«Avante!» Nº 1505

19-02-2005
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Sonhadelos

A TALHE DE FOICE • Anabela Fino

D urão Barroso aproveitou o congresso da JSD para informar o país que o Orçamento de Estado para 2003 tem como objectivo instaurar «ordem nas finanças públicas, cortar despesas e gastos inúteis», e que o Governo não tem «medo de ir contra as forças poderosas que não querem a mudança». Mais informou que «as forças da contra-reforma» estão na oposição e que «as forças reformistas estão no PSD». Tudo isto à mistura, claro, com grandes promessas de crescimento, desenvolvimento e modernidade.

A «jota» gostou do que ouviu, e para mostrar que em matéria de reformas não se fica atrás do grande líder, Jorge Nuno Sá, recém eleito dirigente da JSD, aplaudiu o fim do crédito bonificado à habitação, clamou por cortes na RTP e na TAP, defendeu a extinção do serviço militar obrigatório e apelou à libertação do sistema educativo «dos fantasmas da esquerda».

É caso para dizer que em matéria de «reformas» os juniores não desmerecem os seniores laranjas.

Não consta que no conclave se tenha falado em miudezas como o aumento de falências que deixam no desemprego milhares de trabalhadores, apesar do estudo do Instituto Informador Comercial informar que só nos primeiros seis meses deste ano fecharam as portas quase mil empresas, mais 20,6 por cento do que em 2001. Tão pouco se disse que o OE prevê, entre outras coisas de arrepiar, um aumento de desemprego, cuja taxa pode chegar aos 5,5 por cento; um agravamento significativo dos impostos; a indexação das actualizações salariais à inflação média da União Europeia, apesar dos salários nacionais serem notoriamente os mais baixos da EU. Ou que mais de 50 por cento dos portugueses está pessimista em relação ao futuro, acreditando que a situação económica do país será ainda pior dentro de um ano.

Questões destas, convenhamos, corriam o risco de esfriar os ânimos da «jota», agora mais preocupada com a alta política, que é como quem diz em concentrar no futuro próximo os seus esforços na concretização do sonho «de uma maioria, um governo e um presidente», como disse Nuno Sá.

Por falar em futuro, e porque até os laranjinhas têm de deitar contas à vida, mais dia menos dias, aqui fica a sugestão para que se dediquem, por exemplo, ao notariado, gestão hospitalar ou ao ramo dos seguros. É o que está a dar. Veja-se, por exemplo, a decisão do Governo de privatizar os cartórios notariais, que só no ano passado tiveram uma receita superior a 211 milhões de euros e um saldo líquido de 150 milhões de euros, o que equivale a cerca de 11 por cento do orçamento total da Justiça.

Num exemplo de «rigor» e de «intransigência com os "lobbies"» de que fala Durão Barroso, o sector vai para as mãos dos privados, que já começaram a fazer contas para aumentar o pecúlio: redução de despesas a nível de pessoal e instalações, para além, naturalmente, do aumento do preço dos serviços prestados.

É a modernidade laranja em prol do «interesse nacional». Resta saber o que farão os «jotas» que não encontrarem lugar à mesa do capital e sejam confrontados com necessidade de comprar casa, fazer escrituras, pagar ao hospital privado ou vejam desaparecer na bolsa o seu fundo de reforma. É nessa altura que os sonhos se transformam em pesadelos.

«Avante!» Nº 1505 - 3.Outubro.2002

Sonhadelos

A TALHE DE FOICE • Anabela Fino

D urão Barroso aproveitou o congresso da JSD para informar o país que o Orçamento de Estado para 2003 tem como objectivo instaurar «ordem nas finanças públicas, cortar despesas e gastos inúteis», e que o Governo não tem «medo de ir contra as forças poderosas que não querem a mudança». Mais informou que «as forças da contra-reforma» estão na oposição e que «as forças reformistas estão no PSD». Tudo isto à mistura, claro, com grandes promessas de crescimento, desenvolvimento e modernidade.

A «jota» gostou do que ouviu, e para mostrar que em matéria de reformas não se fica atrás do grande líder, Jorge Nuno Sá, recém eleito dirigente da JSD, aplaudiu o fim do crédito bonificado à habitação, clamou por cortes na RTP e na TAP, defendeu a extinção do serviço militar obrigatório e apelou à libertação do sistema educativo «dos fantasmas da esquerda».

É caso para dizer que em matéria de «reformas» os juniores não desmerecem os seniores laranjas.

Não consta que no conclave se tenha falado em miudezas como o aumento de falências que deixam no desemprego milhares de trabalhadores, apesar do estudo do Instituto Informador Comercial informar que só nos primeiros seis meses deste ano fecharam as portas quase mil empresas, mais 20,6 por cento do que em 2001. Tão pouco se disse que o OE prevê, entre outras coisas de arrepiar, um aumento de desemprego, cuja taxa pode chegar aos 5,5 por cento; um agravamento significativo dos impostos; a indexação das actualizações salariais à inflação média da União Europeia, apesar dos salários nacionais serem notoriamente os mais baixos da EU. Ou que mais de 50 por cento dos portugueses está pessimista em relação ao futuro, acreditando que a situação económica do país será ainda pior dentro de um ano.

Questões destas, convenhamos, corriam o risco de esfriar os ânimos da «jota», agora mais preocupada com a alta política, que é como quem diz em concentrar no futuro próximo os seus esforços na concretização do sonho «de uma maioria, um governo e um presidente», como disse Nuno Sá.

Por falar em futuro, e porque até os laranjinhas têm de deitar contas à vida, mais dia menos dias, aqui fica a sugestão para que se dediquem, por exemplo, ao notariado, gestão hospitalar ou ao ramo dos seguros. É o que está a dar. Veja-se, por exemplo, a decisão do Governo de privatizar os cartórios notariais, que só no ano passado tiveram uma receita superior a 211 milhões de euros e um saldo líquido de 150 milhões de euros, o que equivale a cerca de 11 por cento do orçamento total da Justiça.

Num exemplo de «rigor» e de «intransigência com os "lobbies"» de que fala Durão Barroso, o sector vai para as mãos dos privados, que já começaram a fazer contas para aumentar o pecúlio: redução de despesas a nível de pessoal e instalações, para além, naturalmente, do aumento do preço dos serviços prestados.

É a modernidade laranja em prol do «interesse nacional». Resta saber o que farão os «jotas» que não encontrarem lugar à mesa do capital e sejam confrontados com necessidade de comprar casa, fazer escrituras, pagar ao hospital privado ou vejam desaparecer na bolsa o seu fundo de reforma. É nessa altura que os sonhos se transformam em pesadelos.

«Avante!» Nº 1505 - 3.Outubro.2002

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