O homem que impôs o euro como "moeda nacional"

24-06-2004
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O Homem Que Impôs o Euro como "Moeda Nacional"

Por CRISTINA FERREIRA

Quinta-feira, 10 de Junho de 2004

António Sousa Franco tinha 36 anos quando assumiu pela primeira vez funções como ministro das Finanças, no governo de Maria de Lurdes Pintasilgo. Era então um jovem jurista e académico cuja acção ajudaria a manter a credibilidade do executivo, quebrando com o "romantismo" da engenheira e conseguindo assegurar a tecnicidade do V Governo Constitucional. Vinte cinco anos mais tarde, o cabeça de lista do PS às eleições europeias regressaria às mesmas funções, mas agora como independente, por convite de António Guterres.

Sousa Franco era na governação um homem frontal e determinado, que "não gostava de lobbies", sendo por vezes considerado "um alien", e cujo trajecto ficará associado à integração de Portugal na Moeda Única, a sua grande obra politica. Sendo um europeísta convicto, assumiu a adesão ao euro como um desígnio nacional, apesar de poucos, dentro e fora do país, acreditarem. Defendia que o euro era também "uma moeda nacional", sendo a "nossa âncora na primeira divisão". Por isso, há quem sugira que o candidato socialista às europeias "morreu no seu posto, a lutar" pelos ideais.

No entanto, na caminhada para que Portugal se mantivesse no pelotão da frente, o ex-ministro não se terá apercebido de que se vivia já com despesa a mais, havendo quem o acuse de ter sido "o pai do défice". Mas os seus defensores contrapõem, lembrando que, em 1995, "agarrou o país" com um défice público de 5,5 por cento, "abandonando" o governo quatro anos depois "com um défice de apenas 2,8 por cento".

Embora a entrada na moeda única possa ser considerada a principal marca da sua acção política, o ex-ministro orientaria as suas energias para outros objectivos relevantes, como a reorganização das finanças públicas e do sistema financeiro, que procurou dotar de instrumentos mais modernos.

O presidente da Sociedade Interbancária de Serviços (Sibs), Vítor Bento, que esteve à frente do Instituto de Gestão de Crédito Público (IGCP) quando foi criado por Sousa Franco, sublinhou a importância da iniciativa: "Tratou-se de uma importante reforma das finanças públicas portuguesas que pouco tem sido considerada e que muita poupança trouxe ao sector público". Ao criar um novo quadro fiscal, onde se integrou o IGCP, o ex-ministro visou introduzir uma gestão mais eficiente e profissional da dívida pública. Vítor Bento disse ter testemunhado "um comportamento atento e de consideração para com as pessoas que com ele trabalhavam, o que contraria a acusação de mau feitio que lhe era atribuída". E acrescenta: "Aprendi a respeitá-lo como dirigente politico e como pessoa."

No sector financeiro, uma das decisões importantes de Sousa Franco foi a desmutualização (privatização) das bolsas portuguesas, com a criação de um novo figurino jurídico, o actual código de valores mobiliários do mercado de capitais. A sua intervenção em processos polémicos deu-lhe notoriedade, mas terão contribuído para a sua saída intempestiva do governo, onde foi substituído por Joaquim Pina Moura. Por isso, não é de estranhar que em vésperas de abandonar o executivo tenha confessado, com alguma amargura: "Hoje os capitalistas confiam mais em ex-PCP, em ex-MRPP, do que em quem sempre defendeu a economia privada, com decência..."

Na memória do sector financeiro está ainda a operação envolvendo a passagem de controlo do Grupo Champalimaud ao Santander, operação chumbada por Sousa Franco, que procurava reagir a uma "condução menos correcta e menos transparente" de uma transacção que teria consequências "fortes no sistema financeiro" português. O presidente do BCP/Millennium , Jorge Jardim Gonçalves, destacou a "grande firmeza e apurada visão dos interesses nacionais que revelou quando teve de arbitrar a delicada questão da venda do grupo Mundial". Depois de lamentar "a perda do amigo, do politico e do homem impoluto", o presidente não executivo do BPI, Artur Santos Silva, recordou "a sua acção como ministro das Finanças do primeiro Governo de António Guterres, em que, liderando uma excelente equipa, reafirmou as suas excepcionais qualidades politicas, as suas convicções e o seu sentido do interesse nacional".

O banqueiro do Millennium aproveitou para evidenciar o papel do ex-ministro enquanto presidente do Tribunal de Contas, na medida em que "revelou uma instância de controlo independente, introduzindo um comportamento de rigor e de disciplinas das contas públicas e da acção governativa até então desconhecida da opinião pública".

Santos Silva chamou a atenção para o período em que ambos foram secretários de Estado de Salgado Zenha, no IV Governo Provisório: "Foi decisivo para a consolidação da democracia. É nos momentos difíceis que melhor podemos avaliar as pessoas. Além de uma transbordante energia, elevada competência e firmes convicções, revelou ser um homem de princípios e de valores." "E no final dos anos setenta e início dos anos oitenta, quando recomecei a minha vida profissional como docente universitário, avaliei melhor a sua dimensão como pedagogo e grande especialista em Finanças Públicas e Economia Financeira matérias que igualmente leccionei na Faculdade de Direito de Coimbra e na Universidade Católica do Porto", disse Santos Silva, confessando muito ter beneficiado "dos seus horizontes de conhecimento e da sua capacidade intelectual".

O Homem Que Impôs o Euro como "Moeda Nacional"

Por CRISTINA FERREIRA

Quinta-feira, 10 de Junho de 2004

António Sousa Franco tinha 36 anos quando assumiu pela primeira vez funções como ministro das Finanças, no governo de Maria de Lurdes Pintasilgo. Era então um jovem jurista e académico cuja acção ajudaria a manter a credibilidade do executivo, quebrando com o "romantismo" da engenheira e conseguindo assegurar a tecnicidade do V Governo Constitucional. Vinte cinco anos mais tarde, o cabeça de lista do PS às eleições europeias regressaria às mesmas funções, mas agora como independente, por convite de António Guterres.

Sousa Franco era na governação um homem frontal e determinado, que "não gostava de lobbies", sendo por vezes considerado "um alien", e cujo trajecto ficará associado à integração de Portugal na Moeda Única, a sua grande obra politica. Sendo um europeísta convicto, assumiu a adesão ao euro como um desígnio nacional, apesar de poucos, dentro e fora do país, acreditarem. Defendia que o euro era também "uma moeda nacional", sendo a "nossa âncora na primeira divisão". Por isso, há quem sugira que o candidato socialista às europeias "morreu no seu posto, a lutar" pelos ideais.

No entanto, na caminhada para que Portugal se mantivesse no pelotão da frente, o ex-ministro não se terá apercebido de que se vivia já com despesa a mais, havendo quem o acuse de ter sido "o pai do défice". Mas os seus defensores contrapõem, lembrando que, em 1995, "agarrou o país" com um défice público de 5,5 por cento, "abandonando" o governo quatro anos depois "com um défice de apenas 2,8 por cento".

Embora a entrada na moeda única possa ser considerada a principal marca da sua acção política, o ex-ministro orientaria as suas energias para outros objectivos relevantes, como a reorganização das finanças públicas e do sistema financeiro, que procurou dotar de instrumentos mais modernos.

O presidente da Sociedade Interbancária de Serviços (Sibs), Vítor Bento, que esteve à frente do Instituto de Gestão de Crédito Público (IGCP) quando foi criado por Sousa Franco, sublinhou a importância da iniciativa: "Tratou-se de uma importante reforma das finanças públicas portuguesas que pouco tem sido considerada e que muita poupança trouxe ao sector público". Ao criar um novo quadro fiscal, onde se integrou o IGCP, o ex-ministro visou introduzir uma gestão mais eficiente e profissional da dívida pública. Vítor Bento disse ter testemunhado "um comportamento atento e de consideração para com as pessoas que com ele trabalhavam, o que contraria a acusação de mau feitio que lhe era atribuída". E acrescenta: "Aprendi a respeitá-lo como dirigente politico e como pessoa."

No sector financeiro, uma das decisões importantes de Sousa Franco foi a desmutualização (privatização) das bolsas portuguesas, com a criação de um novo figurino jurídico, o actual código de valores mobiliários do mercado de capitais. A sua intervenção em processos polémicos deu-lhe notoriedade, mas terão contribuído para a sua saída intempestiva do governo, onde foi substituído por Joaquim Pina Moura. Por isso, não é de estranhar que em vésperas de abandonar o executivo tenha confessado, com alguma amargura: "Hoje os capitalistas confiam mais em ex-PCP, em ex-MRPP, do que em quem sempre defendeu a economia privada, com decência..."

Na memória do sector financeiro está ainda a operação envolvendo a passagem de controlo do Grupo Champalimaud ao Santander, operação chumbada por Sousa Franco, que procurava reagir a uma "condução menos correcta e menos transparente" de uma transacção que teria consequências "fortes no sistema financeiro" português. O presidente do BCP/Millennium , Jorge Jardim Gonçalves, destacou a "grande firmeza e apurada visão dos interesses nacionais que revelou quando teve de arbitrar a delicada questão da venda do grupo Mundial". Depois de lamentar "a perda do amigo, do politico e do homem impoluto", o presidente não executivo do BPI, Artur Santos Silva, recordou "a sua acção como ministro das Finanças do primeiro Governo de António Guterres, em que, liderando uma excelente equipa, reafirmou as suas excepcionais qualidades politicas, as suas convicções e o seu sentido do interesse nacional".

O banqueiro do Millennium aproveitou para evidenciar o papel do ex-ministro enquanto presidente do Tribunal de Contas, na medida em que "revelou uma instância de controlo independente, introduzindo um comportamento de rigor e de disciplinas das contas públicas e da acção governativa até então desconhecida da opinião pública".

Santos Silva chamou a atenção para o período em que ambos foram secretários de Estado de Salgado Zenha, no IV Governo Provisório: "Foi decisivo para a consolidação da democracia. É nos momentos difíceis que melhor podemos avaliar as pessoas. Além de uma transbordante energia, elevada competência e firmes convicções, revelou ser um homem de princípios e de valores." "E no final dos anos setenta e início dos anos oitenta, quando recomecei a minha vida profissional como docente universitário, avaliei melhor a sua dimensão como pedagogo e grande especialista em Finanças Públicas e Economia Financeira matérias que igualmente leccionei na Faculdade de Direito de Coimbra e na Universidade Católica do Porto", disse Santos Silva, confessando muito ter beneficiado "dos seus horizontes de conhecimento e da sua capacidade intelectual".

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