Basta de tanto preconceito, intolerância e obscurantismo

16-11-2003
marcar artigo

Aborto clandestino Basta de tanto preconceito,

intolerância e obscurantismo

Jurista

O recente julgamento, na Maia, de 17 mulheres acusadas da prática de aborto relançou o debate público sobre as questões ligadas à interrupção voluntária da gravidez. Este julgamento, bem como o facto de todos os anos se registarem investigações criminais relacionadas com a prática de aborto (49 casos em 1998 e 99) e se realizarem julgamentos (11 processos e 8 condenações em 1998 e 99) (1), mostra que a incriminação legal do aborto não é meramente simbólica, como muitos quiseram e querem fazer crer.

A penalização que existe na actual lei penal também não foi dissuasora da prática de aborto. Estima-se a realização de 20 a 40 mil abortos clandestinos, por ano, em Portugal (2) ; no 1º semestre de 2001 morreram 3 mulheres na sequência de aborto clandestino (3) ; nos últimos 6 anos cerca de 9 mil mulheres portuguesas deslocaram-se a Espanha para abortar em clínicas privadas (4). Apenas 1 a 2% dos abortos são efectuados ao abrigo da actual legislação: em 2000, foram realizados 574 abortos legais (5), sendo conhecidas as dificuldades de uma mulher fazer um aborto legal.

Perante estes dados, não se vislumbra por que razão Helena Roseta, do Partido Socialista, afirma a necessidade de efectuar mais um estudo como condição prévia à despenalização do aborto. Além de existirem já diversos estudos, mais ou menos vastos, quer nacionais quer internacionais sobre o aborto em Portugal, os dados disponíveis são mais que suficientes para justificar a imediata revisão da desajustada e injusta lei em vigor. Sem excluir a realização de outro estudo, que isso não sirva de argumento para adiar, mais uma vez, a resolução desta importante questão de justiça e saúde pública.

Por outro lado, parece que também nesta matéria os dirigentes do PS continuam na eterna dependência do PSD. Ferro Rodrigues em entrevistas públicas (6) afirmou já que o PS de início nada fará para resolver o problema, aguardando a evolução dos acontecimentos, e garantiu que se houver consenso com o PSD será realizado um novo referendo. Durão Barroso afirmou (7) não ser a favor da condenação de mulheres que praticam abortos, mas ser contra a despenalização. Pelas declarações de ambos concluímos que na próxima legislatura o PS e o PSD nada farão para resolver o problema, o que se converteu já numa tradição!

São, por isso, de estranhar as recentes declarações de Jamila Madeira, secretária-geral da JS e vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS, afirmando que a JS vai apresentar um projecto-lei na próxima legislatura (CM, 19.01.02).

Recordemos que se ainda não existe uma lei descriminalizadora do aborto, em grande medida isso deve-se à promíscua relação entre o PS e o PSD. Quem não se lembra que, imediatamente após a aprovação na generalidade de uma lei pela Assembleia da República, o PS e o PSD decidiram a realização de um referendo?

Que se registe que o PS sempre tem recorrido a um discurso pretensamente igualitário, mas que a sua prática política é bem reveladora da natureza eleitoralista e demagógica que atribui aos direitos das mulheres.

Nos últimos tempos, assistiu-se a uma tendência para a alteração da linguagem dos movimentos ligados ao “não”, fenómeno que tem, aliás, uma dimensão internacional (8) . Passou-se do cultivo do ódio às mulheres, com os inesquecíveis e tristes exemplos de comportamentos medievais e inquisitoriais dos movimentos do “não” durante o referendo em Portugal, à linguagem de uma aparente tolerância, de preocupação com as mulheres e seus problemas. Divulga-se e insiste-se na ideia de que os movimentos do “não” criaram instituições para apoiar mulheres grávidas, para dar “adequada e preventiva educação sexual” e planeamento familiar. Ficam convenientemente por esclarecer quantas instituições foram criadas, onde, quem as gere e financia, quantas mulheres foram atendidas, quantas crianças foram adoptadas, que tipo de educação sexual e planeamento familiar é fornecido.

É oportuno relembrar que muita da legislação em vigor não é aplicada por falta de vontade política e porque as forças mais retrógadas e fundamentalistas usam todos os meios disponíveis para lutar contra a educação sexual e o planeamento familiar.

Em contrapartida insiste-se na falsa ideia de que os que defendem a despenalização do aborto nada fizeram. O que é falso. Por exemplo, por iniciativa do nosso Partido foram discutidos e aprovados diversos projectos-lei nas áreas da educação sexual e planeamento familiar, contracepção de emergência, apoio às mães e pais adolescentes, reforço e alargamento dos direitos da maternidade-paternidade; o PCP apresentou também um projecto-lei visando a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 12 semanas para uma maternidade livre e consciente. Novamente, no seu Programa Eleitoral, torna a incluir um importante conjunto de compromissos nesta área, entre os quais a despenalização do aborto.

Uma lei injusta e desumana

Portugal é um dos países da Europa com uma legislação mais restritiva em relação ao aborto. A lei em vigor em Portugal é injusta e desajustada da realidade social (9), pondo em perigo a saúde das mulheres, alimentando redes clandestinas e penalizando, sobretudo, as mulheres dos estratos sociais mais desfavorecidos. A manutenção da criminalização não resolveu, nem resolverá, este grave drama social.

Uma lei que despenalize o aborto não se impõe à consciência individual de cada um, nem obriga alguém a recorrer ao aborto. Como afirma a Drª Teresa Beleza: “(...) descriminalizar um comportamento apenas significa que o Estado entende que a sua inclusão na lei penal não tem efeitos positivos sobre a preservação do bem que se quer proteger, e não uma declaração de princípio de que se trata de uma conduta lícita ou recomendável.” (10)

28 anos após a Revolução de Abril, as mulheres portuguesas continuam a ser penalizadas pela prática de aborto. 28 anos passados, os secretários-gerais do PS e do PSD assumiram já o compromisso eleitoral de manter esta situação e de continuar

a punir as mulheres portuguesas. Em 2002, no novo milénio, persiste uma lei que é um verdadeiro atentado aos direitos das mulheres, à sua saúde e dignidade e à sua capacidade e liberdade de tomar decisões.

Uma importante iniciativa

A nossa camarada Ilda Figueiredo, deputada ao Parlamento Europeu, promoveu uma Declaração de Solidariedade Internacional (www.pcp.pt) para com as mulheres que foram julgadas na Maia. O processo suscitou surpresa, indignação e sinceras manifestações de solidariedade de muitas pessoas e organizações de todo o mundo. Num curto espaço de tempo, recolheu o apoio de 1213 personalidades e 68 organizações

de 43 países, destacando-se nomes como o recentemente falecido Pierre Bourdieu, Noam Chomsky ou Hanna Schygula. (11)

Recentemente, a Associação Internacional para o Planeamento da Família, lançou uma petição internacional (www.ipp.org) para alteração da legislação de aborto em Portugal.

8 de Março - uma jornada de luta pelos direitos das mulheres

O 8 de Março - Dia Internacional da Mulher - comemora-se, pela primeira vez desde a Revolução de Abril, em plena campanha eleitoral. É hora dos diversos partidos clarificarem as suas posições e os seus compromissos quanto aos direitos das mulheres.

O PCP, como sempre, reafirma a sua determinação na luta por uma efectiva igualdade entre mulheres e homens, pela emancipação da mulher, por uma sociedade mais justa e fraterna.

Registos sobre a despenalização do aborto

“A ilegalização e a punição penal são, pois, juridicamente ineficazes e socialmente condenáveis. São, além do mais, directa ou indirectamente um verdadeiro atentado contra direitos fundamentais das mulheres.” Álvaro Cunhal, in O Aborto. Causas e soluções, 1940.

“O PCP não desiste nem se conforma com a manutenção do aborto clandestino e por isso voltará a este combate pela verdade contra a mentira e a hipocrisia, pelo humanismo contra esta desumanidade que devia envergohar a nossa sociedade à beira do séc. XXI.” Carlos Carvalhas, no Forum "A situação das mulheres no limiar do séc. XXI", 23.01.99.

“Respeito as opiniões baseadas em princípios religiosos e morais e aceito que cada um tenha a sua. Mas gostaria que respeitassem também a minha. Ninguém pode querer ser a consciência dos outros. E penso que a sociedade portuguesa tem de pensar mais na situação das mulheres. Legalmente têm todos os direitos, mas são elas que engravidam, são elas que dão à luz, dão de mamar, e que continuam a ser responsáveis pela educação dos filhos.” Albino Aroso, médico, DN, 19.11.00.

“Comprova-se também que geralmente a interrupção se acaba por verificar, quer se queira, quer não, se for essa a vontade inequívoca da mulher (...) sendo ilusório pensar (mas alguém pensará de facto?) que proibir é eficaz para evitar o aborto.” Maia Costa, Procurador-Geral Adjunto, Público, 6.11.01.

“(...) quantas prisões seriam necessárias para prender todas as mulheres que tiveram ou têm que interromper uma gravidez, como um último recurso face a situações pessoais e sociais, que ninguém, e muito menos o legislador, tem o direito de questionar, ameaçando com prisão?” Fernanda Mateus, Avante!, 17.01.02.

“Se fosse juiz, declarava a lei inconstitucional (...) Não se referendam direitos assentes na dignidade do ser humano. É uma indignidade remetê-las (as mulheres) para o aborto clandestino.” Odete Santos, JN, 19.01.02.

“Não há justiça numa lei causadora de tanta desumanidade.” Bettencourt Resende, Director do DN, 19.01.02.

“Era a espinha do País beato, hipócrita e obsoleto que deveria ter sido anteontem no banco das rés no Tribunal da Maia. Não a vida individual, inviolável, privadissíma, de um grupo de mulheres pobres e de parca defesa.” Hélder Bastos, Editor Redacção Norte do DN, 20.01.02.

“O que devia ser um problema de saúde pública é ainda em Portugal um caso de polícia. O que devia ser um direito da muler é ainda um crime punível até três anos de prisão.” Anabela Fino, Avante!, 24.01.2002.

“O processo da Maia (...) confirmou que a dura penalização legal do aborto clandestino com penas de prisão até três anos, é uma real ameaça contra a dignidade e liberdade de muitas mulheres portuguesas. (...) constituindo um símbolo de uma terrível injustiça vigente na sociedade portuguesa, põe em evidência e reforça a necessidade e a urgência de a Assembleia da República, no exercício da sua inquestionável legitimidade, aprovar, na próxima legislatura, uma lei de despenalização do aborto. (...) A política de esquerda que o PCP propõe exige (...) a defesa dos direitos da maternidade-paternidade. Exige que, em paralelo com a generalização do planeamento familiar e da educação sexual, seja posto termo à penalização legal do aborto clandestino.” Do Comunicado do Comité Central do PCP, 19.01.02.

“E será ela mais criminosa do que, por exemplo, aquele pai condenado, em Março de 2000, pelo Tribunal de Almeida, a uns modestos seis anos e meio de prisão por ter violado e engravidado a própria filha? (...) A quem recorrerão agora as mulheres tristes e desesperadas, esmagadas pela miséria, pelo excesso de filhos, pela brutalidade dos maridos, que recorriam aos serviços da enfermeira-parteira Maria do Céu? Às agulhas de crochet? Ao veneno dos ratos? A enfermeira Maria do Céu fazia-se cobrar pelos seus serviços – até porque não tinha iates nem fundações a trabalhar para ela. (...)” Inês Pedrosa, Expresso, 26.01.02.

“Por ter falado e confessado, por ter tido, exactamente medo da lei. Serviu assim de exemplo, e foi publicamente apedrejada e logo a seguir publicamente defendida pelas indignadas carpideiras do costume, que sabem que o aborto ilegal e clandestino existe e vai continuar (...) e se recusam a mudar a lei por causa do manto de hipocrisia que cobre a nudez crua da verdade (...)” Clara Ferreira Alves, Expresso, 26.01.02.

(1) Estatísticas da Justiça, Ministério da Justiça

(2) Associação Internacional para o Planeamento da Família

(3) INE

(4) Dados publicados por clínicas espanholas

(5) Direcção-Geral de Saúde

(6) Visão, 26.01.02; TSF, 28.01.02

(7) Público,19.01.02

(8) Essa alteração tem a ver com questões de imagem e não de princípios.Por exemplo, a Igreja Católica continua a condenar o aborto, o recurso aos meios contraceptivos e à educação sexual.

(9) Odete Santos considera a lei inconstitucional por ofender direitos fundamentais; Teresa Beleza considera que contraria frontalmente o princípio da igualdade; certos autores adiantam que as disposições restritivas que penalizam o aborto são inconstitucionais por violarem o direito da mulher à liberdade e à segurança.

(10) Prefácio a “Penalizar ou Despenalizar o Aborto”, J. Magalhães, Quetzal, 1998.

(11) Pierre Bourdieu (sociólogo francês); Noam Chomsky (linguista e activista política dos EUA); Hanna Schygula (actriz e cantora alemã).

«O Militante» - N.º 257 - Março/ Abril de 2002

Aborto clandestino Basta de tanto preconceito,

intolerância e obscurantismo

Jurista

O recente julgamento, na Maia, de 17 mulheres acusadas da prática de aborto relançou o debate público sobre as questões ligadas à interrupção voluntária da gravidez. Este julgamento, bem como o facto de todos os anos se registarem investigações criminais relacionadas com a prática de aborto (49 casos em 1998 e 99) e se realizarem julgamentos (11 processos e 8 condenações em 1998 e 99) (1), mostra que a incriminação legal do aborto não é meramente simbólica, como muitos quiseram e querem fazer crer.

A penalização que existe na actual lei penal também não foi dissuasora da prática de aborto. Estima-se a realização de 20 a 40 mil abortos clandestinos, por ano, em Portugal (2) ; no 1º semestre de 2001 morreram 3 mulheres na sequência de aborto clandestino (3) ; nos últimos 6 anos cerca de 9 mil mulheres portuguesas deslocaram-se a Espanha para abortar em clínicas privadas (4). Apenas 1 a 2% dos abortos são efectuados ao abrigo da actual legislação: em 2000, foram realizados 574 abortos legais (5), sendo conhecidas as dificuldades de uma mulher fazer um aborto legal.

Perante estes dados, não se vislumbra por que razão Helena Roseta, do Partido Socialista, afirma a necessidade de efectuar mais um estudo como condição prévia à despenalização do aborto. Além de existirem já diversos estudos, mais ou menos vastos, quer nacionais quer internacionais sobre o aborto em Portugal, os dados disponíveis são mais que suficientes para justificar a imediata revisão da desajustada e injusta lei em vigor. Sem excluir a realização de outro estudo, que isso não sirva de argumento para adiar, mais uma vez, a resolução desta importante questão de justiça e saúde pública.

Por outro lado, parece que também nesta matéria os dirigentes do PS continuam na eterna dependência do PSD. Ferro Rodrigues em entrevistas públicas (6) afirmou já que o PS de início nada fará para resolver o problema, aguardando a evolução dos acontecimentos, e garantiu que se houver consenso com o PSD será realizado um novo referendo. Durão Barroso afirmou (7) não ser a favor da condenação de mulheres que praticam abortos, mas ser contra a despenalização. Pelas declarações de ambos concluímos que na próxima legislatura o PS e o PSD nada farão para resolver o problema, o que se converteu já numa tradição!

São, por isso, de estranhar as recentes declarações de Jamila Madeira, secretária-geral da JS e vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS, afirmando que a JS vai apresentar um projecto-lei na próxima legislatura (CM, 19.01.02).

Recordemos que se ainda não existe uma lei descriminalizadora do aborto, em grande medida isso deve-se à promíscua relação entre o PS e o PSD. Quem não se lembra que, imediatamente após a aprovação na generalidade de uma lei pela Assembleia da República, o PS e o PSD decidiram a realização de um referendo?

Que se registe que o PS sempre tem recorrido a um discurso pretensamente igualitário, mas que a sua prática política é bem reveladora da natureza eleitoralista e demagógica que atribui aos direitos das mulheres.

Nos últimos tempos, assistiu-se a uma tendência para a alteração da linguagem dos movimentos ligados ao “não”, fenómeno que tem, aliás, uma dimensão internacional (8) . Passou-se do cultivo do ódio às mulheres, com os inesquecíveis e tristes exemplos de comportamentos medievais e inquisitoriais dos movimentos do “não” durante o referendo em Portugal, à linguagem de uma aparente tolerância, de preocupação com as mulheres e seus problemas. Divulga-se e insiste-se na ideia de que os movimentos do “não” criaram instituições para apoiar mulheres grávidas, para dar “adequada e preventiva educação sexual” e planeamento familiar. Ficam convenientemente por esclarecer quantas instituições foram criadas, onde, quem as gere e financia, quantas mulheres foram atendidas, quantas crianças foram adoptadas, que tipo de educação sexual e planeamento familiar é fornecido.

É oportuno relembrar que muita da legislação em vigor não é aplicada por falta de vontade política e porque as forças mais retrógadas e fundamentalistas usam todos os meios disponíveis para lutar contra a educação sexual e o planeamento familiar.

Em contrapartida insiste-se na falsa ideia de que os que defendem a despenalização do aborto nada fizeram. O que é falso. Por exemplo, por iniciativa do nosso Partido foram discutidos e aprovados diversos projectos-lei nas áreas da educação sexual e planeamento familiar, contracepção de emergência, apoio às mães e pais adolescentes, reforço e alargamento dos direitos da maternidade-paternidade; o PCP apresentou também um projecto-lei visando a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 12 semanas para uma maternidade livre e consciente. Novamente, no seu Programa Eleitoral, torna a incluir um importante conjunto de compromissos nesta área, entre os quais a despenalização do aborto.

Uma lei injusta e desumana

Portugal é um dos países da Europa com uma legislação mais restritiva em relação ao aborto. A lei em vigor em Portugal é injusta e desajustada da realidade social (9), pondo em perigo a saúde das mulheres, alimentando redes clandestinas e penalizando, sobretudo, as mulheres dos estratos sociais mais desfavorecidos. A manutenção da criminalização não resolveu, nem resolverá, este grave drama social.

Uma lei que despenalize o aborto não se impõe à consciência individual de cada um, nem obriga alguém a recorrer ao aborto. Como afirma a Drª Teresa Beleza: “(...) descriminalizar um comportamento apenas significa que o Estado entende que a sua inclusão na lei penal não tem efeitos positivos sobre a preservação do bem que se quer proteger, e não uma declaração de princípio de que se trata de uma conduta lícita ou recomendável.” (10)

28 anos após a Revolução de Abril, as mulheres portuguesas continuam a ser penalizadas pela prática de aborto. 28 anos passados, os secretários-gerais do PS e do PSD assumiram já o compromisso eleitoral de manter esta situação e de continuar

a punir as mulheres portuguesas. Em 2002, no novo milénio, persiste uma lei que é um verdadeiro atentado aos direitos das mulheres, à sua saúde e dignidade e à sua capacidade e liberdade de tomar decisões.

Uma importante iniciativa

A nossa camarada Ilda Figueiredo, deputada ao Parlamento Europeu, promoveu uma Declaração de Solidariedade Internacional (www.pcp.pt) para com as mulheres que foram julgadas na Maia. O processo suscitou surpresa, indignação e sinceras manifestações de solidariedade de muitas pessoas e organizações de todo o mundo. Num curto espaço de tempo, recolheu o apoio de 1213 personalidades e 68 organizações

de 43 países, destacando-se nomes como o recentemente falecido Pierre Bourdieu, Noam Chomsky ou Hanna Schygula. (11)

Recentemente, a Associação Internacional para o Planeamento da Família, lançou uma petição internacional (www.ipp.org) para alteração da legislação de aborto em Portugal.

8 de Março - uma jornada de luta pelos direitos das mulheres

O 8 de Março - Dia Internacional da Mulher - comemora-se, pela primeira vez desde a Revolução de Abril, em plena campanha eleitoral. É hora dos diversos partidos clarificarem as suas posições e os seus compromissos quanto aos direitos das mulheres.

O PCP, como sempre, reafirma a sua determinação na luta por uma efectiva igualdade entre mulheres e homens, pela emancipação da mulher, por uma sociedade mais justa e fraterna.

Registos sobre a despenalização do aborto

“A ilegalização e a punição penal são, pois, juridicamente ineficazes e socialmente condenáveis. São, além do mais, directa ou indirectamente um verdadeiro atentado contra direitos fundamentais das mulheres.” Álvaro Cunhal, in O Aborto. Causas e soluções, 1940.

“O PCP não desiste nem se conforma com a manutenção do aborto clandestino e por isso voltará a este combate pela verdade contra a mentira e a hipocrisia, pelo humanismo contra esta desumanidade que devia envergohar a nossa sociedade à beira do séc. XXI.” Carlos Carvalhas, no Forum "A situação das mulheres no limiar do séc. XXI", 23.01.99.

“Respeito as opiniões baseadas em princípios religiosos e morais e aceito que cada um tenha a sua. Mas gostaria que respeitassem também a minha. Ninguém pode querer ser a consciência dos outros. E penso que a sociedade portuguesa tem de pensar mais na situação das mulheres. Legalmente têm todos os direitos, mas são elas que engravidam, são elas que dão à luz, dão de mamar, e que continuam a ser responsáveis pela educação dos filhos.” Albino Aroso, médico, DN, 19.11.00.

“Comprova-se também que geralmente a interrupção se acaba por verificar, quer se queira, quer não, se for essa a vontade inequívoca da mulher (...) sendo ilusório pensar (mas alguém pensará de facto?) que proibir é eficaz para evitar o aborto.” Maia Costa, Procurador-Geral Adjunto, Público, 6.11.01.

“(...) quantas prisões seriam necessárias para prender todas as mulheres que tiveram ou têm que interromper uma gravidez, como um último recurso face a situações pessoais e sociais, que ninguém, e muito menos o legislador, tem o direito de questionar, ameaçando com prisão?” Fernanda Mateus, Avante!, 17.01.02.

“Se fosse juiz, declarava a lei inconstitucional (...) Não se referendam direitos assentes na dignidade do ser humano. É uma indignidade remetê-las (as mulheres) para o aborto clandestino.” Odete Santos, JN, 19.01.02.

“Não há justiça numa lei causadora de tanta desumanidade.” Bettencourt Resende, Director do DN, 19.01.02.

“Era a espinha do País beato, hipócrita e obsoleto que deveria ter sido anteontem no banco das rés no Tribunal da Maia. Não a vida individual, inviolável, privadissíma, de um grupo de mulheres pobres e de parca defesa.” Hélder Bastos, Editor Redacção Norte do DN, 20.01.02.

“O que devia ser um problema de saúde pública é ainda em Portugal um caso de polícia. O que devia ser um direito da muler é ainda um crime punível até três anos de prisão.” Anabela Fino, Avante!, 24.01.2002.

“O processo da Maia (...) confirmou que a dura penalização legal do aborto clandestino com penas de prisão até três anos, é uma real ameaça contra a dignidade e liberdade de muitas mulheres portuguesas. (...) constituindo um símbolo de uma terrível injustiça vigente na sociedade portuguesa, põe em evidência e reforça a necessidade e a urgência de a Assembleia da República, no exercício da sua inquestionável legitimidade, aprovar, na próxima legislatura, uma lei de despenalização do aborto. (...) A política de esquerda que o PCP propõe exige (...) a defesa dos direitos da maternidade-paternidade. Exige que, em paralelo com a generalização do planeamento familiar e da educação sexual, seja posto termo à penalização legal do aborto clandestino.” Do Comunicado do Comité Central do PCP, 19.01.02.

“E será ela mais criminosa do que, por exemplo, aquele pai condenado, em Março de 2000, pelo Tribunal de Almeida, a uns modestos seis anos e meio de prisão por ter violado e engravidado a própria filha? (...) A quem recorrerão agora as mulheres tristes e desesperadas, esmagadas pela miséria, pelo excesso de filhos, pela brutalidade dos maridos, que recorriam aos serviços da enfermeira-parteira Maria do Céu? Às agulhas de crochet? Ao veneno dos ratos? A enfermeira Maria do Céu fazia-se cobrar pelos seus serviços – até porque não tinha iates nem fundações a trabalhar para ela. (...)” Inês Pedrosa, Expresso, 26.01.02.

“Por ter falado e confessado, por ter tido, exactamente medo da lei. Serviu assim de exemplo, e foi publicamente apedrejada e logo a seguir publicamente defendida pelas indignadas carpideiras do costume, que sabem que o aborto ilegal e clandestino existe e vai continuar (...) e se recusam a mudar a lei por causa do manto de hipocrisia que cobre a nudez crua da verdade (...)” Clara Ferreira Alves, Expresso, 26.01.02.

(1) Estatísticas da Justiça, Ministério da Justiça

(2) Associação Internacional para o Planeamento da Família

(3) INE

(4) Dados publicados por clínicas espanholas

(5) Direcção-Geral de Saúde

(6) Visão, 26.01.02; TSF, 28.01.02

(7) Público,19.01.02

(8) Essa alteração tem a ver com questões de imagem e não de princípios.Por exemplo, a Igreja Católica continua a condenar o aborto, o recurso aos meios contraceptivos e à educação sexual.

(9) Odete Santos considera a lei inconstitucional por ofender direitos fundamentais; Teresa Beleza considera que contraria frontalmente o princípio da igualdade; certos autores adiantam que as disposições restritivas que penalizam o aborto são inconstitucionais por violarem o direito da mulher à liberdade e à segurança.

(10) Prefácio a “Penalizar ou Despenalizar o Aborto”, J. Magalhães, Quetzal, 1998.

(11) Pierre Bourdieu (sociólogo francês); Noam Chomsky (linguista e activista política dos EUA); Hanna Schygula (actriz e cantora alemã).

«O Militante» - N.º 257 - Março/ Abril de 2002

marcar artigo