Público TV

13-12-2004
marcar artigo

Que maravilha polemizar com Eduardo Prado Coelho! É o nosso melhor polemista. Mas são debates com problemas graves para "o outro". Primeiro, EPC tem sempre a última palavra. O que quer que se debata, ele vence o diálogo não pela técnica do "knock out" mas pela dos "rounds" sucessivos. O segundo problema é que, dominando as técnicas da escrita e da argumentação com uma facilidade extraordinária, ele dá a volta da retórica a qualquer facto indesmentível. O texto em que respondeu ao meu artigo da semana passada era tão eficaz que eu mesmo me convenci de que escrevi o que não escrevi, defendo o que não defendo e sou o que não sou. O texto pôs-me a reflectir sobre o lugar de EPC no mundo do comentário jornalístico: não corre ele o risco de os leitores entenderem que sob o estilo tremendamente cativante há um percurso ziguezagueante de ideias e fugas aos factos? E que ele sacrifica o conteúdo ao seu prazer da escrita? Quer dizer, por vezes lemos EPC não tanto pelas ideias mas apenas pelo prazer da leitura. Ler é bom, mas o espaço público é mais que isso. Na semana passada critiquei-lhe ter ignorado que há um número significativo de horas na Dois realizadas com os parceiros da sociedade civil, o que corresponde a uma revolução conceptual (ou ruptura epistemológica) do serviço público de TV em Portugal. EPC responde com Hegel e eu logo deduzo que ele gosta de Hegel mas não da sociedade civil de que Hegel fala. E das alturas de Hegel (e poderia ter citado Locke, Rousseau, Tocqueville...) desce para descrever as minhas ideias sobre o que deveria ser o canal sucessor da RTP2 como um projecto "abissalmente" diferente do que está agora no ar. Essas ideias desenvolvi-as há ano e meio no artigo "O Outro Canal" (PÚBLICO 17.06.2002) e não há nada que seja "abissalmente" diferente do modelo actualmente desenvolvido pela Dois. EPC inventou-me um passado que não tenho. E embrulhou a invenção com mimos que na prosa dele saem geralmente graciosos: ele arranja-me um "pendor populista" vagueando entre "um radicalismo de esquerda e um anarquismo de direita", atribui-me ideias que considera "disparates" ou "banalidades" e, com uma ternura que agradeço, atribui-me uns "êxtases... um pouco cândidos" que se inscrevem na sua retórica paternalista. Mas o que acho mais graça e levemente irónico é que defina o projecto que expus no PÚBLICO como uma "salgalhada 'expressiva'". E acho graça porque a "salgalhada 'expressiva'" é precisamente o que EPC agora, nestes mesmos artigos, considera uma boa solução. É extraordinária esta inversão do discurso pradístico. Quem mudou foi ele, não fui eu. Agora, EPC acha a "salgalhada 'expressiva'" cheia de potencialidades, mas pretende que é diferente do que eu defendi e próximo do que ele defende. Note-se que EPC elogia a Dois, canal que, dentro de dois meses terá um terço (sim, um terço) da sua programação total realizado em parceria com organizações da sociedade civil. Um terço da Dois está nas mãos da Dona Arminda! Socorro! Que Prado Coelho se queira aproximar do modelo da Dois que eu defendo e teça rasgados elogios ao seu director e ao ministro é lá com ele. Mas já agora que não apresente a Dois como um modelo com que ele sempre se teria identificado. Eu não sou nem quero ser "pai" da Dois, era só o que me faltava. Projectos destes são colectivos, têm muitos pais e mães. De qualquer forma, o seu a seu dono. Não queira você, caro Eduardo Prado Coelho, ser pai da actual Dois por inseminação artificial. Mas, enfim, aceito o meu destino: deixo-lhe a última palavra. Aproveite-a bem, mas, já agora, mantenha-se um pouco mais próximo dos factos. * * * Com o arranque da Dois e o aniversário da SIC Notícias completou-se uma reviravolta na programação nacional de TV portuguesa: nunca houve tantos programas de debate e entrevista. Além dos "talk-shows" - espaços legítimos para conversa e troca de ideias - há agora inúmeros programas informativos, de jornalistas. Numa noite, Prós e Contras na RTP1, Parlamento na Dois, Fórum Regional na NTV e painel de comentadores na SIC-N. Na noite seguinte, Conselho de Estado na Dois, Duelo Imprevisto na SIC-N e Amadores na NTV. E, na noite seguinte, Estado da Nação na RTP1, Livro Aberto da NTV e a sequência tipo "best of" da SIC Notícias: entrevista a um ex-dirigente político (Freitas do Amaral), frente a frente com o regressado João Cravinho e o ex-dirigente político Ângelo Correia, entrevista com Luís Figo, estreia da Quadratura do Círculo e um Expresso da Meia-Noite especial, de alto nível, com quatro experientes jornalistas entrevistando o primeiro-ministro sobre política internacional, matéria que raramente consegue protagonismo. Compare-se esta abundância de entrevistas e debates, de grande diversidade temática e pluralismo de vozes, com o que se passava há apenas dois anos. Na altura critiquei mais do que uma vez o anterior Governo e a então administração da RTP (talvez a pior de sempre) pelo que considerei ser uma opção deliberada de reduzir ao mínimo dos mínimos o debate dos temas nacionais no espaço televisivo público. Neste campo estamos hoje muito melhor. A existência de mais debate é vantajosa para todos, não só para os cidadãos em geral, como até para os partidos da oposição. A diferença entre o panorama actual e o de há dois anos tem muito a ver com a nova forma da TV pública (RTP1, Dois, NTV) de participar no debate dos temas nacionais e internacionais, que se distingue da do consulado Guterres-Coelho por não ter uma orientação de propaganda governamental e de exclusão do debate. Este Governo poderá ter todos os defeitos que lhe apontam a oposição e os comentadores, mas no campo da comunicação da sua acção estamos muito melhor. Não só a propaganda está mitigada como não há sequer uma política comunicacional articulada do Governo, o que, devendo-se a um acaso — a inoperância do secretário de Estado da tutela, José Arantes —, acaba por ser uma novidade interessante da política do país. Os écrãs ficam mais limpos. Mas a existência de muitos debates na TV também se deve ao facto singelo de ser mais barato pôr "talking heads" horas a fio do que outro tipo de programas, com custos de produção maiores. A ficção está reduzida às novelas e "sitcoms" bacocas. No jornalismo, a SIC acabou agora com os seus últimos programas de informação não-diária. A TVI não os tem há que tempos. No geral, há poucas reportagens longas. Documentários portugueses? Zero. E o fluxo geral do canal noticioso da SIC? Se não lhe faltam bons programas de debate e entrevista, a que agora se junta a Quadratura do Círculo, há uma coisa que cada vez mais falta à SIC Notícias: notícias.

Que maravilha polemizar com Eduardo Prado Coelho! É o nosso melhor polemista. Mas são debates com problemas graves para "o outro". Primeiro, EPC tem sempre a última palavra. O que quer que se debata, ele vence o diálogo não pela técnica do "knock out" mas pela dos "rounds" sucessivos. O segundo problema é que, dominando as técnicas da escrita e da argumentação com uma facilidade extraordinária, ele dá a volta da retórica a qualquer facto indesmentível. O texto em que respondeu ao meu artigo da semana passada era tão eficaz que eu mesmo me convenci de que escrevi o que não escrevi, defendo o que não defendo e sou o que não sou. O texto pôs-me a reflectir sobre o lugar de EPC no mundo do comentário jornalístico: não corre ele o risco de os leitores entenderem que sob o estilo tremendamente cativante há um percurso ziguezagueante de ideias e fugas aos factos? E que ele sacrifica o conteúdo ao seu prazer da escrita? Quer dizer, por vezes lemos EPC não tanto pelas ideias mas apenas pelo prazer da leitura. Ler é bom, mas o espaço público é mais que isso. Na semana passada critiquei-lhe ter ignorado que há um número significativo de horas na Dois realizadas com os parceiros da sociedade civil, o que corresponde a uma revolução conceptual (ou ruptura epistemológica) do serviço público de TV em Portugal. EPC responde com Hegel e eu logo deduzo que ele gosta de Hegel mas não da sociedade civil de que Hegel fala. E das alturas de Hegel (e poderia ter citado Locke, Rousseau, Tocqueville...) desce para descrever as minhas ideias sobre o que deveria ser o canal sucessor da RTP2 como um projecto "abissalmente" diferente do que está agora no ar. Essas ideias desenvolvi-as há ano e meio no artigo "O Outro Canal" (PÚBLICO 17.06.2002) e não há nada que seja "abissalmente" diferente do modelo actualmente desenvolvido pela Dois. EPC inventou-me um passado que não tenho. E embrulhou a invenção com mimos que na prosa dele saem geralmente graciosos: ele arranja-me um "pendor populista" vagueando entre "um radicalismo de esquerda e um anarquismo de direita", atribui-me ideias que considera "disparates" ou "banalidades" e, com uma ternura que agradeço, atribui-me uns "êxtases... um pouco cândidos" que se inscrevem na sua retórica paternalista. Mas o que acho mais graça e levemente irónico é que defina o projecto que expus no PÚBLICO como uma "salgalhada 'expressiva'". E acho graça porque a "salgalhada 'expressiva'" é precisamente o que EPC agora, nestes mesmos artigos, considera uma boa solução. É extraordinária esta inversão do discurso pradístico. Quem mudou foi ele, não fui eu. Agora, EPC acha a "salgalhada 'expressiva'" cheia de potencialidades, mas pretende que é diferente do que eu defendi e próximo do que ele defende. Note-se que EPC elogia a Dois, canal que, dentro de dois meses terá um terço (sim, um terço) da sua programação total realizado em parceria com organizações da sociedade civil. Um terço da Dois está nas mãos da Dona Arminda! Socorro! Que Prado Coelho se queira aproximar do modelo da Dois que eu defendo e teça rasgados elogios ao seu director e ao ministro é lá com ele. Mas já agora que não apresente a Dois como um modelo com que ele sempre se teria identificado. Eu não sou nem quero ser "pai" da Dois, era só o que me faltava. Projectos destes são colectivos, têm muitos pais e mães. De qualquer forma, o seu a seu dono. Não queira você, caro Eduardo Prado Coelho, ser pai da actual Dois por inseminação artificial. Mas, enfim, aceito o meu destino: deixo-lhe a última palavra. Aproveite-a bem, mas, já agora, mantenha-se um pouco mais próximo dos factos. * * * Com o arranque da Dois e o aniversário da SIC Notícias completou-se uma reviravolta na programação nacional de TV portuguesa: nunca houve tantos programas de debate e entrevista. Além dos "talk-shows" - espaços legítimos para conversa e troca de ideias - há agora inúmeros programas informativos, de jornalistas. Numa noite, Prós e Contras na RTP1, Parlamento na Dois, Fórum Regional na NTV e painel de comentadores na SIC-N. Na noite seguinte, Conselho de Estado na Dois, Duelo Imprevisto na SIC-N e Amadores na NTV. E, na noite seguinte, Estado da Nação na RTP1, Livro Aberto da NTV e a sequência tipo "best of" da SIC Notícias: entrevista a um ex-dirigente político (Freitas do Amaral), frente a frente com o regressado João Cravinho e o ex-dirigente político Ângelo Correia, entrevista com Luís Figo, estreia da Quadratura do Círculo e um Expresso da Meia-Noite especial, de alto nível, com quatro experientes jornalistas entrevistando o primeiro-ministro sobre política internacional, matéria que raramente consegue protagonismo. Compare-se esta abundância de entrevistas e debates, de grande diversidade temática e pluralismo de vozes, com o que se passava há apenas dois anos. Na altura critiquei mais do que uma vez o anterior Governo e a então administração da RTP (talvez a pior de sempre) pelo que considerei ser uma opção deliberada de reduzir ao mínimo dos mínimos o debate dos temas nacionais no espaço televisivo público. Neste campo estamos hoje muito melhor. A existência de mais debate é vantajosa para todos, não só para os cidadãos em geral, como até para os partidos da oposição. A diferença entre o panorama actual e o de há dois anos tem muito a ver com a nova forma da TV pública (RTP1, Dois, NTV) de participar no debate dos temas nacionais e internacionais, que se distingue da do consulado Guterres-Coelho por não ter uma orientação de propaganda governamental e de exclusão do debate. Este Governo poderá ter todos os defeitos que lhe apontam a oposição e os comentadores, mas no campo da comunicação da sua acção estamos muito melhor. Não só a propaganda está mitigada como não há sequer uma política comunicacional articulada do Governo, o que, devendo-se a um acaso — a inoperância do secretário de Estado da tutela, José Arantes —, acaba por ser uma novidade interessante da política do país. Os écrãs ficam mais limpos. Mas a existência de muitos debates na TV também se deve ao facto singelo de ser mais barato pôr "talking heads" horas a fio do que outro tipo de programas, com custos de produção maiores. A ficção está reduzida às novelas e "sitcoms" bacocas. No jornalismo, a SIC acabou agora com os seus últimos programas de informação não-diária. A TVI não os tem há que tempos. No geral, há poucas reportagens longas. Documentários portugueses? Zero. E o fluxo geral do canal noticioso da SIC? Se não lhe faltam bons programas de debate e entrevista, a que agora se junta a Quadratura do Círculo, há uma coisa que cada vez mais falta à SIC Notícias: notícias.

marcar artigo