O dilema europeu

25-11-2002
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O Dilema Europeu

Pela nossa enviada TERESA DE SOUSA, em Praga

Quinta-feira, 21 de Novembro de 2002 Que NATO quer a Europa? Enquanto a Europa não souber o que quer ser no mundo pós-guerra fria, a pergunta só poderá ter respostas parciais e pragmáticas A NATO precisa de encontrar uma nova "justificação positiva" para o mundo pós-guerra fria, "que seja suficientemente explícita, compreendida e partilhada para poder ser aceite pelas opiniões públicas dos países aliados". Jaime Gama, antigo chefe da diplomacia portuguesa e o autor desta afirmação durante um debate recente sobre a NATO, em Lisboa, apontou três cenários possíveis para o futuro da Aliança que, em seu entender, não correspondem a este requisito: ser percebida pelos europeus como "um mero instrumento de hegemonia de um só país"; como "a forma de um aliado controlar os outros"; ou, finalmente, como mera "plataforma para o mercado das indústrias de defesa". A NATO, avisou ainda Gama, "também não pode aparecer aos olhos dos europeus com uma agenda cujo objectivo é atrasar ou controlar a afirmação de um identidade europeia de defesa". Nenhum destes cenários está ainda totalmente afastado, longe disso. Sintetizam as "angústias" com que os europeus encaram o futuro de uma organização que garantiu a segurança da Europa durante os anos da guerra fria, que representou o compromisso americano com a defesa europeia e que tem de encontrar um novo papel na segurança internacional, sob pena de vir a morrer por falta de interesse da América e por falta de empenho dos aliados europeus. O 11 de Setembro e a nova doutrina estratégica americana obrigaram-nos a abandonar a atitude "conservadora" que mantiveram na última década e a constatar que uma NATO que deixasse de servir os interesses de segurança do aliado estaria, mais cedo ou mais tarde, condenada à morte. Mas falta ainda à Europa uma ideia comum sobre o sentido dessa mudança que deixe espaço para o desenvolvimento de uma política de defesa europeia e que dê sentido, por essa via, a um verdadeiro pilar europeu da NATO. Se não, restam-lhe dois cenários: ou aceitar que a Aliança evolua para um mero "clube de debate", ou condenar a Europa a ser um apêndice estratégico da América. "Não temos nada a ganhar com a transformação da NATO num simples fórum de debate (...). Se ela quer manter-se como uma organização militar efectiva, então é preciso estabelecer limites ao seu alargamento", disse na terça-feira o primeiro-ministro dinamarquês, falando na sua qualidade de presidente em exercício da UE. Nos últimos meses, longe da luzes da ribalta, os europeus têm vindo progressivamente a aceitar a nova agenda americana para a organização. Depois de anos a fio a debater se a NATO poderia agir fora da Europa, os ministros dos Negócios Estrangeiros acordaram, em Maio passado, que a NATO "tem de dispor de forças capazes de mover-se rapidamente para onde forem necessárias". Daqui até aceitarem a proposta americana de criação de uma força de reacção, pronta para ser enviada para qualquer parte do globo em menos de uma semana e para se sustentar no terreno durante um longo período de tempo, foi um passo. "Tudo isto foi feito discretamente, mas toda a gente tinha perfeita consciência do que significava", disse recentemente um diplomata europeu, citado pelo "International Herald Tribune". "Ninguém quis tornar esta questão controversa", acrescentou. A própria França, o país europeu mais resistente à ideia da NATO poder agir fora do perímetro europeu, não levantou obstáculos. A discussão "morreu sob as Torres Gémeas" de Nova Iorque, nas palavras do seu embaixador junto da sede da Aliança, Benoit d'Aboville. A Europa prepara-se também para dar luz verde em Praga a um documento intitulado "Conceito militar da luta contra o terrorismo" no qual é implicitamente aceite a possibilidade da "defesa preventiva" (em Bruxelas preferem dizer "antecipatória") em três situações de "ameaça externa" específicas: um ataque terrorista iminente; quando haja informação fundamentada de que se prepara um ataque terrorista; em caso de a NATO declarar uma guerra. Outro passo no sentido da aproximação a Washington dado com relativa discrição. Falta agora aos europeus enfrentar o duplo desafio que constitui a exigência americana de que invistam mais na defesa e a necessidade de assumirem cada vez mais a responsabilidade da segurança no seu próprio continente. Este será também um dos testes de Praga, onde cada aliado terá de se comprometer com um determinado esforço concreto para o reforço das capacidades militares da Aliança em função das suas novas missões. O "caderno de encargos" apresentado por Washington é pesado. A Europa continua a debater-se com o dilema de cumprir o pacto de estabilidade e crescimento imposto pelo euro ou investir mais a sério na defesa. Em termos estratégicos, é bem mais complicado quando se trata de encontrar uma convergência entre os interesses de segurança dos EUA e da Europa. "Em Praga, não deveríamos apenas tratar das capacidades militares, mas ajudar a fazer da NATO um importante pilar de um sistema de cooperação mundial para a segurança", disse recentemente o chefe da diplomacia alemã, Joschka Fischer, num debate no Bundestag sobre o futuro da Aliança. Ao contrário dos EUA, que colocam a tónica da luta contra o terrorismo na dimensão militar, os europeus vêem nela apenas um papel complementar de muitas outras dimensões, que vão desde a cooperação policial até à ajuda ao desenvolvimento e à democratização, passando pela prevenção e resolução de conflitos (como o do Médio Oriente). Nem aceitam de boa vontade eleger a luta contra o terrorismo como o único princípio organizador das relações internacionais, pondo em plano secundário questões fundamentais como o desenvolvimento, a democracia e os direitos humanos. O problema está em que a relação com a América é hoje um poderoso factor de divisão entre os europeus e, sobretudo, entre as três principais potências da UE, como a questão do Iraque tem demonstrado. Em Berlim, Paris ou Londres são distintas as visões sobre o que deve ser a Europa no pós-guerra fria. Uma mera "potência civil", como gostariam os alemães? Uma "potência política" com o músculo militar suficiente para equilibrar o poder dos EUA, como ainda sonha a França? Ou uma "continuação" dos EUA, com autonomia quanto baste para não pôr em causa a presença americana na Europa, como o Reino Unido gostaria? Sem responder a esta questão, a Europa não tem capacidade de influenciar Washington na reinvenção da Aliança. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Ou a NATO muda, ou morre

Os pontos principais da agenda

Os anteriores alargamentos

O dilema europeu

A transformação da NATO

Milhares de polícias e soldados reforçam segurança

EDITORIAL

Ser ou não ser responsáveis

O Dilema Europeu

Pela nossa enviada TERESA DE SOUSA, em Praga

Quinta-feira, 21 de Novembro de 2002 Que NATO quer a Europa? Enquanto a Europa não souber o que quer ser no mundo pós-guerra fria, a pergunta só poderá ter respostas parciais e pragmáticas A NATO precisa de encontrar uma nova "justificação positiva" para o mundo pós-guerra fria, "que seja suficientemente explícita, compreendida e partilhada para poder ser aceite pelas opiniões públicas dos países aliados". Jaime Gama, antigo chefe da diplomacia portuguesa e o autor desta afirmação durante um debate recente sobre a NATO, em Lisboa, apontou três cenários possíveis para o futuro da Aliança que, em seu entender, não correspondem a este requisito: ser percebida pelos europeus como "um mero instrumento de hegemonia de um só país"; como "a forma de um aliado controlar os outros"; ou, finalmente, como mera "plataforma para o mercado das indústrias de defesa". A NATO, avisou ainda Gama, "também não pode aparecer aos olhos dos europeus com uma agenda cujo objectivo é atrasar ou controlar a afirmação de um identidade europeia de defesa". Nenhum destes cenários está ainda totalmente afastado, longe disso. Sintetizam as "angústias" com que os europeus encaram o futuro de uma organização que garantiu a segurança da Europa durante os anos da guerra fria, que representou o compromisso americano com a defesa europeia e que tem de encontrar um novo papel na segurança internacional, sob pena de vir a morrer por falta de interesse da América e por falta de empenho dos aliados europeus. O 11 de Setembro e a nova doutrina estratégica americana obrigaram-nos a abandonar a atitude "conservadora" que mantiveram na última década e a constatar que uma NATO que deixasse de servir os interesses de segurança do aliado estaria, mais cedo ou mais tarde, condenada à morte. Mas falta ainda à Europa uma ideia comum sobre o sentido dessa mudança que deixe espaço para o desenvolvimento de uma política de defesa europeia e que dê sentido, por essa via, a um verdadeiro pilar europeu da NATO. Se não, restam-lhe dois cenários: ou aceitar que a Aliança evolua para um mero "clube de debate", ou condenar a Europa a ser um apêndice estratégico da América. "Não temos nada a ganhar com a transformação da NATO num simples fórum de debate (...). Se ela quer manter-se como uma organização militar efectiva, então é preciso estabelecer limites ao seu alargamento", disse na terça-feira o primeiro-ministro dinamarquês, falando na sua qualidade de presidente em exercício da UE. Nos últimos meses, longe da luzes da ribalta, os europeus têm vindo progressivamente a aceitar a nova agenda americana para a organização. Depois de anos a fio a debater se a NATO poderia agir fora da Europa, os ministros dos Negócios Estrangeiros acordaram, em Maio passado, que a NATO "tem de dispor de forças capazes de mover-se rapidamente para onde forem necessárias". Daqui até aceitarem a proposta americana de criação de uma força de reacção, pronta para ser enviada para qualquer parte do globo em menos de uma semana e para se sustentar no terreno durante um longo período de tempo, foi um passo. "Tudo isto foi feito discretamente, mas toda a gente tinha perfeita consciência do que significava", disse recentemente um diplomata europeu, citado pelo "International Herald Tribune". "Ninguém quis tornar esta questão controversa", acrescentou. A própria França, o país europeu mais resistente à ideia da NATO poder agir fora do perímetro europeu, não levantou obstáculos. A discussão "morreu sob as Torres Gémeas" de Nova Iorque, nas palavras do seu embaixador junto da sede da Aliança, Benoit d'Aboville. A Europa prepara-se também para dar luz verde em Praga a um documento intitulado "Conceito militar da luta contra o terrorismo" no qual é implicitamente aceite a possibilidade da "defesa preventiva" (em Bruxelas preferem dizer "antecipatória") em três situações de "ameaça externa" específicas: um ataque terrorista iminente; quando haja informação fundamentada de que se prepara um ataque terrorista; em caso de a NATO declarar uma guerra. Outro passo no sentido da aproximação a Washington dado com relativa discrição. Falta agora aos europeus enfrentar o duplo desafio que constitui a exigência americana de que invistam mais na defesa e a necessidade de assumirem cada vez mais a responsabilidade da segurança no seu próprio continente. Este será também um dos testes de Praga, onde cada aliado terá de se comprometer com um determinado esforço concreto para o reforço das capacidades militares da Aliança em função das suas novas missões. O "caderno de encargos" apresentado por Washington é pesado. A Europa continua a debater-se com o dilema de cumprir o pacto de estabilidade e crescimento imposto pelo euro ou investir mais a sério na defesa. Em termos estratégicos, é bem mais complicado quando se trata de encontrar uma convergência entre os interesses de segurança dos EUA e da Europa. "Em Praga, não deveríamos apenas tratar das capacidades militares, mas ajudar a fazer da NATO um importante pilar de um sistema de cooperação mundial para a segurança", disse recentemente o chefe da diplomacia alemã, Joschka Fischer, num debate no Bundestag sobre o futuro da Aliança. Ao contrário dos EUA, que colocam a tónica da luta contra o terrorismo na dimensão militar, os europeus vêem nela apenas um papel complementar de muitas outras dimensões, que vão desde a cooperação policial até à ajuda ao desenvolvimento e à democratização, passando pela prevenção e resolução de conflitos (como o do Médio Oriente). Nem aceitam de boa vontade eleger a luta contra o terrorismo como o único princípio organizador das relações internacionais, pondo em plano secundário questões fundamentais como o desenvolvimento, a democracia e os direitos humanos. O problema está em que a relação com a América é hoje um poderoso factor de divisão entre os europeus e, sobretudo, entre as três principais potências da UE, como a questão do Iraque tem demonstrado. Em Berlim, Paris ou Londres são distintas as visões sobre o que deve ser a Europa no pós-guerra fria. Uma mera "potência civil", como gostariam os alemães? Uma "potência política" com o músculo militar suficiente para equilibrar o poder dos EUA, como ainda sonha a França? Ou uma "continuação" dos EUA, com autonomia quanto baste para não pôr em causa a presença americana na Europa, como o Reino Unido gostaria? Sem responder a esta questão, a Europa não tem capacidade de influenciar Washington na reinvenção da Aliança. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Ou a NATO muda, ou morre

Os pontos principais da agenda

Os anteriores alargamentos

O dilema europeu

A transformação da NATO

Milhares de polícias e soldados reforçam segurança

EDITORIAL

Ser ou não ser responsáveis

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