Espaço Público

11-03-2004
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A Espera

Por EDUARDO PRADO COELHO

Segunda-feira, 22 de Dezembro de 2003 Na passada quinta-feira, o primeiro-ministro Durão Barroso procurou estabelecer algum rumo para as posições atabalhoadas e assustadas do PSD em relação à despenalização do aborto. Já não era sem tempo, uma vez que a confusão se tinha instalado. Não apenas a legítima e saudável diversidade de opiniões, mas também a dificuldade em percebermos quem representa quem e quem manda em quem. Durão Barroso afirma mais uma vez que o aborto é "uma questão do foro íntimo de cada um". E ninguém em princípio poderá discordar de tal afirmação. O problema está em que Durão diz, mas não faz. Porque qual é a situação hoje? Por um lado, uma esquerda (que alguns dizem ser autoritária e anti-liberal) que vem dizer que o aborto é uma questão da consciência de cada um e que a lei deve permitir que cada um escolha e actue segundo a sua consciência. Do outro lado, uma direita que gosta de aparecer como "liberal", mas que toma a mais anti-liberal das atitudes: sim, o aborto é da consciência de cada um, mas certas opções de consciência são passíveis de serem penalizadas em tribunais. Donde, cada um é livre, mas apenas livre de agir como "eles" querem. Enquanto a esquerda diz que cada um é livre de agir como quer. O primeiro-ministro pode afirmar que, na sua hierarquia de valores, o direito à vida está acima de qualquer outro, mas sabe certamente que não está a falar da vida em geral, uma vez que não consta que seja vegetariano e nunca tenha comido um bife, apesar de a sacrificada vaca ser uma exuberante manifestação de vida. Está a falar da "vida humana", e sabe perfeitamente que a única grande questão consiste em saber quando começa a vida humana. Ao dizer que "esta maioria não foi eleita para mudar a legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez", Durão Barroso contribui fortemente para o já agravado descrédito da política. Porque aquilo que vem afirmar é que o acordo que estabeleceram com o PP para formar esta maioria não lhes permite por agora avançar nesta matéria. Vai ser preciso esperar. Por outras palavras, os interesses da politiquice partidária sobrepõem-se aos sofrimentos concretos das pessoas. É assim que a política perde prestígio: aparece como qualquer coisa em que a lógica dos seus próprios problemas se sobrepõe aos problemas dos cidadãos. Esperar, porquê? Porque os senhores políticos precisam de tempo para engendrar uma outra jogada política. E as pessoas cada vez mais parecem condenadas a assistir ao espectáculo das sucessivas jogadas. Bem mais divertidas são as inflamadas declarações da deputada do PSD Isilda Pegado, que critica a "esquerda iluminada que se julga capaz de ultrapassar a vontade do povo português". Convém recordar que essa vontade não teve a expressividade mínima que lhe permita sequer ser representativa da vontade do povo português - como talvez seja bom lembrar. E Isilda Pegado (que tem a considerável vantagem de poder dizer o que quiser porque ninguém sabe quem é) critica... o Bispo do Porto. Em nome do combate a quê? A deputada Pegado não teme as palavras. À "barbárie". Deus lhe perdoe. OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO EDITORIAL

Durão no casamento de Luanda

OPINIÃO

O aborto pelo Natal

Cooperação e conflito

Investigação científica e jornalismo

Portugal e Angola

O FIO DO HORIZONTE

A espera

CARTAS AO DIRECTOR

A (ir)responsabilidade dos autarcas

A Espera

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Segunda-feira, 22 de Dezembro de 2003 Na passada quinta-feira, o primeiro-ministro Durão Barroso procurou estabelecer algum rumo para as posições atabalhoadas e assustadas do PSD em relação à despenalização do aborto. Já não era sem tempo, uma vez que a confusão se tinha instalado. Não apenas a legítima e saudável diversidade de opiniões, mas também a dificuldade em percebermos quem representa quem e quem manda em quem. Durão Barroso afirma mais uma vez que o aborto é "uma questão do foro íntimo de cada um". E ninguém em princípio poderá discordar de tal afirmação. O problema está em que Durão diz, mas não faz. Porque qual é a situação hoje? Por um lado, uma esquerda (que alguns dizem ser autoritária e anti-liberal) que vem dizer que o aborto é uma questão da consciência de cada um e que a lei deve permitir que cada um escolha e actue segundo a sua consciência. Do outro lado, uma direita que gosta de aparecer como "liberal", mas que toma a mais anti-liberal das atitudes: sim, o aborto é da consciência de cada um, mas certas opções de consciência são passíveis de serem penalizadas em tribunais. Donde, cada um é livre, mas apenas livre de agir como "eles" querem. Enquanto a esquerda diz que cada um é livre de agir como quer. O primeiro-ministro pode afirmar que, na sua hierarquia de valores, o direito à vida está acima de qualquer outro, mas sabe certamente que não está a falar da vida em geral, uma vez que não consta que seja vegetariano e nunca tenha comido um bife, apesar de a sacrificada vaca ser uma exuberante manifestação de vida. Está a falar da "vida humana", e sabe perfeitamente que a única grande questão consiste em saber quando começa a vida humana. Ao dizer que "esta maioria não foi eleita para mudar a legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez", Durão Barroso contribui fortemente para o já agravado descrédito da política. Porque aquilo que vem afirmar é que o acordo que estabeleceram com o PP para formar esta maioria não lhes permite por agora avançar nesta matéria. Vai ser preciso esperar. Por outras palavras, os interesses da politiquice partidária sobrepõem-se aos sofrimentos concretos das pessoas. É assim que a política perde prestígio: aparece como qualquer coisa em que a lógica dos seus próprios problemas se sobrepõe aos problemas dos cidadãos. Esperar, porquê? Porque os senhores políticos precisam de tempo para engendrar uma outra jogada política. E as pessoas cada vez mais parecem condenadas a assistir ao espectáculo das sucessivas jogadas. Bem mais divertidas são as inflamadas declarações da deputada do PSD Isilda Pegado, que critica a "esquerda iluminada que se julga capaz de ultrapassar a vontade do povo português". Convém recordar que essa vontade não teve a expressividade mínima que lhe permita sequer ser representativa da vontade do povo português - como talvez seja bom lembrar. E Isilda Pegado (que tem a considerável vantagem de poder dizer o que quiser porque ninguém sabe quem é) critica... o Bispo do Porto. Em nome do combate a quê? A deputada Pegado não teme as palavras. À "barbárie". Deus lhe perdoe. OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO EDITORIAL

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