Suplemento Economia

06-08-2002
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Ecos de Sevilha

Por JORGE NETO

Segunda-feira, 1 de Julho de 2002

Num momento em que a Cimeira de Sevilha simboliza o fecho da abóbada da presidência espanhola, importa fazer um balanço sereno dos seus resultados. Desde logo, não se pode dizer que o seu contributo para o difícil processo de construção europeia tenha sido de ímpar relevo, posto que questões centrais como o alargamento a leste, as ajudas directas à agricultura ou a reforma das instituições europeias sofreram tímidos avanços incompatíveis com aquilo que seria exigível.

"Malgré tout", e não obstante as críticas internas de Zapatero quanto às cambalhotas à direita de Aznar, o certo é que a Espanha e o seu primeiro-ministro acabaram por marcar pontos nos sempre insondáveis e exigentes caminhos do concerto das nações europeias. Particularmente em dois domínios fundamentais da Europa do futuro: o do equilíbrio das contas públicas e o da imigração.

No Conselho de Ministros da Economia e Finanças (Ecofin) de Madrid que antecedeu a Cimeira de Sevilha, surgiu pela primeira vez a "nuance" de défice próximo do zero em 2004, por contraposição à rigidez do conceito de défice zero. Em lugar do equilíbrio das contas públicas em 2004, exige-se agora um défice próximo do equilíbrio ("close to balance"). Trata-se de uma diferença conceptual que não é de mera semântica, mas de tomo e de substância, dada a repercussão concreta desta alteração em matéria de défice percentual do PIB. Mas mais importante do que isso é perscrutar os sinais que estão subjacentes a esta mudança. E eles indiciam claramente uma flexibilização (numa clara estratégia de cedência) dos critérios do défice, muito por obra e graça da Alemanha e da França, mas que não pode deixar de constituir também uma vitória para Portugal. Particularmente quando o Banco Central Europeu, no seu relatório preliminar, aponta para um défice - pasme-se! - de 3,9 por cento no ano de 2001 em Portugal. Cerca de quatro vezes mais do que o previsto inicialmente. Quando hoje nos recordamos do debate político de alguns meses atrás em que os partidos da oposição, e em particular os socialistas, acusavam o actual Governo de dramatizar o desvario das contas públicas, dá vontade de... chorar. O que só avulta a necessidade de persistir com afinco e denodo no saneamento das contas públicas, a par com políticas económicas de crescimento e de desenvolvimento sustentado.

Mas da Cimeira de Sevilha decorre ainda, com carácter inovador, uma pioneira política global de imigração, que sem dar guarida às teses extremadas e sancionatórias preconizadas por Blair e Aznar, aponta um horizonte programático de inclusão e de cooperação. A questão da imigração deixa de ser uma questão interna para passar a ser uma matéria das relações exteriores, tendo por "objectivo constante a longo prazo uma abordagem integrada, global e equilibrada, que vise combater as causas profundas da imigração ilegal". Ou seja, uma viragem de agulha marcante em relação ao autismo do passado, como não poderia deixar de ser no rescaldo do debate político das questões da segurança, da criminalidade e da imigração no âmbito das eleições francesas e holandesas. Em suma, um pequeno passo, mas um passo em frente. E como a Europa se constrói com pequenos passos...

Por último, e como derradeiro eco de Sevilha, se bem que marginal relativamente ao seu âmago, ficam os deploráveis incidentes da fronteira com um grupo de cidadãos portugueses e que são também (é bom não esquecer) cidadãos europeus. Trata-se de um epifenómeno relativamente à Cimeira, mas que merece um reparo de veemente censura e reprovação. Em caso algum pode ser legitimado o recurso ao uso da força para impedir direitos fundamentais de cidadania, como o direito de expressão, de manifestação ou de circulação. Mas uma coisa são os excessos da polícia, outra é a conduta, no plano político e diplomático, do Governo espanhol. E este, tanto quanto se sabe, ao menos do ponto de vista formal, cumpriu todos os requisitos legais previstos no Acordo de Schengen. É discutível a invocação no caso de razões de ordem pública ou segurança interna? Será, mas valerá a pena continuar a alimentar esta polémica? Vamos reeditar Aljubarrota?

Já agora: que tal regressarmos ao país real?

Ecos de Sevilha

Por JORGE NETO

Segunda-feira, 1 de Julho de 2002

Num momento em que a Cimeira de Sevilha simboliza o fecho da abóbada da presidência espanhola, importa fazer um balanço sereno dos seus resultados. Desde logo, não se pode dizer que o seu contributo para o difícil processo de construção europeia tenha sido de ímpar relevo, posto que questões centrais como o alargamento a leste, as ajudas directas à agricultura ou a reforma das instituições europeias sofreram tímidos avanços incompatíveis com aquilo que seria exigível.

"Malgré tout", e não obstante as críticas internas de Zapatero quanto às cambalhotas à direita de Aznar, o certo é que a Espanha e o seu primeiro-ministro acabaram por marcar pontos nos sempre insondáveis e exigentes caminhos do concerto das nações europeias. Particularmente em dois domínios fundamentais da Europa do futuro: o do equilíbrio das contas públicas e o da imigração.

No Conselho de Ministros da Economia e Finanças (Ecofin) de Madrid que antecedeu a Cimeira de Sevilha, surgiu pela primeira vez a "nuance" de défice próximo do zero em 2004, por contraposição à rigidez do conceito de défice zero. Em lugar do equilíbrio das contas públicas em 2004, exige-se agora um défice próximo do equilíbrio ("close to balance"). Trata-se de uma diferença conceptual que não é de mera semântica, mas de tomo e de substância, dada a repercussão concreta desta alteração em matéria de défice percentual do PIB. Mas mais importante do que isso é perscrutar os sinais que estão subjacentes a esta mudança. E eles indiciam claramente uma flexibilização (numa clara estratégia de cedência) dos critérios do défice, muito por obra e graça da Alemanha e da França, mas que não pode deixar de constituir também uma vitória para Portugal. Particularmente quando o Banco Central Europeu, no seu relatório preliminar, aponta para um défice - pasme-se! - de 3,9 por cento no ano de 2001 em Portugal. Cerca de quatro vezes mais do que o previsto inicialmente. Quando hoje nos recordamos do debate político de alguns meses atrás em que os partidos da oposição, e em particular os socialistas, acusavam o actual Governo de dramatizar o desvario das contas públicas, dá vontade de... chorar. O que só avulta a necessidade de persistir com afinco e denodo no saneamento das contas públicas, a par com políticas económicas de crescimento e de desenvolvimento sustentado.

Mas da Cimeira de Sevilha decorre ainda, com carácter inovador, uma pioneira política global de imigração, que sem dar guarida às teses extremadas e sancionatórias preconizadas por Blair e Aznar, aponta um horizonte programático de inclusão e de cooperação. A questão da imigração deixa de ser uma questão interna para passar a ser uma matéria das relações exteriores, tendo por "objectivo constante a longo prazo uma abordagem integrada, global e equilibrada, que vise combater as causas profundas da imigração ilegal". Ou seja, uma viragem de agulha marcante em relação ao autismo do passado, como não poderia deixar de ser no rescaldo do debate político das questões da segurança, da criminalidade e da imigração no âmbito das eleições francesas e holandesas. Em suma, um pequeno passo, mas um passo em frente. E como a Europa se constrói com pequenos passos...

Por último, e como derradeiro eco de Sevilha, se bem que marginal relativamente ao seu âmago, ficam os deploráveis incidentes da fronteira com um grupo de cidadãos portugueses e que são também (é bom não esquecer) cidadãos europeus. Trata-se de um epifenómeno relativamente à Cimeira, mas que merece um reparo de veemente censura e reprovação. Em caso algum pode ser legitimado o recurso ao uso da força para impedir direitos fundamentais de cidadania, como o direito de expressão, de manifestação ou de circulação. Mas uma coisa são os excessos da polícia, outra é a conduta, no plano político e diplomático, do Governo espanhol. E este, tanto quanto se sabe, ao menos do ponto de vista formal, cumpriu todos os requisitos legais previstos no Acordo de Schengen. É discutível a invocação no caso de razões de ordem pública ou segurança interna? Será, mas valerá a pena continuar a alimentar esta polémica? Vamos reeditar Aljubarrota?

Já agora: que tal regressarmos ao país real?

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