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21-11-2002
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Polémicas Artigo de Mário Soares publicado no EXPRESSO

LEIA O TEXTO PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº1553 «Estamos a assistir agora, em Portugal, depois da experiência inesquecível do 'Verão quente' de 1975, a um afloramento serôdio dessa velhíssima polémica, que se julgava ultrapassada, desta vez entre os 'renovadores' e os 'conservadores', reclamando-se por igual do PCP. Uns querem mais liberdade e democracia interna, num partido que nunca as teve, e outros persistem agarrados a uma dogmática e ao recurso a expulsões sem sentido nem eco na sociedade actual. Um debate patético!» Ousar vencer Franciso Louçã

CENTRO ou esquerda? Radicais ou socialistas? Ou simplesmente democratas? A inquietação, porque é inquietação e desespero que se lê no debate actual, é o resultado do cataclismo: não o do Leste ou dos PC, que esses não surpreendem, mas o verdadeiro colapso - o desastre apopléctico da governação dos socialistas europeus. Mário Soares sugeriu recomeçar, definindo a fronteira da esquerda na crítica à globalização. Foi o suficiente para perturbar os arautos da direita, bom sinal. E é o bastante para exigir respostas claras: do que precisamos, antes de mais, é de uma cura de ideias fortes, contra o pensamento débil que marcou a crise. Aqui estão quatro ideias para redefinir a esquerda. Mário Soares sugeriu recomeçar, definindo a fronteira da esquerda na crítica à globalização. Foi o suficiente para perturbar os arautos da direita, bom sinal. E é o bastante para exigir respostas claras: do que precisamos, antes de mais, é de uma cura de ideias fortes, contra o pensamento débil que marcou a crise. Aqui estão quatro ideias para redefinir a esquerda. 1 O fim da globalização feliz. A defesa da globalização realmente existente oscila entre a ignorância pura e o cinismo reincidente. Impante da sua banalidade, argumenta que não há nada a fazer, porque só a liberdade dos capitais garante o crescimento que salvará os pobres, protegendo os ricos. 1 O fim da globalização feliz. A defesa da globalização realmente existente oscila entre a ignorância pura e o cinismo reincidente. Impante da sua banalidade, argumenta que não há nada a fazer, porque só a liberdade dos capitais garante o crescimento que salvará os pobres, protegendo os ricos. Os factos, no entanto, desmentem esta globalização feliz. A ONU fez o levantamento da evolução de 49 países submetidos à liberalização dos mercados: em 20 anos, desastre absoluto, a taxa de crescimento do PIB por pessoa foi de 0,4% ao ano. Mais: 80 países têm agora menos do que em 1990 - para muitos, só cresceu a pobreza. E foi por isso que o agora Prémio Nobel, J. Stiglitz, se demitiu com estrondo do Banco Mundial, acusando o FMI de conduzir uma política genocida para os pobres e de favorecer na Rússia os negócios mafiosos. Os factos, no entanto, desmentem esta globalização feliz. A ONU fez o levantamento da evolução de 49 países submetidos à liberalização dos mercados: em 20 anos, desastre absoluto, a taxa de crescimento do PIB por pessoa foi de 0,4% ao ano. Mais: 80 países têm agora menos do que em 1990 - para muitos, só cresceu a pobreza. E foi por isso que o agora Prémio Nobel, J. Stiglitz, se demitiu com estrondo do Banco Mundial, acusando o FMI de conduzir uma política genocida para os pobres e de favorecer na Rússia os negócios mafiosos. O mito da globalização feliz acabou. Simplesmente, porque não é verdade. Portugal bem o devia saber: foi precisamente o nosso país que serviu de prova provada para esse velho argumento cínico, com o Tratado de Methuen que organizou o comércio com a Inglaterra (1703). Esta fornecia têxteis e Portugal vinho: cada um vendia livremente o que tinha e ganharia o máximo - assim se fundou a doutrina liberal. É preciso mais do que a evidência dos factos para demonstrar que, bem pelo contrário, nós perdemos o que os ingleses ganharam? O mito da globalização feliz acabou. Simplesmente, porque não é verdade. Portugal bem o devia saber: foi precisamente o nosso país que serviu de prova provada para esse velho argumento cínico, com o Tratado de Methuen que organizou o comércio com a Inglaterra (1703). Esta fornecia têxteis e Portugal vinho: cada um vendia livremente o que tinha e ganharia o máximo - assim se fundou a doutrina liberal. É preciso mais do que a evidência dos factos para demonstrar que, bem pelo contrário, nós perdemos o que os ingleses ganharam? Conclusão: a liberdade dos capitais é o poder dos ricos e a exploração dos pobres. Conclusão: a liberdade dos capitais é o poder dos ricos e a exploração dos pobres. 2A globalização gerou a nova direita. Só que esta constatação não basta para definir a esquerda: não devemos ficar prisioneiros do dilema entre a publicidade encantatória da globalização e uma alternativa vagamente filantrópica. Tanto mais que a globalização se tornou um casino: desde 1995 que as Bolsas vivem uma gigantesca bolha especulativa que permite às empresas financiarem-se sem custo, entrando na espiral da fraude. Até que se precipitou a derrocada, com a falência da WorldCom, que equivalia ao PIB português. Ora, há uma razão para essa queda e para a recessão grave que vivemos: a rentabilidade das empresas reduziu-se dramaticamente para quase metade em 30 anos. 2A globalização gerou a nova direita. Só que esta constatação não basta para definir a esquerda: não devemos ficar prisioneiros do dilema entre a publicidade encantatória da globalização e uma alternativa vagamente filantrópica. Tanto mais que a globalização se tornou um casino: desde 1995 que as Bolsas vivem uma gigantesca bolha especulativa que permite às empresas financiarem-se sem custo, entrando na espiral da fraude. Até que se precipitou a derrocada, com a falência da WorldCom, que equivalia ao PIB português. Ora, há uma razão para essa queda e para a recessão grave que vivemos: a rentabilidade das empresas reduziu-se dramaticamente para quase metade em 30 anos. E é para recuperar essa rentabilidade que a globalização gera duas soluções. A primeira é a recessão, para reduzir os salários reais - e assim fez o Pacto de Convergência, aprovado por 12 governos socialistas em 15, e que conduz a combater a recessão agravando a recessão. E, para o mesmo efeito, vieram as leis de fecho de fronteiras, ou seja, que as abriam para os novos navios negreiros da imigração ilegal. A segunda solução tem sido estender o poder de mercado aos não-mercados: a saúde ou o tempo de reforma não são mercadorias, mas passam a ser vendidos como tal. Onde a civilização começara a socializar a saúde, constituindo-a como direito definidor da democracia, a globalização torna-a o novo campo de investimento por excelência. E é para recuperar essa rentabilidade que a globalização gera duas soluções. A primeira é a recessão, para reduzir os salários reais - e assim fez o Pacto de Convergência, aprovado por 12 governos socialistas em 15, e que conduz a combater a recessão agravando a recessão. E, para o mesmo efeito, vieram as leis de fecho de fronteiras, ou seja, que as abriam para os novos navios negreiros da imigração ilegal. A segunda solução tem sido estender o poder de mercado aos não-mercados: a saúde ou o tempo de reforma não são mercadorias, mas passam a ser vendidos como tal. Onde a civilização começara a socializar a saúde, constituindo-a como direito definidor da democracia, a globalização torna-a o novo campo de investimento por excelência. Por isso, a verdadeira tragédia dos socialistas no governo não foi indiferenciarem-se na fé da globalização. Foi terem-se convertido ao conservadorismo mais profundo, o liberalismo, avalizando entretanto as guerras que o anunciavam ao mundo. Porque o que há mesmo de novo nos últimos anos são os seus heróis: destroçando a esquerda tradicional, aqui está a nova direita. É evidentemente Tony Blair quem a lidera, e não espanta que entre nós já se ouçam os socialistas-laranja, os que apoiam Durão na segurança social e na saúde. Por isso, a verdadeira tragédia dos socialistas no governo não foi indiferenciarem-se na fé da globalização. Foi terem-se convertido ao conservadorismo mais profundo, o liberalismo, avalizando entretanto as guerras que o anunciavam ao mundo. Porque o que há mesmo de novo nos últimos anos são os seus heróis: destroçando a esquerda tradicional, aqui está a nova direita. É evidentemente Tony Blair quem a lidera, e não espanta que entre nós já se ouçam os socialistas-laranja, os que apoiam Durão na segurança social e na saúde. Conclusão: é o combate ao conservadorismo que define a esquerda e, para isso, tem que romper com a nova direita. Conclusão: é o combate ao conservadorismo que define a esquerda e, para isso, tem que romper com a nova direita. 3 O projecto da esquerda deve ser vencer o conservadorismo. Não nos enganemos: o projecto da grande coligação da direita é forte, porque Durão Barroso segue Tony Blair, e esse é o paradoxo socialista. Nessa herança funde-se a direita, a velha e a nova, a que vai do conservadorismo retinto, o dessa galeria de Paulo Portas a João Jardim, até ao liberalismo frenético, com Bagão Félix. E, com ela, o país está a ser assaltado: privatizam-se hospitais, sistema das águas, fundos de pensões, energia, comunicações, isentam-se os bancos de IRC, financia-se tudo com mais impostos sobre o consumo. 3 O projecto da esquerda deve ser vencer o conservadorismo. Não nos enganemos: o projecto da grande coligação da direita é forte, porque Durão Barroso segue Tony Blair, e esse é o paradoxo socialista. Nessa herança funde-se a direita, a velha e a nova, a que vai do conservadorismo retinto, o dessa galeria de Paulo Portas a João Jardim, até ao liberalismo frenético, com Bagão Félix. E, com ela, o país está a ser assaltado: privatizam-se hospitais, sistema das águas, fundos de pensões, energia, comunicações, isentam-se os bancos de IRC, financia-se tudo com mais impostos sobre o consumo. Mas, no tempo da pilhagem, o conservadorismo é fiel a si próprio: recapitula os pactos fundamentais que alicerçam o poder em Portugal. Dois pactos, reforçados, jurados. O pacto estado-patronato-finança, garantindo respeito pelos negócios, subsídios e olhos fechados: «la famiglia» tem cumprido a promessa. Mas, no tempo da pilhagem, o conservadorismo é fiel a si próprio: recapitula os pactos fundamentais que alicerçam o poder em Portugal. Dois pactos, reforçados, jurados. O pacto estado-patronato-finança, garantindo respeito pelos negócios, subsídios e olhos fechados: «la famiglia» tem cumprido a promessa. E o segundo, o pacto entre o estado-municípios-construção civil. Foi esse pacto que decidiu o Euro-2004. Ora, um país cuja economia se baseia em grandes obras públicas concessionadas é um país corrupto. O extraordinário peso político do futebol, desenganemo-nos, é o sucesso do conservadorismo no seu esplendor: dinheiro fácil e influências garantidas, é o retrato dos nossos últimos 20 anos. E é um regime tentacular: como os municípios se financiam pela densidade da construção recente, aliaram-se aos empreiteiros para construir o mais possível - com 3,5 vezes menos densidade populacional que a Holanda, que tem um urbanismo de qualidade em extensão, nós construímos como em Hong-Kong. Este país moderno é também uma imensa Brandoa, é um subúrbio de si próprio. E o segundo, o pacto entre o estado-municípios-construção civil. Foi esse pacto que decidiu o Euro-2004. Ora, um país cuja economia se baseia em grandes obras públicas concessionadas é um país corrupto. O extraordinário peso político do futebol, desenganemo-nos, é o sucesso do conservadorismo no seu esplendor: dinheiro fácil e influências garantidas, é o retrato dos nossos últimos 20 anos. E é um regime tentacular: como os municípios se financiam pela densidade da construção recente, aliaram-se aos empreiteiros para construir o mais possível - com 3,5 vezes menos densidade populacional que a Holanda, que tem um urbanismo de qualidade em extensão, nós construímos como em Hong-Kong. Este país moderno é também uma imensa Brandoa, é um subúrbio de si próprio. O que mudou então numa geração? O que mudou foi a voragem dessa modernização conservadora. Os touros de morte são legalizados. Metade da população sofre de iliteracia funcional. É o país em que se trabalha mais, com piores salários e formação profissional, e temos o recorde de acidentes de trabalho. E a maior assimetria de rendimentos da Europa. O que mudou então numa geração? O que mudou foi a voragem dessa modernização conservadora. Os touros de morte são legalizados. Metade da população sofre de iliteracia funcional. É o país em que se trabalha mais, com piores salários e formação profissional, e temos o recorde de acidentes de trabalho. E a maior assimetria de rendimentos da Europa. Conclusão: o preço do conservadorismo ao longo de 20 anos é termos 20 anos de atraso. Conclusão: o preço do conservadorismo ao longo de 20 anos é termos 20 anos de atraso. 4 A esquerda, para vencer, precisa de uma nova geografia. Daí a conclusão final: a esquerda vencedora será a que for portadora de um projecto maioritário para uma mudança social profunda, para uma modernização democrática. Creio que, no imediato, esse projecto se articula em três grandes objectivos: pleno emprego, serviços públicos de qualidade e mais Europa. Emprego e serviços públicos porque constituem o património fundamental dos direitos sociais. É essa infra-estrutura que é decisiva e urgente, em vez de estádios de futebol, e que justifica sacrifícios: na crise actual, o aumento de consumo e salários deve ser condicionado, desde que protegendo os seus níveis reais, mas em nome de uma política acordada de investimento em educação e saúde, com ganhos verificáveis para a população, ao mesmo tempo que se reconstrói a reforma fiscal. E mais Europa, porque enquanto não sair do ciclo vicioso do défice zero, não existe política social. 4 A esquerda, para vencer, precisa de uma nova geografia. Daí a conclusão final: a esquerda vencedora será a que for portadora de um projecto maioritário para uma mudança social profunda, para uma modernização democrática. Creio que, no imediato, esse projecto se articula em três grandes objectivos: pleno emprego, serviços públicos de qualidade e mais Europa. Emprego e serviços públicos porque constituem o património fundamental dos direitos sociais. É essa infra-estrutura que é decisiva e urgente, em vez de estádios de futebol, e que justifica sacrifícios: na crise actual, o aumento de consumo e salários deve ser condicionado, desde que protegendo os seus níveis reais, mas em nome de uma política acordada de investimento em educação e saúde, com ganhos verificáveis para a população, ao mesmo tempo que se reconstrói a reforma fiscal. E mais Europa, porque enquanto não sair do ciclo vicioso do défice zero, não existe política social. Por isso, os próximos quatro anos vão pôr-nos à prova. A direita unifica-se. A esquerda terá que criar plataformas úteis e, se quer vencer, só pode ser diferente da que temos. Não será federada pelo PS, porque é dentro do PS que passarão as escolhas mais difíceis, e estão por fazer. Será um novo alinhamento, o novo pólo que nascer do reagrupamento dos movimentos sociais que respondem ao liberalismo, das forças políticas que propõem alternativas, e de um cosmopolitismo moderno que responda aos grandes problemas do século XXI, a droga, a imigração, a pobreza, a sida. Esse pólo terá que ter partidos novos, irreconhecíveis, que venceram o situacionismo para vencer o conservadorismo, que se modernizaram separando-se da nova direita. Este programa exige uma nova geografia para a esquerda. É difícil, mas os outros caminhos só prometem derrotas gloriosas, e foi por aí que começou a crise que vivemos agora. Por isso, os próximos quatro anos vão pôr-nos à prova. A direita unifica-se. A esquerda terá que criar plataformas úteis e, se quer vencer, só pode ser diferente da que temos. Não será federada pelo PS, porque é dentro do PS que passarão as escolhas mais difíceis, e estão por fazer. Será um novo alinhamento, o novo pólo que nascer do reagrupamento dos movimentos sociais que respondem ao liberalismo, das forças políticas que propõem alternativas, e de um cosmopolitismo moderno que responda aos grandes problemas do século XXI, a droga, a imigração, a pobreza, a sida. Esse pólo terá que ter partidos novos, irreconhecíveis, que venceram o situacionismo para vencer o conservadorismo, que se modernizaram separando-se da nova direita. Este programa exige uma nova geografia para a esquerda. É difícil, mas os outros caminhos só prometem derrotas gloriosas, e foi por aí que começou a crise que vivemos agora. 20:29 19 Agosto 2002

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Comentários

1 a 1 de 1 Nuno-Miguel 15:19 20 Agosto 2002 Convite e sugestão

Observando todo o conteúdo noticioso deste jornal bem como grande parte dos comentários aos artigos publicados, apercebo-me de que estará essencialmente empenhado em participar activamente na políca nacional e eventualmente em dar o seu contributo por forma a permitir que os cidadãos possam mostrar o que lhes vai na alma. Vejo que fervilham os comentários denotando aquilo a que designo por uma partidarite aguda e que mais não passam de simples ataques pessoais que ainda que constituam um desabafo, pouco impacto terão no percurso social deste país e como tal, porque acima de tudo penso que devemos tratar dos valores sociais para assim contruirmos os alicerces nos quais assentaremos todas as filosofias políticas, queria sugerir um tema para debate neste fórum caso julguem pertinente. Sendo assim, tendo fé na boa vontade de quem gere este mesmo espaço, gostaria de deixar expressa a minha intenção de trocar algumas impressões sobre diversos temas polémicos, alguns defendidos quer por Francisco Louçã quer pela dra. Jamila Madeira, nomeadamente sobre questões de legalização da prostituição e a despenalização das drogas, tão acérrimamente defendidas por cada um destes elementos, respectivamente. Sendo uma questão de interesse nacional, penso que a inclusão de um espaço /fórum para debate com alguns políticos que tivessem a amabilidade de disponibilizarem nem que fosse uma hora do seu tempo por semana quando lhes fosse possível, constituiria uma mais valia quer para o Expresso Online quer para todos os leitores que diariamente ocupam parte do seu tempo a lê-lo e a comentá-lo. Fica assim desde já feito um convite da minha parte quer à equipa do Expresso Online quer inicialmente à dra. Jamila Madeira e também a Francisco Louçã e António Saleiro, entre outros que certamente poderiam dar o seu contributo para esclarecerem os cidadãos quanto às suas intenções para o desenvolvimento do país. Obrigado.

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Polémicas Artigo de Mário Soares publicado no EXPRESSO

LEIA O TEXTO PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº1553 «Estamos a assistir agora, em Portugal, depois da experiência inesquecível do 'Verão quente' de 1975, a um afloramento serôdio dessa velhíssima polémica, que se julgava ultrapassada, desta vez entre os 'renovadores' e os 'conservadores', reclamando-se por igual do PCP. Uns querem mais liberdade e democracia interna, num partido que nunca as teve, e outros persistem agarrados a uma dogmática e ao recurso a expulsões sem sentido nem eco na sociedade actual. Um debate patético!» Ousar vencer Franciso Louçã

CENTRO ou esquerda? Radicais ou socialistas? Ou simplesmente democratas? A inquietação, porque é inquietação e desespero que se lê no debate actual, é o resultado do cataclismo: não o do Leste ou dos PC, que esses não surpreendem, mas o verdadeiro colapso - o desastre apopléctico da governação dos socialistas europeus. Mário Soares sugeriu recomeçar, definindo a fronteira da esquerda na crítica à globalização. Foi o suficiente para perturbar os arautos da direita, bom sinal. E é o bastante para exigir respostas claras: do que precisamos, antes de mais, é de uma cura de ideias fortes, contra o pensamento débil que marcou a crise. Aqui estão quatro ideias para redefinir a esquerda. Mário Soares sugeriu recomeçar, definindo a fronteira da esquerda na crítica à globalização. Foi o suficiente para perturbar os arautos da direita, bom sinal. E é o bastante para exigir respostas claras: do que precisamos, antes de mais, é de uma cura de ideias fortes, contra o pensamento débil que marcou a crise. Aqui estão quatro ideias para redefinir a esquerda. 1 O fim da globalização feliz. A defesa da globalização realmente existente oscila entre a ignorância pura e o cinismo reincidente. Impante da sua banalidade, argumenta que não há nada a fazer, porque só a liberdade dos capitais garante o crescimento que salvará os pobres, protegendo os ricos. 1 O fim da globalização feliz. A defesa da globalização realmente existente oscila entre a ignorância pura e o cinismo reincidente. Impante da sua banalidade, argumenta que não há nada a fazer, porque só a liberdade dos capitais garante o crescimento que salvará os pobres, protegendo os ricos. Os factos, no entanto, desmentem esta globalização feliz. A ONU fez o levantamento da evolução de 49 países submetidos à liberalização dos mercados: em 20 anos, desastre absoluto, a taxa de crescimento do PIB por pessoa foi de 0,4% ao ano. Mais: 80 países têm agora menos do que em 1990 - para muitos, só cresceu a pobreza. E foi por isso que o agora Prémio Nobel, J. Stiglitz, se demitiu com estrondo do Banco Mundial, acusando o FMI de conduzir uma política genocida para os pobres e de favorecer na Rússia os negócios mafiosos. Os factos, no entanto, desmentem esta globalização feliz. A ONU fez o levantamento da evolução de 49 países submetidos à liberalização dos mercados: em 20 anos, desastre absoluto, a taxa de crescimento do PIB por pessoa foi de 0,4% ao ano. Mais: 80 países têm agora menos do que em 1990 - para muitos, só cresceu a pobreza. E foi por isso que o agora Prémio Nobel, J. Stiglitz, se demitiu com estrondo do Banco Mundial, acusando o FMI de conduzir uma política genocida para os pobres e de favorecer na Rússia os negócios mafiosos. O mito da globalização feliz acabou. Simplesmente, porque não é verdade. Portugal bem o devia saber: foi precisamente o nosso país que serviu de prova provada para esse velho argumento cínico, com o Tratado de Methuen que organizou o comércio com a Inglaterra (1703). Esta fornecia têxteis e Portugal vinho: cada um vendia livremente o que tinha e ganharia o máximo - assim se fundou a doutrina liberal. É preciso mais do que a evidência dos factos para demonstrar que, bem pelo contrário, nós perdemos o que os ingleses ganharam? O mito da globalização feliz acabou. Simplesmente, porque não é verdade. Portugal bem o devia saber: foi precisamente o nosso país que serviu de prova provada para esse velho argumento cínico, com o Tratado de Methuen que organizou o comércio com a Inglaterra (1703). Esta fornecia têxteis e Portugal vinho: cada um vendia livremente o que tinha e ganharia o máximo - assim se fundou a doutrina liberal. É preciso mais do que a evidência dos factos para demonstrar que, bem pelo contrário, nós perdemos o que os ingleses ganharam? Conclusão: a liberdade dos capitais é o poder dos ricos e a exploração dos pobres. Conclusão: a liberdade dos capitais é o poder dos ricos e a exploração dos pobres. 2A globalização gerou a nova direita. Só que esta constatação não basta para definir a esquerda: não devemos ficar prisioneiros do dilema entre a publicidade encantatória da globalização e uma alternativa vagamente filantrópica. Tanto mais que a globalização se tornou um casino: desde 1995 que as Bolsas vivem uma gigantesca bolha especulativa que permite às empresas financiarem-se sem custo, entrando na espiral da fraude. Até que se precipitou a derrocada, com a falência da WorldCom, que equivalia ao PIB português. Ora, há uma razão para essa queda e para a recessão grave que vivemos: a rentabilidade das empresas reduziu-se dramaticamente para quase metade em 30 anos. 2A globalização gerou a nova direita. Só que esta constatação não basta para definir a esquerda: não devemos ficar prisioneiros do dilema entre a publicidade encantatória da globalização e uma alternativa vagamente filantrópica. Tanto mais que a globalização se tornou um casino: desde 1995 que as Bolsas vivem uma gigantesca bolha especulativa que permite às empresas financiarem-se sem custo, entrando na espiral da fraude. Até que se precipitou a derrocada, com a falência da WorldCom, que equivalia ao PIB português. Ora, há uma razão para essa queda e para a recessão grave que vivemos: a rentabilidade das empresas reduziu-se dramaticamente para quase metade em 30 anos. E é para recuperar essa rentabilidade que a globalização gera duas soluções. A primeira é a recessão, para reduzir os salários reais - e assim fez o Pacto de Convergência, aprovado por 12 governos socialistas em 15, e que conduz a combater a recessão agravando a recessão. E, para o mesmo efeito, vieram as leis de fecho de fronteiras, ou seja, que as abriam para os novos navios negreiros da imigração ilegal. A segunda solução tem sido estender o poder de mercado aos não-mercados: a saúde ou o tempo de reforma não são mercadorias, mas passam a ser vendidos como tal. Onde a civilização começara a socializar a saúde, constituindo-a como direito definidor da democracia, a globalização torna-a o novo campo de investimento por excelência. E é para recuperar essa rentabilidade que a globalização gera duas soluções. A primeira é a recessão, para reduzir os salários reais - e assim fez o Pacto de Convergência, aprovado por 12 governos socialistas em 15, e que conduz a combater a recessão agravando a recessão. E, para o mesmo efeito, vieram as leis de fecho de fronteiras, ou seja, que as abriam para os novos navios negreiros da imigração ilegal. A segunda solução tem sido estender o poder de mercado aos não-mercados: a saúde ou o tempo de reforma não são mercadorias, mas passam a ser vendidos como tal. Onde a civilização começara a socializar a saúde, constituindo-a como direito definidor da democracia, a globalização torna-a o novo campo de investimento por excelência. Por isso, a verdadeira tragédia dos socialistas no governo não foi indiferenciarem-se na fé da globalização. Foi terem-se convertido ao conservadorismo mais profundo, o liberalismo, avalizando entretanto as guerras que o anunciavam ao mundo. Porque o que há mesmo de novo nos últimos anos são os seus heróis: destroçando a esquerda tradicional, aqui está a nova direita. É evidentemente Tony Blair quem a lidera, e não espanta que entre nós já se ouçam os socialistas-laranja, os que apoiam Durão na segurança social e na saúde. Por isso, a verdadeira tragédia dos socialistas no governo não foi indiferenciarem-se na fé da globalização. Foi terem-se convertido ao conservadorismo mais profundo, o liberalismo, avalizando entretanto as guerras que o anunciavam ao mundo. Porque o que há mesmo de novo nos últimos anos são os seus heróis: destroçando a esquerda tradicional, aqui está a nova direita. É evidentemente Tony Blair quem a lidera, e não espanta que entre nós já se ouçam os socialistas-laranja, os que apoiam Durão na segurança social e na saúde. Conclusão: é o combate ao conservadorismo que define a esquerda e, para isso, tem que romper com a nova direita. Conclusão: é o combate ao conservadorismo que define a esquerda e, para isso, tem que romper com a nova direita. 3 O projecto da esquerda deve ser vencer o conservadorismo. Não nos enganemos: o projecto da grande coligação da direita é forte, porque Durão Barroso segue Tony Blair, e esse é o paradoxo socialista. Nessa herança funde-se a direita, a velha e a nova, a que vai do conservadorismo retinto, o dessa galeria de Paulo Portas a João Jardim, até ao liberalismo frenético, com Bagão Félix. E, com ela, o país está a ser assaltado: privatizam-se hospitais, sistema das águas, fundos de pensões, energia, comunicações, isentam-se os bancos de IRC, financia-se tudo com mais impostos sobre o consumo. 3 O projecto da esquerda deve ser vencer o conservadorismo. Não nos enganemos: o projecto da grande coligação da direita é forte, porque Durão Barroso segue Tony Blair, e esse é o paradoxo socialista. Nessa herança funde-se a direita, a velha e a nova, a que vai do conservadorismo retinto, o dessa galeria de Paulo Portas a João Jardim, até ao liberalismo frenético, com Bagão Félix. E, com ela, o país está a ser assaltado: privatizam-se hospitais, sistema das águas, fundos de pensões, energia, comunicações, isentam-se os bancos de IRC, financia-se tudo com mais impostos sobre o consumo. Mas, no tempo da pilhagem, o conservadorismo é fiel a si próprio: recapitula os pactos fundamentais que alicerçam o poder em Portugal. Dois pactos, reforçados, jurados. O pacto estado-patronato-finança, garantindo respeito pelos negócios, subsídios e olhos fechados: «la famiglia» tem cumprido a promessa. Mas, no tempo da pilhagem, o conservadorismo é fiel a si próprio: recapitula os pactos fundamentais que alicerçam o poder em Portugal. Dois pactos, reforçados, jurados. O pacto estado-patronato-finança, garantindo respeito pelos negócios, subsídios e olhos fechados: «la famiglia» tem cumprido a promessa. E o segundo, o pacto entre o estado-municípios-construção civil. Foi esse pacto que decidiu o Euro-2004. Ora, um país cuja economia se baseia em grandes obras públicas concessionadas é um país corrupto. O extraordinário peso político do futebol, desenganemo-nos, é o sucesso do conservadorismo no seu esplendor: dinheiro fácil e influências garantidas, é o retrato dos nossos últimos 20 anos. E é um regime tentacular: como os municípios se financiam pela densidade da construção recente, aliaram-se aos empreiteiros para construir o mais possível - com 3,5 vezes menos densidade populacional que a Holanda, que tem um urbanismo de qualidade em extensão, nós construímos como em Hong-Kong. Este país moderno é também uma imensa Brandoa, é um subúrbio de si próprio. E o segundo, o pacto entre o estado-municípios-construção civil. Foi esse pacto que decidiu o Euro-2004. Ora, um país cuja economia se baseia em grandes obras públicas concessionadas é um país corrupto. O extraordinário peso político do futebol, desenganemo-nos, é o sucesso do conservadorismo no seu esplendor: dinheiro fácil e influências garantidas, é o retrato dos nossos últimos 20 anos. E é um regime tentacular: como os municípios se financiam pela densidade da construção recente, aliaram-se aos empreiteiros para construir o mais possível - com 3,5 vezes menos densidade populacional que a Holanda, que tem um urbanismo de qualidade em extensão, nós construímos como em Hong-Kong. Este país moderno é também uma imensa Brandoa, é um subúrbio de si próprio. O que mudou então numa geração? O que mudou foi a voragem dessa modernização conservadora. Os touros de morte são legalizados. Metade da população sofre de iliteracia funcional. É o país em que se trabalha mais, com piores salários e formação profissional, e temos o recorde de acidentes de trabalho. E a maior assimetria de rendimentos da Europa. O que mudou então numa geração? O que mudou foi a voragem dessa modernização conservadora. Os touros de morte são legalizados. Metade da população sofre de iliteracia funcional. É o país em que se trabalha mais, com piores salários e formação profissional, e temos o recorde de acidentes de trabalho. E a maior assimetria de rendimentos da Europa. Conclusão: o preço do conservadorismo ao longo de 20 anos é termos 20 anos de atraso. Conclusão: o preço do conservadorismo ao longo de 20 anos é termos 20 anos de atraso. 4 A esquerda, para vencer, precisa de uma nova geografia. Daí a conclusão final: a esquerda vencedora será a que for portadora de um projecto maioritário para uma mudança social profunda, para uma modernização democrática. Creio que, no imediato, esse projecto se articula em três grandes objectivos: pleno emprego, serviços públicos de qualidade e mais Europa. Emprego e serviços públicos porque constituem o património fundamental dos direitos sociais. É essa infra-estrutura que é decisiva e urgente, em vez de estádios de futebol, e que justifica sacrifícios: na crise actual, o aumento de consumo e salários deve ser condicionado, desde que protegendo os seus níveis reais, mas em nome de uma política acordada de investimento em educação e saúde, com ganhos verificáveis para a população, ao mesmo tempo que se reconstrói a reforma fiscal. E mais Europa, porque enquanto não sair do ciclo vicioso do défice zero, não existe política social. 4 A esquerda, para vencer, precisa de uma nova geografia. Daí a conclusão final: a esquerda vencedora será a que for portadora de um projecto maioritário para uma mudança social profunda, para uma modernização democrática. Creio que, no imediato, esse projecto se articula em três grandes objectivos: pleno emprego, serviços públicos de qualidade e mais Europa. Emprego e serviços públicos porque constituem o património fundamental dos direitos sociais. É essa infra-estrutura que é decisiva e urgente, em vez de estádios de futebol, e que justifica sacrifícios: na crise actual, o aumento de consumo e salários deve ser condicionado, desde que protegendo os seus níveis reais, mas em nome de uma política acordada de investimento em educação e saúde, com ganhos verificáveis para a população, ao mesmo tempo que se reconstrói a reforma fiscal. E mais Europa, porque enquanto não sair do ciclo vicioso do défice zero, não existe política social. Por isso, os próximos quatro anos vão pôr-nos à prova. A direita unifica-se. A esquerda terá que criar plataformas úteis e, se quer vencer, só pode ser diferente da que temos. Não será federada pelo PS, porque é dentro do PS que passarão as escolhas mais difíceis, e estão por fazer. Será um novo alinhamento, o novo pólo que nascer do reagrupamento dos movimentos sociais que respondem ao liberalismo, das forças políticas que propõem alternativas, e de um cosmopolitismo moderno que responda aos grandes problemas do século XXI, a droga, a imigração, a pobreza, a sida. Esse pólo terá que ter partidos novos, irreconhecíveis, que venceram o situacionismo para vencer o conservadorismo, que se modernizaram separando-se da nova direita. Este programa exige uma nova geografia para a esquerda. É difícil, mas os outros caminhos só prometem derrotas gloriosas, e foi por aí que começou a crise que vivemos agora. Por isso, os próximos quatro anos vão pôr-nos à prova. A direita unifica-se. A esquerda terá que criar plataformas úteis e, se quer vencer, só pode ser diferente da que temos. Não será federada pelo PS, porque é dentro do PS que passarão as escolhas mais difíceis, e estão por fazer. Será um novo alinhamento, o novo pólo que nascer do reagrupamento dos movimentos sociais que respondem ao liberalismo, das forças políticas que propõem alternativas, e de um cosmopolitismo moderno que responda aos grandes problemas do século XXI, a droga, a imigração, a pobreza, a sida. Esse pólo terá que ter partidos novos, irreconhecíveis, que venceram o situacionismo para vencer o conservadorismo, que se modernizaram separando-se da nova direita. Este programa exige uma nova geografia para a esquerda. É difícil, mas os outros caminhos só prometem derrotas gloriosas, e foi por aí que começou a crise que vivemos agora. 20:29 19 Agosto 2002

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Comentários

1 a 1 de 1 Nuno-Miguel 15:19 20 Agosto 2002 Convite e sugestão

Observando todo o conteúdo noticioso deste jornal bem como grande parte dos comentários aos artigos publicados, apercebo-me de que estará essencialmente empenhado em participar activamente na políca nacional e eventualmente em dar o seu contributo por forma a permitir que os cidadãos possam mostrar o que lhes vai na alma. Vejo que fervilham os comentários denotando aquilo a que designo por uma partidarite aguda e que mais não passam de simples ataques pessoais que ainda que constituam um desabafo, pouco impacto terão no percurso social deste país e como tal, porque acima de tudo penso que devemos tratar dos valores sociais para assim contruirmos os alicerces nos quais assentaremos todas as filosofias políticas, queria sugerir um tema para debate neste fórum caso julguem pertinente. Sendo assim, tendo fé na boa vontade de quem gere este mesmo espaço, gostaria de deixar expressa a minha intenção de trocar algumas impressões sobre diversos temas polémicos, alguns defendidos quer por Francisco Louçã quer pela dra. Jamila Madeira, nomeadamente sobre questões de legalização da prostituição e a despenalização das drogas, tão acérrimamente defendidas por cada um destes elementos, respectivamente. Sendo uma questão de interesse nacional, penso que a inclusão de um espaço /fórum para debate com alguns políticos que tivessem a amabilidade de disponibilizarem nem que fosse uma hora do seu tempo por semana quando lhes fosse possível, constituiria uma mais valia quer para o Expresso Online quer para todos os leitores que diariamente ocupam parte do seu tempo a lê-lo e a comentá-lo. Fica assim desde já feito um convite da minha parte quer à equipa do Expresso Online quer inicialmente à dra. Jamila Madeira e também a Francisco Louçã e António Saleiro, entre outros que certamente poderiam dar o seu contributo para esclarecerem os cidadãos quanto às suas intenções para o desenvolvimento do país. Obrigado.

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