Quem tem medo do maço de tabaco?

16-10-2003
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Quem Tem Medo do Maço de Tabaco?

Segunda-feira, 13 de Outubro de 2003 %Maria João Guimarães "O tabaco mata", diz o maço, ou melhor, quase grita, as letras enormes num fundo branco com uma cercadura negra que chega a lembrar uma nota de necrologia no jornal. Os compradores tentam encontrar os maços "normais" que ainda restam nos quiosques, apenas com o discreto rodapé no fundo da embalagem. A procura de cigarreiras aumenta, e já há marcas a oferecer latas para guardar os maços. Daqui a um ano deverá ser ainda pior: o maço de tabaco poderá ter estampada a imagem de um pulmão canceroso. Mas à medida que se estuda a aplicação de medidas mais fortes para evitar o consumo de tabaco, é cada vez mais discutida a sua eficácia. Alguns fumadores confessam um choque inicial, mas a maior parte logo esconde o aviso pondo um telemóvel em cima do maço, ou pura e simplesmente ignorando o que lá está escrito. "O que eu já vi foi pessoas recortarem a parte do maço antigo e colarem sobre o novo", conta o publicitário Eduardo Storino, da agência FCB. Os consumidores de tabaco queixam-se dos avisos - mas logo riem, ou troçam. Em conversas de café, ou nos "blogs", é possível ouvir e ler comentários aos novos maços. Um dos mais frequentes é o irónico "O tabaco mata? Ainda bem que nos avisaram!". "É interferir numa coisa que é minha e chamar-me burro", diz Eduardo Storino, acrescentando que não é fumador. O sociólogo João Teixeira Lopes, que é muito crítico da publicidade normativa - que pretende impor, de forma explícita, comportamentos sociais -, considera que o efeito sobre os fumadores "é praticamente nulo" já que "eles já estão informados sobre os malefícios". E sobre os potenciais futuros fumadores, principalmente adolescentes e jovens, tem até um "efeito inverso, ou perverso", afirma. "A publicidade normativa é tão evidente, representa o lado da ordem estabelecida, que impõe regras. Nos grupos juvenis poderá ter um efeito contrário: fumar é um acto de desafio, é ir contra as regras." O sociólogo apenas aponta um efeito positivo: "Esta publicidade vai rectificar a visão dos que não são fumadores." Também Eduardo Storino questiona este tipo de avisos: "Imagine-se todos os carros terem na porta um aviso a dizer 'esta máquina pode matar'... ou cartões de crédito dizendo 'cuidado, se usar este cartão você pode acabar na miséria'... é o absurdo do absurdo", diz o publicitário. A colocação de imagens nos maços poderá ser o próximo passo da luta anti-tabágica: é uma ideia que a Comissão Europeia quer pôr em prática daqui a um ano. Os vários países da União Europeia teriam à disposição um banco de imagens para escolher, conforme as suas realidades. O Canadá foi o país pioneiro neste tipo de campanhas ao exigir, em 2000, a colocação de fotografias de cancros de pulmão, dentes amarelos e gengivas escurecidas nos maços. Havia ainda imagens de cigarros curvados num aviso à possibilidade de impotência sexual. As empresas tabaqueiras bem tentaram vender capas para esconder as partes do maço onde estão os avisos, mas face aos protestos que receberam, acabaram por desistir. Um estudo da Sociedade do Cancro do Canadá revelou que 38 por cento das pessoas que tentavam deixar de fumar diziam que as imagens tinham desempenhado um papel importante na tomada da decisão. O Brasil foi o segundo país a adoptar este tipo de avisos. As fotografias mudam de tempos a tempos. Pode ser um casal deitado na cama e com ar de poucos amigos, com um aviso dizendo que o tabaco provoca impotência. Ou uma mulher em estado terminal, numa cama de hospital, avisando que o tabaco pode causar cancro no pulmão. Há ainda um bebé recém-nascido, numa incubadora, lembrando que o tabaco provoca partos prematuros, nascimento de crianças com peso abaixo do normal e facilidade em contrair asma. Na conferência mundial sobre tabaco e saúde, que decorreu na Finlândia em Agosto, cientistas do Cancer Research do Reino Unido disseram que as imagens pareciam eficazes. Mas alertaram para o excesso deste tipo de campanhas, que às vezes pode ser prejudicial pois poder causar uma sensação de vitimização nos fumadores. "Esta publicidade pode ser vista como um raspanete, um castigo", diz Teixeira Lopes. Quanto às imagens, "a banalização do choque e do horror produz indiferença a um tipo de conteúdos supostamente horríficos", considera o sociólogo. "A banalização destas imagens é tão forte que elas já só são clichés." Além disso, o efeito pretendido - a contraposição da degradação que os cigarros podem causar ao "glamour" a que ainda são associados - não será conseguido, sustenta Teixeira Lopes: "Os adolescentes fumam e têm corpos belíssimos. A degradação não é uma realidade próxima dos jovens." Diz o sociólogo que para levar as pessoas a deixar de fumar deve analisar-se a forma como o hábito foi propagado na cultura ocidental - através da sedução. "Talvez devessemos perceber o que leva as pessoas a começar a fumar para, depois, vermos o que podemos fazer para que façam o contrário". Na prática, não resulta "apagar" os traços do fumo, como os americanos querem fazer com o herói da banda desenhada Lucky Luke, substituindo o cigarro ao canto da sua boca por uma inofensiva palhinha. "Era como tirar o facho à Estátua da Liberdade! A ausência é tão flagrante que só sublinha o que não está lá", considera Teixeira Lopes. O publicitário sugere, por seu lado, que seria mais eficaz uma tentativa de sedução diferente: "Associar o desporto e a juventude". Ou a utilização de argumentos menos estafados, como a educação ou a protecção do ambiente - "Não dizer 'você vai morrer', mas 'respeite o ambiente'." Em Inglaterra, há médicos a pedir que medidas semelhantes sejam aplicadas ao álcool. As mensagens poderiam avisar para os perigos do consumo compulsivo ou ostentar fotografias de cirroses hepáticas. Actualmente em Portugal, e em relação às bebidas alcoólicas, existem apenas rodapés discretos que apelam à moderação no consumo. Em Espanha, causou polémica a lei "anti-botéllon", que proibiu o consumo de álcool nas ruas. Por tudo isto, há já quem fale de um novo proibicionismo. A colocação de avisos nos maços "é uma prática de milícia, uma censura ao direito que os homens têm de decidir o que querem fazer", diz Storino. "O Governo não tem o direito de fazer isso com um produto legal." "Há, de facto, um novo proibicionismo", concorda Teixeira Lopes. "Mas, como todos, não vai resultar." "As pessoas vão encontrar subterfúgios e alternativas", sustenta o sociólogo que está convencido que, em Portugal, este "fascismo social". Teixeira Lopes explica que no país "os espaços públicos e semi-públicos são habitados de forma relaxada e livre", além de que não existe "uma cultura protestante de regras rígidas". Há, antes, "uma cultura de hedonismo, de prazer, o que torna o proibicionismo inútil - não vamos mudar de certeza por causa disto". Quando muito, o que poderia acontecer seria o consumo de tabaco ou de bebidas alcoólicas começar a não ser bem visto socialmente, como já acontece nos Estados Unidos, por exemplo. Mas este cenário parece longínquo já que Portugal é um país onde se fuma em locais onde é proibido, como salas de concerto, o metropolitano de Lisboa ou hospitais. De qualquer modo, Teixeira Lopes lembra que, como se viu durante a "lei seca" nos Estados Unidos, "a falta de prestígio não leva à diminuição, mas sim à clandestinidade". OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA Schumacher O deus das pistas

Recordes

O antecessor

Depois

Filme sobre Senna ainda está longe

Hollywood atrás do volante

Intriga na Cidade Santa

Seria capaz de beber uma cerveja com um homem que assassinou a sua família?

Os Donos da Praxe

PERFIL

Mulheres aos quadradinhos

Washington rende-se a Clooney

Quem tem medo do maço de tabaco?

Suicídios contestatários na China

CRÓNICAS

Grandes negócios

COCKTAIL

Vodka Espresso

BELEZA

Clinique

CARTAS DA MAYA

Cartas da Maya

DESAFIOS

TRANSFERÊNCIAS DE REBUÇADOS

Quem Tem Medo do Maço de Tabaco?

Segunda-feira, 13 de Outubro de 2003 %Maria João Guimarães "O tabaco mata", diz o maço, ou melhor, quase grita, as letras enormes num fundo branco com uma cercadura negra que chega a lembrar uma nota de necrologia no jornal. Os compradores tentam encontrar os maços "normais" que ainda restam nos quiosques, apenas com o discreto rodapé no fundo da embalagem. A procura de cigarreiras aumenta, e já há marcas a oferecer latas para guardar os maços. Daqui a um ano deverá ser ainda pior: o maço de tabaco poderá ter estampada a imagem de um pulmão canceroso. Mas à medida que se estuda a aplicação de medidas mais fortes para evitar o consumo de tabaco, é cada vez mais discutida a sua eficácia. Alguns fumadores confessam um choque inicial, mas a maior parte logo esconde o aviso pondo um telemóvel em cima do maço, ou pura e simplesmente ignorando o que lá está escrito. "O que eu já vi foi pessoas recortarem a parte do maço antigo e colarem sobre o novo", conta o publicitário Eduardo Storino, da agência FCB. Os consumidores de tabaco queixam-se dos avisos - mas logo riem, ou troçam. Em conversas de café, ou nos "blogs", é possível ouvir e ler comentários aos novos maços. Um dos mais frequentes é o irónico "O tabaco mata? Ainda bem que nos avisaram!". "É interferir numa coisa que é minha e chamar-me burro", diz Eduardo Storino, acrescentando que não é fumador. O sociólogo João Teixeira Lopes, que é muito crítico da publicidade normativa - que pretende impor, de forma explícita, comportamentos sociais -, considera que o efeito sobre os fumadores "é praticamente nulo" já que "eles já estão informados sobre os malefícios". E sobre os potenciais futuros fumadores, principalmente adolescentes e jovens, tem até um "efeito inverso, ou perverso", afirma. "A publicidade normativa é tão evidente, representa o lado da ordem estabelecida, que impõe regras. Nos grupos juvenis poderá ter um efeito contrário: fumar é um acto de desafio, é ir contra as regras." O sociólogo apenas aponta um efeito positivo: "Esta publicidade vai rectificar a visão dos que não são fumadores." Também Eduardo Storino questiona este tipo de avisos: "Imagine-se todos os carros terem na porta um aviso a dizer 'esta máquina pode matar'... ou cartões de crédito dizendo 'cuidado, se usar este cartão você pode acabar na miséria'... é o absurdo do absurdo", diz o publicitário. A colocação de imagens nos maços poderá ser o próximo passo da luta anti-tabágica: é uma ideia que a Comissão Europeia quer pôr em prática daqui a um ano. Os vários países da União Europeia teriam à disposição um banco de imagens para escolher, conforme as suas realidades. O Canadá foi o país pioneiro neste tipo de campanhas ao exigir, em 2000, a colocação de fotografias de cancros de pulmão, dentes amarelos e gengivas escurecidas nos maços. Havia ainda imagens de cigarros curvados num aviso à possibilidade de impotência sexual. As empresas tabaqueiras bem tentaram vender capas para esconder as partes do maço onde estão os avisos, mas face aos protestos que receberam, acabaram por desistir. Um estudo da Sociedade do Cancro do Canadá revelou que 38 por cento das pessoas que tentavam deixar de fumar diziam que as imagens tinham desempenhado um papel importante na tomada da decisão. O Brasil foi o segundo país a adoptar este tipo de avisos. As fotografias mudam de tempos a tempos. Pode ser um casal deitado na cama e com ar de poucos amigos, com um aviso dizendo que o tabaco provoca impotência. Ou uma mulher em estado terminal, numa cama de hospital, avisando que o tabaco pode causar cancro no pulmão. Há ainda um bebé recém-nascido, numa incubadora, lembrando que o tabaco provoca partos prematuros, nascimento de crianças com peso abaixo do normal e facilidade em contrair asma. Na conferência mundial sobre tabaco e saúde, que decorreu na Finlândia em Agosto, cientistas do Cancer Research do Reino Unido disseram que as imagens pareciam eficazes. Mas alertaram para o excesso deste tipo de campanhas, que às vezes pode ser prejudicial pois poder causar uma sensação de vitimização nos fumadores. "Esta publicidade pode ser vista como um raspanete, um castigo", diz Teixeira Lopes. Quanto às imagens, "a banalização do choque e do horror produz indiferença a um tipo de conteúdos supostamente horríficos", considera o sociólogo. "A banalização destas imagens é tão forte que elas já só são clichés." Além disso, o efeito pretendido - a contraposição da degradação que os cigarros podem causar ao "glamour" a que ainda são associados - não será conseguido, sustenta Teixeira Lopes: "Os adolescentes fumam e têm corpos belíssimos. A degradação não é uma realidade próxima dos jovens." Diz o sociólogo que para levar as pessoas a deixar de fumar deve analisar-se a forma como o hábito foi propagado na cultura ocidental - através da sedução. "Talvez devessemos perceber o que leva as pessoas a começar a fumar para, depois, vermos o que podemos fazer para que façam o contrário". Na prática, não resulta "apagar" os traços do fumo, como os americanos querem fazer com o herói da banda desenhada Lucky Luke, substituindo o cigarro ao canto da sua boca por uma inofensiva palhinha. "Era como tirar o facho à Estátua da Liberdade! A ausência é tão flagrante que só sublinha o que não está lá", considera Teixeira Lopes. O publicitário sugere, por seu lado, que seria mais eficaz uma tentativa de sedução diferente: "Associar o desporto e a juventude". Ou a utilização de argumentos menos estafados, como a educação ou a protecção do ambiente - "Não dizer 'você vai morrer', mas 'respeite o ambiente'." Em Inglaterra, há médicos a pedir que medidas semelhantes sejam aplicadas ao álcool. As mensagens poderiam avisar para os perigos do consumo compulsivo ou ostentar fotografias de cirroses hepáticas. Actualmente em Portugal, e em relação às bebidas alcoólicas, existem apenas rodapés discretos que apelam à moderação no consumo. Em Espanha, causou polémica a lei "anti-botéllon", que proibiu o consumo de álcool nas ruas. Por tudo isto, há já quem fale de um novo proibicionismo. A colocação de avisos nos maços "é uma prática de milícia, uma censura ao direito que os homens têm de decidir o que querem fazer", diz Storino. "O Governo não tem o direito de fazer isso com um produto legal." "Há, de facto, um novo proibicionismo", concorda Teixeira Lopes. "Mas, como todos, não vai resultar." "As pessoas vão encontrar subterfúgios e alternativas", sustenta o sociólogo que está convencido que, em Portugal, este "fascismo social". Teixeira Lopes explica que no país "os espaços públicos e semi-públicos são habitados de forma relaxada e livre", além de que não existe "uma cultura protestante de regras rígidas". Há, antes, "uma cultura de hedonismo, de prazer, o que torna o proibicionismo inútil - não vamos mudar de certeza por causa disto". Quando muito, o que poderia acontecer seria o consumo de tabaco ou de bebidas alcoólicas começar a não ser bem visto socialmente, como já acontece nos Estados Unidos, por exemplo. Mas este cenário parece longínquo já que Portugal é um país onde se fuma em locais onde é proibido, como salas de concerto, o metropolitano de Lisboa ou hospitais. De qualquer modo, Teixeira Lopes lembra que, como se viu durante a "lei seca" nos Estados Unidos, "a falta de prestígio não leva à diminuição, mas sim à clandestinidade". OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA Schumacher O deus das pistas

Recordes

O antecessor

Depois

Filme sobre Senna ainda está longe

Hollywood atrás do volante

Intriga na Cidade Santa

Seria capaz de beber uma cerveja com um homem que assassinou a sua família?

Os Donos da Praxe

PERFIL

Mulheres aos quadradinhos

Washington rende-se a Clooney

Quem tem medo do maço de tabaco?

Suicídios contestatários na China

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Vodka Espresso

BELEZA

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