante do artigo 436.º, n.º 2, pode violar as garantias constitucionais de defesa do trabalhador despedido com preterição das exigência procedimentais que decorrem do princípio do Estado de Direito e pode constituir uma violação da garantia da certeza e segurança jurídicas próprias do mesmo princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição".

13. Antes de entrarmos na apreciação da constitucionalidade da norma ora em causa, cumpre assinalar o respectivo alcance.

Surge como seguro que a norma não se aplica aos casos de inexistência do processo disciplinar e que se exige que, no mínimo, tenha sido emitida nota de culpa, pois só assim será possível fazer activar a previsão contida na segunda parte do preceito (reinício do prazo interrompido com a notificação da nota de culpa). Ora, existindo nota de culpa, ela delimita o objecto do processo, não podendo, na decisão sancionatória, ser invocados factos não constantes da nota de culpa, conforme determina o artigo 415.º, n.º 3, do Código do Trabalho, correspondente ao artigo 10.º, n.º 9, do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante designado por LCCT). Assim, a reabertura do processo disciplinar não consentirá o alargamento da nota de culpa a novos factos (neste sentido: Pedro Romano Martinez, "Considerações gerais sobre o Código do Trabalho", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XLIV (XVII da 2.ª Série), n.ºs 1 e 2, Janeiro-Junho 2003, págs. 5 a 28, em especial pág. 24), a menos que a mesma ocorra antes de expirado o prazo de 60 dias cominado no n.º 1 do artigo 372.º do Código do Trabalho, o que raramente se verificará. Na verdade, atendendo a que na base da estipulação deste prazo está o entendimento de que o facto de o empregador ter deixado decorrer mais de 60 dias sobre a data do conhecimento das infracções imputadas ao trabalhador implica que não as considerou como tornando "imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho", isto é, não as considerou como susceptíveis de integrar justa causa de despedimento, seria absolutamente injustificado que o empregador aproveitasse a reabertura do processo disciplinar para aditar à primitiva nota de culpa novas imputações que anteriormente considerara insusceptíveis de inviabilizar a persistência da relação laboral. Aliás, uma vez esgotado o aludido prazo de 60 dias, não faz sentido falar-se em reinício do mesmo prazo.

Interpretada, nos termos expostos, como inaplicável aos casos de inexistência de processo disciplinar e como não consentindo o alargamento das imputações contidas na nota de culpa (excepto se as novas infracções tivessem chegado ao conhecimento do empregador, ou do superior hierárquico com competência disciplinar, há menos de 60 dias), padecerá a norma em causa de inconstitucionalidade?

A possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar, em si mesma considerada, não ofende a perspectiva substantiva da proibição de despedimentos sem justa causa, pois a acção de impugnação do despedimento só soçobrará definitivamente se o empregador provar ter o trabalhador praticado infracção disciplinar que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. E também não viola a perspectiva procedimental dessa garantia constitucional, pois a reabertura do processo disciplinar visa justamente fazer respeitar os requisitos formais destinados a assegurar eficazmente os direitos de defesa do arguido.

Os efeitos perversos que, segundo o Requerente, essa possibilidade de reabertura do processo disciplinar poderá provocar, quer estimulando o desrespeito das regras procedimentais por parte do empregador, quer desincentivando os trabalhadores de impugnarem despedimentos formalmente inválidos, serão atenuados pelo facto de o empregador não poder reportar os efeitos do "segundo despedimento" à data do primeiro e de ao trabalhador sempre interessar fazer respeitar as garantias processuais que lhe assistem e impugnar despedimentos infundamentados.

A única objecção relevante respeita ao prolongamento do(s) prazo(s) de prescrição, que a solução legislativa consagra, enquanto que, como se viu, mesmo a jurisprudência e a doutrina que defendiam a admissibilidade da reabertura do processo disciplinar sempre pressupuseram que não eram excedidos os prazos prescricionais. Entende-se, apesar disso, que tal não afecta de forma intolerável os direitos de defesa dos trabalhadores arguidos nem os valores da segurança e da certeza jurídicas. Se é certo que agora expressamente se consagra que a acção de impugnação de despedimento tem de ser intentada no prazo de um ano (artigo 435.º, n.º 2), não é menos certo que os trabalhadores se sentem incentivados a propor essa acção no prazo de 30 dias subsequentes ao despedimento, sob pena de, no caso de procedência da acção, perderem o direito ao pagamento das retribuições devidas após esse período de 30 dias (artigo 437.º, n.º 4). Sendo de 10 dias (contados da eventual frustração de tentativa de conciliação a realizar no prazo de 15 dias após a recepção da petição) o prazo para contestar as acções de impugnação de despedimento (artigo 56.º, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro), daqui deriva que, em regra, a faculdade de reabertura do processo disciplinar será exercitada escassos meses após o despedimento, o que atenua fortemente os alegados factores de incerteza jurídica e de maior dificuldade do exercício do direito de defesa do trabalhador arguido.

Por último – e embora o Requerente não tenha invocado este fundamento de inconstitucionalidade, o que, como é sabido, não impede o Tribunal de o apreciar (artigo 51.º, n.º 5, da LTC) –, ainda se dirá que a solução em causa não viola o princípio non bis in idem. Este princípio – que a CRP consagra de forma expressa apenas no âmbito criminal (artigo 29.º, n.º 5), mas cuja aplicação a outros domínios sancionatórios se poderá fundar noutras normas e princípios constitucionais, desde logo os da certeza e segurança jurídicas, ínsitos no princípio do Estado de Direito – não obsta, nem sequer em processo criminal, a que, anulado por razões formais um julgamento (com a consequente eliminação da condenação que dele haja derivado), o arguido, relativamente ao qual procederam os motivos da anulação, seja sujeito a outro julgamento. Com efeito, interposto recurso ordinário e ocorrendo anulação do julgamento e reenvio do processo para novo julgamento (artigos 410.º, n.º 2, e 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), não estamos perante dois julgamentos pela prática do mesmo crime, já que a anulação de um julgamento implicou o seu desaparecimento da ordem jurídica: o "novo" julgamento passará a ser o único julgamento do caso. Aliás, este Tribunal Constitucional, em recursos em que era invocada a violação do citado princípio, concluiu pela improcedência dessa arguição em casos em que a mesma conduta era sancionada como infracção disciplinar e como crime (Acórdãos n.ºs 263/94 e 161/95), ou como integrando um concurso real de crimes (Acórdão n.º 102/99), ou como integrando crime e contra-ordenação (Acórdão n.º 244/99), ou em que pelo mesmo crime eram responsabilizados a pessoa colectiva e o seu representante (Acórdãos n.ºs 212/95, 9/99, 134/01 e 389/01), ou em que, findo o julgamento em processo sumário, se decidiu proceder a reenvio para o processo comum (Acórdão n.º 452/02).

Conclui-se, assim, que a norma constante do n.º 2 do artigo 436.º do Código do Trabalho, que, como se viu, é inaplicável aos casos de inexistência de processo disciplinar e não consente o alargamento das imputações contidas na nota de culpa a novos factos, conhecidos há mais de 60 dias pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar, não padece de inconstitucionalidade.

C) Inconstitucionalidade da norma resultante da interpretação conjugada dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 438.º do Código do Trabalho, que permite a não reintegração de trabalhador de microempresa ou que ocupe cargo de administração ou de direcção, cujo despedimento haja sido judicialmente declarado ilícito, se o seu regresso for gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial.

14. O Código do Trabalho prevê que o contrato de trabalho cesse por caducidade, por revogação (por acordo das partes), por denúncia pelo trabalhador independentemente de justa causa e por resolução (artigo 384.º). Esta resolução pode ser da iniciativa do empregador – por facto imputável ao trabalhador (consistente em comportamento culposo deste que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – artigo 396.º, n.º 1), por despedimento colectivo (fundado em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou em redução de pessoal determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos – artigo 397º, n.º 1), por extinção de posto de trabalho (determinada por motivos económicos, tanto de mercado como estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa, desde que, além do mais, estes motivos não sejam devidos a actuação culposa do empregador ou do trabalhador e seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – artigos 402.º e 403.º, n.º 1, alíneas a) e b)) ou por inadaptação do trabalhador (determinada pela inadaptação superveniente do trabalhador ao posto de trabalho, que torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – artigos 405.º e 406.º, n.º 1) – ou da iniciativa do trabalhador com invocação de justa causa (artigo 441.º).

Relativamente ao despedimento individual por facto imputável ao trabalhador, o Código do Trabalho considera-o ilícito (cf. artigos 429.º e 430.º): (i) se não tiver sido precedido do respectivo procedimento; (ii) se este procedimento for inválido (por faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa; por a nota de culpa não conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador; por não ter sido concedido o prazo de 10 dias úteis para o trabalhador consultar o processo e responder à nota de culpa ou, nas microempresas, por não ter sido garantida a audição do trabalhador; por não terem sido realizadas as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa e não consideradas patentemente dilatórias ou impertinentes; ou por a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito); (iii) se tiverem decorrido os prazos de prescrição do exercício do procedimento disciplinar ou da infracção disciplinar; (iv) se se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso; e (v) se forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento.

A declaração judicial da ilicitude do despedimento implica a condenação do empregador a: (i) pagar as retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento (ou apenas desde 30 dias antes da data da propositura da acção de impugnação do despedimento, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento) até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, com dedução do aliunde perceptum, isto é, das importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; (ii) a indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados; e (iii) a reintegrá-lo no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, podendo o trabalhador optar, em substituição da reintegração, por uma indemnização a fixar pelo tribunal, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do despedimento.

É neste contexto que se insere o artigo 438.º do Código do Trabalho, que, sob a epígrafe "Reintegração", dispõe:

"1. O trabalhador pode optar pela reintegração na empresa até à sentença do tribunal. 2. Em caso de microempresa ou relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção, o empregador pode opor-se à reintegração se justificar que o regresso do trabalhador é gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial. 3. O fundamento invocado pelo empregador é apreciado pelo tribunal. 4. O disposto no n.º 2 não se aplica sempre que a ilicitude do despedimento se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso, bem como quando o juiz considere que o fundamento justificativo da oposição à reintegração foi culposamente criado pelo empregador."

No correspondente n.º 2 do artigo 401.º do Anteprojecto o regime era extensivo igualmente às pequenas empresas, possibilidade que já não constava do correspondente artigo 427.º da Proposta de Lei. Nesta Proposta previa-se, no n.º 4 então aditado, o afastamento da possibilidade de não reintegração quando a ilicitude do despedimento resultasse de este se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso. Só na votação na especialidade é que foi aditada, como causa de exclusão do regime do n.º 2, a de o juiz considerar que o fundamento justificativo da oposição à reintegração fora culposamente criado pelo empregador (Diário da Assembleia da República, II Série-A, Suplemento ao n.º 85, de 9 de Abril de 2003, págs. 3504-(133) e 3504-(134)).

Nos termos do artigo 91.º, n.º 1, considera-se microempresa a que empregar no máximo 10 trabalhadores, pequena empresa a que empregar mais de 10 e até ao máximo de 50 trabalhadores, média empresa a que empregar mais de 50 e até ao máximo de 200 trabalhadores e grande empresa a que empregar mais de 200 trabalhadores.

Para se avaliar o alcance da medida em causa, interessará atentar nos seguintes dados estatísticos apurados pelo Ministério da Segurança Social e do Trabalho com base nos quadros de pessoal de 2000:

Empresas Trabalhadores Número % Número % Microempresas 173 350 81,11 637 333 29,24 Pequena empresa 30 796 14,41 480 550 22,05 Média empresa 7 514 3,52 391 417 17,96 Grande empresa 2 065 0,97 670 009 30,74 Total 213 725 100,00 2 179 309 100,00

Daqui resulta que este regime especial de não reintegração abrange 29,24% dos trabalhadores, abstraindo dos trabalhadores que ocupem cargos de administração ou de direcção. 15. Segundo o Requerente, "ainda que o seu verdadeiro sentido não seja fácil de apurar, da norma em causa parece resultar que em circunstâncias pré-determinadas (microempresas ou relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção) e sempre que o juiz considere não estar perante um dos fundamentos discriminados no n.º 4 do artigo 438.º, o empregador pode opor-se à reintegração de um trabalhador ilicitamente despedido se justificar que o regresso do trabalhador é gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial e poderá fazer valer essa oposição mesmo quando o trabalhador opte pela reintegração na empresa", embora não fique "claro se, à margem dos fundamentos discriminados no n.º 4, é o juiz ou o empregador quem, em última análise, decide da não reintegração". Porém, "em qualquer das hipóteses, estaríamos perante um despedimento judicialmente considerado ilícito e, todavia, ao arrepio do que parece decorrer da garantia constitucional da segurança no emprego, o trabalhador ilicitamente despedido, desde que se verificassem alguns pressupostos sobre os quais não tem qualquer possibilidade de agir, perderia o direito a manter a seu posto de trabalho e a ser nele reintegrado", e, "assim, a norma em apreço pode constituir uma violação da garantia de segurança no emprego e proibição de despedimentos sem justa causa consagrada no artigo 53.º da Constituição". 16. No regime legal actualmente vigente, a declaração judicial da ilicitude do despedimento tem sempre como efeito, além do mais, a condenação do empregador na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, a menos que este, até à sentença, opte pela "indemnização de antiguidade". Apenas no contrato de trabalho doméstico se prevê que a reintegração como consequência da declaração judicial da ilicitude do despedimento só ocorra se houver acordo entre trabalhador e empregador (artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de Outubro). Neste contexto, justifica-se que se recorde a jurisprudência deste Tribunal Constitucional sobre o alcance da proibição constitucional de despedimentos sem justa causa. No Acórdão n.º 107/88 procedeu-se a desenvolvida análise da evolução legislativa pertinente e dos pronunciamentos doutrinais e jurisprudenciais que provocou, em termos que se consideram adquiridos. Face à norma do artigo 2.º, alínea d), do Decreto da Assembleia da República n.º 81/V, então sujeito a fiscalização preventiva da constitucionalidade, que, ao definir o sentido da autorização legislativa a conceder ao Governo para rever o "regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, do contrato de trabalho a termo e o regime processual da suspensão e redução da prestação do trabalho", previa a "admissão de substituição judicial da reintegração do trabalhador, em caso de despedimento ilícito, por indemnização quando, após pedido da entidade empregadora, o tribunal crie a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho", ponderou-se o seguinte:

"Na vertente agora em apreço, autoriza a norma que, em caso de despedimento judicialmente declarado ilícito, a reintegração do trabalhador, após pedido da entidade empregadora, seja substituída por indemnização quando o tribunal crie a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho.

Quer isto dizer que, não obstante o despedimento ordenado pela entidade patronal haver sido declarado ilícito na acção que contra a mesma e por tal facto instaurou o trabalhador, pode ainda assim o juiz, quando criar a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho, substituir a reintegração por indemnização, após pedido em tal sentido da entidade empregadora.

A inexistência de justa causa, a inadequação da sanção ao comportamento verificado e a nulidade ou inexistência do processo disciplinar determinam a nulidade do despedimento que, apesar disso, tenha sido declarado e constituem no trabalhador o direito à reintegração na empresa no respectivo cargo ou posto de trabalho (cf. artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75).

O acto que extingue o contrato de trabalho, no regime da norma em apreço, vem a revelar-se ilícito, antijurídico, e, não obstante isso, pode vir a ocasionar o despedimento quando o juiz criar a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho.

Quer isto dizer que a entidade patronal, ao desencadear um despedimento ilícito, originou uma situação de conflito e tensão na relação laboral, acabando o clima de perturbação a ela devido por servir para levar o juiz a substituir a reintegração por indemnização.

Não existe aqui lugar para o apelo a qualquer princípio de tu quoque, de compensação de culpas, pois que, ao menos no recorte abstracto da situação normativa, apenas à entidade empregadora pertence responsabilidade na degradação da relação de trabalho, por efectuar um despedimento ilícito em termos de assim ser reconhecido pelo tribunal.

A culpa do empregador, através do mecanismo instituído neste norma, volta-se, não contra ele próprio, mas sim contra o trabalhador, que acaba despedido, em última análise, por força de um acto judicialmente declarado ilícito e situado na esfera de exclusiva responsabilidade da entidade patronal. É que a eventual impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho dever-se-á, em direitas contas, ao menos na generalidade das situações, ao próprio despedimento ilícito e às tensões que se lhe seguiram e o acompanharam.

A substituição da reintegração pela indemnização, em semelhante quadro, permitiria que a entidade patronal sempre pudesse despedir o trabalhador à margem de qualquer «causa constitucionalmente lícita», bastando-lhe para tanto criar, mesmo que artificialmente, as condições objectivas (despedimento ilícito + perturbações da relação laboral = impossibilidade do reatamento de normais relações do trabalho) conducentes à cessação do contrato de trabalho.

É patente a violação do disposto no artigo 53.º da Constituição."

O Tribunal Constitucional viria a ser novamente confrontado com esta problemática perante pedidos de fiscalização sucessiva da constitucionalidade de diversas normas da Lei (de autorização legislativa) n.º 107/88, de 17 de Setembro (originado na iniciativa legislativa sobre que se debruçara o Acórdão n.º 107/88), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (emitido ao abrigo daquela autorização), e do Regime Jurídico por ele aprovado (LCCT), entre elas as que previam "formas de cessação do contrato de trabalho com base em causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador ou do trabalhador, fundadas em motivos económicos, tecnológicos, estruturais ou de mercado, relativos à empresa, estabelecimento ou serviço que, em cada caso concreto, tornassem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho" e especificamente a cessação do contrato por extinção do posto de trabalho. A este propósito, e tendo em vista a garantia constitucional da segurança no emprego, ponderou-se no Acórdão n.º 581/95:

"III (...) – 1. A Constituição, no artigo 53.º, garante aos trabalhadores «a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos». Esta garantia constitui uma manifestação essencial da fundamentalidade do direito ao trabalho e da ideia conformadora de dignidade que lhe vai ligada. Por via dela se afirma em modo paradigmático a influência jus-fundamental nas relações entre privados, que não é aí apenas uma influência de irradiação objectiva, mas uma influência de ordenação directa das relações contratuais do trabalho. E é também o valor da autonomia que se realiza no programa da norma constitucional do artigo 53.º. A Constituição deixa claro o reconhecimento de que as relações do trabalho subordinado não se configuram como verdadeiras relações entre iguais, ao jeito das que se estabelecem no sistema civilístico dos contratos. A relevância constitucional do «direito ao lugar» do trabalhador envolve um desvio claro da autonomia contratual clássica e do «equilíbrio de liberdades» que a caracteriza. É que as normas sobre direitos fundamentais detêm, no plano das relações de trabalho, uma eficácia de protecção da autonomia dos menos autónomos. Aqui é evidente o desiderato constitucional de ligação da liberdade fáctica e da liberdade jurídica. A Constituição faz depender a validade dos contratos não apenas do consentimento das partes no caso particular, mas também do facto de que esse consentimento «se haja dado dentro de um marco jurídico-normativo que assegure que a autonomia de um dos indivíduos não está subordinada à do outro» (C. S. Nino, Ética y Derechos Humanos, Buenos Aires, 1984, pág. 178). A segurança no emprego implica, pois, a construção legislativa de um conjunto de meios orientados à sua realização. Desde logo, estão entre esses meios a excepcionalidade dos regimes da suspensão e da caducidade do contrato de trabalho e da sua celebração a termo. Mas a proibição dos despedimentos sem justa causa apresenta-se como elemento central da segurança no emprego, como a «garantia da garantia». Enquanto pauta de valoração, que carece de preenchimento, a «justa causa» implica uma abertura hermenêutica à estrutura geral da Constituição e à ordem de valores que entranha essa estrutura. Se bem que a «justa causa» se subtraia a uma definição conceptual, excluindo assim um método subsuntivo para lhe conferir operatividade, ela não pode ter-se como «fórmula vazia pseudo-normativa» compatível «com todas ou quase todas as formas concretas de comportamento e regras de comportamento (...). Ao invés, contém uma ideia jurídica específica» (Karl Larenz, referindo-se às pautas de regulação que carecem de preenchimento valorativo e exemplificando precisamente com a «justa causa» (Metodologia da Ciência do Direito, tradução portuguesa, 2.ª edição, a partir da 5.ª edição alemã de 1983, Lisboa, 1989, págs. 263-264)). A interpretação tem pois que fazer apelo aos valores da dignidade e da autonomia e aos paradigmas do Estado social de direito. O critério de medida da legislação haverá de ter em conta que para a ordem constitucional o trabalho constitui um importante meio de auto-realização do indivíduo, que o trabalhador é «um fim em si», não é um simples meio para os planos de vida do empregador, e também que – como afirma Forsthoff – para a ordem da Constituição Social, «a realidade da concreta existência individual deixou de se desenvolver num espaço vital dominado e passou a desenvolver-se num espaço vital efectivo» (Ernst Forsthoff, «Problemas constitucionales del Estado Social», in Wolfgang Abendroth / Ernst Forsthoff / Karl Doehring, El Estado Social, tradução castelhana, Madrid, 1986, págs. 43 e seguintes). Essa ideia tem expressão exemplar no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/88 (citado): «(...) A garantia de segurança do emprego (...) postula, desde logo, a garantia da estabilidade da posição do trabalhador na relação de trabalho e de emprego e a sua não funcionalização aos interesses da entidade patronal . E esta verificação não pode deixar de interpenetrar o verdadeiro sentido da justa causa para despedimento e a avaliação constitucional que sobre ela se empreenda» (sublinhado agora). 2. Da justa causa retira-se, no essencial, que o trabalhador não pode ser privado do trabalho por mero arbítrio do empregador. A garantia constitucional da segurança no emprego significa, num certo sentido, como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, uma «alteração qualitativa do estatuto do titular da empresa» que, assim, «não goza de liberdade de disposição sobre as relações de trabalho» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pág. 287). Na teleologia da norma do artigo 53.º da Constituição está pois a ideia de que a estabilidade do emprego envolve uma «resistência» aos desígnios do empregador, que ela não pode ser posta em causa por mero exercício da vontade deste. Este sentido nuclear assinalou-o a jurisprudência constitucional ao conceito de justa causa e à garantia, que funda, da segurança no emprego. Em vários momentos deixa claro que em nenhuma circunstância estão justificados os despedimentos arbitrários ou discricionários. O acórdão n.º 107/88 (citado) perguntava se a garantia constitucional da segurança no emprego admitia apenas a justa causa disciplinar como fundamento de despedimento (existência de culpa grave do trabalhador) ou se admitia também «despedimentos fundados em causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador e que, em cada caso concreto, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho». E se bem que se não houvesse aí concretizado uma resposta definitiva para o problema, advertiu-se logo para que a eventual admissibilidade de despedimentos fundados em causas objectivas haveria de pressupor um particular sistema (legal) de garantias substantivas e de procedimento. Este acórdão – que empreendera um longo excurso pela legislação laboral anterior aos trabalhos preparatórios da Constituição – afirmou ainda que não cabia na «intenção jurídico-normativa» da norma constitucional do artigo 53.º o ressurgimento da figura do motivo atendível que o Decreto-Lei n.º 372-A/75 erigira em causa de despedimento e definira como «o facto, situação ou circunstância objectiva, ligado à pessoa do trabalhador ou à empresa, que dentro dos condicionalismos da economia da empresa, torne contrária aos interesses desta e aos interesses globais da economia a manutenção da relação de trabalho». Mesmo para quem não empreenda esta aproximação «originalista» da norma constitucional, é clara a ideia – aliás, expressamente assumida no mesmo acórdão – de que a essencialidade da justa causa está na não funcionalização do trabalho aos interesses do empregador ou à mera conveniência da empresa. Ideia que vem também estruturar a argumentação do acórdão n.º 64/91 (citado): aqui, é retomado o problema que se deixara em aberto no primeiro acórdão, da determinação dos fundamentos de cessação do contrato de trabalho constitucionalmente admissíveis. Diz-se: «(...) ao lado da ‘justa causa’ disciplinar, a Constituição não vedou em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral». O acórdão adverte para que, neste caso dos despedimentos por causa objectiva, se impõe a instituição de garantias substantivas e de procedimento. Entre essas garantias estão a de determinação das causas (com suficiente concretização dos conceitos da lei), da controlabilidade das situações de impossibilidade objectiva, e do asseguramento ao trabalhador de uma indemnização. 3. Manifestamente, a Constituição não quis afastar as hipóteses de desvinculação do trabalhador naquelas situações em que a relação de trabalho não tem viabilidade de subsistência e que não são imputáveis à livre vontade do empregador. A cessação do contrato de trabalho tem aqui um fundamento que radica na mesma lógica de legitimação dos despedimentos colectivos. Para usar a formulação do acórdão n.º 64/91 (citado), «a verdadeira impossibilidade objectiva de subsistência da relação laboral é que justifica a legitimidade constitucional dos despedimentos colectivos (...). Ora, é uma impossibilidade análoga que há-de justificar também (aqui) os despedimentos individuais (...)». Nos despedimentos por causa objectiva não existe o pressuposto da culpa, com a censura ético-jurídica que lhe vai ligada. A emergência da cessação do vínculo laboral não deriva de qualquer facto que o trabalhador houvesse que ter prevenido com a sua própria vontade. E também não é imputável ao empregador. «A inviabilidade [do contrato] respeita a todos, é uma impossibilidade objectiva» (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 5.ª edição, Coimbra, 1992, págs. 66-67). Ao decidir sobre a validade dos despedimentos concretamente declarados, o tribunal abstrai dos pontos de vista relativos à culpa para erigir em critério de decisão as causas e circunstâncias que a lei ligou àquela impossibilidade. A garantia constitucional da segurança no emprego exige aqui que o «direito do sistema» seja já, na maior medida possível, «direito do problema», direito operativo que não regulação aberta capaz de potenciar despedimentos arbitrários, judicialmente incontroláveis."

Passando depois à análise das normas então impugnadas (artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88 e artigos 26.º a 33.º da LCCT), o citado Acórdão n.º 581/95 expendeu o seguinte:

"Desde logo, a norma do artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88 não afronta a garantia constitucional da segurança no emprego. Ali, as causas objectivas de cessação do contrato de trabalho são ordenadas a uma circunstância de impossibilidade prática, de inexigibilidade da permanência do contrato. Segundo o programa da norma, essas causas devem revelar «a inexistência ou inadequação prática de medida alternativa à extinção do vínculo» (Monteiro Fernandes). Depois, não devem ser em qualquer caso imputáveis a culpa do empregador. Finalmente, está o Governo-legislador incumbido de instituir, quanto a essas formas de cessação, um sistema adequado de garantias substantivas e de procedimento. A norma vem, por este modo, ao encontro dos pressupostos que o acórdão n.º 107/88, ao analisar o Decreto n.º 81/V, já ensejava para a admissibilidade – que então não discutiu – dos despedimentos por causa objectiva. Ora, é justamente o desiderato estabelecido na norma do artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88, que se realiza nas normas dos artigos 26.º a 33.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89. Aqui, o Governo exerce uma competência normativa que tem os limites e se ordena aos fins ditados na lei de autorização. Nas normas dos artigos 26.º a 33.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, o legislador exige, no sentido da Constituição, uma motivação justa, processualmente adequada, judicialmente controlável e com pagamento de uma indemnização para os despedimentos por causa objectiva. Para isso, explicita as causas (motivos económicos ou de mercado, motivos tecnológicos, motivos estruturais (artigo 26.º, n.ºs 1 e 2)), impõe a verificação cumulativa de certas condições (artigo 27.º, n.º 1, alíneas a), b), c), d) e e)) e também critérios para a «concretização dos postos de trabalho a extinguir» (artigo 27.º, n.º 2). Dentre as condições a que se subordina a cessação do contrato de trabalho relevam, em especial, a de não imputabilidade dos motivos invocados a culpa do empregador (artigo 26.º, n.º 1, alínea a)), a de impossibilidade prática da subsistência do vínculo (artigo 26.º, n.º 1, alínea a)) e a não existência de contratos a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto (artigo 26.º, n.º 1, alínea a)), para além da garantia – que mais se afirma como garantia a posteriori – de uma indemnização. E relevam porque aí se revêem os traços essenciais da justificação que a garantia constitucional de segurança no emprego exige aos despedimentos por causa objectiva: a não disponibilidade do empregador sobre a relação de trabalho, a emergência da resolução do contrato como «imperativo prático» (Monteiro Fernandes), a inexistência de formas contratuais a termo para as tarefas correspondentes ao posto de trabalho a extinguir, aqui se consubstanciando um «controlo de prognoses» (Gomes Canotilho e Vital Moreira) sobre a permanência no futuro das causas de extinção do vínculo. A condição de impossibilidade prática de subsistência do contrato (artigo 26.º, n.º 3) é mesmo especialmente concretizada por forma a poder-se constituir em critério de valoração para o controlo do despedimento. Esse critério – que é, de novo, explicitado na norma do artigo 30.º, n.º 1, alínea b) – é o da inexistência de uma alternativa razoável à cessação do vínculo (sublinhado no original). Mas no sistema das normas em análise relevam ainda garantias adequadas de procedimento: a entidade empregadora deve comunicar às estruturas representativas dos trabalhadores a intenção de extinguir os postos de trabalho em causa (artigo 28.º). Essas estruturas e o trabalhador podem «em caso de oposição à cessação, emitir parecer fundamentado» e «solicitar a intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho» (artigo 29.º). A decisão de despedimento deve ser fundamentada, entre o mais, com a indicação dos motivos e «justificação de inexistência de alternativas à cessação do contrato do ocupante do posto de trabalho extinto» (artigo 30.º) e comunicada ao trabalhador e seus representantes e também à Inspecção-Geral do Trabalho. O Decreto-Lei n.º 64-A/89 define ainda as causas de nulidade do despedimento cujo controlo é cometido ao tribunal (artigo 32.º) e institui a providência cautelar da suspensão de cessação do contrato (artigo 33.º). Finalmente, garante ao trabalhador os direitos a aviso prévio, crédito de horas e compensação pecuniária por despedimento (artigo 31.º, remetendo para os artigos 21.º, 22.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 23.º). A cessação do contrato de trabalho por causas objectivas, prevista nas normas dos artigos 26.º a 33.º do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, não afronta a garantia constitucional da segurança no emprego. Aí estão suficientemente determinadas as causas objectivas e a sua ligação à circunstância da impossibilidade prática de subsistência do vínculo laboral, aí se afasta expressamente a liberdade de «disposição» do empregador, aí se estabelecem garantias adequadas de procedimento. Essas normas radicam a cessação do contrato de trabalho na ideia de que a manutenção do trabalho deixou de ser possível ou proporcionada em certas situações. E têm a determinabilidade exigível para oferecer ao juiz critérios de controlo dos despedimentos concretamente declarados."

A evocação da anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a presente problemática não pode prescindir de referência a dois aspectos tratados no Acórdão n.º 64/91, emitido em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade do Decreto da Assembleia da República n.º 302/V: um relativo à prestação de trabalho em comissão de serviço e o outro relativo à cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador.

Quanto ao primeiro aspecto, o diploma em causa, propondo-se regular pela primeira vez em Portugal o desempenho de funções em comissão de serviço no âmbito de um contrato de trabalho subordinado, previa três situações: (i) desempenho dessas funções por trabalhador da empresa, (ii) desempenho por pessoa estranha à empresa mas com simultânea colocação em lugar ou categoria existente ou a criar na empresa e (iii) desempenho por pessoa estranha à empresa com previsão da cessação do contrato com a cessação da comissão de serviço. Podendo o desempenho de funções em comissão de serviço (para o exercício de cargos de administração, de direcção directamente dependentes da administração e de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos) cessar em qualquer momento por decisão de qualquer das partes, a violação da garantia da segurança do emprego não se colocava nas duas primeiras situações: cessada a comissão de serviço por iniciativa do empregador, o trabalhador da empresa regressava à categoria anteriormente detida (ou àquela a que entretanto devesse ter sido promovido) e o trabalhador recém admitido assumiria o lugar ou a categoria para que fora simultaneamente contratado. Só na terceira situação se colocavam as questões do eventual desrespeito da aludida garantia constitucional e da admissibilidade da disposição pelo trabalhador de um direito irrenunciável. A essas questões a maioria do Tribunal emitiu então pronúncia de não inconstitucionalidade com a seguinte fundamentação:

"Foi entendido que os cargos dirigentes ou a eles equiparados se revestem de um evidente carácter fiduciário, de tal forma que, pela sua natureza, são exercidos pelos titulares de forma precária, estando subjacente sempre uma ideia de que a todo o tempo pode cessar a comissão, por decisão de qualquer das partes no contrato. Não está legalmente excluído que as partes possam apor um termo a este contrato. Em algumas dessas funções, nomeadamente nas funções de administração, tem-se predominantemente entendido que se não está perante um contrato de trabalho, mas antes perante um contrato de mandato ou de prestação de serviço em regime liberal, como, aliás, foi aventado durante o debate parlamentar desta proposta de lei. Em outros, porém, especialmente nos de secretariado pessoal, existe prestação de serviços ou de trabalho, embora com regime próprio. Mas também então se verifica aquela modificação no conteúdo ou na essencialidade do dever de lealdade, que Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 190) considera típica dos «cargos de direcção ou de confiança»: «a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador». Não necessita este Tribunal de dirimir a questão de saber se o carácter fiduciário (e, portanto, a diferente ponderação em que a fidelidade pessoal e adequação funcional objectiva determinam o conteúdo dos deveres do prestador de serviços) implica a constituição de um tipo contratual distinto do contrato de trabalho. Bastará ao Tribunal reconhecer que, nestes casos, há fundamento material para um regime de cessação do contrato, restrito ao contrato ou acordo de comissão de serviço, que o fará terminar com a cessação da relação de confiança considerada essencial. Nestes casos, a quebra de relação fiduciária torna absolutamente impossível o serviço comissionado, como se de impossibilidade objectiva se tratasse, não tendo sentido falar-se de derrogação de normas inderrogáveis a este propósito" (itálicos no original).

Relativamente à admissibilidade da cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador, o Tribunal não considerou constitucionalmente ilegítima esta nova figura, com base na seguinte argumentação:

"Este Tribunal perfilha o entendimento de que não é constitucionalmente ilegítima esta nova figura de cessação de contrato de trabalho, nos precisos termos em que está regulada no Decreto em apreciação, desenvolvendo assim a problemática que se deixara em aberto no Acórdão n.° 107/88, isto é, a questão da admissibilidade de despedimentos individuais fundados em «causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador que, em cada caso concreto, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho». Em abono da constitucionalidade da figura agora prevista no diploma sub judicio poderá desde logo argumentar-se, num primeiro entendimento, que o conceito constitucional de justa causa é susceptível de cobrir factos, situações ou circunstâncias objectivas, não se limitando à noção de justa causa disciplinar que está aceite no nosso Direito do Trabalho desde 1976 (artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 372-A/75, na redacção do Decreto-Lei n.° 841-C/76: «comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho»; noção esta repetida no artigo 9.°, n.° l, da nova Lei dos Despedimentos de 1989, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89). Partindo da ideia de que a Constituição, «quando proíbe os despedimentos sem justa causa, coloca-se noutra perspectiva: a da defesa do emprego e da necessidade de não consentir denúncias imotivadas. Não fez apelo aos casos excepcionais da antiga ‘justa causa’ que legitimava uma rescisão imediata sem indemnizações; a proibição constitucional tem uma explicação diversa, pois pretende atingir os despedimentos arbitrários, isto é, sem motivo justificado» (Bernardo da Gama Lobo Xavier, «A recente legislação dos despedimentos», in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, 1976, pág. 161, passo transcrito na declaração de voto conjunta dos Conselheiros Cardoso da Costa e Messias Bento, anexa ao Acórdão n.° 107/88), é assim possível defender que a Constituição não veda formas de despedimento do trabalhador com fundamento em motivos objectivos, «tais como o despedimento tecnológico ou por absolutas necessidades da empresa». Isto sem prejuízo de o despedimento por estes últimos motivos dever obedecer a uma regulamentação específica, rodeada de adequadas garantias. Mas ainda quando se não partilhe o ponto de vista acabado de referir, quanto ao preenchimento do conceito constitucional indeterminado de justa causa, continuar-se-á a sustentar, agora num segundo entendimento, o juízo de legitimidade constitucional desta regulamentação. É que, mesmo partindo-se de uma «densificação semântica» do conceito constitucional de justa causa que privilegie a história dos trabalhos preparatórios e a preocupação do legislador constituinte de proscrever os despedimentos com base em motivo atendível, previstos na Lei dos Despedimentos de 1975 (vejam-se Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª ed., Coimbra, 1984, pág. 291), deve entender-se que, ao lado da «justa causa» (disciplinar), a Constituição não vedou em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral. Já se não estará perante situações de despedimento com base em justa causa quando se permite a cessação do contrato de trabalho pela causa objectiva de o trabalhador não conseguir adaptar-se a uma alteração tecnológica do seu posto de trabalho, inadaptação que, sem culpa do empregador, torne praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral e justifique por isso, a respectiva caducidade. Não pode admitir-se que baste a conveniência da empresa, por razões objectivas, para ser constitucionalmente legítimo pôr-se termo ao contrato de trabalho. Há-de considerar-se que tem de verificar-se uma prática impossibilidade objectiva e que tais despedimentos hão-de ter uma regulamentação substantiva e processual distinta da dos despedimentos com justa causa (disciplinar), de tal forma que fiquem devidamente acauteladas as exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade, não podendo através desse meio conseguir-se, em caso algum, uma «transfiguração» da regulamentação que redunde na possibilidade, mais ou menos encapotada, de despedimentos imotivados ou ad nutum ou de despedimentos com base na mera conveniência da empresa. Ainda segundo este ponto de vista mais restritivo na densificação semântica da noção constitucional de justa causa, considera-se que a verdadeira impossibilidade objectiva de subsistência da relação laboral é que justifica a legitimidade constitucional dos despedimentos colectivos, regulamentados pelo Decreto-Lei n.° 84/76, de 28 de Janeiro, já depois de aprovado o texto do que viria a ser o artigo 52.°, alínea b), da versão original da Constituição de 1976, correspondente ao actual artigo 53.° da Constituição. Ora é uma impossibilidade objectiva análoga que há-de justificar também os despedimentos individuais com base em motivos de inadaptação por evolução tecnológica («despedimentos tecnológicos»), a que se referia o deputado Francisco Marcelo Curto no debate da Assembleia Constituinte com o deputado Mário Pinto, na sessão em que foi aprovado o texto da referida norma constitucional (remete-se para o Diário da Assembleia Constituinte, n.° 48, de 18 de Setembro de 1975, pág. 1388, e para o texto do Acórdão n.° 107/88 e para as declarações de voto dos Conselheiros Raul Mateus, Cardoso da Costa e Messias Bento), pois não se vê por que há-de ser constitucionalmente legítimo o despedimento colectivo de dois trabalhadores numa empresa de, por exemplo, 40 trabalhadores, com base em motivos tecnológicos, e já passe a ser ilegítimo o despedimento individual de um trabalhador na mesma empresa, por inadaptação decorrente de introdução de modificações tecnológicas no seu posto de trabalho (vejam-se os artigos 13.°, n.° 2, da Lei dos Despedimentos de 1975, na redacção introduzida pelo citado Decreto-Lei n.° 84/76, e 16.° da Lei dos Despedimentos de 1989). Ponto fundamental é que a regulamentação substantiva e processual seja distinta da prevista para os despedimentos com justa causa, os conceitos utilizados não sejam vagos ou demasiado imprecisos (como se entendeu no Acórdão n.° 107/88 que sucedia com o diploma então em apreço) e que as garantias concedidas ao trabalhador, quer no plano da fiscalização (por entidade estranha ao vínculo) da existência de uma situação de impossibilidade objectiva, quer no que toca à indemnização a conceder-lhe, estejam asseguradas. Determinante neste juízo de constitucionalidade foi pois – para qualquer das posições em presença – o regime traçado em concreto no diploma em apreciação, constante das onze alíneas do n.° 6 do seu artigo 2.°, quer no que toca à caracterização da causa de despedimento e da finalidade visada, quer no que toca aos seus elementos integrantes e aos condicionalismos ligados à sua efectivação, quer, por último, às significativas garantias do trabalhador que aí estão previstas. Impõe-se, por isso, uma análise da regulamentação globalmente traçada no Decreto n.° 302/V. Do corpo do n.° 6 do artigo 2.°, retira-se que a cessação do contrato de trabalho por inadaptação nos casos em que forem introduzidas modificações tecnológicas no posto de trabalho há-de visar «acautelar a eficácia da reestruturação das empresas como instrumento essencial da competitividade no mercado e, nessa medida, de segurança do emprego dos respectivos trabalhadores, bem como proteger a posição do trabalhador, garantindo-lhe, nomeadamente, prévia formação profissional e um período de adaptação suficiente no posto de trabalho». Os elementos integradores desta causa constam das três primeiras alíneas do referido número, e, nas alíneas d) e e), prevê-se um aviso prévio fundamentado obrigatoriamente comunicado ao trabalhador e à estrutura representativa dos trabalhadores, assegura-se a intervenção desta estrutura na apreciação dos motivos invocados e reconhece-se um direito de oposição do próprio trabalhador quanto à cessação. Além disso, garantem-se os direitos a aviso prévio, a crédito de horas durante esse período, a uma compensação pecuniária proporcional à duração do contrato e até a rescisão do contrato pelo trabalhador durante o prazo de pré-aviso, sem perda do direito à compensação. No plano das garantias processuais da protecção do emprego, o Decreto em apreciação tutela as consequências da ilicitude do despedimento, confere carácter urgente às acções judiciais destinadas a declarar a mesma ilicitude, bem como prevê a instituição de providência cautelar de suspensão desta causa de cessação do contrato de trabalho. Impõe-se à entidade patronal a manutenção do nível de emprego permanente, bem como a obrigação de informação e consulta das estruturas representativas dos trabalhadores quanto às modificações nos postos de trabalho decorrentes da reestruturação ou alterações tecnológicas. Por último, estabelece-se um «adequado regime punitivo» relativo às infracções cometidas pela entidade empregadora na matéria. Há-de, assim, concluir-se que não se mostram violados os artigos 53.º ou 18.º, n.º 2, da Constituição, visto que a cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador nos casos de introdução de modificações tecnológicas no posto de trabalho é ainda compatível com o princípio constitucional da proibição dos despedimentos sem justa causa, funcionando como ultima ratio, verificação de uma situação de impossibilidade objectiva, mostrando a regulamentação proposta que fica afastado o risco de transfiguração ou desvirtuamento do instituto, de forma a que a sua aplicação não permita, na prática, os despedimentos imotivados ou ad nutum ou com base na mera conveniência da empresa." (itálicos no original).

17. Recordada a anterior jurisprudência mais relevante deste Tribunal sobre a noção de despedimento sem justa causa, da qual não resulta directamente qualquer solução para o presente caso, é tempo de retornar à norma ora em apreciação, norma cuja interpretação suscita algumas dúvidas.

A declaração judicial da ilicitude do despedimento, determinando a invalidade desse facto extintivo da relação contratual laboral, implica que juridicamente tudo se deve passar como se essa relação nunca tivesse sido interrompida, pelo que a "reintegração" surge como o efeito normal de tal declaração. Porém, a legislação vigente confere ao trabalhador – e apenas a este – a faculdade de renunciar à reintegração e optar pela indemnização de antiguidade, configurando assim o facto de ele ter sido alvo de um despedimento ilícito como integrando uma justa causa para a rescisão do contrato de trabalho por sua iniciativa. Reintegração e indemnização de antiguidade não são alternativas que estejam colocadas ao mesmo nível, surgindo a indemnização como sucedâneo da reintegração. Este sistema é mantido como regra pelo Código do Trabalho (cf. artigos 436.º, n.º 1, alínea b), e 439.º, n.º 1): o que resulta do sistema do Código é que o trabalhador tem, à partida, direito à reintegração, embora ele (e só ele) possa optar, como sucedâneo, pela indemnização de antiguidade.

Seguidamente, cumpre assinalar que, pela sua inserção sistemática, a norma em causa parece susceptível de aplicação a todas as situações de ilicitude de despedimento, quer este despedimento se funde em facto imputável ao trabalhador, em extinção do posto de trabalho ou em inadaptação do trabalho, quer se trate de despedimento colectivo.

Depois, da fórmula usada no n.º 3 resulta que há-de partir da iniciativa do empregador a oposição à reintegração, embora incumba ao tribunal a verificação da efectiva ocorrência do fundamento legal dessa oposição, no caso de essa ocorrência ser questionada pelo trabalhador.

Finalmente, a culpa do empregador, que exclui o direito de oposição à reintegração, respeita à criação da situação de grave prejuízo e perturbação para o prosseguimento da actividade empresarial, o que não se confunde com a culpa do mesmo empregador ao ter procedido a um despedimento ilícito.

18. O cerne da questão suscitada a propósito desta norma consiste em saber se à proibição constitucional do despedimento sem justa causa corresponde, necessária e invariavelmente, a invalidade de tal despedimento e o consequente direito do trabalhador à reintegração – uma tutela específica, ou "real", do posto de trabalho – ou se existirão situações em que são constitucionalmente admissíveis desvios – com tutela ressarcitória – à regra da reintegração, e se uma destas situações não poderá ser a hipótese ora em apreciação.

No direito ordinário está hoje consagrada, pelo menos, solução que é expressão desta segunda possibilidade: é o caso, já referido, do contrato de trabalho doméstico.

Para além disto, no caso do contrato de trabalho do praticante desportivo, apesar de o artigo 27.º, n.º 2, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, consagrar o direito do trabalhador/praticante desportivo à reintegração no clube em caso de despedimento ilícito, João Leal Amado (Vinculação versus Liberdade. O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, págs. 297-307) critica essa opção legislativa, por reputar não constitucionalmente imposta em todos os casos a tutela reintegratória e considerar que a voluntariedade da relação desportiva não convive facilmente com a coercibilidade do vínculo jurídico-laboral do praticante, pelo que a lei deveria prescindir daquela tutela nesse domínio, optando por um sistema meramente ressarcitório, que é, aliás, o consagrado, para o futebol profissional, tanto na PRT de 1975 como no CCT de 1991 e até no CCT de 1999, já posterior àquela lei. Por outro lado, Jorge Leite e Coutinho de Almeida (Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, págs. 263-264), reflectem em geral sobre a obrigação de "reocupação do posto de trabalho" como consequência da nulidade do despedimento, adiantando que "a ordem jurídica não pode nem deve estimular obstáculos de natureza subjectiva à realização de direitos fundamentais ou de quaisquer outros, antes os deve contrariar", e que "a oposição gerada em sentimentos do empregador (respeitáveis ou condenáveis) não pode prevalecer sobre os interesses na realização do direito ao trabalho e à segurança no emprego", e concluindo que a obrigação de reintegração "se deve excluir do âmbito do contrato de serviço doméstico e de empresas famil

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