Caso Champalimaud/Santander: o precedente oposto

11-01-2005
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Caso Champalimaud/Santander: o Precedente Oposto

Por ISABEL ARRIAGA E CUNHA, Buxelas

Sexta-feira, 10 de Dezembro de 2004 Se a compra da GDP pela EDP e ENI provocou o primeiro veto da Comissão Europeia (CE) a um negócio envolvendo empresas portuguesas, este não é o primeiro conflito entre Lisboa e Bruxelas em torno das regras comunitárias das concentrações de empresas. No centro da polémica anterior estava a venda projectada pelo Grupo Champalimaud de 20 por cento da seguradora Mundial Confiança aos espanhóis do Banco Santander Central Hispano (BSCH), decidida em Junho de 1999, que foi vetada pelo então ministro das finanças, António Sousa Franco. O despacho de suporte a esta decisão invocava três grupos de razões: processuais - pelo facto de o BSCH ter adquirido uma participação qualificada numa seguradora nacional sem ter comunicado previamente a intenção ao ministro das finanças como impunha o decreto-lei 94-B/98; prudenciais - considerando que a estrutura e o processo de tomada de decisão da nova entidade prejudicariam a gestão sã e prudente da Mundial Confiança e impediriam a supervisão adequada por parte das autoridades portuguesas; e de interesse nacional - por considerar que a operação interferia "estreitamente com o interesse nacional e com sectores estratégicos vitais" da economia e do sistema financeiro português. A CE, que fora entretanto notificada do negócio ao abrigo do regulamento comunitário sobre as concentrações de empresas autorizou a sua concretização sem qualquer dificuldade, por considerar que não provocava quaisquer problemas de concorrência. A decisão resultou do exercício das suas competências exclusivas para autorizar, proibir ou autorizar mediante condições, todas as concentrações de "dimensão comunitária" - operações envolvendo empresas com um volume de negócios ao nível mundial superior a 5 mil milhões de euros, e individual, no seio da UE, superior a 250 milhões de euros. Segundo Bruxelas era o caso dos grupos Champalimaud e BSCH, o que levou a Comissão a decretar a suspensão do despacho com que Sousa Franco vetou o negócio. Uma questão de competências Bruxelas considerou mesmo que o veto português constituia uma ilegalidade a todos os títulos, sendo a primeira das quais o facto de interferir nas suas competências exclusivas. Sousa Franco invocava, ao invés, o decreto-lei que lhe confere o poder de autorizar as tomadas de participação qualificadas no sector dos seguros, ao que Bruxelas contrapunha com o primado do direito comunitário sobre o nacional. O regulamento das concentrações apenas permite aos Estados tomar medidas sem consultar previamente Bruxelas se um negócio puser em causa "interesses legítimos", definidos como "a segurança pública, a pluralidade dos meios de comunicação social e as regras prudenciais". Para a CE, nenhum dos argumentos de Sousa Franco podia ser classificado como "interesse legítimo". Pelo contrário: a invocação da "protecção dos interesses nacionais e de sectores estratégicos vitais para a economia portuguesa" viola directamente alguns dos principios mais sagrados do direito comunitário, a não discriminação com base na nacionalidade, o direito de estabelecimento e a livre circulação de capitais. Já o argumento sobre o despesreito das regras processuais por parte das empresas envolvidas não justificava, para Bruxelas, um veto, uma medida considerada claramente "desproporcionada". Finalmente, Van Miert considerou que Sousa Franco não explicitava ou justificava no seu despacho os riscos que considerava existirem para a gestão "sã e prudente" da Mundial Confiança em resultado do negócio, nem o que impediria a sua supervisão pelas autoridades competentes. Estava instalada a polémica. Só que, impotente para impor o cumprimento da sua decisão de autorizar o negócio, a CE não teve alternativa senão recorrer ao Tribunal de Justiça da UE. O diferendo acabou por ser resolvido em Outubro de 1999, quando o então recém-empossado novo ministro das finanças, Joaquim Pina Moura, negociou já com Mário Monti, o substituto de Van Miert na nova Comissão de Romano Prodi, uma solução amigável quer permitiria a todos os envolvidos salvar a face. O Grupo Champalimaud retirou-se do negócio. A Mundial Confiança foi comprada pela Caixa Geral de Depósitos, que vendeu ao BSCH dois dos bancos detidos pela seguradora - o Totta & Açores e o Crédito Predial Português. O terceiro banco, o Sottomayor, foi adquirido pelo BCP, que tinha, entretanto, lançado uma OPA sobre a Mundial Confiança. E Bruxelas arquivou a queixa ao Tribunal europeu. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Crónica de um veto anunciado

Reestruturação na energia

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Por ISABEL ARRIAGA E CUNHA, Buxelas

Sexta-feira, 10 de Dezembro de 2004 Se a compra da GDP pela EDP e ENI provocou o primeiro veto da Comissão Europeia (CE) a um negócio envolvendo empresas portuguesas, este não é o primeiro conflito entre Lisboa e Bruxelas em torno das regras comunitárias das concentrações de empresas. No centro da polémica anterior estava a venda projectada pelo Grupo Champalimaud de 20 por cento da seguradora Mundial Confiança aos espanhóis do Banco Santander Central Hispano (BSCH), decidida em Junho de 1999, que foi vetada pelo então ministro das finanças, António Sousa Franco. O despacho de suporte a esta decisão invocava três grupos de razões: processuais - pelo facto de o BSCH ter adquirido uma participação qualificada numa seguradora nacional sem ter comunicado previamente a intenção ao ministro das finanças como impunha o decreto-lei 94-B/98; prudenciais - considerando que a estrutura e o processo de tomada de decisão da nova entidade prejudicariam a gestão sã e prudente da Mundial Confiança e impediriam a supervisão adequada por parte das autoridades portuguesas; e de interesse nacional - por considerar que a operação interferia "estreitamente com o interesse nacional e com sectores estratégicos vitais" da economia e do sistema financeiro português. A CE, que fora entretanto notificada do negócio ao abrigo do regulamento comunitário sobre as concentrações de empresas autorizou a sua concretização sem qualquer dificuldade, por considerar que não provocava quaisquer problemas de concorrência. A decisão resultou do exercício das suas competências exclusivas para autorizar, proibir ou autorizar mediante condições, todas as concentrações de "dimensão comunitária" - operações envolvendo empresas com um volume de negócios ao nível mundial superior a 5 mil milhões de euros, e individual, no seio da UE, superior a 250 milhões de euros. Segundo Bruxelas era o caso dos grupos Champalimaud e BSCH, o que levou a Comissão a decretar a suspensão do despacho com que Sousa Franco vetou o negócio. Uma questão de competências Bruxelas considerou mesmo que o veto português constituia uma ilegalidade a todos os títulos, sendo a primeira das quais o facto de interferir nas suas competências exclusivas. Sousa Franco invocava, ao invés, o decreto-lei que lhe confere o poder de autorizar as tomadas de participação qualificadas no sector dos seguros, ao que Bruxelas contrapunha com o primado do direito comunitário sobre o nacional. O regulamento das concentrações apenas permite aos Estados tomar medidas sem consultar previamente Bruxelas se um negócio puser em causa "interesses legítimos", definidos como "a segurança pública, a pluralidade dos meios de comunicação social e as regras prudenciais". Para a CE, nenhum dos argumentos de Sousa Franco podia ser classificado como "interesse legítimo". Pelo contrário: a invocação da "protecção dos interesses nacionais e de sectores estratégicos vitais para a economia portuguesa" viola directamente alguns dos principios mais sagrados do direito comunitário, a não discriminação com base na nacionalidade, o direito de estabelecimento e a livre circulação de capitais. Já o argumento sobre o despesreito das regras processuais por parte das empresas envolvidas não justificava, para Bruxelas, um veto, uma medida considerada claramente "desproporcionada". Finalmente, Van Miert considerou que Sousa Franco não explicitava ou justificava no seu despacho os riscos que considerava existirem para a gestão "sã e prudente" da Mundial Confiança em resultado do negócio, nem o que impediria a sua supervisão pelas autoridades competentes. Estava instalada a polémica. Só que, impotente para impor o cumprimento da sua decisão de autorizar o negócio, a CE não teve alternativa senão recorrer ao Tribunal de Justiça da UE. O diferendo acabou por ser resolvido em Outubro de 1999, quando o então recém-empossado novo ministro das finanças, Joaquim Pina Moura, negociou já com Mário Monti, o substituto de Van Miert na nova Comissão de Romano Prodi, uma solução amigável quer permitiria a todos os envolvidos salvar a face. O Grupo Champalimaud retirou-se do negócio. A Mundial Confiança foi comprada pela Caixa Geral de Depósitos, que vendeu ao BSCH dois dos bancos detidos pela seguradora - o Totta & Açores e o Crédito Predial Português. O terceiro banco, o Sottomayor, foi adquirido pelo BCP, que tinha, entretanto, lançado uma OPA sobre a Mundial Confiança. E Bruxelas arquivou a queixa ao Tribunal europeu. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Crónica de um veto anunciado

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