Um ministro por entre os pingos da chuva

10-06-2003
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Um Ministro por Entre Os Pingos da Chuva

Por ISABEL BRAGA

Segunda-feira, 09 de Junho de 2003 O colectivo que julga o Caso Moderna, ao chamar Paulo Portas ao Tribunal de Monsanto, logo a seguir a João Soares, mostrou que não tem dois pesos e duas medidas no que toca ao tratamento das duas personalidades políticas mais envolvidas neste processo. Chamar um e outro, no entanto, só parece ter começado a perfilar-se nos horizontes do colectivo de juizes a partir do momento em que o escândalo da pedofilia se estendeu ao número dois do Partido Socialista, Paulo Pedroso. Com o país de olhos postos na forma como a justiça lida com a classe política, difícil seria aos magistrados que julgam o processo mais mediático dos últimos tempos sustentar que nada tinham a perguntar ao ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa e ao ministro do Estado e da Defesa Nacional sobre as relações pouco claras - e profusamente documentadas nos autos - que estabeleceram com os principais arguidos do Caso Moderna. Antes do escândalo da prisão preventiva de Paulo Pedroso levar o país a discutir a justiça que tem, outro factor, este interno ao processo, começara já a abrir caminho aos despachos chamando Soares e Portas ao tribunal, em 23 e 27 de Maio passados: o depoimento do ex-homem forte da Modena e principal arguido no processo, José Braga Gonçalves, fértil em pormenores sobre os factos da acusação relacionados com a actuação do líder do PP enquanto gerente da Amostra, em 1997 e 1998. A juiza presidente do colectivo, Manuela Barracosa, ainda começou por tentar conter José Braga Gonçalves, avisando-o, quando este se desdobrava em pormenores, de que nem a actuação de Paulo Portas nem o funcionamento da Amostra eram matéria em julgamento. Mas desistiu. Mais do que contradizer verbalmente as declarações de Paulo Portas, o filho mais velho do ex-reitor chamou a atenção para documentos incluídos nos autos que negam as suas declarações à Polícia Judiciária, ainda na fase do inquérito. Nessas declarações, o ministro justificou parte do dinheiro canalizado para a Amostra pela Dinensino como pagamentos de obras feitas pela empresa REMCO nas instalações do centro de sondagens. Os documentos citados por Braga Gonçalves demonstram que essas obras tinham sido feitas pela Engiarte e pagas directamente pela Dinensino. José Lampreia, gerente da Engiarte e também arguido no Caso Moderna, corrouborou estas afirmações com mais documentos e novos detalhes. Se esses documentos forem analisados e deles extraídas conclusões pelo tribunal, o líder do CDS-PP poderá ver-se envolvido num processo por perjúrio. Algo que não decorre automaticamente das muitas contradições entre o que Paulo Portas afirmou em dois depoimentos escritos e aquilo que disse José Braga Gonçalves. Isto porque, sendo este último arguido, pode mentir, se quiser. Do Ministério Público (MP), Paulo Portas não deve ter nada a recear hoje, depois de ter sido colocado a salvo de eventuais maçadas por um despacho prévio à acusação, em 28 de Setembro de 2000, que considerou que a Amostra - sociedade por quotas - apenas devia ser investigada pelo crime de "infidelidade administrativa". Mas, para isso, era preciso uma queixa dos ofendidos, ou seja, dos sócios da Amostra. Sendo eles José Bourbon Ribeiro e Nuno Gonçalves, duas pessoas da maior confiança pessoal de Portas, tudo ficou em águas de bacalhau. A João Soares, o MP reservou um tratamento mais duro, ao mandar investigar as relações entre a Moderna e a Câmara Municipal de Lisboa a que ele presidia. Há um inquérito em curso e o ex-autarca pode ver-se envolvido nele, apurou o PÚBLICO. O entendimento do MP relativamente ao envolvimento de Paulo Portas no Caso Moderna mostrou ser bem diferente do da Polícia Judiciária que, no seu relatório de investigação, em 28 de Junho de 2000, dedica 40 páginas às duas sociedades por ele geridas e financiadas pela Dinensino, a Amostra, e a Boas-Festa. Para a PJ, ambas são "extensões financeiras da Dinensino, concebidas por José Braga Gonçalves para, utilizando terceiros, dar origem a saídas financeiras da cooperativa e justificar pagamentos para a sua, de JBG, esfera privada, isto é, entre a Dinensino e a sua própria pessoa, JBG limita-se a colocar a Amostra e a Boas Festas, visando criar aparências de uma circulação legítima de dinheiro". A acusação do Ministério Público, assinada pelo procurador-adjunto Manuel Dores, dois meses depois, não fala na sociedade Boas Festas e remete todas as culpa para o filho mais velho de José Júlio Gonçalves e nenhuma a Paulo Portas. "Bastava uma ordem verbal de José B. Gonçalves para que, nas datas por si indicadas, fossem transferidos para a Amostra os montantes que bem lhe apetecesse", afirma o artigo 773 da acusação. Acusação que refere os nomes de todos quantos receberam carros da Dinensino, mesmo daqueles que nada mais tiveram a ver com o caso, mas omite qualquer referência ao Jaguar posto à disposição de Portas. Até hoje, neste processo, o ministro do Estado e da Defesa Nacional tem passado entre os pingos da chuva. E nada obsta a que tudo continue assim. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Portas no banco das testemunhas

Um ministro por entre os pingos da chuva

Dois depoimentos contraditórios

Um Ministro por Entre Os Pingos da Chuva

Por ISABEL BRAGA

Segunda-feira, 09 de Junho de 2003 O colectivo que julga o Caso Moderna, ao chamar Paulo Portas ao Tribunal de Monsanto, logo a seguir a João Soares, mostrou que não tem dois pesos e duas medidas no que toca ao tratamento das duas personalidades políticas mais envolvidas neste processo. Chamar um e outro, no entanto, só parece ter começado a perfilar-se nos horizontes do colectivo de juizes a partir do momento em que o escândalo da pedofilia se estendeu ao número dois do Partido Socialista, Paulo Pedroso. Com o país de olhos postos na forma como a justiça lida com a classe política, difícil seria aos magistrados que julgam o processo mais mediático dos últimos tempos sustentar que nada tinham a perguntar ao ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa e ao ministro do Estado e da Defesa Nacional sobre as relações pouco claras - e profusamente documentadas nos autos - que estabeleceram com os principais arguidos do Caso Moderna. Antes do escândalo da prisão preventiva de Paulo Pedroso levar o país a discutir a justiça que tem, outro factor, este interno ao processo, começara já a abrir caminho aos despachos chamando Soares e Portas ao tribunal, em 23 e 27 de Maio passados: o depoimento do ex-homem forte da Modena e principal arguido no processo, José Braga Gonçalves, fértil em pormenores sobre os factos da acusação relacionados com a actuação do líder do PP enquanto gerente da Amostra, em 1997 e 1998. A juiza presidente do colectivo, Manuela Barracosa, ainda começou por tentar conter José Braga Gonçalves, avisando-o, quando este se desdobrava em pormenores, de que nem a actuação de Paulo Portas nem o funcionamento da Amostra eram matéria em julgamento. Mas desistiu. Mais do que contradizer verbalmente as declarações de Paulo Portas, o filho mais velho do ex-reitor chamou a atenção para documentos incluídos nos autos que negam as suas declarações à Polícia Judiciária, ainda na fase do inquérito. Nessas declarações, o ministro justificou parte do dinheiro canalizado para a Amostra pela Dinensino como pagamentos de obras feitas pela empresa REMCO nas instalações do centro de sondagens. Os documentos citados por Braga Gonçalves demonstram que essas obras tinham sido feitas pela Engiarte e pagas directamente pela Dinensino. José Lampreia, gerente da Engiarte e também arguido no Caso Moderna, corrouborou estas afirmações com mais documentos e novos detalhes. Se esses documentos forem analisados e deles extraídas conclusões pelo tribunal, o líder do CDS-PP poderá ver-se envolvido num processo por perjúrio. Algo que não decorre automaticamente das muitas contradições entre o que Paulo Portas afirmou em dois depoimentos escritos e aquilo que disse José Braga Gonçalves. Isto porque, sendo este último arguido, pode mentir, se quiser. Do Ministério Público (MP), Paulo Portas não deve ter nada a recear hoje, depois de ter sido colocado a salvo de eventuais maçadas por um despacho prévio à acusação, em 28 de Setembro de 2000, que considerou que a Amostra - sociedade por quotas - apenas devia ser investigada pelo crime de "infidelidade administrativa". Mas, para isso, era preciso uma queixa dos ofendidos, ou seja, dos sócios da Amostra. Sendo eles José Bourbon Ribeiro e Nuno Gonçalves, duas pessoas da maior confiança pessoal de Portas, tudo ficou em águas de bacalhau. A João Soares, o MP reservou um tratamento mais duro, ao mandar investigar as relações entre a Moderna e a Câmara Municipal de Lisboa a que ele presidia. Há um inquérito em curso e o ex-autarca pode ver-se envolvido nele, apurou o PÚBLICO. O entendimento do MP relativamente ao envolvimento de Paulo Portas no Caso Moderna mostrou ser bem diferente do da Polícia Judiciária que, no seu relatório de investigação, em 28 de Junho de 2000, dedica 40 páginas às duas sociedades por ele geridas e financiadas pela Dinensino, a Amostra, e a Boas-Festa. Para a PJ, ambas são "extensões financeiras da Dinensino, concebidas por José Braga Gonçalves para, utilizando terceiros, dar origem a saídas financeiras da cooperativa e justificar pagamentos para a sua, de JBG, esfera privada, isto é, entre a Dinensino e a sua própria pessoa, JBG limita-se a colocar a Amostra e a Boas Festas, visando criar aparências de uma circulação legítima de dinheiro". A acusação do Ministério Público, assinada pelo procurador-adjunto Manuel Dores, dois meses depois, não fala na sociedade Boas Festas e remete todas as culpa para o filho mais velho de José Júlio Gonçalves e nenhuma a Paulo Portas. "Bastava uma ordem verbal de José B. Gonçalves para que, nas datas por si indicadas, fossem transferidos para a Amostra os montantes que bem lhe apetecesse", afirma o artigo 773 da acusação. Acusação que refere os nomes de todos quantos receberam carros da Dinensino, mesmo daqueles que nada mais tiveram a ver com o caso, mas omite qualquer referência ao Jaguar posto à disposição de Portas. Até hoje, neste processo, o ministro do Estado e da Defesa Nacional tem passado entre os pingos da chuva. E nada obsta a que tudo continue assim. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Portas no banco das testemunhas

Um ministro por entre os pingos da chuva

Dois depoimentos contraditórios

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