Governo deixou caducar garantias bancárias

03-10-2002
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Reclamações e impugnações de impostos em dívida

Governo Deixou Caducar Garantias Bancárias

Por JOÃO RAMOS DE ALMEIDA

Segunda-feira, 30 de Setembro de 2002

Pagamento de dívidas fiscais equivalentes a 1,6 por cento do PIB deixou de estar garantido desde Julho, devido ao esgotamento dos prazos. Para evitar que a história se repita, com o OE 2003 garantias serão novamente intemporais

O projecto de Orçamento de Estado para 2003, a aprovar hoje pelo Governo, deverá consagrar uma medida prejudicial aos contribuintes. Quem queira impugnar actos da administração fiscal e impedir a execução das dívidas arrisca-se a ter de voltar a pagar durante anos juros à banca, pela prestação de garantias bancárias. Além disso, deixará de ser indemnizado pelos prejuízos causados por essa prestação de garantia além de dois anos. O Ministério das Finanças não quis comentar.

A medida resulta de uma alteração ao Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e ainda da própria Lei Geral Tributária (LGT) e visa modificar a lei da equipa de Joaquim Pina Moura, aprovada pelo Parlamento sem oposição em 2001. Na altura, os prazos foram fixados como um instrumento disciplinador da administração fiscal e dos tribunais, que, contra todos os sinais de alerta dados por instituições nacionais e internacionais desde o início da década de 90, levam anos a resolver as reclamações e impugnações apresentadas pelos contribuintes.

Em consequência, como os contribuintes são obrigados a apresentar garantia bancária ou outra garantia idónea para suspender a liquidação da dívida, acabam por ser penalizados financeiramente pela desorganização administrativa. Actualmente, a banca cobra pelas garantias bancárias a taxa euribor, mais uma margem entre 0,25 a 0,5 pontos percentuais consoante a entidade ou pessoa em questão.

Para impedir essa penalização, a então equipa das Finanças propôs e negociou - designadamente com os representantes do Partido Popular e com a então deputada e actual ministra da Justiça, Celeste Cardona - um conjunto de normas que obrigavam a uma caducidade dessas garantias, caso a administração se atrasasse a apreciá-las.

O artigo 183-A do CPPT passou a estabelecer que "a garantia prestada para suspender a execução (...) caduca se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição ou se a impugnação judicial, o recurso judicial ou a oposição não estiverem julgadas em 1ª instância no prazo de dois anos a contar da data da sua apresentação". Para os processos pendentes à data da entrada em vigor, a aplicação da lei 15/2001 fixou que a 5 de Julho de 2002 caducavam todas as garantias pendentes, o que, na altura, foi tido como demasiado radical para o estado da administração fiscal.

O artigo 53º da LGT impôs ainda que o contribuinte que apresentara essa garantia seria "indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a dois anos ".

Mas meses depois, o próprio Governo socialista deu sinais de querer rever a medida. O orçamento de Estado de 2002 integrou uma autorização legislativa - alegadamente para um maior equilíbrio entre as garantias dos contribuintes e do Estado - interpretada como um arrepiar de caminho. Mas o actual Governo não aproveitou ainda essa autorização legislativa, não aproveitou o orçamento rectificativo e, segundo as mesmas indicações, a alteração virá no corpo do OE de 2003.

O projecto teria, segundo uma indicação, mantido o prazo de um ano para as reclamações graciosas, mas alargado as impugnações judiciais para quatro anos. Ou seja, uma assunção oficial de que os tribunais levam até quatro anos para julgar uma impugnação. Outra informação recolhida pelo PÚBLICO considera que o prazo único seria de quatro anos.

Celeste Cardona, confirmou-nos ter o PP proposto as medidas agora em revisão, mas recusou-se a comentá-las. "Não posso pronunciar-se sobre uma área de acção governamental em que não tenho ocupação", afirmou. "Não conheço as razões ou os fundamentos" da medida.

Banca não acata lei

Mas, entretanto, nada aconteceu. Advogados com clientes que apresentaram garantias dirigiram-se à banca para a anular, mas os funcionários da banca afirmam que só o farão se a administração fiscal passar uma declaração nesse sentido. Só que a administração fiscal, como é afirmado, ou não responde ou responde em termos equívocos, sem se comprometer. Por outro lado, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não toma nenhuma decisão. Tudo fica então em suspenso, como se a lei estivesse em vigor.

Na verdade, a interpretação mais comum é a de que o Estado perdeu o direito a reclamá-las, que terá de indemnizar os contribuintes, já que nenhuma lei poderá ter efeitos retroactivos (ver caixa). Por outro lado, afirma-se que as dívidas já nem existem, nalguns casos, após tanta demora em tratá-las. Só que os montantes em causa não são dispiciendos (ver números).

O Governo - a fazer fé nas indicações recebidas, não comentadas oficialmente - parece dar razão às diversas resistências no terreno. Por um lado, a administração e as suas dificuldades para resolver atrasos crónicos. Mas, por outro, a banca que se manterá a cobrar comissões pelas garantias, para prejuízo dos contribuintes.

Reclamações e impugnações de impostos em dívida

Governo Deixou Caducar Garantias Bancárias

Por JOÃO RAMOS DE ALMEIDA

Segunda-feira, 30 de Setembro de 2002

Pagamento de dívidas fiscais equivalentes a 1,6 por cento do PIB deixou de estar garantido desde Julho, devido ao esgotamento dos prazos. Para evitar que a história se repita, com o OE 2003 garantias serão novamente intemporais

O projecto de Orçamento de Estado para 2003, a aprovar hoje pelo Governo, deverá consagrar uma medida prejudicial aos contribuintes. Quem queira impugnar actos da administração fiscal e impedir a execução das dívidas arrisca-se a ter de voltar a pagar durante anos juros à banca, pela prestação de garantias bancárias. Além disso, deixará de ser indemnizado pelos prejuízos causados por essa prestação de garantia além de dois anos. O Ministério das Finanças não quis comentar.

A medida resulta de uma alteração ao Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e ainda da própria Lei Geral Tributária (LGT) e visa modificar a lei da equipa de Joaquim Pina Moura, aprovada pelo Parlamento sem oposição em 2001. Na altura, os prazos foram fixados como um instrumento disciplinador da administração fiscal e dos tribunais, que, contra todos os sinais de alerta dados por instituições nacionais e internacionais desde o início da década de 90, levam anos a resolver as reclamações e impugnações apresentadas pelos contribuintes.

Em consequência, como os contribuintes são obrigados a apresentar garantia bancária ou outra garantia idónea para suspender a liquidação da dívida, acabam por ser penalizados financeiramente pela desorganização administrativa. Actualmente, a banca cobra pelas garantias bancárias a taxa euribor, mais uma margem entre 0,25 a 0,5 pontos percentuais consoante a entidade ou pessoa em questão.

Para impedir essa penalização, a então equipa das Finanças propôs e negociou - designadamente com os representantes do Partido Popular e com a então deputada e actual ministra da Justiça, Celeste Cardona - um conjunto de normas que obrigavam a uma caducidade dessas garantias, caso a administração se atrasasse a apreciá-las.

O artigo 183-A do CPPT passou a estabelecer que "a garantia prestada para suspender a execução (...) caduca se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição ou se a impugnação judicial, o recurso judicial ou a oposição não estiverem julgadas em 1ª instância no prazo de dois anos a contar da data da sua apresentação". Para os processos pendentes à data da entrada em vigor, a aplicação da lei 15/2001 fixou que a 5 de Julho de 2002 caducavam todas as garantias pendentes, o que, na altura, foi tido como demasiado radical para o estado da administração fiscal.

O artigo 53º da LGT impôs ainda que o contribuinte que apresentara essa garantia seria "indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a dois anos ".

Mas meses depois, o próprio Governo socialista deu sinais de querer rever a medida. O orçamento de Estado de 2002 integrou uma autorização legislativa - alegadamente para um maior equilíbrio entre as garantias dos contribuintes e do Estado - interpretada como um arrepiar de caminho. Mas o actual Governo não aproveitou ainda essa autorização legislativa, não aproveitou o orçamento rectificativo e, segundo as mesmas indicações, a alteração virá no corpo do OE de 2003.

O projecto teria, segundo uma indicação, mantido o prazo de um ano para as reclamações graciosas, mas alargado as impugnações judiciais para quatro anos. Ou seja, uma assunção oficial de que os tribunais levam até quatro anos para julgar uma impugnação. Outra informação recolhida pelo PÚBLICO considera que o prazo único seria de quatro anos.

Celeste Cardona, confirmou-nos ter o PP proposto as medidas agora em revisão, mas recusou-se a comentá-las. "Não posso pronunciar-se sobre uma área de acção governamental em que não tenho ocupação", afirmou. "Não conheço as razões ou os fundamentos" da medida.

Banca não acata lei

Mas, entretanto, nada aconteceu. Advogados com clientes que apresentaram garantias dirigiram-se à banca para a anular, mas os funcionários da banca afirmam que só o farão se a administração fiscal passar uma declaração nesse sentido. Só que a administração fiscal, como é afirmado, ou não responde ou responde em termos equívocos, sem se comprometer. Por outro lado, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não toma nenhuma decisão. Tudo fica então em suspenso, como se a lei estivesse em vigor.

Na verdade, a interpretação mais comum é a de que o Estado perdeu o direito a reclamá-las, que terá de indemnizar os contribuintes, já que nenhuma lei poderá ter efeitos retroactivos (ver caixa). Por outro lado, afirma-se que as dívidas já nem existem, nalguns casos, após tanta demora em tratá-las. Só que os montantes em causa não são dispiciendos (ver números).

O Governo - a fazer fé nas indicações recebidas, não comentadas oficialmente - parece dar razão às diversas resistências no terreno. Por um lado, a administração e as suas dificuldades para resolver atrasos crónicos. Mas, por outro, a banca que se manterá a cobrar comissões pelas garantias, para prejuízo dos contribuintes.

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