É mais fácil descentralizar outras entidades nacionais que não os ministérios MANUEL PORTO

03-08-2004
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É Mais Fácil Descentralizar Outras Entidades Nacionais Que Não Os Ministérios MANUEL PORTO

Domingo, 18 de Julho de 2004 %Luísa Pinto e Fotografia: Sérgio Azenha P. - O que é que significa a capital de um país? E para que serve sem Ministérios? A ideia de que é preciso uma capital populosa está ultrapassada. Alguns dos países mais dinâmicos e de maior bem-estar na Europa têm capitais que não são sequer as cidades maiores. É o caso da Holanda e da Suiça, portanto estou a falar dos mais prósperos. É natural que se aceda mais à unidade quando não há uma diferença tão grande entre a capital e o resto do país. Um país equilibrado tem menos custos, nas chamadas economias externas, e leva naturalmente a um sentimento de união maior porque não há um tão grande desequilíbrio. P. - Nessa definição, Portugal não é equilibrado. É desequilibradíssimo. E é por isso que tudo o que possa ser feito no sentido de um maior equilíbrio, e de aproximar o país e reforçar o sentimento nacional no melhor sentido só pode ser visto com bons olhos. O importante é que deixe de haver aquele complexo de que há um favorecimento da capital em desfavor do país... Quando há uma razão histórica como a que levou em Portugal a uma grande concentração em Lisboa, apenas atenuada com o Porto, penso que é desejável que se façam esforços para que apareçam outros pólos de crescimento. E é desejável por razões de eficácia económica e de gestão, mas também no sentido de os cidadãos sentirem o seu país coeso. P. - Nessa perspectiva, o anúncio do novo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes de deslocar ministérios e secretarias de Estado para outras zonas do país é bem-vindo. Sim, claro. Embora tenha dúvidas que venham a ser concretizados. Mas estas medidas viriam trazer, por um lado, eficácia económica e equilíbrio urbanístico e por outro lado afastam o sentimento de desigualdade entre um centro privilegiado e o resto do país que não se sente participante P. - Porque é que duvida que venha a ser concretizado? Defende a medida ou não? É preciso haver cautelas, haver uma ponderação cuidada e avaliar as ineficácias que podem trazer essas medidas, sobretudo quanto à organização dos trabalhos. Mas onde não tenho dúvidas é que só há vantagens, e nenhum inconveniente, em que entidades de âmbito nacional sejam localizadas noutras cidades fora de Lisboa. Por exemplo acho um erro histórico que o Tribunal Constitucional não tenha ficado em Coimbra, ou que outras entidades não tenham ficado noutras cidades. P. - Defende mais a descentralização de serviços externos ao Estado do que a deslocalização de ministérios Defendo que as entidades de âmbito nacional devem estar fora da capital. Por razões, novamente, de equilíbrio urbanístico, e de motivação para todos se sentirem por igual participantes nas questões de âmbito nacional. É também por isso que a ideia do novo primeiro-ministro me merece simpatia. Mas é mais fácil começar por outras entidades. Por exemplo, só vi vantagens no facto de o Centro de Estudos de Formação Autárquica ter sido implantado em Coimbra. Como vejo vantagem que outros institutos de cariz tecnológico e científico estejam em são João da Madeira ou no Porto, em Évora ou em Viseu. Isso tem sido feito. Há muitas coisas de âmbito nacional que estão fora de Lisboa, assim como há muitas vantagens que certos departamentos estejam desconcentrados e tenham valências em diferentes sítios. P. - Mas ao mesmo tempo pretende-se esvaziar as delegações regionais do Instituto Nacional de Estatística (INE). Essa medida não tem sentido nenhum. O que foi sugerido - e que ainda se receia, aliás - é que tudo o que é massa crítica do INE se concentre em Lisboa, retirando pessoal qualificado do Porto, de Coimbra, de Évora e de Faro. De facto não faz sentido avançar com a proposta de desconcentração dos ministérios e ao mesmo tempo fazer avançar a reestruturação do INE, pelo menos nos moldes em que está ameaçado. Porque o INE é dos melhores exemplos de como se pode fazer as coisas. P. - Qual será o melhor critério, então, para definir os organismos que devem ser desconcentrados ou descentralizados? Quando há certas tarefas que não se justifica estarem a ser desdobradas, o que tem sentido é que sejam feitas, na íntegra, em lugares diversos. Faz todo o sentido que determinados estudos do INE, ou certas recolhas estatísticas, sejam feitas no Porto, que as de Turismo sejam feitas em Faro e que em Coimbra se façam as estatísticas das contas nacionais públicas. Não é verdade, como muita gente pensa, que concentrar a massa crítica num só local faz aumentar a eficácia. A concorrência, mesmo geográfica, é um estímulo a que se tente fazer o melhor possível, para hajam trabalhos de investigação de qualidade mais elevada, feitos em pólos diferentes. P. - E mudar um Ministério de sítio, sem mais nada, pode fazer alguma diferença? Isto é, se os cidadãos continuarem a necessitar todos de esperar pelo Ministro, tanto faz que ele esteja no Terreiro do Paço, em Lisboa, na Boavista, no Porto, ou na rua da Sofia, em Coimbra. Aí podemos introduzir outra premissa importante: quanto menos Estado melhor. Quando o Estado intervém, havendo privados que podiam desempenhar esse papel da melhor maneira, estamos a obrigar toda a população a uma carga tributária que pode ser desnecessária, e que, não me canso de repetir, é feita à custa do pobre e não do rico. Há tarefas e preocupações que devem ser atribuídas exclusivamente ao Estado como a segurança ou a justiça, mas há outras que não. O que é impensável é não ter acesso aos serviços. Pague quem pode, para que o Estado esteja preparado para pagar a quem não pode. Isso é que é justiça social, e não estar a oferecer bens públicos aos ricos. Defendo o serviço publico universal, contínuo e de boa qualidade, que onere pouco o pobre na medida do possível. P. - Mas vamos descer ao pormenor das propostas apresentadas pelo primeiro ministro indigitado. Ministério da Economia para o Porto, Secretaria de Estado do Turismo para o Algarve, e Ministério da Agricultura para Santarém. Eu juntaria à lista Coimbra, para receber os ministérios da Educação ou da Saúde. P. - Mas qual é o critério? Um ministério por distrito? O critério é o da vocação que já tem cada uma das terras. Não falei com Santana Lopes, mas imagino que quando fez essa sugestão deve ter pensado no Ministério da Economia no Porto pela dinâmica grande que tem a cidade em termos de pequenas e médias indústrias; na secretaria de Estado no Algarve, por ser a zona mais turística do país; e em Santarém, por ser uma zona grande, onde é feita a feira da agricultura... P. - Mas essas cidades não têm o exclusivo da vocação que lhes está a atribuir. Por exemplo, porque é que a Agricultura deve ir para Santarém e não para Beja ou para o Barroso? Eu sou completamente insensível a esses argumentos, e ao de que pode dar origem a clivagens entre as cidades. Tudo depende da vocação de cada região, e a única coisa que se pode dizer é que quem não tem vocação nenhuma para ter o Ministério da Agricultura é Lisboa. O centralismo português já conseguiu que houvesse mais pessoal em Lisboa, e no Ministério de Agricultura, do que em toda Comissão Europeia. E ainda falam da burocracia de Bruxelas. P. - O Ministério da Agricultura é dos que tem mais serviços descentralizados, com as direcções regionais. Essa gente deve estar junto dos campos, a dar apoio aos agricultores. E não a despachar papeis, atrás de uma secretária, sem ver uma planta durante o ano todo... P. - Mas então concorda que há mais procedimentos a mudar. Não basta atentar no espaço físico ou na localização geográfica... Vejo mais facilidade em aliviar a administração pública em geral e a dar mais espaço à intervenção privada. Sou cada vez mais a favor de um Estado forte e eficiente, mas não é para que ele, cada vez mais, pese no erário público. P. - Estas transferências também são apontadas como um custo pesado para o erário público. Os titulares das pastas das três secretarias de Estado que já funcionaram no Porto - Habitação e Urbanismo, Fomento Cooperativo e Emprego - apontaram os elevados custos e os baixos resultados. Talvez por isso a experiência só tenha durado seis meses. Sou amigo das três pessoas que titularam essas pastas [Fernando Gomes, Mesquita Machado e Rui Barradas do Amaral] mas sei que o que acham depende da cor partidária a que pertencem. P. - Não é sensível aos argumentos de que há um acréscimo de custos significativo? Mas pode haver um alívio da pressão urbanística. A medida vai aliviar Lisboa, que tem uma pressão enorme. Temos de contabilizar os custos todos. Mas sou tão sensível a esses argumentos que insisto na minha tese: eu retirava de Lisboa mais depressa outro tipo de instituições. P. - O que mudou de significativo em Portugal, para que a experiência não voltasse a ser negativa? Porque não foram só os custos, mas também a quase impraticabilidade da gestão. É o aludido e-government que muda tudo? Ajuda. Eu compreendo que à partida pareça difícil a organização das coisas, admito que haja custos, mas vejo muitas virtudes nessa ideia. O que sei é que ela também está intimamente ligada a uma outra coisa muito importante, e que precisa de alterações: uma nova filosofia do sistema de transportes português. P. - Como assim? Temos de deixar de ser paroquiais e ver só a própria terra. Temos de ter a noção da dimensão do país e da articulação que deve ter. Volto a citar a Holanda e da Suiça, que são a minha inveja. Para além de terem capitais pequeninas, tem um caminho de ferro admirável que serve a rede ferroviária toda. Portugal tem uma implantação geográfica que favorece um bom sistema de transportes rápidos - e não há meio termos, sou a favor do TGV - que ligue Braga a Setúbal, a única grande área metropolitana do país. P. - E o interior? Pode estranhar, mas uma rede de transportes assim organizada vai promover o interior, porque ele é a ligação natural a Espanha. A nossa ligação com a economia espanhola é estreitíssima, goste-se ou não. Mais vale potenciá-la e levar aos poucos a uma dinamização dos centros do interior, pela sua localização, como é evidente. P. - Acredita que os ministérios vão ser transferidos, ou entende que não vai passar de um anúncio de intenções. Só posso dizer que acho a intenção boa. Mas deve ser encarada com alguma cautela e merece ponderação. Mas para corresponder à filosofia, que não só concordo como defendo, acho que deve começar-se já com casos inquestionáveis: começar a colocar serviços nacionais fora da capital, e imediatamente reforçar as estruturas regionais. P. - Portanto não seguiria a estratégia que defendeu Santana Lopes? Faria de outra maneira, mas concordando totalmente com a filosofia. Até em termos de reforço do sentimento patriótico, no sentido de todos se sentirem participantes num projecto nacional. Como? Localizando serviços de alta valia em vários zonas do território. P. - Para que é preciso uma capital, então? A capital está lá, temos orgulho nela, mas não precisa de ser aglutinadora. O orgulho numa capital não resulta do facto de ela ter 20 ou 30 por cento da população. Nos países em que não é assim, o orgulho existe, mas não há a sensação de que ela prejudica as outras zonas do país. PERFIL Mais militante no território do que no partido É "coimbrão" assumido, tem orgulho das raízes dos pais alentejanos, e tem uma visão do território português, do seu planeamento e do seu sistema de transportes que nem sempre está em sintonia com os titulares das pastas nomeados pelo partido que integra, o PSD, e pelo qual foi eleito para presidir, actualmente, à Assembleia Municipal de Coimbra. Manuel Porto, com 61 anos, que foi eurodeputado, é mais fiel a políticas do que a partidos e, talvez por isso, entre dois ex-ministros das obras públicas, está mais próximo de João Cravinho, do PS, do que de Carmona Rodrigues, do PSD. Mas isto só em matéria de traçado de alta velocidade, porque em outras matérias, como as auto-estradas sem custos para o utilizador, as aproximações fazem-se no sentido inverso. Mas o exemplo serve para demonstrar que o também presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, instituição onde se formou, em 1965, não olha ao partido para tomar posições, mas forma convicções nos estudos que desenvolve na matéria, deixando sobressair o cariz académico em detrimento das lutas partidárias. As áreas de eleição de Manuel Porto vão para as questões de urbanismo, planeamento, ordenamento do território. Na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra é o responsável pelo centro de Estudos de Direito do Ordenamento, Urbanismo e Ambiente, e foi também técnico do Gabinete de Estudos e Planeamento dos Transportes Terrestres, do Ministério dos Transportes. Tem mais de uma centena de trabalhos em diferentes domínios como os do comércio internacional, da integração europeia, do desenvolvimento regional e da política fiscal. Participou ainda em reuniões científicas internacionais em instituições como o Banco Mundial (liberalização do comércio e políticas de ajustamento), a OCDE (políticas de emprego), o Conselho da Europa (políticas de emigração) e a Comissão Europeia (comércio intra-industrial). OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

Ficheiros secretos à portuguesa

Glossário

É mais fácil descentralizar outras entidades nacionais que não os ministérios MANUEL PORTO

Etic

Aniversário

Pedro Santana Lopes

Os dias de Santana Lopes em Alvalade

Joaquim Benite

O homem que tinha uma prisão privada

As indomáveis irmãs Bush

Subcultura

Pelos cabelos

Atletas de Verão

Jóias nos olhos

Banhos com areia limpa

Leite coalhado

Espetadas de borrego com arroz de pinhão

CRÓNICAS

O problema da habitação

Index

CARTAS DA MAYA

Cartas da Maya

DESAFIOS

As idades do avô e do neto

É Mais Fácil Descentralizar Outras Entidades Nacionais Que Não Os Ministérios MANUEL PORTO

Domingo, 18 de Julho de 2004 %Luísa Pinto e Fotografia: Sérgio Azenha P. - O que é que significa a capital de um país? E para que serve sem Ministérios? A ideia de que é preciso uma capital populosa está ultrapassada. Alguns dos países mais dinâmicos e de maior bem-estar na Europa têm capitais que não são sequer as cidades maiores. É o caso da Holanda e da Suiça, portanto estou a falar dos mais prósperos. É natural que se aceda mais à unidade quando não há uma diferença tão grande entre a capital e o resto do país. Um país equilibrado tem menos custos, nas chamadas economias externas, e leva naturalmente a um sentimento de união maior porque não há um tão grande desequilíbrio. P. - Nessa definição, Portugal não é equilibrado. É desequilibradíssimo. E é por isso que tudo o que possa ser feito no sentido de um maior equilíbrio, e de aproximar o país e reforçar o sentimento nacional no melhor sentido só pode ser visto com bons olhos. O importante é que deixe de haver aquele complexo de que há um favorecimento da capital em desfavor do país... Quando há uma razão histórica como a que levou em Portugal a uma grande concentração em Lisboa, apenas atenuada com o Porto, penso que é desejável que se façam esforços para que apareçam outros pólos de crescimento. E é desejável por razões de eficácia económica e de gestão, mas também no sentido de os cidadãos sentirem o seu país coeso. P. - Nessa perspectiva, o anúncio do novo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes de deslocar ministérios e secretarias de Estado para outras zonas do país é bem-vindo. Sim, claro. Embora tenha dúvidas que venham a ser concretizados. Mas estas medidas viriam trazer, por um lado, eficácia económica e equilíbrio urbanístico e por outro lado afastam o sentimento de desigualdade entre um centro privilegiado e o resto do país que não se sente participante P. - Porque é que duvida que venha a ser concretizado? Defende a medida ou não? É preciso haver cautelas, haver uma ponderação cuidada e avaliar as ineficácias que podem trazer essas medidas, sobretudo quanto à organização dos trabalhos. Mas onde não tenho dúvidas é que só há vantagens, e nenhum inconveniente, em que entidades de âmbito nacional sejam localizadas noutras cidades fora de Lisboa. Por exemplo acho um erro histórico que o Tribunal Constitucional não tenha ficado em Coimbra, ou que outras entidades não tenham ficado noutras cidades. P. - Defende mais a descentralização de serviços externos ao Estado do que a deslocalização de ministérios Defendo que as entidades de âmbito nacional devem estar fora da capital. Por razões, novamente, de equilíbrio urbanístico, e de motivação para todos se sentirem por igual participantes nas questões de âmbito nacional. É também por isso que a ideia do novo primeiro-ministro me merece simpatia. Mas é mais fácil começar por outras entidades. Por exemplo, só vi vantagens no facto de o Centro de Estudos de Formação Autárquica ter sido implantado em Coimbra. Como vejo vantagem que outros institutos de cariz tecnológico e científico estejam em são João da Madeira ou no Porto, em Évora ou em Viseu. Isso tem sido feito. Há muitas coisas de âmbito nacional que estão fora de Lisboa, assim como há muitas vantagens que certos departamentos estejam desconcentrados e tenham valências em diferentes sítios. P. - Mas ao mesmo tempo pretende-se esvaziar as delegações regionais do Instituto Nacional de Estatística (INE). Essa medida não tem sentido nenhum. O que foi sugerido - e que ainda se receia, aliás - é que tudo o que é massa crítica do INE se concentre em Lisboa, retirando pessoal qualificado do Porto, de Coimbra, de Évora e de Faro. De facto não faz sentido avançar com a proposta de desconcentração dos ministérios e ao mesmo tempo fazer avançar a reestruturação do INE, pelo menos nos moldes em que está ameaçado. Porque o INE é dos melhores exemplos de como se pode fazer as coisas. P. - Qual será o melhor critério, então, para definir os organismos que devem ser desconcentrados ou descentralizados? Quando há certas tarefas que não se justifica estarem a ser desdobradas, o que tem sentido é que sejam feitas, na íntegra, em lugares diversos. Faz todo o sentido que determinados estudos do INE, ou certas recolhas estatísticas, sejam feitas no Porto, que as de Turismo sejam feitas em Faro e que em Coimbra se façam as estatísticas das contas nacionais públicas. Não é verdade, como muita gente pensa, que concentrar a massa crítica num só local faz aumentar a eficácia. A concorrência, mesmo geográfica, é um estímulo a que se tente fazer o melhor possível, para hajam trabalhos de investigação de qualidade mais elevada, feitos em pólos diferentes. P. - E mudar um Ministério de sítio, sem mais nada, pode fazer alguma diferença? Isto é, se os cidadãos continuarem a necessitar todos de esperar pelo Ministro, tanto faz que ele esteja no Terreiro do Paço, em Lisboa, na Boavista, no Porto, ou na rua da Sofia, em Coimbra. Aí podemos introduzir outra premissa importante: quanto menos Estado melhor. Quando o Estado intervém, havendo privados que podiam desempenhar esse papel da melhor maneira, estamos a obrigar toda a população a uma carga tributária que pode ser desnecessária, e que, não me canso de repetir, é feita à custa do pobre e não do rico. Há tarefas e preocupações que devem ser atribuídas exclusivamente ao Estado como a segurança ou a justiça, mas há outras que não. O que é impensável é não ter acesso aos serviços. Pague quem pode, para que o Estado esteja preparado para pagar a quem não pode. Isso é que é justiça social, e não estar a oferecer bens públicos aos ricos. Defendo o serviço publico universal, contínuo e de boa qualidade, que onere pouco o pobre na medida do possível. P. - Mas vamos descer ao pormenor das propostas apresentadas pelo primeiro ministro indigitado. Ministério da Economia para o Porto, Secretaria de Estado do Turismo para o Algarve, e Ministério da Agricultura para Santarém. Eu juntaria à lista Coimbra, para receber os ministérios da Educação ou da Saúde. P. - Mas qual é o critério? Um ministério por distrito? O critério é o da vocação que já tem cada uma das terras. Não falei com Santana Lopes, mas imagino que quando fez essa sugestão deve ter pensado no Ministério da Economia no Porto pela dinâmica grande que tem a cidade em termos de pequenas e médias indústrias; na secretaria de Estado no Algarve, por ser a zona mais turística do país; e em Santarém, por ser uma zona grande, onde é feita a feira da agricultura... P. - Mas essas cidades não têm o exclusivo da vocação que lhes está a atribuir. Por exemplo, porque é que a Agricultura deve ir para Santarém e não para Beja ou para o Barroso? Eu sou completamente insensível a esses argumentos, e ao de que pode dar origem a clivagens entre as cidades. Tudo depende da vocação de cada região, e a única coisa que se pode dizer é que quem não tem vocação nenhuma para ter o Ministério da Agricultura é Lisboa. O centralismo português já conseguiu que houvesse mais pessoal em Lisboa, e no Ministério de Agricultura, do que em toda Comissão Europeia. E ainda falam da burocracia de Bruxelas. P. - O Ministério da Agricultura é dos que tem mais serviços descentralizados, com as direcções regionais. Essa gente deve estar junto dos campos, a dar apoio aos agricultores. E não a despachar papeis, atrás de uma secretária, sem ver uma planta durante o ano todo... P. - Mas então concorda que há mais procedimentos a mudar. Não basta atentar no espaço físico ou na localização geográfica... Vejo mais facilidade em aliviar a administração pública em geral e a dar mais espaço à intervenção privada. Sou cada vez mais a favor de um Estado forte e eficiente, mas não é para que ele, cada vez mais, pese no erário público. P. - Estas transferências também são apontadas como um custo pesado para o erário público. Os titulares das pastas das três secretarias de Estado que já funcionaram no Porto - Habitação e Urbanismo, Fomento Cooperativo e Emprego - apontaram os elevados custos e os baixos resultados. Talvez por isso a experiência só tenha durado seis meses. Sou amigo das três pessoas que titularam essas pastas [Fernando Gomes, Mesquita Machado e Rui Barradas do Amaral] mas sei que o que acham depende da cor partidária a que pertencem. P. - Não é sensível aos argumentos de que há um acréscimo de custos significativo? Mas pode haver um alívio da pressão urbanística. A medida vai aliviar Lisboa, que tem uma pressão enorme. Temos de contabilizar os custos todos. Mas sou tão sensível a esses argumentos que insisto na minha tese: eu retirava de Lisboa mais depressa outro tipo de instituições. P. - O que mudou de significativo em Portugal, para que a experiência não voltasse a ser negativa? Porque não foram só os custos, mas também a quase impraticabilidade da gestão. É o aludido e-government que muda tudo? Ajuda. Eu compreendo que à partida pareça difícil a organização das coisas, admito que haja custos, mas vejo muitas virtudes nessa ideia. O que sei é que ela também está intimamente ligada a uma outra coisa muito importante, e que precisa de alterações: uma nova filosofia do sistema de transportes português. P. - Como assim? Temos de deixar de ser paroquiais e ver só a própria terra. Temos de ter a noção da dimensão do país e da articulação que deve ter. Volto a citar a Holanda e da Suiça, que são a minha inveja. Para além de terem capitais pequeninas, tem um caminho de ferro admirável que serve a rede ferroviária toda. Portugal tem uma implantação geográfica que favorece um bom sistema de transportes rápidos - e não há meio termos, sou a favor do TGV - que ligue Braga a Setúbal, a única grande área metropolitana do país. P. - E o interior? Pode estranhar, mas uma rede de transportes assim organizada vai promover o interior, porque ele é a ligação natural a Espanha. A nossa ligação com a economia espanhola é estreitíssima, goste-se ou não. Mais vale potenciá-la e levar aos poucos a uma dinamização dos centros do interior, pela sua localização, como é evidente. P. - Acredita que os ministérios vão ser transferidos, ou entende que não vai passar de um anúncio de intenções. Só posso dizer que acho a intenção boa. Mas deve ser encarada com alguma cautela e merece ponderação. Mas para corresponder à filosofia, que não só concordo como defendo, acho que deve começar-se já com casos inquestionáveis: começar a colocar serviços nacionais fora da capital, e imediatamente reforçar as estruturas regionais. P. - Portanto não seguiria a estratégia que defendeu Santana Lopes? Faria de outra maneira, mas concordando totalmente com a filosofia. Até em termos de reforço do sentimento patriótico, no sentido de todos se sentirem participantes num projecto nacional. Como? Localizando serviços de alta valia em vários zonas do território. P. - Para que é preciso uma capital, então? A capital está lá, temos orgulho nela, mas não precisa de ser aglutinadora. O orgulho numa capital não resulta do facto de ela ter 20 ou 30 por cento da população. Nos países em que não é assim, o orgulho existe, mas não há a sensação de que ela prejudica as outras zonas do país. PERFIL Mais militante no território do que no partido É "coimbrão" assumido, tem orgulho das raízes dos pais alentejanos, e tem uma visão do território português, do seu planeamento e do seu sistema de transportes que nem sempre está em sintonia com os titulares das pastas nomeados pelo partido que integra, o PSD, e pelo qual foi eleito para presidir, actualmente, à Assembleia Municipal de Coimbra. Manuel Porto, com 61 anos, que foi eurodeputado, é mais fiel a políticas do que a partidos e, talvez por isso, entre dois ex-ministros das obras públicas, está mais próximo de João Cravinho, do PS, do que de Carmona Rodrigues, do PSD. Mas isto só em matéria de traçado de alta velocidade, porque em outras matérias, como as auto-estradas sem custos para o utilizador, as aproximações fazem-se no sentido inverso. Mas o exemplo serve para demonstrar que o também presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, instituição onde se formou, em 1965, não olha ao partido para tomar posições, mas forma convicções nos estudos que desenvolve na matéria, deixando sobressair o cariz académico em detrimento das lutas partidárias. As áreas de eleição de Manuel Porto vão para as questões de urbanismo, planeamento, ordenamento do território. Na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra é o responsável pelo centro de Estudos de Direito do Ordenamento, Urbanismo e Ambiente, e foi também técnico do Gabinete de Estudos e Planeamento dos Transportes Terrestres, do Ministério dos Transportes. Tem mais de uma centena de trabalhos em diferentes domínios como os do comércio internacional, da integração europeia, do desenvolvimento regional e da política fiscal. Participou ainda em reuniões científicas internacionais em instituições como o Banco Mundial (liberalização do comércio e políticas de ajustamento), a OCDE (políticas de emprego), o Conselho da Europa (políticas de emigração) e a Comissão Europeia (comércio intra-industrial). OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

Ficheiros secretos à portuguesa

Glossário

É mais fácil descentralizar outras entidades nacionais que não os ministérios MANUEL PORTO

Etic

Aniversário

Pedro Santana Lopes

Os dias de Santana Lopes em Alvalade

Joaquim Benite

O homem que tinha uma prisão privada

As indomáveis irmãs Bush

Subcultura

Pelos cabelos

Atletas de Verão

Jóias nos olhos

Banhos com areia limpa

Leite coalhado

Espetadas de borrego com arroz de pinhão

CRÓNICAS

O problema da habitação

Index

CARTAS DA MAYA

Cartas da Maya

DESAFIOS

As idades do avô e do neto

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