Tempos incertos

05-04-2003
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Tempos Incertos

Por ANTÓNIO CORREIA DE CAMPOS

Sexta-feira, 28 de Março de 2003 O homem: José Barros Moura morreu como tinha vivido. Sem concessões nem compromissos. Desde jovem, era mais adulto que muitos de nós. De tão tímido parecia agressivo, de tão coerente parecia inflexível, de tão rigoroso parecia arrogante, de tão competente parecia distante. E, todavia, tanta bonomia, num carácter recto e probo. E por tal, muitas vezes, menos bem tratado: determinado nas questões associativas, comprometido até ao fim na militância política, inconformado na crítica ao imobilismo, frontal na discordância e dissidência, não tinha amigos fáceis. Altamente competente em questões europeias e de trabalho, era uma voz presente, articulada e respeitada. Sofreu injustiças escusadas: na incompreensão dos pequenos poderes localmente instalados, na carreira política truncada por mor da verticalidade que sempre usou e até no não reconhecimento histórico do seu papel essencial no movimento associativo. José Barros Moura foi um grande português. A sua perda precoce empobrece o país. A guerra: impossível não falar dela. De tanta informação e contra-informação que se nos torna difícil sentir o rumo das coisas. Ocupação dos "media" com factos políticos artificiais: mensagens de Bush às tropas, ao povo, ao Congresso. Mensagens de Saddam ao povo, aos militares, às tribos. Visitas de Blair a Camp David para organizar a humanitária ajuda das desumanidades que está a criar, ou para protestar contra os erros do fogo amigável, como disse o "Independent"? O atraso na progressão das tropas da coligação deve-se à tempestade de areia, à resistência do adversário, ou aos erros de campanha que alguns estrategas já identificam? A falta de entusiasmo dos libertados deve-se a patriotismo, a antiamericanismo, ou a doses ainda insuficientes de chocolates para crianças? Algumas certezas estão garantidas: que os danos na população e no país serão maiores que inicialmente se estimava, ou até se pretendia; que a resistência é maior que se calculava; que uma nova colónia, protectorado ou simples ocupação irá nascer, por tempo indeterminado; que a tentação de exportar o futuro enxerto de democracia por nomeação para a Síria, Irão e Arábia Saudita será inversamente proporcional à duração da primeira campanha; que, com os zelotas de Bush a louvarem a maldição que infligiram à ONU, vai ser mais difícil aos leigos recuperá-la; que com mais mil milhões de dólares para Israel, novos colonatos irão ser construídos em terra palestina; que a forte coligação vai vencer a fraca nação. Muitas dúvidas permanecerão: poderá a Fénix europeia renascer? Poderão as Nações Unidas recuperar da perda de auto-estima? Será possível levar Israel a acatar as resoluções do Conselho de Segurança? Será possível que o mundo árabe se aquiete, chorando Granada perdida, sem que as lágrimas do seu Califa se transformem em veneno? Será a doutrina Wolfowitz tão importante no futuro, como o foi a doutrina Wilson, ou passará directamente ao cesto dos papéis? Será possível que a actual Administração americana pare um pouco para ouvir e pensar, em vez de fazer de contas que reza por São Jorge contra o dragão? A economia: vozes autorizadas próximas do Governo começam a descrer da estratégia da entronização do controlo do défice: Miguel Cadilhe e Teodora Cardoso, insuspeitos e rigorosos, avisadamente recomendam que se pense mais em economia e menos em finanças. Já não era sem tempo. Outros se seguirão. Entretanto, a nossa austera ministra entende que não é de investimento, mas de produtividade que a economia necessita. De acordo. Esperemos, todavia, que não pretenda aumentar a produtividade do cavalo do inglês, reduzindo-lhe a ração em cada dia, até à inanição. OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO EDITORIAL

Guerra, paz e canções

OPINIÃO

A guerra democrática

Tempos incertos

Na fogueira

Blair, Chirac e o futuro da Europa

O FIO DO HORIZONTE

Esquivas

CARTAS AO DIRECTOR

Rectificação

Angola é um país próspero

Como é que se pode ser tão hipócrita?

Tempos Incertos

Por ANTÓNIO CORREIA DE CAMPOS

Sexta-feira, 28 de Março de 2003 O homem: José Barros Moura morreu como tinha vivido. Sem concessões nem compromissos. Desde jovem, era mais adulto que muitos de nós. De tão tímido parecia agressivo, de tão coerente parecia inflexível, de tão rigoroso parecia arrogante, de tão competente parecia distante. E, todavia, tanta bonomia, num carácter recto e probo. E por tal, muitas vezes, menos bem tratado: determinado nas questões associativas, comprometido até ao fim na militância política, inconformado na crítica ao imobilismo, frontal na discordância e dissidência, não tinha amigos fáceis. Altamente competente em questões europeias e de trabalho, era uma voz presente, articulada e respeitada. Sofreu injustiças escusadas: na incompreensão dos pequenos poderes localmente instalados, na carreira política truncada por mor da verticalidade que sempre usou e até no não reconhecimento histórico do seu papel essencial no movimento associativo. José Barros Moura foi um grande português. A sua perda precoce empobrece o país. A guerra: impossível não falar dela. De tanta informação e contra-informação que se nos torna difícil sentir o rumo das coisas. Ocupação dos "media" com factos políticos artificiais: mensagens de Bush às tropas, ao povo, ao Congresso. Mensagens de Saddam ao povo, aos militares, às tribos. Visitas de Blair a Camp David para organizar a humanitária ajuda das desumanidades que está a criar, ou para protestar contra os erros do fogo amigável, como disse o "Independent"? O atraso na progressão das tropas da coligação deve-se à tempestade de areia, à resistência do adversário, ou aos erros de campanha que alguns estrategas já identificam? A falta de entusiasmo dos libertados deve-se a patriotismo, a antiamericanismo, ou a doses ainda insuficientes de chocolates para crianças? Algumas certezas estão garantidas: que os danos na população e no país serão maiores que inicialmente se estimava, ou até se pretendia; que a resistência é maior que se calculava; que uma nova colónia, protectorado ou simples ocupação irá nascer, por tempo indeterminado; que a tentação de exportar o futuro enxerto de democracia por nomeação para a Síria, Irão e Arábia Saudita será inversamente proporcional à duração da primeira campanha; que, com os zelotas de Bush a louvarem a maldição que infligiram à ONU, vai ser mais difícil aos leigos recuperá-la; que com mais mil milhões de dólares para Israel, novos colonatos irão ser construídos em terra palestina; que a forte coligação vai vencer a fraca nação. Muitas dúvidas permanecerão: poderá a Fénix europeia renascer? Poderão as Nações Unidas recuperar da perda de auto-estima? Será possível levar Israel a acatar as resoluções do Conselho de Segurança? Será possível que o mundo árabe se aquiete, chorando Granada perdida, sem que as lágrimas do seu Califa se transformem em veneno? Será a doutrina Wolfowitz tão importante no futuro, como o foi a doutrina Wilson, ou passará directamente ao cesto dos papéis? Será possível que a actual Administração americana pare um pouco para ouvir e pensar, em vez de fazer de contas que reza por São Jorge contra o dragão? A economia: vozes autorizadas próximas do Governo começam a descrer da estratégia da entronização do controlo do défice: Miguel Cadilhe e Teodora Cardoso, insuspeitos e rigorosos, avisadamente recomendam que se pense mais em economia e menos em finanças. Já não era sem tempo. Outros se seguirão. Entretanto, a nossa austera ministra entende que não é de investimento, mas de produtividade que a economia necessita. De acordo. Esperemos, todavia, que não pretenda aumentar a produtividade do cavalo do inglês, reduzindo-lhe a ração em cada dia, até à inanição. OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO EDITORIAL

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Angola é um país próspero

Como é que se pode ser tão hipócrita?

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