Suplemento Economia

16-06-2003
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Nos bastidores das grandes decisões

Os Gurus do Governo EM DESTAQUE

Segunda-feira, 16 de Junho de 2003 Algumas das reformas mais emblemáticas da equipa liderada por Durão Barroso têm sido, afinal, delineadas por empresas internacionais de consultoria. As firmas reconhecem que o seu contributo para a governação do país é cada vez maior, mas salientam que a palavra final é do cliente-ministro que arca com a responsabilidade de eventuais sucessos ou fracassos Clara Teixeira e Diana Ralha O Governo e os organismos da Administração Pública (AP) recorrem cada vez mais a consultores externos para desenharem a estratégia e a reestruturação de áreas, sectores ou empresas tão significativos como a diplomacia económica, as águas ou a EDP. Os responsáveis de algumas das maiores empresas de consultoria instaladas em Portugal garantem, no entanto, que os governantes não delegam o seu poder de decisão em relação às diferentes matérias, até porque a responsabilidade final pelo êxito ou pelo fracasso, perante a opinião pública, é sempre deles. Assim, segundo dizem, o contributo dos consultores quase se resume a apontar soluções alternativas para um dado problema, muitas vezes concebidas em conjunto com equipas da própria Administração Pública. No final, é o cliente que escolhe o que pretende e que executa com a celeridade que lhe convém. O PÚBLICO tentou falar com as empresas que têm a cargo alguns dos estudos mais significativos encomendados pelo Governo ou pela AP, mas nem todas se disponibilizaram para o fazer. Roland Berger, AT Kearney, Accenture e IBM Consulting acederam ao pedido, o mesmo não acontecendo com a McKinsey. Já a Deloitte Consulting não respondeu em tempo útil. No caso da Roland Berger, dirigida por António Bernardo, a AP representa sensivelmente 15 por cento do volume de negócios da empresa em Portugal, quando a nível internacional tem um peso ligeiramente maior, da ordem dos 20 por cento. A empresa especializou-se na área dos estudos de estratégia e reestruturação organizacional, seja em empresas seja na AP, e há no mercado a ideia de que os honorários cobrados pelo seu trabalho podem facilmente atingir os 500 mil euros ou mesmo ultrapassar esse valor. Um estudo idêntico ao que está a elaborar para a Secretaria de Estado dos Transportes (ver quadro) pode ocupar uma equipa de consultores da Roland Berger durante três a cinco meses, com um mínimo de quatro a um máximo de 15 pessoas, mas esse prazo pode estender-se caso a empresa seja solicitada a acompanhar a execução do projecto. A Roland Berger tem 40 colaboradores em Portugal e, apesar de não divulgar o volume de negócios, António Bernardo esclarece que "em média cada consultor factura para a empresa 500 mil euros por ano". "São do mais produtivo que há", adianta, reconhecendo que lhes paga "muito bem". António Bernardo não nota grandes diferenças entre o volume de "encomendas" do cliente AP nos últimos anos, ao invés daquilo que possa parecer. "Não temos crescido", diz, reconhecendo que a AP até tem reduzido o seu contributo para a facturação total da Roland Berger. "Na área das tecnologias de informação talvez o volume de trabalho esteja a crescer, mas na área de estratégia organizacional é possível que tenha diminuído". Tendência internacional A nível internacional, a Roland Berger criou um centro de competências para melhor acompanhar os requisitos do "cliente" AP, que em vários países tende a representar maior peso na facturação das empresas de consultoria. Em Itália, onde a AP representa 35 por cento do seu volume de negócios, a empresa está a auxiliar o Governo na estratégia para a Internet de banda larga e também num ambicioso programa de redução de custos na Administração Central e Local que, em dois anos, "poupou" ao contribuinte italiano cerca de mil milhões de euros. Por cá, e apesar de as perspectivas não serem muito promissoras, António Bernardo confessa que gosta de trabalhar com a AP: "Tivemos no ano passado uma óptima experiência com a Câmara de Lisboa, e neste momento, na secretaria de Estado dos Transportes existem equipas fortes, que questionam os consultores a todo o momento. Nas águas também. São muito intervenientes, com ideias próprias.Vejo ali gente muito válida". Hoje em dia, as consultoras já não correm tanto o risco de ver os seus projectos e estudos ficarem esquecidos numa gaveta, como sucedeu no passado em serviços ministeriais e em empresas públicas. Tanto António Bernardo como Jorge Pereira da Costa, "managing country" da AT Kearney em Portugal, referem que há desde o início uma interacção grande entre o trabalho dos consultores e o cliente. "Há logo consenso em relação ao que se quer", refere António Bernardo. O consultor, como admite Jorge Pereira da Costa, tem como ponto de partida a apresentação e recomendação de várias soluções para um problema que se quer ver resolvido, dando posteriormente ao cliente a liberdade de decidir qual é a que quer, "embora haja umas melhores e outras piores". "O consultor tem de perceber o que o cliente quer, mas também deve dizer o que não faz", contrapõe António Bernardo, explicando que "o que se perde a curto prazo ganha-se a médio e a longo prazo". "Sou duro, perdi com isso, mas estou convencido de que ganhei mais assim", diz ainda, salvaguardando que o mais importante é a credibilidade que se tem no mercado. Uma das regras da Roland Berger, que aplica tanto ao sector público como ao sector privado, é a de que "os resultados dos estudos têm de ser tangíveis, permitindo a quantificação de quanto se aumenta na receita ou quando se reduz nos custos. António Bernardo tem como política apenas candidatar-se a projectos em que "o benefício seja tangível para o cliente". E também para a empresa, que fixa o seu "fee" com base no que dá a ganhar ao cliente. Já a AT Kearney julga que a função primeira do consultor é "ajudar a reflectir, trazendo a sua experiência e a sua competência". Não diz quanto pesa a AP no seu volume de negócios, mas admite que é muito baixo. Mas a nível mundial "é natural que tenha um peso cada vez maior". Os Estados "recorrem cada vez mais a conhecimentos especializados para acelerar processos de transformação", afirma. Jorge Pereira da Costa rejeita que os titulares de cargos públicos se estejam a demitir da sua atribuição de tomar decisões e a delegá-las nos consultores. "Não conheço um único governante que seja tolo ao ponto de fazer coisas em que não acredita, porque a responsabilidade vai ser sempre dele e não do consultor. O consultor dá a opinião e em todos os casos é o governante quem decide. A decisão é sempre dele, e a responsabilidade também", frisa. "E não conheço nenhum caso em que um estudo tenha servido de justificação para uma decisão política", conclui. Mercado para "corredores de fundo" Outra especificidade do cliente do sector público é que não proporciona resultados rápidos para as empresas de consultoria em Portugal. João Tavares, responsável pela AP na Accenture - que absorve 100 dos 800 trabalhadores do grupo -, refere que este é um mercado para "corredores de fundo". O interesse da AP pelos serviços prestados pelas consultoras remonta aos anos 90, precisamente quando se começou a falar de "e-government", uma das áreas de actuação para onde a Accenture está muito orientada, tendo sido seleccionada para o projecto Portal do Cidadão. A Accenture sentiu um decréscimo na facturação neste sector no ano passado, decorrente dos constrangimentos orçamentais do Estado. O peso no volume de negócios total está, no entanto, alinhado com o resto do mundo, correspondendo a cerca de 12 a 15 por cento do total. João Tavares, embora admitindo que poderá haver uma retoma neste sector, não prevê um "boom". Mas é, ainda assim, um sector estável: não tem ritmos de crescimento acelerados, nem quebras acentuadas. No caso da IBM Business Consulting Services (ex-PWC Consulting), a AP, a par do sector financeiro, representa a maior parte da facturação da empresa em Portugal. Rosa Sofia Lima, responsável pelo sector público, explica que a IBM está focalizada em áreas principais, que são a administração central e local, a saúde e a educação, tendo em curso projectos nos três sectores. A empresa, que asssegura todas as fases do projecto desde a consultoria estratégica à execução e suporte das soluções, não faz comparação entre o que a AP representa, em termos de negócio, e o que representou no passado. Rosa Sofia Lima apenas refere que desde 2000 e a introdução do euro, o país confronta-se com "um conjunto de desafios e necessidades que exigem das empresas flexibilidade e capacidade de inovação na abordagem e nas soluções a apresentar, o que torna difícil fazer uma comparação linear". OUTROS TÍTULOS EM ECONOMIA DESTAQUE

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Segunda-feira, 16 de Junho de 2003 Algumas das reformas mais emblemáticas da equipa liderada por Durão Barroso têm sido, afinal, delineadas por empresas internacionais de consultoria. As firmas reconhecem que o seu contributo para a governação do país é cada vez maior, mas salientam que a palavra final é do cliente-ministro que arca com a responsabilidade de eventuais sucessos ou fracassos Clara Teixeira e Diana Ralha O Governo e os organismos da Administração Pública (AP) recorrem cada vez mais a consultores externos para desenharem a estratégia e a reestruturação de áreas, sectores ou empresas tão significativos como a diplomacia económica, as águas ou a EDP. Os responsáveis de algumas das maiores empresas de consultoria instaladas em Portugal garantem, no entanto, que os governantes não delegam o seu poder de decisão em relação às diferentes matérias, até porque a responsabilidade final pelo êxito ou pelo fracasso, perante a opinião pública, é sempre deles. Assim, segundo dizem, o contributo dos consultores quase se resume a apontar soluções alternativas para um dado problema, muitas vezes concebidas em conjunto com equipas da própria Administração Pública. No final, é o cliente que escolhe o que pretende e que executa com a celeridade que lhe convém. O PÚBLICO tentou falar com as empresas que têm a cargo alguns dos estudos mais significativos encomendados pelo Governo ou pela AP, mas nem todas se disponibilizaram para o fazer. Roland Berger, AT Kearney, Accenture e IBM Consulting acederam ao pedido, o mesmo não acontecendo com a McKinsey. Já a Deloitte Consulting não respondeu em tempo útil. No caso da Roland Berger, dirigida por António Bernardo, a AP representa sensivelmente 15 por cento do volume de negócios da empresa em Portugal, quando a nível internacional tem um peso ligeiramente maior, da ordem dos 20 por cento. A empresa especializou-se na área dos estudos de estratégia e reestruturação organizacional, seja em empresas seja na AP, e há no mercado a ideia de que os honorários cobrados pelo seu trabalho podem facilmente atingir os 500 mil euros ou mesmo ultrapassar esse valor. Um estudo idêntico ao que está a elaborar para a Secretaria de Estado dos Transportes (ver quadro) pode ocupar uma equipa de consultores da Roland Berger durante três a cinco meses, com um mínimo de quatro a um máximo de 15 pessoas, mas esse prazo pode estender-se caso a empresa seja solicitada a acompanhar a execução do projecto. A Roland Berger tem 40 colaboradores em Portugal e, apesar de não divulgar o volume de negócios, António Bernardo esclarece que "em média cada consultor factura para a empresa 500 mil euros por ano". "São do mais produtivo que há", adianta, reconhecendo que lhes paga "muito bem". António Bernardo não nota grandes diferenças entre o volume de "encomendas" do cliente AP nos últimos anos, ao invés daquilo que possa parecer. "Não temos crescido", diz, reconhecendo que a AP até tem reduzido o seu contributo para a facturação total da Roland Berger. "Na área das tecnologias de informação talvez o volume de trabalho esteja a crescer, mas na área de estratégia organizacional é possível que tenha diminuído". Tendência internacional A nível internacional, a Roland Berger criou um centro de competências para melhor acompanhar os requisitos do "cliente" AP, que em vários países tende a representar maior peso na facturação das empresas de consultoria. Em Itália, onde a AP representa 35 por cento do seu volume de negócios, a empresa está a auxiliar o Governo na estratégia para a Internet de banda larga e também num ambicioso programa de redução de custos na Administração Central e Local que, em dois anos, "poupou" ao contribuinte italiano cerca de mil milhões de euros. Por cá, e apesar de as perspectivas não serem muito promissoras, António Bernardo confessa que gosta de trabalhar com a AP: "Tivemos no ano passado uma óptima experiência com a Câmara de Lisboa, e neste momento, na secretaria de Estado dos Transportes existem equipas fortes, que questionam os consultores a todo o momento. Nas águas também. São muito intervenientes, com ideias próprias.Vejo ali gente muito válida". Hoje em dia, as consultoras já não correm tanto o risco de ver os seus projectos e estudos ficarem esquecidos numa gaveta, como sucedeu no passado em serviços ministeriais e em empresas públicas. Tanto António Bernardo como Jorge Pereira da Costa, "managing country" da AT Kearney em Portugal, referem que há desde o início uma interacção grande entre o trabalho dos consultores e o cliente. "Há logo consenso em relação ao que se quer", refere António Bernardo. O consultor, como admite Jorge Pereira da Costa, tem como ponto de partida a apresentação e recomendação de várias soluções para um problema que se quer ver resolvido, dando posteriormente ao cliente a liberdade de decidir qual é a que quer, "embora haja umas melhores e outras piores". "O consultor tem de perceber o que o cliente quer, mas também deve dizer o que não faz", contrapõe António Bernardo, explicando que "o que se perde a curto prazo ganha-se a médio e a longo prazo". "Sou duro, perdi com isso, mas estou convencido de que ganhei mais assim", diz ainda, salvaguardando que o mais importante é a credibilidade que se tem no mercado. Uma das regras da Roland Berger, que aplica tanto ao sector público como ao sector privado, é a de que "os resultados dos estudos têm de ser tangíveis, permitindo a quantificação de quanto se aumenta na receita ou quando se reduz nos custos. António Bernardo tem como política apenas candidatar-se a projectos em que "o benefício seja tangível para o cliente". E também para a empresa, que fixa o seu "fee" com base no que dá a ganhar ao cliente. Já a AT Kearney julga que a função primeira do consultor é "ajudar a reflectir, trazendo a sua experiência e a sua competência". Não diz quanto pesa a AP no seu volume de negócios, mas admite que é muito baixo. Mas a nível mundial "é natural que tenha um peso cada vez maior". Os Estados "recorrem cada vez mais a conhecimentos especializados para acelerar processos de transformação", afirma. Jorge Pereira da Costa rejeita que os titulares de cargos públicos se estejam a demitir da sua atribuição de tomar decisões e a delegá-las nos consultores. "Não conheço um único governante que seja tolo ao ponto de fazer coisas em que não acredita, porque a responsabilidade vai ser sempre dele e não do consultor. O consultor dá a opinião e em todos os casos é o governante quem decide. A decisão é sempre dele, e a responsabilidade também", frisa. "E não conheço nenhum caso em que um estudo tenha servido de justificação para uma decisão política", conclui. Mercado para "corredores de fundo" Outra especificidade do cliente do sector público é que não proporciona resultados rápidos para as empresas de consultoria em Portugal. João Tavares, responsável pela AP na Accenture - que absorve 100 dos 800 trabalhadores do grupo -, refere que este é um mercado para "corredores de fundo". O interesse da AP pelos serviços prestados pelas consultoras remonta aos anos 90, precisamente quando se começou a falar de "e-government", uma das áreas de actuação para onde a Accenture está muito orientada, tendo sido seleccionada para o projecto Portal do Cidadão. A Accenture sentiu um decréscimo na facturação neste sector no ano passado, decorrente dos constrangimentos orçamentais do Estado. O peso no volume de negócios total está, no entanto, alinhado com o resto do mundo, correspondendo a cerca de 12 a 15 por cento do total. João Tavares, embora admitindo que poderá haver uma retoma neste sector, não prevê um "boom". Mas é, ainda assim, um sector estável: não tem ritmos de crescimento acelerados, nem quebras acentuadas. No caso da IBM Business Consulting Services (ex-PWC Consulting), a AP, a par do sector financeiro, representa a maior parte da facturação da empresa em Portugal. Rosa Sofia Lima, responsável pelo sector público, explica que a IBM está focalizada em áreas principais, que são a administração central e local, a saúde e a educação, tendo em curso projectos nos três sectores. A empresa, que asssegura todas as fases do projecto desde a consultoria estratégica à execução e suporte das soluções, não faz comparação entre o que a AP representa, em termos de negócio, e o que representou no passado. Rosa Sofia Lima apenas refere que desde 2000 e a introdução do euro, o país confronta-se com "um conjunto de desafios e necessidades que exigem das empresas flexibilidade e capacidade de inovação na abordagem e nas soluções a apresentar, o que torna difícil fazer uma comparação linear". OUTROS TÍTULOS EM ECONOMIA DESTAQUE

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