A liberalização que rima com insatisfação

26-09-2002
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APDC organizou debate sobre a regulação nas telecomunicações

A Liberalização Que Rima com Insatisfação

Por ISABEL GORJÃO SANTOS E CLARA TEIXEIRA

Segunda-feira, 16 de Setembro de 2002

O processo de liberalização das telecomunicações não deixou satisfeita grande parte dos intervenientes e há mesmo quem diga que está longe de ficar concluído. Como se poderá corrigir os erros da liberalização? Neste contexto, qual será o papel da entidade reguladora e que vantagens trará o novo modelo europeu de regulação das telecomunicações? Estas e outras questões marcaram um dia de debate, que a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC) organizou na passada semana sobre o tema "A regulação no pós-liberalização". O debate juntou representantes dos vários operadores, a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom, a entidade reguladora) e diversos analistas do mercado das telecomunicações.

Jorge Pereira da Costa, membro da direcção da APDC, considerou que este foi "um dia de debate riquíssimo", permitindo concluir que os níveis de monopólio existem e condicionam a actividade futura - sendo também consensual que este quadro é relativamente complexo e exigirá maiores níveis de competência. Diz o responsável da APDC, fazendo ainda o resumo de um dia de conferência, que "poderemos vir a assistir a alargamentos de mercado, nomeadamente por questões de convergência entre várias plataformas que competem entre si".

Maria do Carmo Seabra, da Anacom, apontou algumas das razões que levaram a evolução do mercado de telecomunicações a não ser aquela que se aguardava. "Esperava-se que o desenvolvimento das tecnologias fosse mais rápido mas o crescimento económico desacelerou e o optimismo deteriorou-se", disse Carmo Seabra, adiantando que a própria concorrência fora mais difícil de promover do que se esperava. Quanto ao papel do regulador, no qual se centrou o debate, continua a ser, para a responsável da Anacom, "salvaguardar os interesses dos consumidores, sempre e quando a concorrência nos mercados não for suficiente". Apesar de tendencialmente menos activos, "os reguladores têm que ter um papel de impor regras aos operadores".

Nem a Portugal Telecom (PT) nem os outros agentes do mercado encontram grandes vantagens no novo modelo europeu de regulação das telecomunicações, desenhado na tentativa de corrigir os erros da liberalização. Para Robalo de Almeida, representante do operador histórico, este novo modelo é apenas mais "uma cruz para carregar às costas". O director da PT, na linha já habitual, mostrou-se contra os excessos da regulação, recordando que o negócio de Internet "nasceu livre" e o negócio móvel "quase livre", ou seja, pouco sujeitos à regulação. "Se, no primeiro caso, há duvidas quanto ao sucesso, no segundo não as há." E prosseguiu apontando as falhas do novo modelo, como a sua aparente simplificação em cinco directivas "muito mais complexas" ou a sua maior aproximação às leis da concorrência "mas sem um calendário definido". Robalo de Almeida defendeu que "as telecomunicações são uma das indústrias mais dinâmicas mas também das mais reguladas", considerando que a entidade reguladora deveria intervir apenas em questões de concorrência.

O constitucionalista Vital Moreira centrou o seu comentário na criação de uma futura entidade reguladora da concorrência em Portugal, informando que o projecto que já circula nos corredores governamentais prevê que a nova autoridade tenha poderes acima dos reguladores sectoriais. No caso da Anacom, cuja orgânica é da sua autoria, considerou que há um choque estatutário na medida em que o regulador das comunicações tem poderes a nível da concorrência, não estando escrito em lado nenhum como é que esse poderes serão partilhados entre a nova autoridade da concorrência e os reguladores sectoriais. Vital Moreira mostrou-se ainda contra a tendência europeia de avançar para um regulador único nas telecomunicações, forçando ao desaparecimento dos reguladores nacionais: "Sou contra, ao abrigo do princípio da subsidiariedade."

Já Margarida Couto, advogada do escritório Vieira de Almeida & Associados, anteviu uma vida muito mais difícil para os reguladores nacionais, em consequência do novo modelo europeu que, em sua opinião, "é convergente, é vertical, é horizontal, mas se calhar também é oblíquo" - ironizou. Um dos exemplos que focou foi o da complexidade do processo de decisão dos reguladores, obrigados a guiarem-se pela jurisprudência europeia, a promoverem consultas públicas e a comunicarem o sentido da sua decisão tanto às entidades congéneres como à Comissão Europeia. "É um modelo muito mais exigente", disse.

Na parte do debate sobre concorrência e redes de acesso, Pedro Carlos, da Sonae.com, considerou que, "no sentido de garantir a racionalidade económica da rede de acesso, poder-se-ia ter feito mais" . Também não é possível pedir indefinidamente que seja a iniciativa privada a promover o desenvolvimento da Sociedade da Informação e das comunicações, disse Pedro Carlos, referindo-se depois ao papel do regulador. Este deverá ter em atenção "o preço justo e a orientação para os custos", e "garantir as condições operacionais adequadas". Algumas dessas coisas terão já sido conseguidas, mas "faltou e falta a dissuasão em relação a práticas menos correctas".

Raul Junqueiro, da Clama Consulting, falou sobre os novos modelos de prestação de serviço e a sua regulação, e considerou que qualquer medida regulatória deveria centrar-se nos consumidores, pois "existe uma relação íntima entre o grau de satisfação dos consumidores e o bom funcionamento dos mercados". No entanto, considera Raul Junqueiro, é necessária a adaptação da regulação aos novos modelos de prestação de serviços. "As redes móveis passarão a ser verdadeiramente multimodais e de banda larga", disse, defendendo que o actual modelo de regulação continua demasiado voltado para a rede fixa, esquecendo as outras alternativas viáveis para o desenvolvimento de serviços de voz e de acesso a dados através de banda larga.

"A decisão de abrir a ligação local [ou lacete local] não se traduz em concorrência, nem a portabilidade dos números trouxe os seus efeitos", adiantou Raul Junqueiro, salientando que "os esforços de liberalização das redes fixas falharam pela diferença face aos regulamentos que se puseram em marcha para as redes móveis". Isso, lembrou, teve mesmo consequências ruinosas para alguns operadores, que já tiveram que se retirar do mercado. É ao regulador que cabe promover as medidas necessárias para uma concorrência efectiva, referiu Raul Junqueiro, para quem é fundamental a promoção da concorrência no que se refere ao serviço fixo e o investimento na banda larga enquanto factor importante para um desenvolvimento económico e social sustentável.

A terceira geração de comunicações móveis (UMTS) trará também algumas mudanças. "Com os novos serviços e conteúdos disponibilizados, assistiremos a uma nova migração de receitas para os operadores móveis, tal como aconteceu com a voz", disse Raul Junqueiro, sendo esta "uma questão que surgirá logo que o UMTS comece a crescer e a generalizar-se".

Em tom irónico, Henrique Correia, da Vodafone, considerou que este não era ainda o debate sobre o pós-liberalização, mas sim sobre "os pós da liberalização". "Tirando o serviço móvel, não existem ainda quotas de mercado repartidas", disse, salientando que continua a não existir uma verdadeira concorrência e que é preciso "deixar o mercado funcionar". Também Ferrari Careto, da Oni, considerou que "a liberalização não foi um êxito", nomeadamente por falta de opções mais drásticas.

APDC organizou debate sobre a regulação nas telecomunicações

A Liberalização Que Rima com Insatisfação

Por ISABEL GORJÃO SANTOS E CLARA TEIXEIRA

Segunda-feira, 16 de Setembro de 2002

O processo de liberalização das telecomunicações não deixou satisfeita grande parte dos intervenientes e há mesmo quem diga que está longe de ficar concluído. Como se poderá corrigir os erros da liberalização? Neste contexto, qual será o papel da entidade reguladora e que vantagens trará o novo modelo europeu de regulação das telecomunicações? Estas e outras questões marcaram um dia de debate, que a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC) organizou na passada semana sobre o tema "A regulação no pós-liberalização". O debate juntou representantes dos vários operadores, a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom, a entidade reguladora) e diversos analistas do mercado das telecomunicações.

Jorge Pereira da Costa, membro da direcção da APDC, considerou que este foi "um dia de debate riquíssimo", permitindo concluir que os níveis de monopólio existem e condicionam a actividade futura - sendo também consensual que este quadro é relativamente complexo e exigirá maiores níveis de competência. Diz o responsável da APDC, fazendo ainda o resumo de um dia de conferência, que "poderemos vir a assistir a alargamentos de mercado, nomeadamente por questões de convergência entre várias plataformas que competem entre si".

Maria do Carmo Seabra, da Anacom, apontou algumas das razões que levaram a evolução do mercado de telecomunicações a não ser aquela que se aguardava. "Esperava-se que o desenvolvimento das tecnologias fosse mais rápido mas o crescimento económico desacelerou e o optimismo deteriorou-se", disse Carmo Seabra, adiantando que a própria concorrência fora mais difícil de promover do que se esperava. Quanto ao papel do regulador, no qual se centrou o debate, continua a ser, para a responsável da Anacom, "salvaguardar os interesses dos consumidores, sempre e quando a concorrência nos mercados não for suficiente". Apesar de tendencialmente menos activos, "os reguladores têm que ter um papel de impor regras aos operadores".

Nem a Portugal Telecom (PT) nem os outros agentes do mercado encontram grandes vantagens no novo modelo europeu de regulação das telecomunicações, desenhado na tentativa de corrigir os erros da liberalização. Para Robalo de Almeida, representante do operador histórico, este novo modelo é apenas mais "uma cruz para carregar às costas". O director da PT, na linha já habitual, mostrou-se contra os excessos da regulação, recordando que o negócio de Internet "nasceu livre" e o negócio móvel "quase livre", ou seja, pouco sujeitos à regulação. "Se, no primeiro caso, há duvidas quanto ao sucesso, no segundo não as há." E prosseguiu apontando as falhas do novo modelo, como a sua aparente simplificação em cinco directivas "muito mais complexas" ou a sua maior aproximação às leis da concorrência "mas sem um calendário definido". Robalo de Almeida defendeu que "as telecomunicações são uma das indústrias mais dinâmicas mas também das mais reguladas", considerando que a entidade reguladora deveria intervir apenas em questões de concorrência.

O constitucionalista Vital Moreira centrou o seu comentário na criação de uma futura entidade reguladora da concorrência em Portugal, informando que o projecto que já circula nos corredores governamentais prevê que a nova autoridade tenha poderes acima dos reguladores sectoriais. No caso da Anacom, cuja orgânica é da sua autoria, considerou que há um choque estatutário na medida em que o regulador das comunicações tem poderes a nível da concorrência, não estando escrito em lado nenhum como é que esse poderes serão partilhados entre a nova autoridade da concorrência e os reguladores sectoriais. Vital Moreira mostrou-se ainda contra a tendência europeia de avançar para um regulador único nas telecomunicações, forçando ao desaparecimento dos reguladores nacionais: "Sou contra, ao abrigo do princípio da subsidiariedade."

Já Margarida Couto, advogada do escritório Vieira de Almeida & Associados, anteviu uma vida muito mais difícil para os reguladores nacionais, em consequência do novo modelo europeu que, em sua opinião, "é convergente, é vertical, é horizontal, mas se calhar também é oblíquo" - ironizou. Um dos exemplos que focou foi o da complexidade do processo de decisão dos reguladores, obrigados a guiarem-se pela jurisprudência europeia, a promoverem consultas públicas e a comunicarem o sentido da sua decisão tanto às entidades congéneres como à Comissão Europeia. "É um modelo muito mais exigente", disse.

Na parte do debate sobre concorrência e redes de acesso, Pedro Carlos, da Sonae.com, considerou que, "no sentido de garantir a racionalidade económica da rede de acesso, poder-se-ia ter feito mais" . Também não é possível pedir indefinidamente que seja a iniciativa privada a promover o desenvolvimento da Sociedade da Informação e das comunicações, disse Pedro Carlos, referindo-se depois ao papel do regulador. Este deverá ter em atenção "o preço justo e a orientação para os custos", e "garantir as condições operacionais adequadas". Algumas dessas coisas terão já sido conseguidas, mas "faltou e falta a dissuasão em relação a práticas menos correctas".

Raul Junqueiro, da Clama Consulting, falou sobre os novos modelos de prestação de serviço e a sua regulação, e considerou que qualquer medida regulatória deveria centrar-se nos consumidores, pois "existe uma relação íntima entre o grau de satisfação dos consumidores e o bom funcionamento dos mercados". No entanto, considera Raul Junqueiro, é necessária a adaptação da regulação aos novos modelos de prestação de serviços. "As redes móveis passarão a ser verdadeiramente multimodais e de banda larga", disse, defendendo que o actual modelo de regulação continua demasiado voltado para a rede fixa, esquecendo as outras alternativas viáveis para o desenvolvimento de serviços de voz e de acesso a dados através de banda larga.

"A decisão de abrir a ligação local [ou lacete local] não se traduz em concorrência, nem a portabilidade dos números trouxe os seus efeitos", adiantou Raul Junqueiro, salientando que "os esforços de liberalização das redes fixas falharam pela diferença face aos regulamentos que se puseram em marcha para as redes móveis". Isso, lembrou, teve mesmo consequências ruinosas para alguns operadores, que já tiveram que se retirar do mercado. É ao regulador que cabe promover as medidas necessárias para uma concorrência efectiva, referiu Raul Junqueiro, para quem é fundamental a promoção da concorrência no que se refere ao serviço fixo e o investimento na banda larga enquanto factor importante para um desenvolvimento económico e social sustentável.

A terceira geração de comunicações móveis (UMTS) trará também algumas mudanças. "Com os novos serviços e conteúdos disponibilizados, assistiremos a uma nova migração de receitas para os operadores móveis, tal como aconteceu com a voz", disse Raul Junqueiro, sendo esta "uma questão que surgirá logo que o UMTS comece a crescer e a generalizar-se".

Em tom irónico, Henrique Correia, da Vodafone, considerou que este não era ainda o debate sobre o pós-liberalização, mas sim sobre "os pós da liberalização". "Tirando o serviço móvel, não existem ainda quotas de mercado repartidas", disse, salientando que continua a não existir uma verdadeira concorrência e que é preciso "deixar o mercado funcionar". Também Ferrari Careto, da Oni, considerou que "a liberalização não foi um êxito", nomeadamente por falta de opções mais drásticas.

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