Na campanha, nada de novo

06-02-2005
marcar artigo

Na Campanha, Nada de Novo

Por MANUEL CARVALHO

Sexta-feira, 04 de Fevereiro de 2005

O debate que ontem pôs, pela primeira e última vez, frente a frente os dois principais candidatos a primeiro-ministro não cumpriu as expectativas da mais que provável maioria dos telespectadores. Ainda bem. Bastaram 12 rápidos minutos para que o fantasma dos boatos que ameaça contaminar a campanha fosse remetido para a categoria do tempo gasto. As sequelas ficaram, no ar crispado com que Sócrates abordou o assunto ou na tentativa de Santana relativizar o conflito alegando ter "20 anos de debates em cima". Mas não bastaram para levar a discussão para o terreno minado da maledicência e das questões pessoais.

As prioridades dirigiram-se pois para os tais problemas que preocupam os portugueses. Mas quem assistiu ao debate até ao fim à espera de respostas consistentes para esses problemas, ficou com uma sensação de vazio. Fosse pela fórmula escolhida para o debate, fosse pela sensação de que cada candidato se limitou a reproduzir lições decoradas em sessões esforçadas de marketing político, a longa hora e meia de palavras cruzadas não serviu para estabelecer diferenças, para consolidar opiniões, para perceber, de facto, se entre o PSD e o PS há projectos de fundo entre os quais optar.

Sobrou então o desempenho individual, a imagem que cada um dos candidatos projectou sobre si para o país. Sócrates surgiu, pela primeira vez, a cumprir a ideia de um político determinado, assertivo, com frases claras e convicções profundas para a governação. Santana desfez a imagem do líder desorientado e solitário que o acometeu nos últimos dias da campanha, mostrou ter a lição estudada, foi prolixo no recurso a números (que desfilou com o mesmo entusiasmo da criança que recita a tabuada...) e, quando chegou o momento de fazer apelo directo ao voto, no final da sessão, foi mais eficaz que o seu interlocutor.

Uma perspectiva mais cínica sobre o balanço final deste debate sem novidades nem entusiasmo, indicaria uma derrota dos dois. Mas esse olhar seria injusto: empataram, afinal. E empataram em boa parte porque o modelo importado para o debate se traduziu numa sucessão de monólogos, sem a vivacidade do contraditório, sem margem para o improviso, sem lugar a momentos de espontaneidade que, muitas vezes, revelam coerência dos programas ou a personalidade dos candidatos. As perguntas, no geral, foram pertinentes e bem formuladas, mas, como seria de esperar, foram respondidas com respostas prévias, pensadas e desenvolvidas para se encaixarem em formatos previsíveis. Só quando o debate entrou na luta política se compreenderam diferenças: Sócrates surgiu mais sereno, mais convincente, sem o malabarismo discursivo do seu opositor; Santana não resistiu ao impulso populista do "Robin dos Bosques" que tira aos bancos para dar aos pobres, que nos quer fazer crer que "as contas públicas estão mais em ordem".

Foi, por isso, um debate sem o sal da surpresa. O que não é mau de todo, dada a temperatura que a campanha tinha acusado nos últimos dias. Quem tinha o seu sentido de voto assumido dificilmente terá encontrado argumentos para mudar de opinião. Neste sentido, o debate pode consolidar a posição do PS, que, revelam as sondagens, vai à frente na corrida eleitoral. Mas deu um novo ânimo a Santana, cuja resistência se pode converter num suplemento de alma para o que resta da campanha. Não bastou, porém, para dar um impulso positivo à vida pública de um país triste por falta de perspectivas e de confiança. Neste particular, perdemos todos.

Na Campanha, Nada de Novo

Por MANUEL CARVALHO

Sexta-feira, 04 de Fevereiro de 2005

O debate que ontem pôs, pela primeira e última vez, frente a frente os dois principais candidatos a primeiro-ministro não cumpriu as expectativas da mais que provável maioria dos telespectadores. Ainda bem. Bastaram 12 rápidos minutos para que o fantasma dos boatos que ameaça contaminar a campanha fosse remetido para a categoria do tempo gasto. As sequelas ficaram, no ar crispado com que Sócrates abordou o assunto ou na tentativa de Santana relativizar o conflito alegando ter "20 anos de debates em cima". Mas não bastaram para levar a discussão para o terreno minado da maledicência e das questões pessoais.

As prioridades dirigiram-se pois para os tais problemas que preocupam os portugueses. Mas quem assistiu ao debate até ao fim à espera de respostas consistentes para esses problemas, ficou com uma sensação de vazio. Fosse pela fórmula escolhida para o debate, fosse pela sensação de que cada candidato se limitou a reproduzir lições decoradas em sessões esforçadas de marketing político, a longa hora e meia de palavras cruzadas não serviu para estabelecer diferenças, para consolidar opiniões, para perceber, de facto, se entre o PSD e o PS há projectos de fundo entre os quais optar.

Sobrou então o desempenho individual, a imagem que cada um dos candidatos projectou sobre si para o país. Sócrates surgiu, pela primeira vez, a cumprir a ideia de um político determinado, assertivo, com frases claras e convicções profundas para a governação. Santana desfez a imagem do líder desorientado e solitário que o acometeu nos últimos dias da campanha, mostrou ter a lição estudada, foi prolixo no recurso a números (que desfilou com o mesmo entusiasmo da criança que recita a tabuada...) e, quando chegou o momento de fazer apelo directo ao voto, no final da sessão, foi mais eficaz que o seu interlocutor.

Uma perspectiva mais cínica sobre o balanço final deste debate sem novidades nem entusiasmo, indicaria uma derrota dos dois. Mas esse olhar seria injusto: empataram, afinal. E empataram em boa parte porque o modelo importado para o debate se traduziu numa sucessão de monólogos, sem a vivacidade do contraditório, sem margem para o improviso, sem lugar a momentos de espontaneidade que, muitas vezes, revelam coerência dos programas ou a personalidade dos candidatos. As perguntas, no geral, foram pertinentes e bem formuladas, mas, como seria de esperar, foram respondidas com respostas prévias, pensadas e desenvolvidas para se encaixarem em formatos previsíveis. Só quando o debate entrou na luta política se compreenderam diferenças: Sócrates surgiu mais sereno, mais convincente, sem o malabarismo discursivo do seu opositor; Santana não resistiu ao impulso populista do "Robin dos Bosques" que tira aos bancos para dar aos pobres, que nos quer fazer crer que "as contas públicas estão mais em ordem".

Foi, por isso, um debate sem o sal da surpresa. O que não é mau de todo, dada a temperatura que a campanha tinha acusado nos últimos dias. Quem tinha o seu sentido de voto assumido dificilmente terá encontrado argumentos para mudar de opinião. Neste sentido, o debate pode consolidar a posição do PS, que, revelam as sondagens, vai à frente na corrida eleitoral. Mas deu um novo ânimo a Santana, cuja resistência se pode converter num suplemento de alma para o que resta da campanha. Não bastou, porém, para dar um impulso positivo à vida pública de um país triste por falta de perspectivas e de confiança. Neste particular, perdemos todos.

marcar artigo