Estado deve ser pessoa de bem
Patinha Antão*
«A opinião pública não precisou desta explicação técnica para intuir tudo isto. Os historiadores também não, basta-lhes a analogia entre a Zona Euro e o padrão ouro, com um século de permeio.»
O ESTADO deve ser pessoa de bem.
Quando assume compromissos financeiros, deve pagar a tempo e horas.
E quando prepara o seu Orçamento, deve ser prudente, isto é, deve evitar subestimar as despesas e sobrestimar as receitas.
Para a opinião pública, estes princípios, de tão inquestionáveis, são até triviais.
Eles fazem parte do dar-se ao respeito, da seriedade e da auto-estima, estão na raiz do comportamento económico das famílias.
Maus devedores e gastadores perdulários, sempre houve e haverá. Mas, para a opinião pública, fora a ainda remanescente complacência com o mundo do futebol, eles devem ser sempre uma minoria, acossada por credores e tribunais.
Por maioria de razão, a opinião pública não aceita que o Estado seja mau devedor ou gastador perdulário, que não se dê ao respeito. Pode não se manifestar, mas não aceita.
E quando se apercebe do perigo, divorcia-se do Governo e derruba-o na primeira oportunidade.
A sabedoria popular não precisa de muita informação técnica para tomar este tipo de decisão. Observa antes as atitudes e a consistência do carácter do decisor público para lhe reiterar ou retirar a sua confiança.
O PS não percebeu ainda isto, como se verificou no debate parlamentar sobre o Orçamento Rectificativo para 2002, do passado dia 15.
No essencial, esse debate foi a segunda sessão de um julgamento político.
Na primeira, em 17 de Março, a opinião pública divorciou-se dos socialistas, por mau Governo e descalabro financeiro do Estado.
E na segunda, na passada quarta-feira, confirmou que tinha decidido bem, ao inteirar-se da extensão dos prejuízos.
A informação técnica que se segue, sobre essa extensão dos prejuízos, mais não faz do que demonstrar o bem fundado daquela intuição.
Com efeito, ficou agora a saber-se que cerca de 4,5 por cento do PIB (1170 milhões de contos) é o valor do défice rectificado para 2002, sem activos financeiros e na óptica da contabilidade nacional.
Pelo seu lado, a extensão da perda da imagem do Estado enquanto pessoa de bem ficou agora traduzida no facto de, daquele valor, cerca de 1,6% do PIB (416 milhões de contos) se destinar a pagar despesa contratada em 2001 e anos anteriores, não paga e não orçamentada.
Por fim, ficou a saber-se que a premeditada e sempre repetida suborçamentação da despesa e sobreorçamentação da receita, de que a governação socialista usou e abusou, atingiria o delírio no corrente ano, se o Governo não tivesse mudado.
Com efeito, se nada mudasse desde já, em vez do défice de 1,8% do PIB, aprovado em Novembro, atingir-se-ia 4,1% em Dezembro próximo.
Deste modo, o novo Governo recebeu, como legado, a emergência de reduzir tal défice em cerca de 1,3% do PIB, e em apenas seis meses (o que significa cortar despesa ou elevar receita, no valor de cerca de 340 milhões de contos).
Estes são pois os números do descalabro a que urgia pôr cobro, sob pena de o país ser punido por incumprimento do Pacto de Estabilidade, com a subsequente interdição de acesso aos Fundos de Coesão.
E esta realidade material é tão pesada, espessa e desconfortável que os ex-ministros das Finanças Sousa Franco, Pina Moura e Oliveira Martins surgiram agora, aos olhos da opinião pública, como ocupantes de um lugar para o qual nunca deveriam ter sido chamados.
Também aqui a informação técnica corrobora por inteiro este veredicto da opinião pública.
Com efeito, nenhum ministro das Finanças pode ignorar que, se imprimir uma orientação pró-cíclica à execução da política orçamental, prejudicará o ritmo de crescimento económico sustentado; e que esse efeito, nos regimes económicos e financeiros das uniões monetárias, como a Zona Euro, será não só mais negativo como mais prolongado.
Ora, como qualquer economista sabe, tal avaliação faz-se recorrendo a indicadores como o excedente orçamental primário corrigido da variação do ciclo económico.
E os últimos dados publicados pela Comissão Europeia mostram que em Portugal esse excedente, que era de 2,5% do PIB em 1995, se reduziu gradualmente nos anos seguintes, atingindo 1,1% em 1998 e apenas 0,2% em 2001.
É por isso extraordinário que um deputado do PS, tão influente como Joel Hasse Ferreira, tenha considerado esta execução orçamental um «círculo virtuoso».
Isso revela que o PS ainda não sabe, ou finge não saber, duas coisas: que o seu despesismo foi um mal económico; e que a Zona Euro tem vindo a banir a execução pró-cíclica das políticas orçamentais dos estados-membros porque ela é a ameaça mais séria à sua sobrevivência.
A opinião pública não precisou desta explicação técnica para intuir tudo isto. Os historiadores também não, basta-lhes a analogia entre a Zona Euro e o padrão ouro, com um século de permeio.
Mas nem toda a opinião publicada estará já preparada para aceitar a sabedoria popular deste veredicto - Governo que crie valor para o Estado como pessoa de bem, que venha e fique; e governo que o destrua, que vá e não volte.
* Deputado
Categorias
Entidades
Estado deve ser pessoa de bem
Patinha Antão*
«A opinião pública não precisou desta explicação técnica para intuir tudo isto. Os historiadores também não, basta-lhes a analogia entre a Zona Euro e o padrão ouro, com um século de permeio.»
O ESTADO deve ser pessoa de bem.
Quando assume compromissos financeiros, deve pagar a tempo e horas.
E quando prepara o seu Orçamento, deve ser prudente, isto é, deve evitar subestimar as despesas e sobrestimar as receitas.
Para a opinião pública, estes princípios, de tão inquestionáveis, são até triviais.
Eles fazem parte do dar-se ao respeito, da seriedade e da auto-estima, estão na raiz do comportamento económico das famílias.
Maus devedores e gastadores perdulários, sempre houve e haverá. Mas, para a opinião pública, fora a ainda remanescente complacência com o mundo do futebol, eles devem ser sempre uma minoria, acossada por credores e tribunais.
Por maioria de razão, a opinião pública não aceita que o Estado seja mau devedor ou gastador perdulário, que não se dê ao respeito. Pode não se manifestar, mas não aceita.
E quando se apercebe do perigo, divorcia-se do Governo e derruba-o na primeira oportunidade.
A sabedoria popular não precisa de muita informação técnica para tomar este tipo de decisão. Observa antes as atitudes e a consistência do carácter do decisor público para lhe reiterar ou retirar a sua confiança.
O PS não percebeu ainda isto, como se verificou no debate parlamentar sobre o Orçamento Rectificativo para 2002, do passado dia 15.
No essencial, esse debate foi a segunda sessão de um julgamento político.
Na primeira, em 17 de Março, a opinião pública divorciou-se dos socialistas, por mau Governo e descalabro financeiro do Estado.
E na segunda, na passada quarta-feira, confirmou que tinha decidido bem, ao inteirar-se da extensão dos prejuízos.
A informação técnica que se segue, sobre essa extensão dos prejuízos, mais não faz do que demonstrar o bem fundado daquela intuição.
Com efeito, ficou agora a saber-se que cerca de 4,5 por cento do PIB (1170 milhões de contos) é o valor do défice rectificado para 2002, sem activos financeiros e na óptica da contabilidade nacional.
Pelo seu lado, a extensão da perda da imagem do Estado enquanto pessoa de bem ficou agora traduzida no facto de, daquele valor, cerca de 1,6% do PIB (416 milhões de contos) se destinar a pagar despesa contratada em 2001 e anos anteriores, não paga e não orçamentada.
Por fim, ficou a saber-se que a premeditada e sempre repetida suborçamentação da despesa e sobreorçamentação da receita, de que a governação socialista usou e abusou, atingiria o delírio no corrente ano, se o Governo não tivesse mudado.
Com efeito, se nada mudasse desde já, em vez do défice de 1,8% do PIB, aprovado em Novembro, atingir-se-ia 4,1% em Dezembro próximo.
Deste modo, o novo Governo recebeu, como legado, a emergência de reduzir tal défice em cerca de 1,3% do PIB, e em apenas seis meses (o que significa cortar despesa ou elevar receita, no valor de cerca de 340 milhões de contos).
Estes são pois os números do descalabro a que urgia pôr cobro, sob pena de o país ser punido por incumprimento do Pacto de Estabilidade, com a subsequente interdição de acesso aos Fundos de Coesão.
E esta realidade material é tão pesada, espessa e desconfortável que os ex-ministros das Finanças Sousa Franco, Pina Moura e Oliveira Martins surgiram agora, aos olhos da opinião pública, como ocupantes de um lugar para o qual nunca deveriam ter sido chamados.
Também aqui a informação técnica corrobora por inteiro este veredicto da opinião pública.
Com efeito, nenhum ministro das Finanças pode ignorar que, se imprimir uma orientação pró-cíclica à execução da política orçamental, prejudicará o ritmo de crescimento económico sustentado; e que esse efeito, nos regimes económicos e financeiros das uniões monetárias, como a Zona Euro, será não só mais negativo como mais prolongado.
Ora, como qualquer economista sabe, tal avaliação faz-se recorrendo a indicadores como o excedente orçamental primário corrigido da variação do ciclo económico.
E os últimos dados publicados pela Comissão Europeia mostram que em Portugal esse excedente, que era de 2,5% do PIB em 1995, se reduziu gradualmente nos anos seguintes, atingindo 1,1% em 1998 e apenas 0,2% em 2001.
É por isso extraordinário que um deputado do PS, tão influente como Joel Hasse Ferreira, tenha considerado esta execução orçamental um «círculo virtuoso».
Isso revela que o PS ainda não sabe, ou finge não saber, duas coisas: que o seu despesismo foi um mal económico; e que a Zona Euro tem vindo a banir a execução pró-cíclica das políticas orçamentais dos estados-membros porque ela é a ameaça mais séria à sua sobrevivência.
A opinião pública não precisou desta explicação técnica para intuir tudo isto. Os historiadores também não, basta-lhes a analogia entre a Zona Euro e o padrão ouro, com um século de permeio.
Mas nem toda a opinião publicada estará já preparada para aceitar a sabedoria popular deste veredicto - Governo que crie valor para o Estado como pessoa de bem, que venha e fique; e governo que o destrua, que vá e não volte.
* Deputado