24 horas num país em greve

17-12-2002
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24 Horas Num País em Greve

Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2002 22h30 (segunda-feira), Centro de Recolha de Lixo, Olivais: Guerra psicológica aplicada à greve Durante quase 24 horas o PÚBLICO andou um pouco por todo o país a acompanhar a jornada de luta convocada pela CGTP. Nuns locais a paralisação foi acentuada, noutros nem por isso. Em todos eles os jornalistas encontraram cidadãos para quem a greve não foi de modo algum indiferente. Um retrato de um país semiparalisado. No centro de recolha de lixo da Câmara de Lisboa, nos Olivais, a greve geral começara com duas horas de antecedência e já com funcionários à porta. "És sempre a mesma coisa, pá!" Do alto da sua figura, António Fonseca investia contra o colega. "Vai-te lá embora", continuava António, empurrando pelo braço o funcionário de sorriso envergonhado. À sua volta todos os outros se riam. Sabiam por que é que António fazia marcação àquele colega. "Costuma ser fura-greves. Mas estou desconfiado que hoje adere." José de Jesus, também no piquete de greve, controlava a cena e esperava o momento certo. António chama "maçarico" ao potencial "fura-greves". "Ó pá! Já chega, pá! Eu quanto mais me pressionam, menos faço", explode o condutor de máquinas. "Ó António, assim não, pá!", dispara José de Jesus para António, pondo-se ao lado do colega irritado. Passados alguns segundos, larga-lhe um conselho de amigo em voz baixa: "O teu chefe está em greve. Já nem cá vem... O melhor é ires para casa... Por que é que não vais tomar um copo comigo? Anda lá, eu pago!" Os risos voltam à entrada das instalações do lixo. Acabaria por conseguir convencer o colega reticente. Aliás, fez o pleno nos Olivais. Incluindo os nove colegas a recibo verde. "Só espero que isto não dê para o torto", respondeu Zé para José de Jesus, depois de ter decidido ali fazer greve. "Acabei o contrato e passaram-me a recibos verdes há nove meses. Era isso ou ir-me embora. Escreva lá isso." N.S.L. 7h00, Cais das Colunas, Lisboa: Um barco quase vazio No Terreiro do Paço, reinava a calma ao início da manhã de ontem, em vez do reboliço habitual de um dia de trabalho. Ao invés do passo apressado que diariamente marca a correria para o emprego, meia dúzia de passageiros conversavam pausadamente. Um grupo de militares esperava pacientemente pela vedeta da Marinha que os levaria à base naval do Alfeite. Entre dentes, faziam questão de manifestar o seu apoio à greve geral, convocada pela CGTP, apesar de o seu estatuto profissional impedir a adesão. "A greve devia ser feita mais vezes e até de forma mais drástica. A cidade devia ficar completamente paralisada", comentavam. Pouco antes das 7h00 chegava um barco do Montijo mas, ao contrário do que é habitual àquela hora, vinha quase vazio. Fátima Pinto, funcionária da Portugal Telecom, foi uma das cerca de 20 pessoas que fizeram a travessia. "Infelizmente, não posso fazer greve porque não posso ficar sem ganhar", lamentava. "Mas concordo totalmente", acrescentou, enquanto reunia coragem para enfrentar o frio e a chuva e se fazer ao caminho até às Picoas. Do cais, olhava as ruas, ainda desertas, onde nem os táxis passavam. "Resta-me ir a pé", desabafou. J.P.B. 8h30, Estação de S. Bento, Porto: Curiosidade numa gare fechada "A estação está fechada por causa da greve. Só amanhã." O segurança do Grupo 8 que protegia uma das entradas da estação ferroviária de S. Bento, no coração da Baixa do Porto, repetiu estas frases centenas de vezes durante a manhã, enquanto puxava pela trela de um cão pastor-alemão que teimava em espreitar por entre as frinchas da única porta entreaberta do imponente edifício de traço neoclássico. Do lado de fora, pelo buraco da porta, consegue ver-se os comboios parados nas linhas, as luzes apagadas, as bilheteiras silenciosas, o painel das chegadas e partidas repleto de informações inúteis. Conceição e uma amiga aproximam-se da porta, num apelo ao segurança. "Não se pode entrar?", pergunta. "Minha senhora, isto hoje está fechado, não há comboios. Só amanhã", repete o homem, mecanicamente. "Mas olhe, eu não venho andar de comboio, eu só venho ver a greve", esclarece a curiosa. "Pois então vai ter que ver de fora, porque hoje não entra aqui ninguém", conclui. Resignada, Conceição volta para trás. É doméstica e o dia de greve só lhe traz mais trabalho. "Tenho o homem em casa e os filhos sem ir à escola", observa, acrescentando que para toda a família o dia é de luta. "Isto está muito mau. Temos que lutar, que protestar", considera. A amiga de Conceição trabalha a dias numa casa na zona da Boavista e a patroa disse-lhe que lhe pagava o transporte. "Mas já levou o recado. Se no próximo mês voltar a haver greve, nem saio da cama!", diz. R.S. 9h00, Escola EB 2,3, Miranda do Douro: A excepção no distrito de Bragança A Escola Básica 2,3 de Miranda do Douro foi uma das poucas de todo o distrito de Bragança onde a adesão à greve geral convocada pela CGTP se fez sentir. Naquele estabelecimento de ensino, com 173 alunos, a manhã de ontem foi, sem dúvida, mais calma do que o costume. Os autocarros que transportam os alunos das aldeias para a cidade circularam, mas não pararam à porta da escola, porque os alunos "estavam alertados para a possibilidade de não haver aulas e na maioria já nem vieram", revela o presidente do conselho executivo. Os alunos da cidade, por seu turno, compareceram transportados pelos pais ou a pé, porque as carrinhas escolares na cidade paralisaram completamente. A escola esteve todo o dia aberta, mas o silêncio imperou, porque não houve uma única aula em todo o dia. A adesão à greve por parte dos professores foi insignificante, mas 92 por cento dos funcionários faltaram, o que em termos práticos significa que apenas um funcionário foi trabalhar. Na escola secundária da mesma cidade o cenário foi completamente diferente. Apenas cinco pessoas aderiram à greve - quatro professores e um funcionário administrativo. O mesmo aconteceu na grande maioria das escolas do distrito. A.F. 10h00, sede da CGTP, Baixa de Lisboa: "Que bela greve" A fachada, que se vê ao fundo do Largo das Belas-Artes, está forrada de vermelho. Há faixas, compridas, que pedem "unidade". E cartazes, muitos. Há excesso de cor para o que é habitual. E um homem na janela do rés-do-chão a filmar quem passa, ou a fazer de conta. Sinais de um dia incomum. O da greve geral na sede da central sindical organizadora. - "Que bela greve!" - "Nós vamos para a Carris." Os piquetes de greve - explicam os funcionários da CGTP - não estão a ser organizados ali. Estão a sair da União dos Sindicatos de Lisboa. "Aqui não há nada", diz o funcionário, mas está enganado. Ali, vê-se a greve. Vê-se na forma de papel - é o centro coordenador dos dados de adesão à greve. Chegam números de todo o país para serem compilados e tratados, antes de passados à comunicação social. Desde a madrugada que os números estão a chegar, pelo que desde a madrugada há gente no edifício. Os funcionários dividiram-se em turnos e os primeiros foram eficientes. Já havia águas e bolachinhas na sala de imprensa (com vista para o Tejo e medalhas nas paredes, por exemplo, a de Che Guevara). A sala para as rádios já estava preparada, assim como a das entrevistas. O auditório para os "briefings" estava quase pronto. Às dez da manhã, os dirigentes dão entrevistas às rádios. O homem da câmara de filmar e o pequeno grupo na recepção que se preparava para piquetes de greve desapareceram e Carlos Trindade, o enviado da CGTP à emissão matinal da SIC Notícias, foi apanhar um táxi porque não havia um carro disponível para o levar a Carnaxide. A.G.F. 10h30, Somincor, Castro Verde: Minas sem mineiros Quem se aproximasse ontem da mina de Neves Corvo, em Castro Verde, seria levado a pensar que o complexo mineiro estava abandonado. Os únicos trabalhadores que o PÚBLICO observou estavam no piquete de greve, reunidos à volta de uma fogueira, dado o frio que se fazia sentir. O balanço apresentado pelos representantes sindicais dos mineiros garantia que a paralisação dos que trabalham no fundo da mina alcançou os 100 por cento. Nas lavarias do cobre e do estanho e oficinas de manutenção a participação na greve foi superior a 90 por cento. Os que trabalharam "foi para garantir os serviços mínimos", frisou o delegado sindical António Bexiga. Nos serviços administrativos e laboratórios os números da adesão ficaram entre os 60 e os 70 por cento. No exterior da mina até o pórtico que carrega os contentores da pirite nos comboios de mercadorias estava parado. Os autocarros que transportam os mineiros chegavam praticamente vazios porque "houve pouca gente para trabalhar", explica António Bexiga. Os mineiros admitem que a greve de ontem teve mais adesão que as anteriormente realizadas na mina de Neves Corvo. C.D. 11h00, Ministério da Segurança Social e do Trabalho: "Não podia perder o dia" À porta do edifício, que é alto - tem para aí 18 andares -, estão um BMW, um Audi A6, um Volkswagen Passat e um Volvo. Qual deles é o transporte de Bagão Félix? Não há quem diga, mas o "patrão" está em casa, reunido com a assessora. Os elevadores estão imparáveis. Quer dizer que há muita gente a chegar, a trabalhar. Alguns foram demorados pelo trânsito. "Não sei dizer se há muita gente de greve porque ainda agora entrou um engenheiro que disse 'eu não estou cá, estou de greve'", explica uma funcionária que, pela primeira vez, furou a greve. "Sempre fiz todas as greves, e concordo com esta. Mas não posso ficar sem o dia. Se os sindicatos pagassem [o que nos descontam]..." "Aqui nunca houve grande adesão a greves", diz a mesma funcionária. Será devido à presença do ministro? "Talvez." Outra funcionária, de 62 anos, há 30 no ministério, nunca fez greve. Está no balcão de venda de boletins de trabalho e emprego. "O meu marido está em casa, aposentado com uma reforma pequena, e eu não podia perder o dia. E eu não tenho encargos, imagine as pessoas que têm. Há aqui uma colega, que também veio trabalhar, cujo marido vai perder o emprego no fim do ano." Junto à venda de boletins de trabalho funcionam os correios do ministério. É onde chega toda a correspondência, que depois é distribuída por pisos. Estão fechados, os funcionários não apareceram. E a cantina, está aberta? No átrio, não há quem saiba. A ementa do dia está afixada: bitoque de novilho ou solha com puré de batata. De repente entra outra funcionária, que vai trabalhar e não acha justo ter que pagar parquímetro. "Pois hoje não é a greve?" A.G.F. 12h00 - Braga, complexo Grundig-Blaupunkt: Picardias entre grevistas e autoridades No final da manhã, as instalações da Grundig-Blaupunkt, em Maximinos, Braga, aparentavam exteriormente alguma serenidade, com 90 por cento de aderentes à greve - dados da União de Sindicatos de Braga -, após o rebuliço da madrugada. Entre a 1h00 e as 2h00, os piquetes grevistas à entrada daquelas empresas receberam a visita de um carro-patrulha da PSP a pedido das próprias firmas, para "controlar os ânimos dos manifestantes, que se estavam a meter com os trabalhadores", segundo o chefe do comando da PSP. "Nós intervimos sempre de forma ordenada, a PSP e a GNR é que nos moveram uma perseguição ferrada, a controlar-nos", defendeu-se a dirigente da USB. Na central de camionagem, só três autocarros conseguiram passar pelo piquete de 30 pessoas montado na saída e outros quatro ficaram com pneus furados. Alguns agentes tiveram de intervir para acalmar as acusações entre grevistas e dois motoristas que não aderiram à greve. Nas obras do novo estádio bracarense, apenas 15 dos 700 operários não compareceram. Os hospitais, centros de saúde, bancos, CTT e finanças funcionaram nos serviços mínimos, enquanto os transportes urbanos, a recolha de lixo, a água e o saneamento estiveram parados. N.P. 13h00, cantinas da Universidade de Coimbra: Um hambúrguer ou uma sanduíche no lugar do almoço Vêm distraídos, muitos dos estudantes da Universidade de Coimbra que descem, aos grupos, as Escadas Monumentais. Só isso explica que, também aos grupos, mantenham a rotina de subir os degraus que os levam à "cantina azul" e insistam em empurrar a porta giratória, visivelmente encerrada, para só depois repararem no cartaz que anuncia a greve geral. "Mau... hoje andei três quilómetros a pé por não ter transportes públicos e agora fico sem almoço?!", resmunga Constantino Ramos. Tal como o seu colega do curso de Ciências Farmacêuticas, Miguel não concorda com a greve. Este último irrita-se com o facto de a paralisação "custar ao país um dinheirão do caraças" e Constantino reforça que "o que é preciso é aumentar a produtividade". Acabam por irritar o terceiro elemento do grupo, Rui Carvalho, que apoia a luta contra o pacote laboral, mas hesita ao escolher a medida que mais o choca. "A jornada de trabalho de 60 horas semanais. É isso, não é?" À semelhança de outros, este grupo segue para o McDonald's. Mas são largas dezenas que, antes de decidirem novo destino, batem com o nariz na porta daquela e da "cantina amarela", que fica do outro lado da rua. Vêm das aulas. "Os professores avisaram com antecedência que não faziam greve", explica Rodolfo Silva, do 1º ano de Medicina, que, depois de cinco horas de aulas, anseia, "ao menos, por uma sanduíche". O amigo, António Braizinho, de Geografia, é mais exigente. Também sabe que terá professores à sua espera entre as 14h00 e as 18h00, mas não abdica de "um bom almoço". "Se for preciso falto e vou a casa, mas como uma sanduíche é que não fico!" G.B.R. 14h00, Centro Comercial Colombo, Lisboa: Comércio afectado O movimento de pessoas e de comércio, ontem à hora do almoço, no Centro Comercial Colombo, na zona de Benfica, foi afectado pela greve geral. A enchente prevista por muitos comerciantes devido ao dia livre de muitos consumidores, semelhante a um feriado ou fim-de-semana, não chegou a acontecer - a rede diminuída de transportes, principalmente dos autocarros e do metro, que tem uma boca de saída praticamente dentro do edifício, afastou as pessoas do centro de compras. O tempo cinzento e chuvoso que se fez sentir também ajudou a manter os compradores em casa. A azáfama das compras de Natal, normal nesta época do ano, sentiu-se mas de forma menos acentuada. Nas lojas, o movimento não estava a ser tão "intenso como previsto" segundo um empregado do Colombo, bem como os serviços de táxis, com pouco trabalho até àquela hora. Os serviços de segurança e de cargas e descargas do centro foram todos assegurados - o dia decorreu a um ritmo lento. F.E.L. 15H00, Hospital de Santo António, Porto: Um bónus para as visitas Para os familiares dos doentes internados no Hospital Geral de Santo António, no Porto, a greve geral foi um "bónus" para as visitas. De tal maneira a situação foi inesperada que, quando cruzavam as portas da entrada principal e se deparavam com a ausência dos funcionários que autorizam as entradas, estancavam, olhavam à volta, desorientados, admirados, hesitantes. "Hoje Entrada Livre", diziam uns letreiros afixados por baixo do número de cada "guichet". Na cadeira ao lado, onde se sentam os voluntários da Liga dos Amigos do Hospital Geral de Santo António, Isabel Gonçalves já estava "meia tonta". Sendo a única pessoa por trás do balcão, todos se lhe dirigiam. "Eu vou tentando orientar as pessoas. Algumas chegam aqui sem saber em que serviço está o doente, outros só vêm levantar documentos...", conta, enquanto vai encaminhando mais uma visita para o interior do hospital, ontem com entrada franca. Nas urgências e nas consultas externas, a greve foi mais um tema de conversa de sala de espera do que propriamente um grande inconveniente na vida das pessoas. Júlia Alexandrina, do interior do quiosque do Centro Cultural e Desportivo do hospital - o melhor posto de observação da área das consultas - garante que a adesão à greve geral de ontem foi inferior à de Novembro. "Só fazem greve os contratados", diz, admitindo contudo que alguns médicos e enfermeiros podem ter estado a trabalhar mesmo estando a fazer greve. "As consultas estiveram em pleno, os tratamentos também. Só não houve limpeza, nem porteiros. E claro que as consultas demoraram mais tempo, mas pelo menos desta vez não houve aquela coisa de as pessoas virem de longe e ficarem por atender...". R.S. 17h00, Lisnave, Setúbal: "A luta laboral não é um desporto nem um vício" Os altifalantes montados no telheiro da entrada da Lisnave, na Mitrena, em Setúbal, propagam o noticiário radiofónico das 17h00. Isolados a vários quilómetros da cidade, várias dezenas de homens e mulheres do piquete de greve confirmam atentos os números da greve geral e escutam as palavras dos entrevistados. O cansaço de horas a fio a acompanhar o protesto nacional - alguns deles estão ali desde a meia-noite - está disfarçado pelo regozijo da taxa de adesão à greve no distrito. Dos cerca de 2 mil trabalhadores da Lisnave e da Gestnave apenas estão de serviço uma dezena de homens do piquete indicado pelo Sindicato dos Metalúrgicos. "Não estranhamos o êxito da greve porque trabalhámos muito para isso", afirma o sindicalista António Cardador. Durante várias semanas, foram feitas inúmeras reuniões sobre as razões da paralisação para que os trabalhadores estivessem de "plena consciência". Apenas três dezenas de funcionários, sobretudo quadros técnicos, ainda apareceram para trabalhar, mas acabaram por regressar a casa depois de sensibilizados para a necessidade de uma adesão total. Apenas entrou quem fosse assistir à reunião da administração da Lisnave com um grupo de potenciais investidores alemães. "Não queremos comprometer o futuro da empresa", realça. Ladeado por pendões e cartazes onde se destacam os motivos do protesto, António Cardador remata: "A luta laboral não é um desporto nem um vício, responde àquilo que é uma ofensiva aos direitos dos trabalhadores." M.M.M. 18h00, Aeroporto da Portela, Lisboa: Lojas abertas, aviões em terra Era reduzido o movimento de pessoas no aeroporto internacional de Lisboa ontem ao final da tarde. Quem chegasse à zona das partidas podia comprar o que quisesse nas lojas aí instaladas, mas ao olhar o painel de informações deparava com uma série de voos cancelados. Quase todos os aviões da TAP ficaram em terra, enquanto as restantes companhias cumpriam como podiam as suas ligações. O balcão de venda de bilhetes da TAP estava a funcionar e era mesmo o local mais concorrido. Na zona do "check-in" via-se as habituais filas de carrinhos de bagagem junto aos poucos balcões abertos. Quem quisesse levar um jornal para o avião podia fazê-lo, mas o serviço de apoio a clientes da TAP encontrava-se encerrado, o mesmo sucedendo com o balcão de "check-in" para passageiros sem bagagem. Na zona das chegadas, um dos cafés tinha as portas fechadas. O Posto de Turismo de Lisboa estava a funcionar, enquanto o balcão de turismo do ICEP esteve todo o dia aberto. Nos ecrãs onde constavam as horas de chegada dos voos, o destaque era o cancelamento da maior parte das ligações efectuadas por aviões da TAP, embora o voo vindo de Paris/Orly com chegada prevista para as 18h24 estivesse assegurado. A Portugália viu os seus aviões aterrarem com normalidade, assim como a maior parte das companhias estrangeiras. J.M.M. 20h00, restaurante algarvio, Faro: A greve chegou à lagosta A clientela do restaurante Faro e Benfica, em Faro, ontem não fez greve, mas foi em número mais reduzido do que habitual. O motivo, disseram os empregados, "não será apenas da greve, mas também da falta de dinheiro". Essa é uma realidade que afirmam ter vindo a constatar, de uma forma mais acentuada, desde o princípio do mês. Trata-se de um estabelecimento dirigido à classe média e média/alta, embora também disponha do chamado "prato do dia", destinado a quadros médios e superiores. O prato do dia, ontem, era pernil de porco no forno, mas, por falta de consumidores ao almoço, foram os trabalhadores da casa que o comeram ao jantar. Da clientela habitual, a mais endinheirada, apenas registou três ou quatro empresários e outros tantos advogados. De resto, foi a mesa dos homens de negócios que, ao almoço, cobiçou o camarão de Quarteira, pescado no dia anterior. A corvina fresca e as lagostas, expostas na vitrina à entrada do restaurante, ainda continuava, às 21 horas, à espera de quem tivesse apetite, ou bolsa para lá chegar. O Faro e Benfica, situado entre o espaço lagunar da Ria Formosa e a doca da cidade, costuma ser ponto de encontro de empresários e políticos. No dia em que a paralisação dominava as conversas, um empresário que ali almoçou gabava-se a dois engenheiros da função pública, seus convidados, que tinha 120 empregados, mas apenas um era sindicalista. I.R. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Greve entre o oito e o oitenta

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EDITORIAL

Sem surpresas

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Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2002 22h30 (segunda-feira), Centro de Recolha de Lixo, Olivais: Guerra psicológica aplicada à greve Durante quase 24 horas o PÚBLICO andou um pouco por todo o país a acompanhar a jornada de luta convocada pela CGTP. Nuns locais a paralisação foi acentuada, noutros nem por isso. Em todos eles os jornalistas encontraram cidadãos para quem a greve não foi de modo algum indiferente. Um retrato de um país semiparalisado. No centro de recolha de lixo da Câmara de Lisboa, nos Olivais, a greve geral começara com duas horas de antecedência e já com funcionários à porta. "És sempre a mesma coisa, pá!" Do alto da sua figura, António Fonseca investia contra o colega. "Vai-te lá embora", continuava António, empurrando pelo braço o funcionário de sorriso envergonhado. À sua volta todos os outros se riam. Sabiam por que é que António fazia marcação àquele colega. "Costuma ser fura-greves. Mas estou desconfiado que hoje adere." José de Jesus, também no piquete de greve, controlava a cena e esperava o momento certo. António chama "maçarico" ao potencial "fura-greves". "Ó pá! Já chega, pá! Eu quanto mais me pressionam, menos faço", explode o condutor de máquinas. "Ó António, assim não, pá!", dispara José de Jesus para António, pondo-se ao lado do colega irritado. Passados alguns segundos, larga-lhe um conselho de amigo em voz baixa: "O teu chefe está em greve. Já nem cá vem... O melhor é ires para casa... Por que é que não vais tomar um copo comigo? Anda lá, eu pago!" Os risos voltam à entrada das instalações do lixo. Acabaria por conseguir convencer o colega reticente. Aliás, fez o pleno nos Olivais. Incluindo os nove colegas a recibo verde. "Só espero que isto não dê para o torto", respondeu Zé para José de Jesus, depois de ter decidido ali fazer greve. "Acabei o contrato e passaram-me a recibos verdes há nove meses. Era isso ou ir-me embora. Escreva lá isso." N.S.L. 7h00, Cais das Colunas, Lisboa: Um barco quase vazio No Terreiro do Paço, reinava a calma ao início da manhã de ontem, em vez do reboliço habitual de um dia de trabalho. Ao invés do passo apressado que diariamente marca a correria para o emprego, meia dúzia de passageiros conversavam pausadamente. Um grupo de militares esperava pacientemente pela vedeta da Marinha que os levaria à base naval do Alfeite. Entre dentes, faziam questão de manifestar o seu apoio à greve geral, convocada pela CGTP, apesar de o seu estatuto profissional impedir a adesão. "A greve devia ser feita mais vezes e até de forma mais drástica. A cidade devia ficar completamente paralisada", comentavam. Pouco antes das 7h00 chegava um barco do Montijo mas, ao contrário do que é habitual àquela hora, vinha quase vazio. Fátima Pinto, funcionária da Portugal Telecom, foi uma das cerca de 20 pessoas que fizeram a travessia. "Infelizmente, não posso fazer greve porque não posso ficar sem ganhar", lamentava. "Mas concordo totalmente", acrescentou, enquanto reunia coragem para enfrentar o frio e a chuva e se fazer ao caminho até às Picoas. Do cais, olhava as ruas, ainda desertas, onde nem os táxis passavam. "Resta-me ir a pé", desabafou. J.P.B. 8h30, Estação de S. Bento, Porto: Curiosidade numa gare fechada "A estação está fechada por causa da greve. Só amanhã." O segurança do Grupo 8 que protegia uma das entradas da estação ferroviária de S. Bento, no coração da Baixa do Porto, repetiu estas frases centenas de vezes durante a manhã, enquanto puxava pela trela de um cão pastor-alemão que teimava em espreitar por entre as frinchas da única porta entreaberta do imponente edifício de traço neoclássico. Do lado de fora, pelo buraco da porta, consegue ver-se os comboios parados nas linhas, as luzes apagadas, as bilheteiras silenciosas, o painel das chegadas e partidas repleto de informações inúteis. Conceição e uma amiga aproximam-se da porta, num apelo ao segurança. "Não se pode entrar?", pergunta. "Minha senhora, isto hoje está fechado, não há comboios. Só amanhã", repete o homem, mecanicamente. "Mas olhe, eu não venho andar de comboio, eu só venho ver a greve", esclarece a curiosa. "Pois então vai ter que ver de fora, porque hoje não entra aqui ninguém", conclui. Resignada, Conceição volta para trás. É doméstica e o dia de greve só lhe traz mais trabalho. "Tenho o homem em casa e os filhos sem ir à escola", observa, acrescentando que para toda a família o dia é de luta. "Isto está muito mau. Temos que lutar, que protestar", considera. A amiga de Conceição trabalha a dias numa casa na zona da Boavista e a patroa disse-lhe que lhe pagava o transporte. "Mas já levou o recado. Se no próximo mês voltar a haver greve, nem saio da cama!", diz. R.S. 9h00, Escola EB 2,3, Miranda do Douro: A excepção no distrito de Bragança A Escola Básica 2,3 de Miranda do Douro foi uma das poucas de todo o distrito de Bragança onde a adesão à greve geral convocada pela CGTP se fez sentir. Naquele estabelecimento de ensino, com 173 alunos, a manhã de ontem foi, sem dúvida, mais calma do que o costume. Os autocarros que transportam os alunos das aldeias para a cidade circularam, mas não pararam à porta da escola, porque os alunos "estavam alertados para a possibilidade de não haver aulas e na maioria já nem vieram", revela o presidente do conselho executivo. Os alunos da cidade, por seu turno, compareceram transportados pelos pais ou a pé, porque as carrinhas escolares na cidade paralisaram completamente. A escola esteve todo o dia aberta, mas o silêncio imperou, porque não houve uma única aula em todo o dia. A adesão à greve por parte dos professores foi insignificante, mas 92 por cento dos funcionários faltaram, o que em termos práticos significa que apenas um funcionário foi trabalhar. Na escola secundária da mesma cidade o cenário foi completamente diferente. Apenas cinco pessoas aderiram à greve - quatro professores e um funcionário administrativo. O mesmo aconteceu na grande maioria das escolas do distrito. A.F. 10h00, sede da CGTP, Baixa de Lisboa: "Que bela greve" A fachada, que se vê ao fundo do Largo das Belas-Artes, está forrada de vermelho. Há faixas, compridas, que pedem "unidade". E cartazes, muitos. Há excesso de cor para o que é habitual. E um homem na janela do rés-do-chão a filmar quem passa, ou a fazer de conta. Sinais de um dia incomum. O da greve geral na sede da central sindical organizadora. - "Que bela greve!" - "Nós vamos para a Carris." Os piquetes de greve - explicam os funcionários da CGTP - não estão a ser organizados ali. Estão a sair da União dos Sindicatos de Lisboa. "Aqui não há nada", diz o funcionário, mas está enganado. Ali, vê-se a greve. Vê-se na forma de papel - é o centro coordenador dos dados de adesão à greve. Chegam números de todo o país para serem compilados e tratados, antes de passados à comunicação social. Desde a madrugada que os números estão a chegar, pelo que desde a madrugada há gente no edifício. Os funcionários dividiram-se em turnos e os primeiros foram eficientes. Já havia águas e bolachinhas na sala de imprensa (com vista para o Tejo e medalhas nas paredes, por exemplo, a de Che Guevara). A sala para as rádios já estava preparada, assim como a das entrevistas. O auditório para os "briefings" estava quase pronto. Às dez da manhã, os dirigentes dão entrevistas às rádios. O homem da câmara de filmar e o pequeno grupo na recepção que se preparava para piquetes de greve desapareceram e Carlos Trindade, o enviado da CGTP à emissão matinal da SIC Notícias, foi apanhar um táxi porque não havia um carro disponível para o levar a Carnaxide. A.G.F. 10h30, Somincor, Castro Verde: Minas sem mineiros Quem se aproximasse ontem da mina de Neves Corvo, em Castro Verde, seria levado a pensar que o complexo mineiro estava abandonado. Os únicos trabalhadores que o PÚBLICO observou estavam no piquete de greve, reunidos à volta de uma fogueira, dado o frio que se fazia sentir. O balanço apresentado pelos representantes sindicais dos mineiros garantia que a paralisação dos que trabalham no fundo da mina alcançou os 100 por cento. Nas lavarias do cobre e do estanho e oficinas de manutenção a participação na greve foi superior a 90 por cento. Os que trabalharam "foi para garantir os serviços mínimos", frisou o delegado sindical António Bexiga. Nos serviços administrativos e laboratórios os números da adesão ficaram entre os 60 e os 70 por cento. No exterior da mina até o pórtico que carrega os contentores da pirite nos comboios de mercadorias estava parado. Os autocarros que transportam os mineiros chegavam praticamente vazios porque "houve pouca gente para trabalhar", explica António Bexiga. Os mineiros admitem que a greve de ontem teve mais adesão que as anteriormente realizadas na mina de Neves Corvo. C.D. 11h00, Ministério da Segurança Social e do Trabalho: "Não podia perder o dia" À porta do edifício, que é alto - tem para aí 18 andares -, estão um BMW, um Audi A6, um Volkswagen Passat e um Volvo. Qual deles é o transporte de Bagão Félix? Não há quem diga, mas o "patrão" está em casa, reunido com a assessora. Os elevadores estão imparáveis. Quer dizer que há muita gente a chegar, a trabalhar. Alguns foram demorados pelo trânsito. "Não sei dizer se há muita gente de greve porque ainda agora entrou um engenheiro que disse 'eu não estou cá, estou de greve'", explica uma funcionária que, pela primeira vez, furou a greve. "Sempre fiz todas as greves, e concordo com esta. Mas não posso ficar sem o dia. Se os sindicatos pagassem [o que nos descontam]..." "Aqui nunca houve grande adesão a greves", diz a mesma funcionária. Será devido à presença do ministro? "Talvez." Outra funcionária, de 62 anos, há 30 no ministério, nunca fez greve. Está no balcão de venda de boletins de trabalho e emprego. "O meu marido está em casa, aposentado com uma reforma pequena, e eu não podia perder o dia. E eu não tenho encargos, imagine as pessoas que têm. Há aqui uma colega, que também veio trabalhar, cujo marido vai perder o emprego no fim do ano." Junto à venda de boletins de trabalho funcionam os correios do ministério. É onde chega toda a correspondência, que depois é distribuída por pisos. Estão fechados, os funcionários não apareceram. E a cantina, está aberta? No átrio, não há quem saiba. A ementa do dia está afixada: bitoque de novilho ou solha com puré de batata. De repente entra outra funcionária, que vai trabalhar e não acha justo ter que pagar parquímetro. "Pois hoje não é a greve?" A.G.F. 12h00 - Braga, complexo Grundig-Blaupunkt: Picardias entre grevistas e autoridades No final da manhã, as instalações da Grundig-Blaupunkt, em Maximinos, Braga, aparentavam exteriormente alguma serenidade, com 90 por cento de aderentes à greve - dados da União de Sindicatos de Braga -, após o rebuliço da madrugada. Entre a 1h00 e as 2h00, os piquetes grevistas à entrada daquelas empresas receberam a visita de um carro-patrulha da PSP a pedido das próprias firmas, para "controlar os ânimos dos manifestantes, que se estavam a meter com os trabalhadores", segundo o chefe do comando da PSP. "Nós intervimos sempre de forma ordenada, a PSP e a GNR é que nos moveram uma perseguição ferrada, a controlar-nos", defendeu-se a dirigente da USB. Na central de camionagem, só três autocarros conseguiram passar pelo piquete de 30 pessoas montado na saída e outros quatro ficaram com pneus furados. Alguns agentes tiveram de intervir para acalmar as acusações entre grevistas e dois motoristas que não aderiram à greve. Nas obras do novo estádio bracarense, apenas 15 dos 700 operários não compareceram. Os hospitais, centros de saúde, bancos, CTT e finanças funcionaram nos serviços mínimos, enquanto os transportes urbanos, a recolha de lixo, a água e o saneamento estiveram parados. N.P. 13h00, cantinas da Universidade de Coimbra: Um hambúrguer ou uma sanduíche no lugar do almoço Vêm distraídos, muitos dos estudantes da Universidade de Coimbra que descem, aos grupos, as Escadas Monumentais. Só isso explica que, também aos grupos, mantenham a rotina de subir os degraus que os levam à "cantina azul" e insistam em empurrar a porta giratória, visivelmente encerrada, para só depois repararem no cartaz que anuncia a greve geral. "Mau... hoje andei três quilómetros a pé por não ter transportes públicos e agora fico sem almoço?!", resmunga Constantino Ramos. Tal como o seu colega do curso de Ciências Farmacêuticas, Miguel não concorda com a greve. Este último irrita-se com o facto de a paralisação "custar ao país um dinheirão do caraças" e Constantino reforça que "o que é preciso é aumentar a produtividade". Acabam por irritar o terceiro elemento do grupo, Rui Carvalho, que apoia a luta contra o pacote laboral, mas hesita ao escolher a medida que mais o choca. "A jornada de trabalho de 60 horas semanais. É isso, não é?" À semelhança de outros, este grupo segue para o McDonald's. Mas são largas dezenas que, antes de decidirem novo destino, batem com o nariz na porta daquela e da "cantina amarela", que fica do outro lado da rua. Vêm das aulas. "Os professores avisaram com antecedência que não faziam greve", explica Rodolfo Silva, do 1º ano de Medicina, que, depois de cinco horas de aulas, anseia, "ao menos, por uma sanduíche". O amigo, António Braizinho, de Geografia, é mais exigente. Também sabe que terá professores à sua espera entre as 14h00 e as 18h00, mas não abdica de "um bom almoço". "Se for preciso falto e vou a casa, mas como uma sanduíche é que não fico!" G.B.R. 14h00, Centro Comercial Colombo, Lisboa: Comércio afectado O movimento de pessoas e de comércio, ontem à hora do almoço, no Centro Comercial Colombo, na zona de Benfica, foi afectado pela greve geral. A enchente prevista por muitos comerciantes devido ao dia livre de muitos consumidores, semelhante a um feriado ou fim-de-semana, não chegou a acontecer - a rede diminuída de transportes, principalmente dos autocarros e do metro, que tem uma boca de saída praticamente dentro do edifício, afastou as pessoas do centro de compras. O tempo cinzento e chuvoso que se fez sentir também ajudou a manter os compradores em casa. A azáfama das compras de Natal, normal nesta época do ano, sentiu-se mas de forma menos acentuada. Nas lojas, o movimento não estava a ser tão "intenso como previsto" segundo um empregado do Colombo, bem como os serviços de táxis, com pouco trabalho até àquela hora. Os serviços de segurança e de cargas e descargas do centro foram todos assegurados - o dia decorreu a um ritmo lento. F.E.L. 15H00, Hospital de Santo António, Porto: Um bónus para as visitas Para os familiares dos doentes internados no Hospital Geral de Santo António, no Porto, a greve geral foi um "bónus" para as visitas. De tal maneira a situação foi inesperada que, quando cruzavam as portas da entrada principal e se deparavam com a ausência dos funcionários que autorizam as entradas, estancavam, olhavam à volta, desorientados, admirados, hesitantes. "Hoje Entrada Livre", diziam uns letreiros afixados por baixo do número de cada "guichet". Na cadeira ao lado, onde se sentam os voluntários da Liga dos Amigos do Hospital Geral de Santo António, Isabel Gonçalves já estava "meia tonta". Sendo a única pessoa por trás do balcão, todos se lhe dirigiam. "Eu vou tentando orientar as pessoas. Algumas chegam aqui sem saber em que serviço está o doente, outros só vêm levantar documentos...", conta, enquanto vai encaminhando mais uma visita para o interior do hospital, ontem com entrada franca. Nas urgências e nas consultas externas, a greve foi mais um tema de conversa de sala de espera do que propriamente um grande inconveniente na vida das pessoas. Júlia Alexandrina, do interior do quiosque do Centro Cultural e Desportivo do hospital - o melhor posto de observação da área das consultas - garante que a adesão à greve geral de ontem foi inferior à de Novembro. "Só fazem greve os contratados", diz, admitindo contudo que alguns médicos e enfermeiros podem ter estado a trabalhar mesmo estando a fazer greve. "As consultas estiveram em pleno, os tratamentos também. Só não houve limpeza, nem porteiros. E claro que as consultas demoraram mais tempo, mas pelo menos desta vez não houve aquela coisa de as pessoas virem de longe e ficarem por atender...". R.S. 17h00, Lisnave, Setúbal: "A luta laboral não é um desporto nem um vício" Os altifalantes montados no telheiro da entrada da Lisnave, na Mitrena, em Setúbal, propagam o noticiário radiofónico das 17h00. Isolados a vários quilómetros da cidade, várias dezenas de homens e mulheres do piquete de greve confirmam atentos os números da greve geral e escutam as palavras dos entrevistados. O cansaço de horas a fio a acompanhar o protesto nacional - alguns deles estão ali desde a meia-noite - está disfarçado pelo regozijo da taxa de adesão à greve no distrito. Dos cerca de 2 mil trabalhadores da Lisnave e da Gestnave apenas estão de serviço uma dezena de homens do piquete indicado pelo Sindicato dos Metalúrgicos. "Não estranhamos o êxito da greve porque trabalhámos muito para isso", afirma o sindicalista António Cardador. Durante várias semanas, foram feitas inúmeras reuniões sobre as razões da paralisação para que os trabalhadores estivessem de "plena consciência". Apenas três dezenas de funcionários, sobretudo quadros técnicos, ainda apareceram para trabalhar, mas acabaram por regressar a casa depois de sensibilizados para a necessidade de uma adesão total. Apenas entrou quem fosse assistir à reunião da administração da Lisnave com um grupo de potenciais investidores alemães. "Não queremos comprometer o futuro da empresa", realça. Ladeado por pendões e cartazes onde se destacam os motivos do protesto, António Cardador remata: "A luta laboral não é um desporto nem um vício, responde àquilo que é uma ofensiva aos direitos dos trabalhadores." M.M.M. 18h00, Aeroporto da Portela, Lisboa: Lojas abertas, aviões em terra Era reduzido o movimento de pessoas no aeroporto internacional de Lisboa ontem ao final da tarde. Quem chegasse à zona das partidas podia comprar o que quisesse nas lojas aí instaladas, mas ao olhar o painel de informações deparava com uma série de voos cancelados. Quase todos os aviões da TAP ficaram em terra, enquanto as restantes companhias cumpriam como podiam as suas ligações. O balcão de venda de bilhetes da TAP estava a funcionar e era mesmo o local mais concorrido. Na zona do "check-in" via-se as habituais filas de carrinhos de bagagem junto aos poucos balcões abertos. Quem quisesse levar um jornal para o avião podia fazê-lo, mas o serviço de apoio a clientes da TAP encontrava-se encerrado, o mesmo sucedendo com o balcão de "check-in" para passageiros sem bagagem. Na zona das chegadas, um dos cafés tinha as portas fechadas. O Posto de Turismo de Lisboa estava a funcionar, enquanto o balcão de turismo do ICEP esteve todo o dia aberto. Nos ecrãs onde constavam as horas de chegada dos voos, o destaque era o cancelamento da maior parte das ligações efectuadas por aviões da TAP, embora o voo vindo de Paris/Orly com chegada prevista para as 18h24 estivesse assegurado. A Portugália viu os seus aviões aterrarem com normalidade, assim como a maior parte das companhias estrangeiras. J.M.M. 20h00, restaurante algarvio, Faro: A greve chegou à lagosta A clientela do restaurante Faro e Benfica, em Faro, ontem não fez greve, mas foi em número mais reduzido do que habitual. O motivo, disseram os empregados, "não será apenas da greve, mas também da falta de dinheiro". Essa é uma realidade que afirmam ter vindo a constatar, de uma forma mais acentuada, desde o princípio do mês. Trata-se de um estabelecimento dirigido à classe média e média/alta, embora também disponha do chamado "prato do dia", destinado a quadros médios e superiores. O prato do dia, ontem, era pernil de porco no forno, mas, por falta de consumidores ao almoço, foram os trabalhadores da casa que o comeram ao jantar. Da clientela habitual, a mais endinheirada, apenas registou três ou quatro empresários e outros tantos advogados. De resto, foi a mesa dos homens de negócios que, ao almoço, cobiçou o camarão de Quarteira, pescado no dia anterior. A corvina fresca e as lagostas, expostas na vitrina à entrada do restaurante, ainda continuava, às 21 horas, à espera de quem tivesse apetite, ou bolsa para lá chegar. O Faro e Benfica, situado entre o espaço lagunar da Ria Formosa e a doca da cidade, costuma ser ponto de encontro de empresários e políticos. No dia em que a paralisação dominava as conversas, um empresário que ali almoçou gabava-se a dois engenheiros da função pública, seus convidados, que tinha 120 empregados, mas apenas um era sindicalista. I.R. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Greve entre o oito e o oitenta

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