Entrevista com Jerónimo de Sousa

09-01-2003
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Entrevista com Jerónimo de Sousa

A luta exige unidade na acção

No final de um ano marcado por uma ofensiva sem precedentes do Governo e do patronato e de uma forte e determinada luta dos trabalhadores, o Avante! falou com Jerónimo de Sousa, da Comissão Política do PCP, que destaca a participação da greve geral e confia na continuação da luta.

Quais as ilações mais significativas a tirar da greve geral de 10 de Dezembro?

O PCP considerou muito justamente que ela constituiu um êxito assinalável face ao quadro em que se desenvolveu e realizou, aos sectores que abrangeu e aos trabalhadores que nela participaram. Mais! Foi feita no momento certo. Concretizando: num tempo em que os defensores e seguidores do capitalismo proclamam os valores do individualismo e do conformismo e falam das «inevitabilidades» do fim da luta de classes e do papel do movimento operário e sindical, num tempo de precariedades e inseguranças, com ameaças, pressões e repressão governamentais e patronais, trazer à greve 1 milhão e 700 mil trabalhadores é um facto notável. A CGTP-IN e o movimento sindical unitário ficaram mais legitimados.

O Governo, apesar de apresentar níveis de adesão à greve tão baixos, não conseguiu disfarçar que estava afectado pela paralisação. Teve razões para isso?

Claro que teve. Deixa fazer aqui uma nota prévia. A Universidade Católica, que curiosamente foi sede dos cérebros do projecto de Código do Trabalho, vem agora com uma «sondagem» que constitui uma das maiores manipulações sociológicas sobre os níveis de adesão à greve geral. Faça o exercício percentual que quiser, não pode esconder o impacto da greve nos sectores estratégicos da nossa economia, nas empresas públicas e privadas determinantes e na Administração Pública. E há outro dado relevante. A maioria dos trabalhadores que esteve nesta luta nunca tinha feito uma greve geral. Sem esmorecer o papel da «geração de Abril», falamos dos jovens trabalhadores, da sua participação tanto na greve como nos piquetes, da libertação de energias novas e da evolução da consciência de classe por parte de milhares de jovens formados na cartilha do capitalismo, na chamada «nova cultura de empresa». Tanto o Governo como os ideólogos e os senhores do capital ficam inquietos por ver os jovens assumirem-se como protagonistas na defesa dos direitos e com a percepção de que esses direitos ganham-se e perdem-se.

Passada a greve geral, a que armas podem recorrer os trabalhadores para continuar a luta contra o pacote laboral?

A greve geral foi uma luta forte mas não foi nem poderia ser a luta última contra o pacote laboral. Aliás, a CGTP-IN, na reunião do seu Conselho Nacional, já perspectivou o seu desenvolvimento tendo como referência a discussão e votação na generalidade da proposta do Governo em 15 de Janeiro, na Assembleia da República. Num processo duro e prolongado, a luta vai ter de prosseguir mesmo depois dessa data. E se o pacote laboral continua a ser o eixo central dessa luta, a acção reivindicativa e os salários, as questões em aberto na Administração Pública, a fase de regulamentação da Lei de Bases da Segurança Social, os problemas na área da Saúde e do Ensino, a delapidação do sector público, dos serviços e das funções sociais do Estado, vão exigir acções específicas mas também um sentido convergente. E não é de subestimar o profundo descontentamento que hoje atravessa outros sectores e camadas sociais atingidas pela política de direita e que poderão convergir com a luta dos trabalhadores.

Qual prevês que seja a posição da UGT no início do próximo ano?

A UGT está num dilema. A natureza do seu projecto e a sua própria composição colidem com a necessidade que os seus filiados sentem em responder à ameaça que recai sobre os seus direitos concretos. Não pode ser calado o facto de 51 sindicatos não filiados na CGTP-IN (alguns dos quais filiados na UGT) terem feito convergir o pré-aviso de greve para o dia 10 de Dezembro.

Perante o determinismo do Governo em não ceder nas principais malfeitorias vertidas na sua proposta, mal andariam os trabalhadores e as suas organizações se se limitassem a confiar nos méritos dos seus negociadores (e nem sequer há qualquer negociação em curso) e abdicassem do factor decisivo e determinante da força da sua luta no tempo certo. A gravidade da ofensiva não comporta tacticismos ou «faz de conta» mas antes exige unidade na acção.

Surgiu, recentemente, um projecto alternativo do PS ao pacote laboral do Governo. O que podemos esperar disto, já que a CIP manifestou o seu acordo com as principais propostas do PS?

Ao que é sabido não vamos estar perante um projecto alternativo mas de um conjunto de propostas de especialidade. Tivemos um PS, primeiro a várias vozes e titubeante, e depois «compreensivo» perante a greve geral. Percebe-se a contradição pelos seus compromissos anteriores, designadamente nas Cimeiras de Lisboa e Barcelona e a manifestação de vontade de muitos trabalhadores do PS ou que votam PS e estão nesta luta contra o pacote laboral. Não pode é «querer sol na eira e chuva no nabal», capitalizando a luta social e soçobrar na defesa de direitos fundamentais dos trabalhadores. Por nós, tudo faremos para a convergência política e institucional desta grande causa.

A luta que se travou ao longo deste ano foi em crescendo e teve o seu ponto alto no dia 10 de Dezembro. Por outro lado, parece que os trabalhadores estão a perder apoios, nomeadamente do Presidente da República, que promulgou a lei da segurança social no dia da greve geral...

Sendo importante sublinhar que a primeira e principal responsabilidade desta má Lei de Bases da Segurança Social é do Governo PSD-CDS/PP, tal como é em relação ao pacote laboral, naturalmente os trabalhadores e as suas organizações criaram expectativas de um sinal positivo do Presidente da República. Éou não uma dúvida razoável a constitucionalidade de uma lei que põe em causa o carácter universal público e solidário do sistema de Segurança Social? Essa dúvida não deveria ter sido considerada quando comparada com a Lei do Rendimento Social de Inserção que acabou por ser declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional?

Promulgada esta lei, que espaço resta ainda aos trabalhadores para lutar pela Segurança Social pública, universal e solidária?

Repara que estamos perante uma Lei de Bases a exigir regulamentação nas normas mais graves como o plafonamento, fundo de capitalização, etc.. Ou seja, os trabalhadores terão de integrar o combate às leis regulamentadoras que não tardarão a surgir.

Qual foi o papel do Partido nesta luta?

No plano político, institucional e de massas, o PCP não regateou nenhum esforço para travar todos os combates possíveis, tanto na Lei da Gestão Hospitalar, na Lei de Bases da Segurança Social, como no pacote laboral. Na nossa intervenção política quotidiana, na Assembleia da República, no nosso Avante! e O Militante, numa campanha nacional, mas particularmente pela acção e intervenção de milhares de militantes comunistas nas organizações partidárias e unitárias, assumimos um papel insubstituível no esclarecimento, mobilização e organização dos trabalhadores. Tão natural como o ar que respiramos, tendo em conta a nossa natureza e projecto de Partido da classe operária e de todos os trabalhadores.

Neste quadro de ataque feroz do governo aos direitos dos trabalhadores e de um reforço da luta, consideras haver boas perspectivas de reforço do Partido?

No XVI Congresso, nas conclusões da Conferência Nacional e do Encontro Nacional sobre a acção junto dos trabalhadores, considerámos o conteúdo integrado da intervenção e da organização. A prática continua a ser o grande critério da verdade para a teoria e orientação. Sabes, fizemos muitos recrutamentos antes e até durante a greve geral, porque muitos trabalhadores despertaram para a necessidade de lutarem organizadamente na força política que se identifica com as suas aspirações, interesses e direitos. O Partido não quer substituir-se a essa grande força de transformação que são os trabalhadores, não abdicará do trabalho e da acção junto de outros sectores e camadas sociais, mas este reforço e esta ligação aos trabalhadores será crucial para irradiar a sua força e influência na sociedade portuguesa.

«Avante!» Nº 1518 - 31.Dezembro.2002

Entrevista com Jerónimo de Sousa

A luta exige unidade na acção

No final de um ano marcado por uma ofensiva sem precedentes do Governo e do patronato e de uma forte e determinada luta dos trabalhadores, o Avante! falou com Jerónimo de Sousa, da Comissão Política do PCP, que destaca a participação da greve geral e confia na continuação da luta.

Quais as ilações mais significativas a tirar da greve geral de 10 de Dezembro?

O PCP considerou muito justamente que ela constituiu um êxito assinalável face ao quadro em que se desenvolveu e realizou, aos sectores que abrangeu e aos trabalhadores que nela participaram. Mais! Foi feita no momento certo. Concretizando: num tempo em que os defensores e seguidores do capitalismo proclamam os valores do individualismo e do conformismo e falam das «inevitabilidades» do fim da luta de classes e do papel do movimento operário e sindical, num tempo de precariedades e inseguranças, com ameaças, pressões e repressão governamentais e patronais, trazer à greve 1 milhão e 700 mil trabalhadores é um facto notável. A CGTP-IN e o movimento sindical unitário ficaram mais legitimados.

O Governo, apesar de apresentar níveis de adesão à greve tão baixos, não conseguiu disfarçar que estava afectado pela paralisação. Teve razões para isso?

Claro que teve. Deixa fazer aqui uma nota prévia. A Universidade Católica, que curiosamente foi sede dos cérebros do projecto de Código do Trabalho, vem agora com uma «sondagem» que constitui uma das maiores manipulações sociológicas sobre os níveis de adesão à greve geral. Faça o exercício percentual que quiser, não pode esconder o impacto da greve nos sectores estratégicos da nossa economia, nas empresas públicas e privadas determinantes e na Administração Pública. E há outro dado relevante. A maioria dos trabalhadores que esteve nesta luta nunca tinha feito uma greve geral. Sem esmorecer o papel da «geração de Abril», falamos dos jovens trabalhadores, da sua participação tanto na greve como nos piquetes, da libertação de energias novas e da evolução da consciência de classe por parte de milhares de jovens formados na cartilha do capitalismo, na chamada «nova cultura de empresa». Tanto o Governo como os ideólogos e os senhores do capital ficam inquietos por ver os jovens assumirem-se como protagonistas na defesa dos direitos e com a percepção de que esses direitos ganham-se e perdem-se.

Passada a greve geral, a que armas podem recorrer os trabalhadores para continuar a luta contra o pacote laboral?

A greve geral foi uma luta forte mas não foi nem poderia ser a luta última contra o pacote laboral. Aliás, a CGTP-IN, na reunião do seu Conselho Nacional, já perspectivou o seu desenvolvimento tendo como referência a discussão e votação na generalidade da proposta do Governo em 15 de Janeiro, na Assembleia da República. Num processo duro e prolongado, a luta vai ter de prosseguir mesmo depois dessa data. E se o pacote laboral continua a ser o eixo central dessa luta, a acção reivindicativa e os salários, as questões em aberto na Administração Pública, a fase de regulamentação da Lei de Bases da Segurança Social, os problemas na área da Saúde e do Ensino, a delapidação do sector público, dos serviços e das funções sociais do Estado, vão exigir acções específicas mas também um sentido convergente. E não é de subestimar o profundo descontentamento que hoje atravessa outros sectores e camadas sociais atingidas pela política de direita e que poderão convergir com a luta dos trabalhadores.

Qual prevês que seja a posição da UGT no início do próximo ano?

A UGT está num dilema. A natureza do seu projecto e a sua própria composição colidem com a necessidade que os seus filiados sentem em responder à ameaça que recai sobre os seus direitos concretos. Não pode ser calado o facto de 51 sindicatos não filiados na CGTP-IN (alguns dos quais filiados na UGT) terem feito convergir o pré-aviso de greve para o dia 10 de Dezembro.

Perante o determinismo do Governo em não ceder nas principais malfeitorias vertidas na sua proposta, mal andariam os trabalhadores e as suas organizações se se limitassem a confiar nos méritos dos seus negociadores (e nem sequer há qualquer negociação em curso) e abdicassem do factor decisivo e determinante da força da sua luta no tempo certo. A gravidade da ofensiva não comporta tacticismos ou «faz de conta» mas antes exige unidade na acção.

Surgiu, recentemente, um projecto alternativo do PS ao pacote laboral do Governo. O que podemos esperar disto, já que a CIP manifestou o seu acordo com as principais propostas do PS?

Ao que é sabido não vamos estar perante um projecto alternativo mas de um conjunto de propostas de especialidade. Tivemos um PS, primeiro a várias vozes e titubeante, e depois «compreensivo» perante a greve geral. Percebe-se a contradição pelos seus compromissos anteriores, designadamente nas Cimeiras de Lisboa e Barcelona e a manifestação de vontade de muitos trabalhadores do PS ou que votam PS e estão nesta luta contra o pacote laboral. Não pode é «querer sol na eira e chuva no nabal», capitalizando a luta social e soçobrar na defesa de direitos fundamentais dos trabalhadores. Por nós, tudo faremos para a convergência política e institucional desta grande causa.

A luta que se travou ao longo deste ano foi em crescendo e teve o seu ponto alto no dia 10 de Dezembro. Por outro lado, parece que os trabalhadores estão a perder apoios, nomeadamente do Presidente da República, que promulgou a lei da segurança social no dia da greve geral...

Sendo importante sublinhar que a primeira e principal responsabilidade desta má Lei de Bases da Segurança Social é do Governo PSD-CDS/PP, tal como é em relação ao pacote laboral, naturalmente os trabalhadores e as suas organizações criaram expectativas de um sinal positivo do Presidente da República. Éou não uma dúvida razoável a constitucionalidade de uma lei que põe em causa o carácter universal público e solidário do sistema de Segurança Social? Essa dúvida não deveria ter sido considerada quando comparada com a Lei do Rendimento Social de Inserção que acabou por ser declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional?

Promulgada esta lei, que espaço resta ainda aos trabalhadores para lutar pela Segurança Social pública, universal e solidária?

Repara que estamos perante uma Lei de Bases a exigir regulamentação nas normas mais graves como o plafonamento, fundo de capitalização, etc.. Ou seja, os trabalhadores terão de integrar o combate às leis regulamentadoras que não tardarão a surgir.

Qual foi o papel do Partido nesta luta?

No plano político, institucional e de massas, o PCP não regateou nenhum esforço para travar todos os combates possíveis, tanto na Lei da Gestão Hospitalar, na Lei de Bases da Segurança Social, como no pacote laboral. Na nossa intervenção política quotidiana, na Assembleia da República, no nosso Avante! e O Militante, numa campanha nacional, mas particularmente pela acção e intervenção de milhares de militantes comunistas nas organizações partidárias e unitárias, assumimos um papel insubstituível no esclarecimento, mobilização e organização dos trabalhadores. Tão natural como o ar que respiramos, tendo em conta a nossa natureza e projecto de Partido da classe operária e de todos os trabalhadores.

Neste quadro de ataque feroz do governo aos direitos dos trabalhadores e de um reforço da luta, consideras haver boas perspectivas de reforço do Partido?

No XVI Congresso, nas conclusões da Conferência Nacional e do Encontro Nacional sobre a acção junto dos trabalhadores, considerámos o conteúdo integrado da intervenção e da organização. A prática continua a ser o grande critério da verdade para a teoria e orientação. Sabes, fizemos muitos recrutamentos antes e até durante a greve geral, porque muitos trabalhadores despertaram para a necessidade de lutarem organizadamente na força política que se identifica com as suas aspirações, interesses e direitos. O Partido não quer substituir-se a essa grande força de transformação que são os trabalhadores, não abdicará do trabalho e da acção junto de outros sectores e camadas sociais, mas este reforço e esta ligação aos trabalhadores será crucial para irradiar a sua força e influência na sociedade portuguesa.

«Avante!» Nº 1518 - 31.Dezembro.2002

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