Intervenção do deputado António Filipe

07-09-2003
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Interpelação sobre segurança interna

Intervenção do deputado António Filipe

18 de Novembro de 1998

Senhor Presidente,

Senhores Deputados,

Esta Interpelação ao Governo, realizada passados mais de três anos sobre o início de funções do actual Governo, é mais uma oportunidade para reflectirmos sobre a real situação de segurança dos cidadãos, de acordo com os dados conhecidos e perceptíveis, e sobre as medidas tomadas pelo Governo em matéria de segurança interna.

A verdade é que, feito e refeito o diagnóstico sobre as consequências negativas da política de segurança interna dos anteriores Governos e particularmente sobre o falhanço das políticas de concentração de efectivos policiais - que ficou conhecida como a política das super-esquadras, chegámos ao último ano da legislatura sem que exista ainda uma definição clara da política de segurança interna deste Governo e confrontados com uma situação em matéria de segurança pública que está muito longe de ser satisfatória. É certo que a visibilidade mediática da insegurança dos cidadãos não é hoje tão intensa como foi há 4 ou 5 anos atrás em determinados períodos, mas a verdade é que não há factos nem estatísticas que comprovem ou permitam sequer supôr uma realidade substancialmente diferente.

Pelo contrário: Bastará ouvir as populações, os comerciantes ou os autarcas das áreas metropolitanas, bastará contactar os responsáveis e os efectivos das forças de segurança - como ainda ontem tivemos oportunidade de fazer, visitando o comando da divisão da Amadora da PSP -, bastará prestar atenção a algumas notícias que, apesar de tudo vão aparecendo, para ficar com a noção clara de que os problemas de segurança das populações não desapareceram nem sequer se atenuaram de forma significativa. Longe disso.

Apesar do triunfalismo dos sucessivos anúncios de viaturas, efectivos e investimentos por parte do Senhor Ministro da Administração Interna, e sem negar que o investimento feito nessa áreas nos últimos três anos foi maior que o que havia sido feito nos anos anteriores, o que não podia deixar de ser feito sob pena de paralisia das próprias forças de segurança, a verdade é que, nos grandes centros urbanos os cidadãos continuam a recear sair de casa à noite, continuam a ver o respectivo quotidiano marcado pelos frequentes assaltos a pessoas em qualquer hora e local, continuam a ter notícia de roubos de veículos em grande número, de assaltos a residências e a estabelecimentos com uma frequência inquietante, e continuam a assistir à impunidade com que o tráfico de droga se processa, às claras, a qualquer hora, e em locais geralmente conhecidos.

Importa evidentemente registar a preocupação frequentemente manifestada pelo Governo quanto à necessidade de assegurar a proximidade entre a polícia e os cidadãos, quanto à necessidade de libertar as polícias de funções não policiais, quanto à utilização de corpos especiais em tarefas normais de policiamento, quanto ao reconhecimento do direito dos profissionais da PSP à constituição do seu sindicato, ou quanto à redefinição do estatuto disciplinar da GNR.

Mas o que é facto é que, depois de ter perdido anos, enredado nas suas próprias contradições, indefinições e indecisões quanto à política de segurança interna a seguir, o actual Governo ainda não pôs em prática medidas indispensáveis à modernização das forças de segurança.

Medidas essas que têm de passar não apenas pelo reforço dos efectivos, pela modernização e reforço dos equipamentos e pelo aumento e melhoria das instalações, por forma a garantir condições para um policiamento de proximidade e condições dignas de trabalho e de atendimento nas esquadras e postos. Tudo isso é de extrema importância. Mas a modernização das forças de segurança, passa também e de forma decisiva, pela alteração do seu estatuto, pela eliminação de qualquer ambiguidade quanto ao estatuto civil da PSP, pela alteração da natureza da GNR pondo fim ao seu estatuto de corpo militar, pela garantia de direitos profissionais e cívicos dos profissionais das forças de segurança, pela abolição de um regime disciplinar retrógrado e inconstitucional como o que ainda existe na GNR, pelo respeito da legalidade e pela correcção no relacionamento com os cidadãos.

Importa aproximar os polícias dos cidadãos. Em proximidade física, evidentemente, através de uma distribuição suficiente e equilibrada de esquadras e postos policiais e da presença de polícias nas ruas, mas também em proximidade de direitos, pondo termo a uma situação absurda em que aqueles que têm por função assegurar os direitos dos outros cidadãos, se vêem privados de direitos elementares como cidadãos e como trabalhadores que são.

Nesta matéria, falta em medidas concretas o que abunda em discursos. Nunca entrou nesta Assembleia a prometida Proposta de Lei de orientação da política de segurança interna; não entrou ainda nenhuma Proposta de Lei quanto ao sindicato dos profissionais da PSP; não entrou ainda nenhuma Proposta de Lei destinado a substituir o estatuto dos profissionais da PSP que consta da Lei Orgânica de 1994, ou a consagrar a existência de um código deontológico para o relacionamento entre os polícias e os cidadãos; não entrou nenhuma Proposta de Lei destinada a alterar a natureza e estatuto da GNR, nem a definir um horário de trabalho para os seus profissionais, ou a alterar o tão justamente contestado regime disciplinar.

Na única Proposta de Lei que apresentou até à data sobre estas matérias - a de Lei Orgânica da PSP - o Governo afirma no respectivo preâmbulo que "com esta lei orgânica da PSP, trilha-se o caminho de uma polícia moderna em que os desafios de segurança interna são assumidos por civis, numa clara separação entre as áreas da segurança interna e da defesa nacional. Esta como aquela responsabilizam toda a sociedade, sendo que os agentes visíveis de uma e de outra se integram em estruturas de natureza diferente em vista da diversidade de fins. Sendo os fins da actuação da polícia, no contexto da segurança interna, o de prevenção e combate a comportamentos criminais, numa interpenetração com as comunidades locais que servem, tais comportamentos são mais facilmente alcançáveis num serviço de natureza civil, sem as restrições que as funções de natureza militar impõem. É este, de resto, o caminho que está a ser percorrido por todos os países desenvolvidos, sendo que, nalguns, a função policial é já exclusivamente prosseguida por organizações de natureza civil".

Sendo este o caminho percorrido em todos os países desenvolvidos e sendo os fins da actuação da polícia mais facilmente alcançáveis num serviço de natureza civil, factos que temos como incontestáveis, não compreendemos porque razão uma força de segurança, a GNR, há-de manter uma natureza militar, dificultando o alcance dos seus próprios fins e contribuindo para afastar Portugal do caminho percorrido em todos os países desenvolvidos.

Se as missões, tanto da PSP como da GNR, consistem em defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, sendo a sua área de actuação delimitada não em função da matéria mas em função das áreas geográficas de actuação, não há nenhuma razão para que os profissionais da GNR continuem a ser tratados como polícias de segunda, sujeitos a condições desumanas de prestação de trabalho e a medidas inconstitucionais de prisão disciplinar aplicadas por decisão de superiores hierárquicos.

Assim como não se entende porque razão hão-de os portugueses que vivem nas grandes cidades ter direito a uma polícia cujo modelo segue o caminho percorrido em todos os países desenvolvidos, ficando os portugueses que vivem fora das grandes cidades a ter de conviver com uma polícia cujo modelo segue o caminho ainda percorrido nos países não desenvolvidos.

Estas questões, relacionadas com o estatuto das forças de segurança e do respectivo pessoal, não são questões menores. Não apenas porque os polícias são cidadãos e como tal devem ver os seus direitos respeitados, mas também porque temos consciência de que a modernização do estatuto das forças policiais não deixará de se traduzir em melhores condições no relacionamento com os cidadãos e na consequente eficácia da actuação policial.

É uma evidência que o discurso do actual Governo difere muito do discurso dos anteriores em matéria de segurança interna.

Reconhecemos mesmo que em algumas áreas a diferença não se limita ao discurso e que existe uma orientação diferente, embora lentamente levada à prática. É de registar uma maior atenção ao policiamento de proximidade, pelo qual há muitos anos o PCP se tem vindo a bater. São de registar alguns passos positivos constantes da Proposta de Lei Orgânica da PSP, que já aqui referimos no respectivo debate. É de salientar uma actuação da IGAI com aspectos meritórios. São de registar algumas intenções anunciadas quanto aos direitos dos profissionais de polícia, bem como algumas medidas que foram tomadas quanto ao reequipamento das forças de segurança.

Mas permanecem insuficiências e incoerências entre o discurso e a prática do Governo que não podem ser iludidas. E sobretudo, permanece uma realidade que não autoriza triunfalismos quanto a progressos no combate à criminalidade ou quanto aos níveis de segurança e tranquilidade das populações.

É que entre os discursos do senhor ministro Jorge Coelho e a opinião das pessoas que vivem em Alfornelos, no Forte da Casa, ou mesmo na avenida de Roma, vai uma enorme distância, quanto ao juízo que fazem em matéria de segurança dos cidadãos.

Disse.

Interpelação sobre segurança interna

Intervenção do deputado António Filipe

18 de Novembro de 1998

Senhor Presidente,

Senhores Deputados,

Esta Interpelação ao Governo, realizada passados mais de três anos sobre o início de funções do actual Governo, é mais uma oportunidade para reflectirmos sobre a real situação de segurança dos cidadãos, de acordo com os dados conhecidos e perceptíveis, e sobre as medidas tomadas pelo Governo em matéria de segurança interna.

A verdade é que, feito e refeito o diagnóstico sobre as consequências negativas da política de segurança interna dos anteriores Governos e particularmente sobre o falhanço das políticas de concentração de efectivos policiais - que ficou conhecida como a política das super-esquadras, chegámos ao último ano da legislatura sem que exista ainda uma definição clara da política de segurança interna deste Governo e confrontados com uma situação em matéria de segurança pública que está muito longe de ser satisfatória. É certo que a visibilidade mediática da insegurança dos cidadãos não é hoje tão intensa como foi há 4 ou 5 anos atrás em determinados períodos, mas a verdade é que não há factos nem estatísticas que comprovem ou permitam sequer supôr uma realidade substancialmente diferente.

Pelo contrário: Bastará ouvir as populações, os comerciantes ou os autarcas das áreas metropolitanas, bastará contactar os responsáveis e os efectivos das forças de segurança - como ainda ontem tivemos oportunidade de fazer, visitando o comando da divisão da Amadora da PSP -, bastará prestar atenção a algumas notícias que, apesar de tudo vão aparecendo, para ficar com a noção clara de que os problemas de segurança das populações não desapareceram nem sequer se atenuaram de forma significativa. Longe disso.

Apesar do triunfalismo dos sucessivos anúncios de viaturas, efectivos e investimentos por parte do Senhor Ministro da Administração Interna, e sem negar que o investimento feito nessa áreas nos últimos três anos foi maior que o que havia sido feito nos anos anteriores, o que não podia deixar de ser feito sob pena de paralisia das próprias forças de segurança, a verdade é que, nos grandes centros urbanos os cidadãos continuam a recear sair de casa à noite, continuam a ver o respectivo quotidiano marcado pelos frequentes assaltos a pessoas em qualquer hora e local, continuam a ter notícia de roubos de veículos em grande número, de assaltos a residências e a estabelecimentos com uma frequência inquietante, e continuam a assistir à impunidade com que o tráfico de droga se processa, às claras, a qualquer hora, e em locais geralmente conhecidos.

Importa evidentemente registar a preocupação frequentemente manifestada pelo Governo quanto à necessidade de assegurar a proximidade entre a polícia e os cidadãos, quanto à necessidade de libertar as polícias de funções não policiais, quanto à utilização de corpos especiais em tarefas normais de policiamento, quanto ao reconhecimento do direito dos profissionais da PSP à constituição do seu sindicato, ou quanto à redefinição do estatuto disciplinar da GNR.

Mas o que é facto é que, depois de ter perdido anos, enredado nas suas próprias contradições, indefinições e indecisões quanto à política de segurança interna a seguir, o actual Governo ainda não pôs em prática medidas indispensáveis à modernização das forças de segurança.

Medidas essas que têm de passar não apenas pelo reforço dos efectivos, pela modernização e reforço dos equipamentos e pelo aumento e melhoria das instalações, por forma a garantir condições para um policiamento de proximidade e condições dignas de trabalho e de atendimento nas esquadras e postos. Tudo isso é de extrema importância. Mas a modernização das forças de segurança, passa também e de forma decisiva, pela alteração do seu estatuto, pela eliminação de qualquer ambiguidade quanto ao estatuto civil da PSP, pela alteração da natureza da GNR pondo fim ao seu estatuto de corpo militar, pela garantia de direitos profissionais e cívicos dos profissionais das forças de segurança, pela abolição de um regime disciplinar retrógrado e inconstitucional como o que ainda existe na GNR, pelo respeito da legalidade e pela correcção no relacionamento com os cidadãos.

Importa aproximar os polícias dos cidadãos. Em proximidade física, evidentemente, através de uma distribuição suficiente e equilibrada de esquadras e postos policiais e da presença de polícias nas ruas, mas também em proximidade de direitos, pondo termo a uma situação absurda em que aqueles que têm por função assegurar os direitos dos outros cidadãos, se vêem privados de direitos elementares como cidadãos e como trabalhadores que são.

Nesta matéria, falta em medidas concretas o que abunda em discursos. Nunca entrou nesta Assembleia a prometida Proposta de Lei de orientação da política de segurança interna; não entrou ainda nenhuma Proposta de Lei quanto ao sindicato dos profissionais da PSP; não entrou ainda nenhuma Proposta de Lei destinado a substituir o estatuto dos profissionais da PSP que consta da Lei Orgânica de 1994, ou a consagrar a existência de um código deontológico para o relacionamento entre os polícias e os cidadãos; não entrou nenhuma Proposta de Lei destinada a alterar a natureza e estatuto da GNR, nem a definir um horário de trabalho para os seus profissionais, ou a alterar o tão justamente contestado regime disciplinar.

Na única Proposta de Lei que apresentou até à data sobre estas matérias - a de Lei Orgânica da PSP - o Governo afirma no respectivo preâmbulo que "com esta lei orgânica da PSP, trilha-se o caminho de uma polícia moderna em que os desafios de segurança interna são assumidos por civis, numa clara separação entre as áreas da segurança interna e da defesa nacional. Esta como aquela responsabilizam toda a sociedade, sendo que os agentes visíveis de uma e de outra se integram em estruturas de natureza diferente em vista da diversidade de fins. Sendo os fins da actuação da polícia, no contexto da segurança interna, o de prevenção e combate a comportamentos criminais, numa interpenetração com as comunidades locais que servem, tais comportamentos são mais facilmente alcançáveis num serviço de natureza civil, sem as restrições que as funções de natureza militar impõem. É este, de resto, o caminho que está a ser percorrido por todos os países desenvolvidos, sendo que, nalguns, a função policial é já exclusivamente prosseguida por organizações de natureza civil".

Sendo este o caminho percorrido em todos os países desenvolvidos e sendo os fins da actuação da polícia mais facilmente alcançáveis num serviço de natureza civil, factos que temos como incontestáveis, não compreendemos porque razão uma força de segurança, a GNR, há-de manter uma natureza militar, dificultando o alcance dos seus próprios fins e contribuindo para afastar Portugal do caminho percorrido em todos os países desenvolvidos.

Se as missões, tanto da PSP como da GNR, consistem em defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, sendo a sua área de actuação delimitada não em função da matéria mas em função das áreas geográficas de actuação, não há nenhuma razão para que os profissionais da GNR continuem a ser tratados como polícias de segunda, sujeitos a condições desumanas de prestação de trabalho e a medidas inconstitucionais de prisão disciplinar aplicadas por decisão de superiores hierárquicos.

Assim como não se entende porque razão hão-de os portugueses que vivem nas grandes cidades ter direito a uma polícia cujo modelo segue o caminho percorrido em todos os países desenvolvidos, ficando os portugueses que vivem fora das grandes cidades a ter de conviver com uma polícia cujo modelo segue o caminho ainda percorrido nos países não desenvolvidos.

Estas questões, relacionadas com o estatuto das forças de segurança e do respectivo pessoal, não são questões menores. Não apenas porque os polícias são cidadãos e como tal devem ver os seus direitos respeitados, mas também porque temos consciência de que a modernização do estatuto das forças policiais não deixará de se traduzir em melhores condições no relacionamento com os cidadãos e na consequente eficácia da actuação policial.

É uma evidência que o discurso do actual Governo difere muito do discurso dos anteriores em matéria de segurança interna.

Reconhecemos mesmo que em algumas áreas a diferença não se limita ao discurso e que existe uma orientação diferente, embora lentamente levada à prática. É de registar uma maior atenção ao policiamento de proximidade, pelo qual há muitos anos o PCP se tem vindo a bater. São de registar alguns passos positivos constantes da Proposta de Lei Orgânica da PSP, que já aqui referimos no respectivo debate. É de salientar uma actuação da IGAI com aspectos meritórios. São de registar algumas intenções anunciadas quanto aos direitos dos profissionais de polícia, bem como algumas medidas que foram tomadas quanto ao reequipamento das forças de segurança.

Mas permanecem insuficiências e incoerências entre o discurso e a prática do Governo que não podem ser iludidas. E sobretudo, permanece uma realidade que não autoriza triunfalismos quanto a progressos no combate à criminalidade ou quanto aos níveis de segurança e tranquilidade das populações.

É que entre os discursos do senhor ministro Jorge Coelho e a opinião das pessoas que vivem em Alfornelos, no Forte da Casa, ou mesmo na avenida de Roma, vai uma enorme distância, quanto ao juízo que fazem em matéria de segurança dos cidadãos.

Disse.

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