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26-04-2002
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Apresentação Gastronómica do Concelho de Lisboa

Terra de "muitas e desvairadas gentes", no dizer do nosso cronista maior, Lisboa é não só espelho fiel do inventivo receituário nacional, aqui enriquecido por portugueses de todas as terras que nos são cardeais e colaterais, como é também resultado feliz do cruzamento das culturas que fomos enlaçando na esfera armilar e que, ao correr dos tempos, aportaram à capital com bagagem de cheiros e sabores. O universalismo multicultural dos lisboetas não os impediu, contudo, de cultivar os seus próprios particularismos na arte de tratar as coisas da boca e do estomâgo, com estágio obrigatório por alturas do nariz e dos olhos.

De outro modo não poderia ser, tais as dádivas prodigalizadas pela natureza e pelas gentes do sítio. Nas hortas arrabaldinas viçam os legumes, como as tenras hortaliças que hão-de amaciar os cozidos, ou o feijão, com tantos destinos culinários quantos os tipos que dele existem. Nos pomares vizinhos rebentam as peras para embebedar em aguardente e os limões para espremer no açúcar, entre muita outra fruta de estação diversa ("quem quer almoçaaaar? figuiiinho maduroooo!!"), tanta quantas as compotas a que dão origem. Dos terraços estuarinos chega o arroz descascado que, cozido sobre o refogado à medida da mão do cozinheiro, de tomate ou de grelos, vem alegrar com a sua companhia pastéis e pataniscas de bacalhau, petinga, jaquinzinhos e o que mais aprouver ao alfacinha.

O trigo escuro que espiga nos cabeços da Estremadura, moído ao capricho dos ventos marinhos, passa a massa benzida e, nos crepitantes fornos saloios, ganha forma, chiando baixinho, o pão de côdea estaladiça e fofo miolo. Nas quintas, até há pouco mesmo portas dentro, medra a ginja que será licor com ou sem elas e matura a uva de vinhedos solarengos, que o saber alquímico de alguns transformará, depois das sete voltas que o levam às úmbrias caves, em vinho quente e redondo. Nas azinhagas que volteiam as quintas, bordadas de amora silvestre, a azeitona sustem a respiração para o milagre do azeite dourado que há-de molhar o pão e o bacalhau.

Da banda de lá, a um salto de rio, leitões crescem no chiqueiro ou varam nos montados, para se fazerem à matança em promessas de febras marinadas com pimentão, iscas fritas na banha e com elas (as batatas) cozidas, coiratos e enchidos, tarde dentro de foguetório rijo. Por esses montados, coelhos e borrachinhos não logram enganar as batidas de caçadores experimentados e acabam estufados na caçarola, essa que não é menor herança árabe. Nas lonjuras da Lezíria, os bovinos mansos e o gado bravo, em intervalo de novilhada, partilham o fresco pasto da campina antes da precisão do cortador os servir lascados em bife ou costeleta, a que a inventiva lisboeta acrescentou molhos de fama e ingrediência variegada.

Da Arrábida fronteira, onde ovelhas apascentam na erva impregnada pelo alecrim, pelo rosmaninho e pelo cardo, e da Sintra à ilharga, onde vacas serenas incham à sombra dos pinheiros e dos castanheiros que bordejam os lameiros, prova Lisboa o queijo forte e a manteiga fresca posta ao luar, que os pasteleiros de Belém descobriram boa para cremar os folhados doces. E desse leite gordo, quantos doces não colhem paladares, enriquecidos com ovos de galinhas do campo, mel e açúcar? Leite-creme, arroz doce, suspiros, cavacas, pastéis diversos, pão-de-ló, num cardápio de que ninguém conhece o final...

No Tejo, as artes da pesca e o engenho dos homens colhem enguia para ensopar, sável, congro e linguadinho para fritar, robalinho para grelhar e ostra e camarão miúdo para servir ao natural. Das praias das cercanias vem o percebe e o mexilhão do Carnaval e da Quaresma ("érre, érre, meeexilhão!!"), a santola para servir cozida, a oferecer na casca aberta o saboroso "molho da caca", e o polvo, para refrescar as tardes de canícula em saladinha avinagrada.

Mais além, nas águas atlânticas, profundas de muitas braças, pescadores palmilham pesqueiros que só eles sabem para virem entregar às varinas, que outrora batiam as calçadas da Cidade em meneios de anca e arrasto de chinela, a sardinha gostosa e o carapau miúdo ou graúdo, para assar no carvão em tempo próprio aos alvores estivais, o safio, a tremelga, a moreia, o cação, a caneja, o tamboril e a raia, para caldeirar de modo vário e apaladado, a lagosta para escaldar, a dourada e o sargo para grelhar na brasa, o pargo rosa e rico para crepitar no forno, assado com batatinha, cebola, presunto, toucinho e chouriço, a pescada, a garoupa e o cherne para assar só até tostar ao de leve ou cozer com batatas e feijão verde, e cujas cabeças, chupadinhas ao limite, muitos consideram ser o manjar dos deuses.

Terra de tascas afamadas, de retiros que fizeram época, marisqueiras e restaurantes de clientela certa e segura, onde as gentes de trabalho rijo retemperam a força e o ânimo, os artistas buscam inquietação criativa, os privilegiados se deixam enredar pelo fascínio das origens populares, as tertúlias se anicham com os seus curiosos interesses e os visitantes são tocados pela graça cativante da Cidade, Lisboa será sempre um lugar inesperado de cheiros bons e frutados, de aromas quentes e diversos, de sabores apaladados ao gosto de quem sabe que estar à mesa, mais do que um acto de cultura, é uma glorificação do Homem e da Vida.

O Presidente da Câmara Municipal de Lisboa

Dr. João Soares

(Veja restaurantes de Lisboa)

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Apresentação Gastronómica do Concelho de Lisboa

Terra de "muitas e desvairadas gentes", no dizer do nosso cronista maior, Lisboa é não só espelho fiel do inventivo receituário nacional, aqui enriquecido por portugueses de todas as terras que nos são cardeais e colaterais, como é também resultado feliz do cruzamento das culturas que fomos enlaçando na esfera armilar e que, ao correr dos tempos, aportaram à capital com bagagem de cheiros e sabores. O universalismo multicultural dos lisboetas não os impediu, contudo, de cultivar os seus próprios particularismos na arte de tratar as coisas da boca e do estomâgo, com estágio obrigatório por alturas do nariz e dos olhos.

De outro modo não poderia ser, tais as dádivas prodigalizadas pela natureza e pelas gentes do sítio. Nas hortas arrabaldinas viçam os legumes, como as tenras hortaliças que hão-de amaciar os cozidos, ou o feijão, com tantos destinos culinários quantos os tipos que dele existem. Nos pomares vizinhos rebentam as peras para embebedar em aguardente e os limões para espremer no açúcar, entre muita outra fruta de estação diversa ("quem quer almoçaaaar? figuiiinho maduroooo!!"), tanta quantas as compotas a que dão origem. Dos terraços estuarinos chega o arroz descascado que, cozido sobre o refogado à medida da mão do cozinheiro, de tomate ou de grelos, vem alegrar com a sua companhia pastéis e pataniscas de bacalhau, petinga, jaquinzinhos e o que mais aprouver ao alfacinha.

O trigo escuro que espiga nos cabeços da Estremadura, moído ao capricho dos ventos marinhos, passa a massa benzida e, nos crepitantes fornos saloios, ganha forma, chiando baixinho, o pão de côdea estaladiça e fofo miolo. Nas quintas, até há pouco mesmo portas dentro, medra a ginja que será licor com ou sem elas e matura a uva de vinhedos solarengos, que o saber alquímico de alguns transformará, depois das sete voltas que o levam às úmbrias caves, em vinho quente e redondo. Nas azinhagas que volteiam as quintas, bordadas de amora silvestre, a azeitona sustem a respiração para o milagre do azeite dourado que há-de molhar o pão e o bacalhau.

Da banda de lá, a um salto de rio, leitões crescem no chiqueiro ou varam nos montados, para se fazerem à matança em promessas de febras marinadas com pimentão, iscas fritas na banha e com elas (as batatas) cozidas, coiratos e enchidos, tarde dentro de foguetório rijo. Por esses montados, coelhos e borrachinhos não logram enganar as batidas de caçadores experimentados e acabam estufados na caçarola, essa que não é menor herança árabe. Nas lonjuras da Lezíria, os bovinos mansos e o gado bravo, em intervalo de novilhada, partilham o fresco pasto da campina antes da precisão do cortador os servir lascados em bife ou costeleta, a que a inventiva lisboeta acrescentou molhos de fama e ingrediência variegada.

Da Arrábida fronteira, onde ovelhas apascentam na erva impregnada pelo alecrim, pelo rosmaninho e pelo cardo, e da Sintra à ilharga, onde vacas serenas incham à sombra dos pinheiros e dos castanheiros que bordejam os lameiros, prova Lisboa o queijo forte e a manteiga fresca posta ao luar, que os pasteleiros de Belém descobriram boa para cremar os folhados doces. E desse leite gordo, quantos doces não colhem paladares, enriquecidos com ovos de galinhas do campo, mel e açúcar? Leite-creme, arroz doce, suspiros, cavacas, pastéis diversos, pão-de-ló, num cardápio de que ninguém conhece o final...

No Tejo, as artes da pesca e o engenho dos homens colhem enguia para ensopar, sável, congro e linguadinho para fritar, robalinho para grelhar e ostra e camarão miúdo para servir ao natural. Das praias das cercanias vem o percebe e o mexilhão do Carnaval e da Quaresma ("érre, érre, meeexilhão!!"), a santola para servir cozida, a oferecer na casca aberta o saboroso "molho da caca", e o polvo, para refrescar as tardes de canícula em saladinha avinagrada.

Mais além, nas águas atlânticas, profundas de muitas braças, pescadores palmilham pesqueiros que só eles sabem para virem entregar às varinas, que outrora batiam as calçadas da Cidade em meneios de anca e arrasto de chinela, a sardinha gostosa e o carapau miúdo ou graúdo, para assar no carvão em tempo próprio aos alvores estivais, o safio, a tremelga, a moreia, o cação, a caneja, o tamboril e a raia, para caldeirar de modo vário e apaladado, a lagosta para escaldar, a dourada e o sargo para grelhar na brasa, o pargo rosa e rico para crepitar no forno, assado com batatinha, cebola, presunto, toucinho e chouriço, a pescada, a garoupa e o cherne para assar só até tostar ao de leve ou cozer com batatas e feijão verde, e cujas cabeças, chupadinhas ao limite, muitos consideram ser o manjar dos deuses.

Terra de tascas afamadas, de retiros que fizeram época, marisqueiras e restaurantes de clientela certa e segura, onde as gentes de trabalho rijo retemperam a força e o ânimo, os artistas buscam inquietação criativa, os privilegiados se deixam enredar pelo fascínio das origens populares, as tertúlias se anicham com os seus curiosos interesses e os visitantes são tocados pela graça cativante da Cidade, Lisboa será sempre um lugar inesperado de cheiros bons e frutados, de aromas quentes e diversos, de sabores apaladados ao gosto de quem sabe que estar à mesa, mais do que um acto de cultura, é uma glorificação do Homem e da Vida.

O Presidente da Câmara Municipal de Lisboa

Dr. João Soares

(Veja restaurantes de Lisboa)

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