Estado da Nação

18-02-2005
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Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 2005

Fraude Fiscal

Um combate de vários governos que continua por vence

Principal problema está na dimensão da "economia paralela

João Ramos de Almeida

À luz dos programas dos principais partidos, o combate à fraude e à evasão fiscais é uma das prioridades da política económica. À direita, pela tónica colocada na urgência do saneamento das contas públicas e à esquerda pela vontade de manter de pé um Estado social. Mas a veemência declarada junta-se a idênticas intenções declamadas nos últimos quinze anos.

A principal dificuldade nesse combate está na dimensão da "economia paralela". A OCDE estima em cerca de 22 por cento do produto interno bruto (PIB). Algo abaixo, apenas, da de Itália, dos valores médios da Ásia e da América Latina ou de África. (ver quadro).

A economia paralela - a par dos comportamentos tipificados da evasão fiscal - leva a administração fiscal a estimar que o volume de fuga e fraude fiscal oscile entre 4,7 e 7,2 por cento do PIB, embora o director-geral dos impostos, Paulo Macedo, tenha já admitido ser possível cobrar cerca de três por cento do PIB, ou seja, quatro mil milhões de euros (800 milhões de contos).

Mas, apesar das repetidos avisos e ameaças aos faltosos, esse combate tem sido, ao longo dos últimos anos, objecto de diferentes atitudes por parte da administração e do poder político.

A reforma fiscal de 1989 trouxe para a lei a obrigação de a tributação ser feita pelo rendimento real, obrigando o Fisco a não cobrar muitas a vezes "a olho", o que, se poderia ser arbitário, manteve a fraude num nível razoável. Mas, por outro lado, a administração fiscal não acompanhou, desde aí, a progressiva complexidade da realidade e, durante anos a fio, sofreu períodos de marasmo organizativo.

As repartições de Finanças perderam poder para as direcções distritais (designadamente ao nível da fiscalização) que, no entender dos chefes de repartição, entupiram e, nalguns casos, politizaram a cobrança fiscal. Algo que se adensou ainda mais no caso da Segurança Social, assistindo-se a resistências múltiplas, durante anos, à informatização centralizada.

Em alternativa, nem os diversos governos cumpriram a lei no sentido de criar indicadores sectoriais de rentabilidade com vista à fixação de rendimentos, nem optaram por formas mais expeditas de acompanhamento do rendimento, através das contas bancárias que, segundo o fiscalista Saldanha Sanches, será a única forma de seguir a plasticidade presente do rendimento.

Em 1997, criou-se a Unidade de Coordenação da Luta contra a Evasão e Fraude Fiscal e Aduaneira (UCLEFA), organismo de coordenação dos organismos públicos, mas definhou paulatinamente. A informatização do Fisco demorou anos, muitos milhões de contos e, actualmente, ainda gera controvérsia.

O zigue-zaguear das práticas políticas dos dois principais partidos também não ajudou. Foi o caso da aprovação de uma "colecta mínima" e no levantamento do sigilo bancário, em que a direita acabou por se render à sua aprovação após dez anos de relutâncias. Retirou-se em 2002 a jurisdição do Fisco para os crimes fiscais acima dos 250 mil euros e, finalmente, avançou-se para um cruzamento de dados entre Fisco, Segurança Social em que a PJ teria acesso. Mas passados dois anos pouco se avançou. Aprovaram-se três regimes especiais de cobrança ou perdões nos últimos dez anos. Apelou-se aos contribuintes para exigir facturas, mas, por exemplo, atenuou-se o controlo das operações de "triangulação" bancária na zona franca da Madeira (2002), acabou-se com o imposto sucessório e isentou-se as doações em dinheiro de tributação e de obrigação declarativa.

Resultado: a tributação em IRC continua concentrada em dezenas de grandes empresas (algumas delas públicas ou privatizadas) e no IRS, cerca de 90 por cento continua a ser pago pelos trabalhadores por contra de outrem e pensionistas e com tendência a que os contribuintes com maiores rendimentos se reduzam nas barbas da administração. Há, segundo os estudos oficiais, uma fraude considerável nos impostos especiais de consumo. No património imobiliário, só em 2004 se avançou com uma avaliação automática dos imóveis, com repercussões no IRC.

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Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 2005

Fraude Fiscal

Um combate de vários governos que continua por vence

Principal problema está na dimensão da "economia paralela

João Ramos de Almeida

À luz dos programas dos principais partidos, o combate à fraude e à evasão fiscais é uma das prioridades da política económica. À direita, pela tónica colocada na urgência do saneamento das contas públicas e à esquerda pela vontade de manter de pé um Estado social. Mas a veemência declarada junta-se a idênticas intenções declamadas nos últimos quinze anos.

A principal dificuldade nesse combate está na dimensão da "economia paralela". A OCDE estima em cerca de 22 por cento do produto interno bruto (PIB). Algo abaixo, apenas, da de Itália, dos valores médios da Ásia e da América Latina ou de África. (ver quadro).

A economia paralela - a par dos comportamentos tipificados da evasão fiscal - leva a administração fiscal a estimar que o volume de fuga e fraude fiscal oscile entre 4,7 e 7,2 por cento do PIB, embora o director-geral dos impostos, Paulo Macedo, tenha já admitido ser possível cobrar cerca de três por cento do PIB, ou seja, quatro mil milhões de euros (800 milhões de contos).

Mas, apesar das repetidos avisos e ameaças aos faltosos, esse combate tem sido, ao longo dos últimos anos, objecto de diferentes atitudes por parte da administração e do poder político.

A reforma fiscal de 1989 trouxe para a lei a obrigação de a tributação ser feita pelo rendimento real, obrigando o Fisco a não cobrar muitas a vezes "a olho", o que, se poderia ser arbitário, manteve a fraude num nível razoável. Mas, por outro lado, a administração fiscal não acompanhou, desde aí, a progressiva complexidade da realidade e, durante anos a fio, sofreu períodos de marasmo organizativo.

As repartições de Finanças perderam poder para as direcções distritais (designadamente ao nível da fiscalização) que, no entender dos chefes de repartição, entupiram e, nalguns casos, politizaram a cobrança fiscal. Algo que se adensou ainda mais no caso da Segurança Social, assistindo-se a resistências múltiplas, durante anos, à informatização centralizada.

Em alternativa, nem os diversos governos cumpriram a lei no sentido de criar indicadores sectoriais de rentabilidade com vista à fixação de rendimentos, nem optaram por formas mais expeditas de acompanhamento do rendimento, através das contas bancárias que, segundo o fiscalista Saldanha Sanches, será a única forma de seguir a plasticidade presente do rendimento.

Em 1997, criou-se a Unidade de Coordenação da Luta contra a Evasão e Fraude Fiscal e Aduaneira (UCLEFA), organismo de coordenação dos organismos públicos, mas definhou paulatinamente. A informatização do Fisco demorou anos, muitos milhões de contos e, actualmente, ainda gera controvérsia.

O zigue-zaguear das práticas políticas dos dois principais partidos também não ajudou. Foi o caso da aprovação de uma "colecta mínima" e no levantamento do sigilo bancário, em que a direita acabou por se render à sua aprovação após dez anos de relutâncias. Retirou-se em 2002 a jurisdição do Fisco para os crimes fiscais acima dos 250 mil euros e, finalmente, avançou-se para um cruzamento de dados entre Fisco, Segurança Social em que a PJ teria acesso. Mas passados dois anos pouco se avançou. Aprovaram-se três regimes especiais de cobrança ou perdões nos últimos dez anos. Apelou-se aos contribuintes para exigir facturas, mas, por exemplo, atenuou-se o controlo das operações de "triangulação" bancária na zona franca da Madeira (2002), acabou-se com o imposto sucessório e isentou-se as doações em dinheiro de tributação e de obrigação declarativa.

Resultado: a tributação em IRC continua concentrada em dezenas de grandes empresas (algumas delas públicas ou privatizadas) e no IRS, cerca de 90 por cento continua a ser pago pelos trabalhadores por contra de outrem e pensionistas e com tendência a que os contribuintes com maiores rendimentos se reduzam nas barbas da administração. Há, segundo os estudos oficiais, uma fraude considerável nos impostos especiais de consumo. No património imobiliário, só em 2004 se avançou com uma avaliação automática dos imóveis, com repercussões no IRC.

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