Suplemento Mil Folhas

24-12-2004
marcar artigo

25.00

Sábado, 18 de Dezembro de 2004 Quando falamos de Ocidente e da modernidade, falamos de quê? Dos herdeiros de Grécia e Roma? Da cristandade? Dos filhos do Renascimento? Ou dos que incorporaram as ideias do "Século das Luzes"? Só as últimas podem, de alguma forma, ser consideradas universais, pelo que a universalidade reclamada dos valores da modernidade é, em boa parte, a do legado do Iluminismo ocidental. Ora o que Gertrude Himmelfarb vem questionar nesta obra é que haja um só Iluminismo, antes identificando três legados diferentes: o do Iluminismo britânico (sobretudo escocês), o do Iluminismo francês e o daqueles que fundaram a primeira República moderna, os "founding fathers" (país fundadores) da democracia americana. Apesar dos muitos cruzamentos entre as figuras maiores desse século - o XVIII - e de não existir uma só opinião dentro das várias escolas, Himmelfarb preocupa-se mais com as divergências do que com as convergências entre os três Iluminismos e, depois, identifica as consequências. Aí a comparação é feita sobretudo entre as revoluções americana e francesa, a primeira associada à construção da nova República após obtida a independência das 13 colónias do Reino Unido, a segunda ligada ao fim dos "antigos regimes" na Europa e à degenerescência do que foi uma explosão de liberdade primeiro no Terror jacobino e, depois, no império napoleónico. Particularmente oportuno numa altura em que procuramos perceber a diferença anglo-saxónica e, em especial, a originalidade americana, este livro leva-nos às raízes das raízes. Os filósofos não explicam tudo, sobretudo não têm culpa daquilo que os políticos fazem em nome das suas ideias - mas recordar os filósofos e as suas diferenças ajuda-nos a perceber como talvez sejamos mais diferentes no seio daquilo a que chamamos "Ocidente" do que habitualmente pensamos. J.M.F. mais marcantes éculo XX. Escreveu sobre história, literatura, política, cultura, antropologia, educação, geografia. Académico, nunca se fechou no mundo da academia, antes interveio politicamente, aproximando-se primeiro do PCP, depois militando nele, a seguir afastando-se progressivamente, para, sempre em nome da liberdade, se afirmar sem complexos anticomunista. Era, na sua mais profunda essência, um homem livre cujo pensamento ainda hoje nos desafia. Daí a importância da publicação deste grosso volume que reúne sobretudo %Manuela Barreto icas e entrevistas, transcrições de debates e, o que é útil e enriquecedor, reconstitui algumas das polémicas que protagonizou (com destaque para as suscitadas pelo seu livro sobre a Inquisição e os cristãos-novos e pelo artigo "O 25 de Abril e a História"). É um prazer folhear as mais de mil páginas deste tomo, encontrar tanto textos de uma enorme erudição como análises quase pueris, mas agudas e pertinentes, ao sistema de ensino, nomeadamente um delicioso - porque tremendamente actual - texto publicado em 1945 na "Seara Nova": "As reformas de ensino e a vida nacional". Na compilação só se lamentam algumas falhas de edição (há saltos e repetições em alguns textos) e convém esclarecer que ficaram de fora as crónicas já publicadas em "Os Filhos de Saturno" e no "Para a História da Cultura em Portugal". J.M.F. "Correspondência" António José Saraiva e Óscar Lopes Gradiva, 2004 ? Tal como Saraiva, Óscar Lopes também foi um "compagnon de route" dos comunistas - só que nunca deles se desligou. Por isso a recolha das cartas que trocaram ao longo de 35 anos - entre 1958 e 1993 - é muito mais do que a troca de opiniões literárias entre aquele que muitos consideram o nosso mais importante crítico literário das últimas décadas e o intelectual com quem escreveu a fundamental "História da Literatura Portuguesa". É também uma revisitação ao ambiente intelectual do Portugal do final do salazarismo e do início da democracia e um apaixonante roteiro para perceber como dois homens que vão divergindo politicamente continuam amigos, colaboram e, sobretudo, discutem ideias. Algumas dessas ideias, assim como os argumentos utilizados, estão irremediavelmente datados, mas isso não lhes tira valor, pelo contrário: ajuda a perceber que o mundo não começou ontem, que há uma história por detrás do que hoje temos por adquirido e que estes dois autores foram protagonistas de alguns dos debates mais dilacerantes do século que passou. Apesar de serem muito mais numerosas as cartas de António José Saraiva, e longas algumas das de Óscar Lopes, ainda bem que estes homens não viveram no tempo do "e-mail" e do telemóvel, pois então dificilmente reconstituiríamos a riqueza do debate que travaram. J.M.F. "The Roads to Modernity The British, French, and Americam Enlightnments" Gertrude Himmelfarb Alfred A. Knopf, New York, 2004 $25.00 Quando falamos de Ocidente e da modernidade, falamos de quê? Dos herdeiros de Grécia e Roma? Da cristandade? Dos filhos do Renascimento? Ou dos que incorporaram as ideias do "Século das Luzes"? Só as últimas podem, de alguma forma, ser consideradas universais, pelo que a universalidade reclamada dos valores da modernidade é, em boa parte, a do legado do Iluminismo ocidental. Ora o que Gertrude Himmelfarb vem questionar nesta obra é que haja um só Iluminismo, antes identificando três legados diferentes: o do Iluminismo britânico (sobretudo escocês), o do Iluminismo francês e o daqueles que fundaram a primeira República moderna, os "founding fathers" (país fundadores) da democracia americana. Apesar dos muitos cruzamentos entre as figuras maiores desse século - o XVIII - e de não existir uma só opinião dentro das várias escolas, Himmelfarb preocupa-se mais com as divergências do que com as convergências entre os três Iluminismos e, depois, identifica as consequências. Aí a comparação é feita sobretudo entre as revoluções americana e francesa, a primeira associada à construção da nova República após obtida a independência das 13 colónias do Reino Unido, a segunda ligada ao fim dos "antigos regimes" na Europa e à degenerescência do que foi uma explosão de liberdade primeiro no Terror jacobino e, depois, no império napoleónico. Particularmente oportuno numa altura em que procuramos perceber a diferença anglo-saxónica e, em especial, a originalidade americana, este livro leva-nos às raízes das raízes. Os filósofos não explicam tudo, sobretudo não têm culpa daquilo que os políticos fazem em nome das suas ideias - mas recordar os filósofos e as suas diferenças ajuda-nos a perceber como talvez sejamos mais diferentes no seio daquilo a que chamamos "Ocidente" do que habitualmente pensamos. J.M.F. A Chuva Pasmada Autor: Mia Couto Ilustrações: Danuta Wojciechowska Editor: Caminho ? "Pai nosso, cristais no céu, santo e ficado seja o vosso nome." Este simples jogo de palavras, no livro "A Chuva Pasmada" diz bem da mestria do moçambicano Mia Couto. "O rio, sem cio, um fio. Macio, sem pio, um pavio." Cantilena do avô, nesta espécie de romanceiro com que o autor nos brinda neste Natal, em belíssima edição ilustrada pela canadiana (de ascendência polaca) Danuta Wojciechowska, radicada em Portugal. À primeira vista, quando a obra nos chega à mão, e dado o seu aspecto gráfico, julgamos tratar-se de algo especialmente dedicado a crianças; mas depois chegamos à conclusão de que não é bem assim, pois não é para crianças falar de tias que sofrem "da doença de esperar homem". Ou que esmagam o corpo de encontro aos sobrinhos. Mia transgride em todos os sentidos, quando conta as velhas lendas africanas ou fala do marido desiludido por a mulher (negra como ele) não ter tido comércio carnal com um homem branco, patrão da fábrica que poluía a região. "Milagre é o coração começar sempre no peito de outra vida", diz o biólogo escritor, cujas propostas são ousadas, inscrevendo na língua de Garrett e Camilo a individualidade do continente para onde os pais emigraram, idos do Porto. Ao evitar explicar logo na entrada desta sua mais recente obra qual é o género da mesma (que coloca sob a evocação de Neruda e do seu "Crepusculário", de 1923), ele aponta-nos para um caminho claramente híbrido, o da estória poética, paradigma de um país jovem. "Ante o frio, faz com o coração o contrário do que fazes com o corpo: despe-o. Quanto mais nu, mais ele encontrará o único agasalho possível - um outro coração." Belo conselho! J.H. "Na Minha Morte" Autor William Faulkner Tradutor Ana Maria Chaves Editor Relógio d'Água 16,50? A reedição de "Na Minha Morte", desta vez pela Relógio d'Água, brinda os leitores com uma das obras mais singulares da literatura norte-americana do século XX. William Faulkner escreveu o livro em 1930 e propõe nesta narrativa a saga de uma família (os Bundren) de brancos pobres do Sul. A acção, que decorre ao longo de nove dias, é a concretização de uma promessa feita pelos filhos à matriarca dos Bundren, que pede para ser enterrada na cidade mítica de Faulkner: Jefferson. "Na Minha Morte" é, sem dúvida, um dos livros mais impressionantes de Faulkner e da literatura anglo-saxónica. M.J.O. "O Ofício de Viver" Autor Cesare Pavese Tradutor Margarida Periquito Editor Relógio d'Água 19? A edição integral do diário que o autor de "Noites de Festa" manteve entre 1935 e 1950 foi um dos momentos altos dos lançamentos literários deste ano. Até porque Pavese continua a ser um escritor injustamente esquecido em Portugal. Margarida Periquito traduziu a partir da cópia integral do manuscrito autógrafo que pertence à Universidade de Turim, incluindo as passagens que tinham sido censuradas em diversas edições. Quatrocentas páginas reflectem 15 anos de uma vida dedicada à escrita, mas revelam também as angústias, as traições, as esperanças amorosas, os desejos e a solidão de um homem que, antes de se suicidar, escreveu: "Palavras, não. Um gesto. Não escreverei mais." M.J.O. "Aulas de Literatura" Autor Vladimir Nabokov Tradutor Salvato Telles de Menezes Editor Relógio d'Água 23? Um escritor com o grandioso mérito de Nabokov ensina uma plateia de alunos da Universidade de Cornell a ler. "Mansfield Park", de Jane Austen, "Bleak House", de Charles Dickens, "Madame Bovary", de Flaubert, "O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde", de Robert L. Stevenson, "Do Lado de Swann", de Proust, "A Metamorfose", de Kafka", e, finalmente, "Ulisses", de James Joyce são as escolhas. No volume publicado pela Relógio d'Água, com uma introdução de John Updike, estão reunidas algumas das palestras que o autor de "Lolita" proferiu em Cornell, na disciplina Mestres Europeus da Ficção. E que deleite é ler as palavras entusiásticas, e por vezes inflamadas, de Nabokov. M.J.O. "Meridiano de Sangue ou O Crepúsculo Vermelho no Oeste" Autor Cormac McCarthy Tradutor Paulo Faria Editor Relógio d'Água 18? Quando McCarthy publicou "Meridiano...", a crítica americana não hesitou em designá-lo como um dos (raros) discípulos de Faulkner. Isto porque, como escreveu Harold Bloom, o livro "consolidava" os êxitos das obras maiores de Faulkner e apresentava-se como "o verdadeiro romance apocalíptico americano". O velho Oeste, em meados do século XIX, é o cenário para um bando de mercenários "caçarem" índios, a troco do dinheiro de governadores mexicanos. É neste grupo que o leitor conhece uma das personagens literárias mais fascinantes das letras norte-americanas do século XX: o juiz Holden. Inesquecível. O livro e Holden. M.J.O. "Origens" Autor Amin Maalouf Tradutor Cláudia Ramos e Artur Ramos Editor Difel 20? Em "Origens", o mais recente livro de Amin Maalouf, o escritor libanês imigrante em França "ressuscita os antepassados do esquecimento", como explicou na sua passagem por Lisboa. Desfiando a intimidade dos seus, a partir de uma mala cheia de documentos, ele segue Botros, o avô que escolheu ficar na terra natal, e Gebrayel, o tio-avô que optou pelo exílio, mergulhando num passado de segredos e mistérios, de sucessos e fracassos, de alegrias e dramas, de uniões e separações. Ao evocar as estórias da sua família, viaja mais uma vez pela História, de forma brilhante. M.S.L. "John Fitzgerald Kennedy - 1917-1963 - Uma Vida Interrompida" Autor Robert Dallek Editora Bertrand 34,61? Só foi Presidente dos Estados Unidos da América durante mil dias e isso aconteceu há muito tempo (já passaram 41 anos), mas mesmo assim o nome de John Fitzgerald Kennedy continua a manter intacto o apelo, despertando um interesse que se estende a todo o mundo. Foi biografado de tantas maneiras e por tantos autores que, quando esta biografia assinada por Robert Dallek surgiu, em 2003, o quadragésimo aniversário do assassinato, a primeira e legítima pergunta foi: o que haverá de novo para dizer? Afinal, havia coisas novas para dizer - acima de tudo a descrição pormenorizada do calvário médico, desde rapaz, do mais mítico dos presidentes dos EUA, mas também detalhes sobre a sua acção e pensamento políticos. Dallek conta-os e de uma maneira interessante - deixando uma obra que talvez só venha a ser suplantada quando houver novas revelações sobre JFK, o que em teoria sucederá em 2044, quando forem abertos os arquivos de Jackie Kennedy. J.C.S. "Amigos até ao Fim" Autor John Le Carré Editor Dom Quixote-Círculo de Leitores ? O "último" Le Carré mereceu mais do que as reacções do costume - elogios rasgados e alguns resmungos de que o fim da guerra fria lhe retirou a matéria-prima: provocou uma polémica sobre se ele era antiamericano e sobre o que é ser antiamericano. A explicação é simples: é indisfarçável em "Amigos até ao Fim" um protesto, uma raiva, contra a operação militar de Bush e Blair no Iraque. Mas é indisfarçável porque Le Carré não procurou disfarçar (aliás, desde há pelo menos 30 anos que o seu mal-estar com Washington é visível). O livro é intencionalmente polémico, mas mesmo quem discordar profundamente do autor tem motivos literários de sobra para admirar o mestre - e deleitar-se com a cadência, a atmosfera e as personagens da história em dois andamentos de uma longa amizade. J.C.S. "Christos" Autor: AAVV Editorial Verbo ? Já fazia falta uma obra assim, em português (se bem que traduzida do italiano). "Christos - Enciclopédia do Cristianismo" passa em revista todos os grandes temas do cristianismo, desde a Bíblia à actualidade. Com um excelente leque de autores e prefácio do patriarca de Lisboa para a edição portuguesa, "Christos" tem ainda a vantagem de, além das entradas normais de uma enciclopédia, apresentar um conjunto de textos antológicos em diversos temas. Imprescindível numa biblioteca básica. A.M. "João Paulo II" Autor Bernard Lecomte Editor Asa 29,4? Bernard Lecomte já escrevera "O Papa que Venceu o Comunismo", sobre a acção de João Paulo II nos países de Leste. Com esta biografia aventura-se numa versão mais alargada e biográfica da vida deste homem "fora do comum", que ainda agora marca o mundo contemporâneo. Além da biografia, esta obra apresenta apêndices com uma cronologia da vida de Karol Wojtyla, um conjunto de fotografias e um pequeno glossário de termos religiosos, ou seja, para ser lida por todos os interessados e não apenas por crentes. A.M. "Pedro Arrupe - O Polémico Superior Geral dos Jesuítas" Autor Pedro Miguel Lamet Editor Tenacitas/AO ? Este é o retrato de um gigante. Pedro Arrupe estava junto a Hiroxima quando a bomba atómica ali foi lançada e ali se teve um comportamento "mais que heróico a socorrer sobreviventes", como narram várias pessoas ajudadas. Décadas depois, quando se vivia a tragédia dos "boat people", os refugiados que andavam no mar à deriva, resolveu criar o Serviço Jesuíta aos Refugiados. Entretanto, e após uma vida cheia, enfrentou-se com o Papa João Paulo II, provocando uma crise entre o Vaticano e os jesuítas, de cuja ordem era superior geral. A.M. "A Verdadeira História de Jesus" Autor E. P. Sanders Editor Notícias Editorial 19? A edição original de "A Figura Histórica de Jesus", como diz o título em inglês, tem dez anos. Apesar disso, "A Verdadeira História de Jesus", de E. P. Sanders, é um dos trabalhos científicos imprescindíveis no estudo sobre a dimensão histórica de Jesus Cristo. O autor explica o contexto social, político e religioso (do judaísmo) em que Jesus nasceu, apresenta as fontes externas aos evangelhos que dele falam, tenta reconstruir a vida, a figura e a mensagem de Jesus a partir do que se sabe - mesmo admitindo, como diz Sanders, que a "reconstrução histórica nunca é absolutamente certa e, no caso de Jesus, por vezes, é muitíssimo incerta". Mas esse processo permite desvelar o muito que também se sabe. "E, talvez o mais importante, sabemos como ele inspirou os seus seguidores, que, por vezes, não o entenderam, mas que lhe foram tão fiéis que mudaram a História." A.M. "A Construção de Jesus - Uma Leitura Narrativa" de Lc 7, 36-50 Autor José Tolentino Mendonça Editor Assírio & Alvim ? "A Construção de Jesus" parte do episódio em que uma mulher chora aos pés de Cristo. José Tolentino Mendonça faz uma leitura narrativa desse texto de S. Lucas para concluir que há um ponto de viragem nesse encontro, em que Jesus "é obrigado a suplantar as barreiras da legalidade religiosa", acendendo o "lume polémico". O encontro "que, na sua desprotegida sinceridade, desfaz os falsos cálculos que a religiosidade, por vezes, esconde: o silêncio e as lágrimas são a expressão do impronunciável mais fundo, dessa verdade que cada um traz mergulhada no sangue. E é assim que nesse encontro, mais do que noutros, alguém assinala, reconhece, toca, molha, e unge o mistério de Jesus." Além de tudo isto, este é um livro muito bem escrito, facto que deve ser assinalado. A.M. "Flor Brilhante" Autor Hildegard von Bingen Tradutor Editor Assírio & Alvim ? "Ó nobilíssima frescura, que no sol te radicas,/ e em cândida serenidade fulges/ no disco,/ que nenhuma excelência terrena/ compreendeu,/ és circundada/ por amplexos de divinos mistérios./ Tu ruboresces como aurora/ e ardes como flama do sol." Hildegard von Bingen, mística do século XII, pintora, escritora e poetisa, música e botânica, abadessa e visionária, foi revelada há poucos anos, em Portugal, pela música que escreveu. Mas as suas facetas de poeta e compositora não são menos importantes. Por isso é um acontecimento editorial a publicação desta "Flor Brilhante", revelando pela primeira vez aos leitores portugueses a poesia (neste caso, composta para música litúrgica) de uma personalidade vasta e riquíssima. "Hoje foi aberta para nós a cerrada porta" de uma "pedra preciosa plena de esplendor,/ brilhante beleza do sol". A.M. "A Irmandade do Santo Sudário" Autores Julia Navarro Editor Gótica-Círculo de Leitores ? Julia Navarro engendrou uma tese brilhante para explicar por que é que no Sudário de Turim (que a tradição apontava como sendo o pano que embrulhou Cristo morto) está uma imagem que terá sido gravada no século XII. Para isso, a autora recua até ao tempo de Jesus e faz nascer uma secreta irmandade do sudário. Mais tarde, na época das Cruzadas, os templários metem-se na história. Em vez de um pano, passa a haver dois e o autêntico chega a estar escondido no Alentejo. O inspector Marco Valoni e a sua equipa, e uma jornalista "outsider" tentam desvendar os mistérios - só não descobrem onde está o sudário autêntico. Uma nova aproximação ficcional a temas ligados à origem do cristianismo, mesclada com uma investigação policial. A.M. "Imprimatur - O Segredo do Papa" Autores Rita Monaldi e Francesco Sorti Editorial Presença ? Atto Melani é um cantor "castrato" a quem uma suspeita de peste apanha hospedado numa estalagem de Roma. Com o estalajadeiro, enceta uma viagem nocturna pelos subterrâneos da cidade, à procura das causas que estarão por detrás da morte ocorrida na estalagem. Um policial histórico cuja acção se situa em 1683 e que se pretende sustentado em documentos. Como pano de fundo, os turcos estão à porta de Viena, o rei Luís XIV mostra em França que o Estado é ele, o Papado faz alianças secretas com Guilherme de Orange... A.M. "Para Uma História da Alimentação de Lisboa e Seu Termo" Autor Alfredo Saramago Editor Assírio & Alvim ? No panorama da escassíssima produção teórica sobre a história da alimentação em Portugal, Alfredo Saramago ocupa um lugar à parte. Ele recolhe, sistematiza e sintetiza dados dispersos por várias fontes, sabedor de que a formulação de teses e tentativas de explicação é posterior e não pode ser feito sem este esforço de formiga. Este "Para Uma História da Alimentação de Lisboa e Seu Termo" é o um bom exemplo do trabalho necessário e útil que Alfredo Saramago tem produzido nos últimos anos. D.L.R. "Sabor de Goa" Autor Maria Fernanda Noronha da Costa e Sousa (texto), Inês Gonçalves (fotografias) Editor Assírio & Alvim ? Trata-se do segundo livro de Maria Fernanda Noronha da Costa e Sousa, editado pela Assírio & Alvim, sobre a cozinha goesa. Esta segunda obra recolhe mais informação e vai mais longe na exposição sobre o contexto social em que se desenvolveu e evoluiu a cozinha goesa. O alargado conjunto de receitas recolhidas e publicadas, muitas delas de casas de família, são um complemento indispensável no conjunto da obra. Belas fotografias de pessoas, lugares e cozinhados de Inês Gonçalves. D.L.R. "Melo Antunes - O Sonhador Pragmático" Autor Maria Manuela Cruzeiro Editor Editorial Notícias 23,76? "A Fita do Tempo da Revolução, A Noite que Mudou Portugal" Organização Boaventura Sousa Santos Editor Ed. Afrontamento-Centro de Documentação 25 de Abril 19? Revolução ou evolução, a verdade é que 30 anos passaram sobre o 25 de Abril e a lei da vida vai fazendo minguar, inexorável, o número de testemunhos vivos de quem protagonizou o golpe de Estado e o extraordinário período que se lhe seguiu. A versão de Melo Antunes sobre ambos os períodos, dada na fase derradeira da sua vida, constitui um documento imprescindível para a compreensão tanto do programa do MFA, como dos momentos de ruptura e confronto político-militar ocorridos entre a queda do regime de Salazar e Caetano e o 25 de Novembro de 1975. Realce especial para as considerações sobre o processo de descolonização. Num outro plano, mais factual, registe-se o encontro, no local onde os "capitães" situaram o seu posto de comando, entre cinco dos seis mais altos responsáveis militares do golpe de Estado. Tendo à frente a "Fita do Tempo" (nome dado pelos militares ao seu diário de operações e que pela primeira vez chega ao grande público), Amadeu Garcia dos Santos, José Eduardo Sanches Osório, Nuno Fisher Lopes Pires, Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Crespo rememoram pequenos e grandes episódios das 24 horas que mudaram Portugal, tal como as viveram numa pequena sala, de portas e janelas fechadas, do Quartel da Pontinha. Créditos das duas iniciativas para o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, em particular para o seu director, Boaventura Sousa Santos (moderador do encontro), e para Maria Manuela Cruzeiro, entrevistadora de Melo Antunes. A.G. "O Porteiro de Pilatos ou O Segredo do Judeu Errante" Autor Jean d'Ormesson Editor Europa América ? No mercado francês há quase uma década e meia, "L'Histoire du Juif Errant" (Gallimard) chegou finalmente a Portugal. Escrito primorosamente por Jean d'Ormesson a partir do mito do judeu errante, o livro conduz-nos por dois mil anos de história - do Monte Calvário à descoberta da América, da invenção do zero à Revolução Francesa e ao raide israelita sobre Entebe. Magnífica de ensinamentos políticos e jornalísticos a carta de Pilatos ao legado imperial da Síria, "Publius Sulpicius Quirinius". O grau de excelência da obra bem dispensava as manobras de "marketing" a aproximá-la, oportunisticamente, do "Código da Vinci". Bem como aquele título (transformado em português, também por considerações certamente extraliterárias em "O Porteiro de Pilatos ou O Segredo do Judeu Errante"). A.G. "Eu Hei-de Amar Uma Pedra" Autor António Lobo Antunes Editor Dom Quixote 20,50? "Eu Hei-de Amar Uma Pedra" nasceu de uma história que um colega médico contou a António Lobo Antunes no Hospital Miguel Bombarda, quando ia a passar uma senhora de 80 e tal anos. O escritor disse ao PÚBLICO que tentou escrevê-la "com uma mão de escriturário". E que concorda com o seu agente literário norte-americano: foi o melhor romance que escreveu. Os leitores pareceram partilhar essa opinião: um mês e meio depois do lançamento, o livro já vai na 3ª edição. A carreira do escritor atingiu novos picos de reconhecimento em 2004. Foi-lhe atribuído o prestigiadíssimo prémio Jerusalém. Na homenagem internacional pelos seus 25 anos de livros publicados, Mats Gellefelt, respeitado crítico sueco, lamentou a miopia do Comité Nobel e chamou-lhe "o maior escritor vivo". Da mesma forma o classifica a crítica literária Tereza Coelho, na fotobiografia que lhe dedica. A Dom Quixote iniciou a edição de toda a sua obra. Imprescindível. A.G. "Austerlitz" Autor W. G. Sebald Editor Teorema 17,85? O alemão W. G. Sebald, "exilado" voluntário em Inglaterra durante praticamente toda a sua vida adulta, é considerado por alguns críticos como um dos maiores escritores "europeus" do século. Escreveu "Austerlitz" em 2001, o ano em que morreu num desastre de automóvel, e a tradução em português - a primeira da sua obra - chegou este ano (pela Teorema). "Austerlitz" é, de certo modo, exclusivamente sobre a memória e o Holocausto, mas essa palavra não está lá uma única vez. Entre muitas das suas particularidades, Sebald inclui nos seus romances dezenas de fotografias misteriosas, a preto e branco e sem legendas, que têm - ou não - uma ligação directa com o texto. B.R. Sul - Viagens Autor Miguel Sousa Tavares Editor Oficina do Livro 25? É o "Sul" de novo, um livro de viagens, mas numa edição aumentada e muito mais cuidada do que a original, que foi publicada há alguns anos pela Relógio d'Água, de tal maneira que parece um outro livro. O texto "Ruínas do Império" é novo e foi escrito no Verão passado em São Tomé e Príncipe e abre o livro - é o regresso de M.S.T. a São Tomé dez anos depois de lá ter estado pela primeira vez. Emociona. Outros dois textos, "Outono em Veneza" de 2002, e "Uma noite em África", escrito em 2004, também não estavam na edição original. Neste último é evidente a mestria de Sousa Tavares para nos fazer ficar presos a uma história, que tudo levaria a crer que só interessasse a quem por ela passou. Trata-se de uma noite passada no Parque Nacional do Kruger, num pacote que "compreendia um jantar, uma noite, um pequeno-almoço e duas saídas para ver os bichos, uma ao pôr do Sol, outra ao nascer do dia". Como os textos publicados são de várias épocas, sente-se também o amadurecimento da escrita e do olhar de M.S.T sobre as coisas. Este "Sul" vale igualmente pelas fotografias, alguns textos que na edição anterior não estavam ilustrados estão agora e há mais fotografias do autor nas suas viagens. Desde Outubro, quando foi posto à venda, já vendeu 40 mil exemplares. E o impressionante é que o romance "Equador" atingiu já os 214 mil exemplares vendidos. I.C. "Dieta (à Minha Maneira)" Autor Helena Sacadura Cabral (textos) e Adriana Freire (fotografias) Editor Oficina do Livro 19? Mais um livro de receitas de Helena Sacadura Cabral que teve que ajudar um dos seus filhos a perder 13 quilos e por isso reuniu as receitas dessa dieta neste livro. As natas são substituídas por natas de soja ou magras, o queijo é magro, alguns doces têm adoçante. "Não adianta sofrer. O que é bom é aprender a variar e descobrir que comer é uma fonte de prazer, se soubermos ter cuidado...", diz a autora. O livro, tal como o anterior, tem fotografias belíssimas. I.C. "Até ao Oriente e Outros Contos para Wenceslau de Moraes" Autor Vários (organização de Rui Zink) Editor Dom Quixote ? Wenceslau de Moraes nasceu em Lisboa em 1854 e morreu em 1929 em Tokushima, no Japão, onde passara os seus últimos 31 anos. Cumpriu-se em 2004 o 150º aniversário do seu nascimento e é sob o signo da efeméride que se publica esta colectânea de contos de "circunstância", encomendados por Rui Zink aos respectivos autores: Eduardo Brum, Inês Pedrosa, Jacinto Lucas Pires, Luís Cardoso, Marilene Felinto, Mário Cláudio, Possidónio Cachapa e Richard Zenith. Moraes nunca foi um autor muito lido, sequer "conhecido" pelo nome, e isso reconhece Zink no prefácio: "Não sei se os autores que aceitaram participar neste livro conhecem muito ou pouco a obra de Wenceslau de Moraes. Suspeito mesmo que, à excepção de Mário Cláudio ('noblesse oblige'), quase todos conheceriam muito pouco... antes de se lançarem em busca deste Oriente. O importante é que todos aceitaram o desafio: contar uma história em função do que possa ser um 'espírito de Moraes'." Pedro Barreiros, que comissariou as discretas comemorações moraesianas, assim o desejou: que tais comemorações "marcassem o início de um novo ciclo" no conhecimento do autor de "O Culto do Chá". Possa o leitor agora descobrir o Oriente desse Oriente, esta rápida antologia de contos. M.S. "Cobra" Autor Severo Sarduy Tradutor Margarida Amado e Pedro Santa María de Abreu Editor Assírio & Alvim ? Sob vários pontos de vista, o barroco sempre se deu bem nos trópicos latino-americanos. Na literatura do século XX, Cuba é um exemplo fértil e, em Cuba - ou melhor, fora dela, pois o autor de "Cobra" foi para Paris em 1960 e não voltou à ilha -, Severo Sarduy (1937-1993). Se bem nos lembramos, existia em português apenas um livro de Sarduy, um seu ensaio sobre, precisamente, o "Barroco". E já não era pouco. Mas felizmente temos agora "Cobra", que é de 1972 e que a seu tempo ganhou um prémio Médicis e foi traduzido para várias línguas, nomeadamente para o francês pela mão de Phillipe Sollers (que foi, com Barthes e Lacan, um dos grandes amigos de Sarduy em Paris). "Cobra" é um exemplo extremo da luxúria neobarroca de Severo Sarduy, lírica e delirante: "Quer engolir um sapo./Dilata as cartilagens do pescoço - húmidas ramagens ganglionares, anéis de apófises moles -, a pele sem poros: a garganta expande-se: caixa oval cuja tremente torcaz, cuja lebre ainda adormecida, chumbearão, apertadas as esponjas das amígdalas, jorros de sucos corrosivos, salivadelas fénicas." M.S. "Poemas Ditos por Germana Tânger" Autor Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa Editor Assírio & Alvim Livro + CD (53'40'') ? Entre Março e Maio deste ano, a actriz Germana Tânger, que (bem) diz poemas há mais de 50 anos, entrou no estúdio Praça das Flores, em Lisboa e gravou 35 poemas (ou excertos de poemas) de Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa (com Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis). O 36º que ela seleccionou para este audiolivro foi gravado "ao vivo" no teatro São Luiz, em Lisboa, no início da década de 1970, durante um recital de poesia e piano com Adriano Jordão (e ouvem-se as merecidas palmas). Por vezes, mas só mesmo por vezes e com muita, muita discrição, a voz de Germana Tânger é acompanhada por "improvisações ao piano" por Paulo Pimentel. É que a voz de Tânger se basta e nos basta aqui, recortando com claridade sem ênfase as palavras dos poetas que, audivelmente, ela tanto gosta de "dizer" (não "declamar"). Um regalo. M.S. "Mar" Autor Sophia de Mello Breyner Andresen Editor Caminho ? Esta antologia, inicialmente "constituída pelos poemas de Sophia sobre o mar", foi organizada por Maria Andresen de Sousa Tavares e publicada pela primeira vez em 2001. Chegou agora à 5ª edição "revista e aumentada". Devemos sublinhar que não se trata de uma mera reimpressão, mas é, verdadeiramente, uma nova edição, e muito aumentada. Basta dizer que há 78 poemas que não estavam nas edições anteriores desta antologia, fazendo com que o número de poemas agora coligidos exceda em mais do dobro o anterior. Tal se deve, basicamente, a um entendimento menos restritivo do critério que sustém a antologia. Ainda bem. Diga-se também que há nesta antologia seis poemas que são pela primeira vez publicados em livro, graças ao trabalho de recolha de dispersos feito por Luís Manuel Gaspar com vista à edição "definitiva" da obra de Sophia em curso de publicação pela Caminho. Citem-se os versos finais de "Náufrago acordando", publicado em 1959, no segundo número da revista "Colóquio": "Um homem só na areia lisa, inerte,/Na orla dançada do mar./Nos seus cinco sentidos, devagar,/A presença das coisas principia." Mantém-se, a título de posfácio, o texto de Francisco de Sousa Tavares que foi, em 1944, a primeira recensão ao primeiro livro de Sophia, intitulado "Poesia". M.S. "Carrossel e Outros Poemas" Autor Rainer Maria Rilke (desenhos de Júlio Resende) Tradutor Vasco Graça Moura Editor Asa ? "Momentos de Paixão" Autor Rainer Maria Rilke (desenhos de Auguste Rodin) Tradutor João Barrento, José Miranda Justo e Isabel Castro Silva ? Organizado e traduzido por Vasco Graça Moura, "Carrossel e Outros Poemas" é um pequeno bestiário rilkiano, com golfinhos, papagaios, flamingos, pombos, um cisne, um gato preto, um cão, um escaravelho, uma pantera e até um unicórnio, entre outros bichos: "Focinho de penugem rosa baço,/leve arreganho e a branca nitidez/dos dentes no seu brilho (e é a mais branca);/a arfar, narinas lentas de avidez;/mas nos olhares que coisa alguma estanca/lançando-se em imagens para o espaço/o ciclo azul das lendas se perfez." O livro tem dez desenhos de Júlio Resende, direcção gráfica de Armando Alves, capa dura e sobrecapa. Que bela prenda. O jovem Rainer Maria Rilke, que estava então casado com uma ex-aluna de Rodin, foi por alguns meses, em 1905 e 1906, secretário do escultor, a quem dedicou um estudo e os "Novos Poemas". "Momentos de Paixão" é uma colectânea que junta poemas e dois ou três textos em prosa de Rilke e nus a carvão e aguarela de Rodin. "Como podemos nós suportar que o nome de Eros, que na boca de Sócrates se tornou astro, esteja agora 'escondido' pelos cantos, nos lugares mais esconsos e sujos, não 'tendo' nós nada mais, nenhuma palavra (...) para dar nome à única coisa que nos dá o direito de aqui ser e a esperança de aqui 'permanecer'?", pergunta o poeta de "Sonetos a Orfeu", num texto sobre os desenhos de Rodin. M.S. "Ou o Poema Contínuo" Autor Herberto Helder Editor Assírio & Alvim ? Supomos que era em "Os Passos em Volta" (cuja primeira edição é do início dos anos de 1960) que o poeta inscrevia este desejo: "Meu Deus, faz com que eu seja sempre um poeta obscuro." Quiseram os deuses e o poeta que o desejo fosse atendido e Herberto Helder foi sempre e continuará sendo um poeta obscuro, virtude mais difícil de alcançar, e sobretudo mais necessária, do que é costume supor-se. Que Herberto Helder seja entretanto um dos (verdadeiramente) grandes poetas do último meio século é pormenor que já toda a gente sabe. A sua obra tem tido sempre um corpo instável, mutante, vivo, território em permanente complexificação por sucessivas rasuras, recomposições e transfigurações: é um poema contínuo. Precisamente, "Ou o Poema Contínuo" é o modo último como se apresenta o rosto da obra de Herberto Helder. Digamos que é um título que se parece mais com a obra do que o anterior "Poesia Toda". Mas é altura de voltarmos à fonte, a "O amor em visita": "Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti/que me vem o fogo./Não há gesto ou verdade onde não dormissem/tua noite e loucura,/não há vindima ou água/em que não estivesses pousando o silêncio criador./(...)/Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra/a carne transcendente. E em ti/principiam o mar e o mundo." M.S. "Paladares de Cá" Paladares Pacíficos Mónica Chan, Minnie Freudenthal, Inês Gonçalves Almedina, 2004 22? cada "Paladares de Cá" e "Paladares Pacíficos" são dois livros de cozinha saudável resultado de vários encontros e misturas (ou fusões, usando um termo mais contemporâneo e aplicado também à culinária). Encontro de Mónica Chan, uma chinesa de Macau, e da portuguesa Minnie Freudenthal. Cruzamento da comida oriental com a experiência europeia (não só portuguesa) de Chan, cruzamento da culinária portuguesa com técnicas de cozinhar orientais (e alguns ingredientes) e cruzamento de tudo isto com a vida moderna. As duas encontraram-se no início dos anos 90 e dão cursos de Culinária no Centro Cozinha Equilíbrio, no Restelo (Lisboa). São as receitas dos cursos que resultaram nos livros depois de um último encontro, desta vez com a fotógrafa Inês Gonçalves. I.S. "Ao Longe os Barcos de Flores - Poesia Portuguesa do Século XX" Escolhida por Gastão Cruz, dita por José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto, Luís Lucas, Luísa Cruz, Natália Luiza Edição Assírio & Alvim Livro + dois CD (155') ? Sendo escasso o espaço, adiantem-se os autores dos poemas que, sob a direcção de Gastão Cruz, cinco actores portugueses, habitualmente participantes em recitais, gravaram em Outubro. No primeiro CD: Pessanha, Pessoa (mais Campos, Reis, Caeiro), Sá-Carneiro, Nemésio, Sena, Sophia, Carlos de Oliveira. No segundo CD: Eugénio, Cesariny, Ramos Rosa, O'Neill, Herberto, Ruy Belo, Fiama, Luiza Neto Jorge. Prosseguindo a colecção Sons, que, neste deserto português que é a poesia gravada, tanto tem por onde se expandir. A.L.C. "Quinze Poetas Portugueses do Século XX" Selecção e prefácio de Gastão Cruz Edição Assírio & Alvim ? Forma uma dupla com o livro-CD anterior, até graficamente, pela fotografia de Lourdes Castro na capa. Os mesmos 15 poetas já referidos, mas aqui com outra extensão: mais de 250 poemas escolhidos pelo poeta e dedicado divulgador de poesia portuguesa do século XX que é Gastão Cruz. A.L.C. "Todos os Poemas", I, II, III Ruy Belo Edições Assírio & Alvim ? Era um volume único, passam a ser três, revistos, a partir do estabelecimento de texto feito por Gastão Cruz e Teresa Belo. O primeiro vai até ao livro "Homem de Palavra[s]", o segundo até "A Margem da Alegria", ficando assim o terceiro para "Toda a Terra", "Despeço-me da Terra da Alegria" e quatro poemas dispersos: "Na noite de Madrid", "Homenagem talvez talvez viagem", "Auto-retrato" e "[Um dia alguém numa grande cidade longínqua dirá que morri]", o poema que encerra com estes versos: "Deixaram-me aqui doutor em tantas e tão grandes tristezas portuguesas / e durmo o sono das coisas convivo com minerais preparo a minha juventude definitiva / Era como eu esperava mas não posso dizer-vos nada / pois tendes ainda o problema e a cara da pessoa viva." A.L.C. "Verso de Autografia" Mário Cesariny Edição Assírio & Alvim ? A transcrição das conversas entre Mário Cesariny e Miguel Mendes, realizador do documentário "Autografia". Um filme transposto para livro, com colaboração da fotógrafa Susana Paiva e do "designer" gráfico Paulo Reis. A.L.C. "Fascinação - Seguido de A Dama Pé-de-Cabra" Hélia Correia-Camilo Castelo Branco Edição Relógio d'Água ? Para entrar no Inverno com um sopro medieval, um conto de Hélia Correia, nascido da leitura redescoberta de "A Dama Pé-de-Cabra - Rimance de Um Jogral (Século XI)", de Camilo Castelo Branco, retomando as suas personagens e o seu universo . "Eram tempos de verão e as feiticeiras folgavam sem rebuço pelos céus, com os seus pés fendidos voltejando, pontapeando as luas amarelas." A.L.C. "Roma - Exercícios de Reconhecimento" António Mega Ferreira Edição Assírio & Alvim ? António Mega Ferreira ama Roma "como nenhuma outra cidade", e quão tentador é dar-lhe razão. Este livrinho magnético e muito portátil, guia de (mais do que conhecedor) amante andante, pode ser pretexto suficiente para ir, lá onde tanto de Inverno como de Verão o tempo é dourado. História, histórias, imagens, livros, percursos, lugares, cafés, restaurantes, hotéis (sem esquecer, naturalmente, as gravatas). A.L.C. "O Senhor Brecht" "O Senhor Juarroz" Gonçalo M. Tavares Edições Caminho ? O mais prolífico jovem escritor português acrescenta dois títulos à sua série de pequenas meditações protagonizadas por senhores com nome de escritor. Os desenhos são, como sempre, de Rachel Caiano. Eis o princípio da teoria dos saltos: "A 2ª parte do salto para cima é descer, mas a 2ª parte do salto para baixo não é subir - pensava o senhor Juarroz." A.L.C. "Ver: Amor" David Grossman Edição Campo das Letras Tradução Lúcia Liba Mucznik ? Uma edição corajosa (mais de 500 páginas em letra miúda, traduzidas directamente do hebraico), que não acabaremos de agradecer. Menos conhecido e publicado (em Portugal) do que Amos Oz, o israelita Grossman é um escritor absolutamente a descobrir. Este romance já foi considerado "um digno sucessor" de obras como "O Som e a Fúria" ou "Cem Anos de Solidão". A.L.C. "Almas Cinzentas" Autor Philippe Claudel Editor Asa ? Este é um dos melhores livros publicados em Portugal este ano. Com ele Philippe Claudel ganhou o Prémio Renaudot 2003 e a revista "Lire" considerou-o também como "o mais importante romance publicado em França durante o ano de 2003". É um "thriller" muito bem construído, muito bem escrito e um retrato impressionante do comportamento humano. Tem a Primeira Guerra Mundial como pano de fundo ("É verdade que havia a guerra. E que perdurava. E que já tinha provocado mortes até perdermos a conta."), mas poderia passar-se agora. É intemporal. "Na fronteira entre o bem e o mal, todos somos a um tempo culpados e inocentes, justos e injustos, almas cinzentas e atormentadas". I.C. "Bica Escaldada" Autor Alice Vieira Editor Notícias ? Um dia, num momento que em regra não é procurado, e é de graça e paz, a memória convoca-nos para revisitações à vida que tivemos. E a gente vai, irresistivelmente, ao encontro dos anos aconchegados. São histórias, momentos, pessoas, as que mais marcaram, quase sempre por bons motivos. Não é preciso ter muitos anos, é necessário só ter passado e alguma capacidade de gratidão. "Bica Escaldada", de Alice Vieira, é essa viagem, 86 quadros buscados entre crónicas publicadas em vários jornais e revistas, feitos de passinhos de criança e passos de adulto, entre cenas que sentimos ter vivido também. Neste sentido, é mais do que um livro, é uma partilha. De instantes, de luzes, de aromas, de sabores, entre jarrões e tios inesquecíveis, cantos que mais ninguém ocupou, Natais que mais ninguém teve, praias que ainda temos debaixo dos pés, hotéis onde ainda nos tratam "pelo nome". Mas isso tudo, ainda que nostálgico, contado sem as dores do irreversível e sempre com um muito notável sentido de humor, como em "Uma dívida de gratidão" ou "Em louvor do licor". Para beber entre dois goles de café? Não só. Para ler, história a história, num serão de família que por sorte a gente venha a ter um dia destes. Como antigamente. F.S. OUTROS TÍTULOS EM MIL FOLHAS Cartografar a beleza

Entrevista a Pedro Canais, autor de "A Lenda de Martim Regos"

A peregrinação de Martim Regos

Entrevista a Pedro Almeida Vieira, autor de "Nove Mil Passos"

Crónica da edificação de "um rio de pedra"

25.00

A redenção dos super-heróis

Seis álbuns para o Natal

NATAL É TRADIÇÃO

PLANO GERAL

Livro da semana

Aldeia de Natal, em Leiria

Lançamentos

CRÓNICA

n. f. n. s. n. c.

Mas o que é que andamos a fazer?

MÚSICA CLÁSSICA

Óperas, guerras e contos

Biber em ano de tricentenário

Concertos

PRENDAS

ARTES PLÁSTICAS

Frutos de um "raisonné"

O grito de Vincent-Antonin

Mário Cesariny

Um Dalí pelo Natal

25.00

Sábado, 18 de Dezembro de 2004 Quando falamos de Ocidente e da modernidade, falamos de quê? Dos herdeiros de Grécia e Roma? Da cristandade? Dos filhos do Renascimento? Ou dos que incorporaram as ideias do "Século das Luzes"? Só as últimas podem, de alguma forma, ser consideradas universais, pelo que a universalidade reclamada dos valores da modernidade é, em boa parte, a do legado do Iluminismo ocidental. Ora o que Gertrude Himmelfarb vem questionar nesta obra é que haja um só Iluminismo, antes identificando três legados diferentes: o do Iluminismo britânico (sobretudo escocês), o do Iluminismo francês e o daqueles que fundaram a primeira República moderna, os "founding fathers" (país fundadores) da democracia americana. Apesar dos muitos cruzamentos entre as figuras maiores desse século - o XVIII - e de não existir uma só opinião dentro das várias escolas, Himmelfarb preocupa-se mais com as divergências do que com as convergências entre os três Iluminismos e, depois, identifica as consequências. Aí a comparação é feita sobretudo entre as revoluções americana e francesa, a primeira associada à construção da nova República após obtida a independência das 13 colónias do Reino Unido, a segunda ligada ao fim dos "antigos regimes" na Europa e à degenerescência do que foi uma explosão de liberdade primeiro no Terror jacobino e, depois, no império napoleónico. Particularmente oportuno numa altura em que procuramos perceber a diferença anglo-saxónica e, em especial, a originalidade americana, este livro leva-nos às raízes das raízes. Os filósofos não explicam tudo, sobretudo não têm culpa daquilo que os políticos fazem em nome das suas ideias - mas recordar os filósofos e as suas diferenças ajuda-nos a perceber como talvez sejamos mais diferentes no seio daquilo a que chamamos "Ocidente" do que habitualmente pensamos. J.M.F. mais marcantes éculo XX. Escreveu sobre história, literatura, política, cultura, antropologia, educação, geografia. Académico, nunca se fechou no mundo da academia, antes interveio politicamente, aproximando-se primeiro do PCP, depois militando nele, a seguir afastando-se progressivamente, para, sempre em nome da liberdade, se afirmar sem complexos anticomunista. Era, na sua mais profunda essência, um homem livre cujo pensamento ainda hoje nos desafia. Daí a importância da publicação deste grosso volume que reúne sobretudo %Manuela Barreto icas e entrevistas, transcrições de debates e, o que é útil e enriquecedor, reconstitui algumas das polémicas que protagonizou (com destaque para as suscitadas pelo seu livro sobre a Inquisição e os cristãos-novos e pelo artigo "O 25 de Abril e a História"). É um prazer folhear as mais de mil páginas deste tomo, encontrar tanto textos de uma enorme erudição como análises quase pueris, mas agudas e pertinentes, ao sistema de ensino, nomeadamente um delicioso - porque tremendamente actual - texto publicado em 1945 na "Seara Nova": "As reformas de ensino e a vida nacional". Na compilação só se lamentam algumas falhas de edição (há saltos e repetições em alguns textos) e convém esclarecer que ficaram de fora as crónicas já publicadas em "Os Filhos de Saturno" e no "Para a História da Cultura em Portugal". J.M.F. "Correspondência" António José Saraiva e Óscar Lopes Gradiva, 2004 ? Tal como Saraiva, Óscar Lopes também foi um "compagnon de route" dos comunistas - só que nunca deles se desligou. Por isso a recolha das cartas que trocaram ao longo de 35 anos - entre 1958 e 1993 - é muito mais do que a troca de opiniões literárias entre aquele que muitos consideram o nosso mais importante crítico literário das últimas décadas e o intelectual com quem escreveu a fundamental "História da Literatura Portuguesa". É também uma revisitação ao ambiente intelectual do Portugal do final do salazarismo e do início da democracia e um apaixonante roteiro para perceber como dois homens que vão divergindo politicamente continuam amigos, colaboram e, sobretudo, discutem ideias. Algumas dessas ideias, assim como os argumentos utilizados, estão irremediavelmente datados, mas isso não lhes tira valor, pelo contrário: ajuda a perceber que o mundo não começou ontem, que há uma história por detrás do que hoje temos por adquirido e que estes dois autores foram protagonistas de alguns dos debates mais dilacerantes do século que passou. Apesar de serem muito mais numerosas as cartas de António José Saraiva, e longas algumas das de Óscar Lopes, ainda bem que estes homens não viveram no tempo do "e-mail" e do telemóvel, pois então dificilmente reconstituiríamos a riqueza do debate que travaram. J.M.F. "The Roads to Modernity The British, French, and Americam Enlightnments" Gertrude Himmelfarb Alfred A. Knopf, New York, 2004 $25.00 Quando falamos de Ocidente e da modernidade, falamos de quê? Dos herdeiros de Grécia e Roma? Da cristandade? Dos filhos do Renascimento? Ou dos que incorporaram as ideias do "Século das Luzes"? Só as últimas podem, de alguma forma, ser consideradas universais, pelo que a universalidade reclamada dos valores da modernidade é, em boa parte, a do legado do Iluminismo ocidental. Ora o que Gertrude Himmelfarb vem questionar nesta obra é que haja um só Iluminismo, antes identificando três legados diferentes: o do Iluminismo britânico (sobretudo escocês), o do Iluminismo francês e o daqueles que fundaram a primeira República moderna, os "founding fathers" (país fundadores) da democracia americana. Apesar dos muitos cruzamentos entre as figuras maiores desse século - o XVIII - e de não existir uma só opinião dentro das várias escolas, Himmelfarb preocupa-se mais com as divergências do que com as convergências entre os três Iluminismos e, depois, identifica as consequências. Aí a comparação é feita sobretudo entre as revoluções americana e francesa, a primeira associada à construção da nova República após obtida a independência das 13 colónias do Reino Unido, a segunda ligada ao fim dos "antigos regimes" na Europa e à degenerescência do que foi uma explosão de liberdade primeiro no Terror jacobino e, depois, no império napoleónico. Particularmente oportuno numa altura em que procuramos perceber a diferença anglo-saxónica e, em especial, a originalidade americana, este livro leva-nos às raízes das raízes. Os filósofos não explicam tudo, sobretudo não têm culpa daquilo que os políticos fazem em nome das suas ideias - mas recordar os filósofos e as suas diferenças ajuda-nos a perceber como talvez sejamos mais diferentes no seio daquilo a que chamamos "Ocidente" do que habitualmente pensamos. J.M.F. A Chuva Pasmada Autor: Mia Couto Ilustrações: Danuta Wojciechowska Editor: Caminho ? "Pai nosso, cristais no céu, santo e ficado seja o vosso nome." Este simples jogo de palavras, no livro "A Chuva Pasmada" diz bem da mestria do moçambicano Mia Couto. "O rio, sem cio, um fio. Macio, sem pio, um pavio." Cantilena do avô, nesta espécie de romanceiro com que o autor nos brinda neste Natal, em belíssima edição ilustrada pela canadiana (de ascendência polaca) Danuta Wojciechowska, radicada em Portugal. À primeira vista, quando a obra nos chega à mão, e dado o seu aspecto gráfico, julgamos tratar-se de algo especialmente dedicado a crianças; mas depois chegamos à conclusão de que não é bem assim, pois não é para crianças falar de tias que sofrem "da doença de esperar homem". Ou que esmagam o corpo de encontro aos sobrinhos. Mia transgride em todos os sentidos, quando conta as velhas lendas africanas ou fala do marido desiludido por a mulher (negra como ele) não ter tido comércio carnal com um homem branco, patrão da fábrica que poluía a região. "Milagre é o coração começar sempre no peito de outra vida", diz o biólogo escritor, cujas propostas são ousadas, inscrevendo na língua de Garrett e Camilo a individualidade do continente para onde os pais emigraram, idos do Porto. Ao evitar explicar logo na entrada desta sua mais recente obra qual é o género da mesma (que coloca sob a evocação de Neruda e do seu "Crepusculário", de 1923), ele aponta-nos para um caminho claramente híbrido, o da estória poética, paradigma de um país jovem. "Ante o frio, faz com o coração o contrário do que fazes com o corpo: despe-o. Quanto mais nu, mais ele encontrará o único agasalho possível - um outro coração." Belo conselho! J.H. "Na Minha Morte" Autor William Faulkner Tradutor Ana Maria Chaves Editor Relógio d'Água 16,50? A reedição de "Na Minha Morte", desta vez pela Relógio d'Água, brinda os leitores com uma das obras mais singulares da literatura norte-americana do século XX. William Faulkner escreveu o livro em 1930 e propõe nesta narrativa a saga de uma família (os Bundren) de brancos pobres do Sul. A acção, que decorre ao longo de nove dias, é a concretização de uma promessa feita pelos filhos à matriarca dos Bundren, que pede para ser enterrada na cidade mítica de Faulkner: Jefferson. "Na Minha Morte" é, sem dúvida, um dos livros mais impressionantes de Faulkner e da literatura anglo-saxónica. M.J.O. "O Ofício de Viver" Autor Cesare Pavese Tradutor Margarida Periquito Editor Relógio d'Água 19? A edição integral do diário que o autor de "Noites de Festa" manteve entre 1935 e 1950 foi um dos momentos altos dos lançamentos literários deste ano. Até porque Pavese continua a ser um escritor injustamente esquecido em Portugal. Margarida Periquito traduziu a partir da cópia integral do manuscrito autógrafo que pertence à Universidade de Turim, incluindo as passagens que tinham sido censuradas em diversas edições. Quatrocentas páginas reflectem 15 anos de uma vida dedicada à escrita, mas revelam também as angústias, as traições, as esperanças amorosas, os desejos e a solidão de um homem que, antes de se suicidar, escreveu: "Palavras, não. Um gesto. Não escreverei mais." M.J.O. "Aulas de Literatura" Autor Vladimir Nabokov Tradutor Salvato Telles de Menezes Editor Relógio d'Água 23? Um escritor com o grandioso mérito de Nabokov ensina uma plateia de alunos da Universidade de Cornell a ler. "Mansfield Park", de Jane Austen, "Bleak House", de Charles Dickens, "Madame Bovary", de Flaubert, "O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde", de Robert L. Stevenson, "Do Lado de Swann", de Proust, "A Metamorfose", de Kafka", e, finalmente, "Ulisses", de James Joyce são as escolhas. No volume publicado pela Relógio d'Água, com uma introdução de John Updike, estão reunidas algumas das palestras que o autor de "Lolita" proferiu em Cornell, na disciplina Mestres Europeus da Ficção. E que deleite é ler as palavras entusiásticas, e por vezes inflamadas, de Nabokov. M.J.O. "Meridiano de Sangue ou O Crepúsculo Vermelho no Oeste" Autor Cormac McCarthy Tradutor Paulo Faria Editor Relógio d'Água 18? Quando McCarthy publicou "Meridiano...", a crítica americana não hesitou em designá-lo como um dos (raros) discípulos de Faulkner. Isto porque, como escreveu Harold Bloom, o livro "consolidava" os êxitos das obras maiores de Faulkner e apresentava-se como "o verdadeiro romance apocalíptico americano". O velho Oeste, em meados do século XIX, é o cenário para um bando de mercenários "caçarem" índios, a troco do dinheiro de governadores mexicanos. É neste grupo que o leitor conhece uma das personagens literárias mais fascinantes das letras norte-americanas do século XX: o juiz Holden. Inesquecível. O livro e Holden. M.J.O. "Origens" Autor Amin Maalouf Tradutor Cláudia Ramos e Artur Ramos Editor Difel 20? Em "Origens", o mais recente livro de Amin Maalouf, o escritor libanês imigrante em França "ressuscita os antepassados do esquecimento", como explicou na sua passagem por Lisboa. Desfiando a intimidade dos seus, a partir de uma mala cheia de documentos, ele segue Botros, o avô que escolheu ficar na terra natal, e Gebrayel, o tio-avô que optou pelo exílio, mergulhando num passado de segredos e mistérios, de sucessos e fracassos, de alegrias e dramas, de uniões e separações. Ao evocar as estórias da sua família, viaja mais uma vez pela História, de forma brilhante. M.S.L. "John Fitzgerald Kennedy - 1917-1963 - Uma Vida Interrompida" Autor Robert Dallek Editora Bertrand 34,61? Só foi Presidente dos Estados Unidos da América durante mil dias e isso aconteceu há muito tempo (já passaram 41 anos), mas mesmo assim o nome de John Fitzgerald Kennedy continua a manter intacto o apelo, despertando um interesse que se estende a todo o mundo. Foi biografado de tantas maneiras e por tantos autores que, quando esta biografia assinada por Robert Dallek surgiu, em 2003, o quadragésimo aniversário do assassinato, a primeira e legítima pergunta foi: o que haverá de novo para dizer? Afinal, havia coisas novas para dizer - acima de tudo a descrição pormenorizada do calvário médico, desde rapaz, do mais mítico dos presidentes dos EUA, mas também detalhes sobre a sua acção e pensamento políticos. Dallek conta-os e de uma maneira interessante - deixando uma obra que talvez só venha a ser suplantada quando houver novas revelações sobre JFK, o que em teoria sucederá em 2044, quando forem abertos os arquivos de Jackie Kennedy. J.C.S. "Amigos até ao Fim" Autor John Le Carré Editor Dom Quixote-Círculo de Leitores ? O "último" Le Carré mereceu mais do que as reacções do costume - elogios rasgados e alguns resmungos de que o fim da guerra fria lhe retirou a matéria-prima: provocou uma polémica sobre se ele era antiamericano e sobre o que é ser antiamericano. A explicação é simples: é indisfarçável em "Amigos até ao Fim" um protesto, uma raiva, contra a operação militar de Bush e Blair no Iraque. Mas é indisfarçável porque Le Carré não procurou disfarçar (aliás, desde há pelo menos 30 anos que o seu mal-estar com Washington é visível). O livro é intencionalmente polémico, mas mesmo quem discordar profundamente do autor tem motivos literários de sobra para admirar o mestre - e deleitar-se com a cadência, a atmosfera e as personagens da história em dois andamentos de uma longa amizade. J.C.S. "Christos" Autor: AAVV Editorial Verbo ? Já fazia falta uma obra assim, em português (se bem que traduzida do italiano). "Christos - Enciclopédia do Cristianismo" passa em revista todos os grandes temas do cristianismo, desde a Bíblia à actualidade. Com um excelente leque de autores e prefácio do patriarca de Lisboa para a edição portuguesa, "Christos" tem ainda a vantagem de, além das entradas normais de uma enciclopédia, apresentar um conjunto de textos antológicos em diversos temas. Imprescindível numa biblioteca básica. A.M. "João Paulo II" Autor Bernard Lecomte Editor Asa 29,4? Bernard Lecomte já escrevera "O Papa que Venceu o Comunismo", sobre a acção de João Paulo II nos países de Leste. Com esta biografia aventura-se numa versão mais alargada e biográfica da vida deste homem "fora do comum", que ainda agora marca o mundo contemporâneo. Além da biografia, esta obra apresenta apêndices com uma cronologia da vida de Karol Wojtyla, um conjunto de fotografias e um pequeno glossário de termos religiosos, ou seja, para ser lida por todos os interessados e não apenas por crentes. A.M. "Pedro Arrupe - O Polémico Superior Geral dos Jesuítas" Autor Pedro Miguel Lamet Editor Tenacitas/AO ? Este é o retrato de um gigante. Pedro Arrupe estava junto a Hiroxima quando a bomba atómica ali foi lançada e ali se teve um comportamento "mais que heróico a socorrer sobreviventes", como narram várias pessoas ajudadas. Décadas depois, quando se vivia a tragédia dos "boat people", os refugiados que andavam no mar à deriva, resolveu criar o Serviço Jesuíta aos Refugiados. Entretanto, e após uma vida cheia, enfrentou-se com o Papa João Paulo II, provocando uma crise entre o Vaticano e os jesuítas, de cuja ordem era superior geral. A.M. "A Verdadeira História de Jesus" Autor E. P. Sanders Editor Notícias Editorial 19? A edição original de "A Figura Histórica de Jesus", como diz o título em inglês, tem dez anos. Apesar disso, "A Verdadeira História de Jesus", de E. P. Sanders, é um dos trabalhos científicos imprescindíveis no estudo sobre a dimensão histórica de Jesus Cristo. O autor explica o contexto social, político e religioso (do judaísmo) em que Jesus nasceu, apresenta as fontes externas aos evangelhos que dele falam, tenta reconstruir a vida, a figura e a mensagem de Jesus a partir do que se sabe - mesmo admitindo, como diz Sanders, que a "reconstrução histórica nunca é absolutamente certa e, no caso de Jesus, por vezes, é muitíssimo incerta". Mas esse processo permite desvelar o muito que também se sabe. "E, talvez o mais importante, sabemos como ele inspirou os seus seguidores, que, por vezes, não o entenderam, mas que lhe foram tão fiéis que mudaram a História." A.M. "A Construção de Jesus - Uma Leitura Narrativa" de Lc 7, 36-50 Autor José Tolentino Mendonça Editor Assírio & Alvim ? "A Construção de Jesus" parte do episódio em que uma mulher chora aos pés de Cristo. José Tolentino Mendonça faz uma leitura narrativa desse texto de S. Lucas para concluir que há um ponto de viragem nesse encontro, em que Jesus "é obrigado a suplantar as barreiras da legalidade religiosa", acendendo o "lume polémico". O encontro "que, na sua desprotegida sinceridade, desfaz os falsos cálculos que a religiosidade, por vezes, esconde: o silêncio e as lágrimas são a expressão do impronunciável mais fundo, dessa verdade que cada um traz mergulhada no sangue. E é assim que nesse encontro, mais do que noutros, alguém assinala, reconhece, toca, molha, e unge o mistério de Jesus." Além de tudo isto, este é um livro muito bem escrito, facto que deve ser assinalado. A.M. "Flor Brilhante" Autor Hildegard von Bingen Tradutor Editor Assírio & Alvim ? "Ó nobilíssima frescura, que no sol te radicas,/ e em cândida serenidade fulges/ no disco,/ que nenhuma excelência terrena/ compreendeu,/ és circundada/ por amplexos de divinos mistérios./ Tu ruboresces como aurora/ e ardes como flama do sol." Hildegard von Bingen, mística do século XII, pintora, escritora e poetisa, música e botânica, abadessa e visionária, foi revelada há poucos anos, em Portugal, pela música que escreveu. Mas as suas facetas de poeta e compositora não são menos importantes. Por isso é um acontecimento editorial a publicação desta "Flor Brilhante", revelando pela primeira vez aos leitores portugueses a poesia (neste caso, composta para música litúrgica) de uma personalidade vasta e riquíssima. "Hoje foi aberta para nós a cerrada porta" de uma "pedra preciosa plena de esplendor,/ brilhante beleza do sol". A.M. "A Irmandade do Santo Sudário" Autores Julia Navarro Editor Gótica-Círculo de Leitores ? Julia Navarro engendrou uma tese brilhante para explicar por que é que no Sudário de Turim (que a tradição apontava como sendo o pano que embrulhou Cristo morto) está uma imagem que terá sido gravada no século XII. Para isso, a autora recua até ao tempo de Jesus e faz nascer uma secreta irmandade do sudário. Mais tarde, na época das Cruzadas, os templários metem-se na história. Em vez de um pano, passa a haver dois e o autêntico chega a estar escondido no Alentejo. O inspector Marco Valoni e a sua equipa, e uma jornalista "outsider" tentam desvendar os mistérios - só não descobrem onde está o sudário autêntico. Uma nova aproximação ficcional a temas ligados à origem do cristianismo, mesclada com uma investigação policial. A.M. "Imprimatur - O Segredo do Papa" Autores Rita Monaldi e Francesco Sorti Editorial Presença ? Atto Melani é um cantor "castrato" a quem uma suspeita de peste apanha hospedado numa estalagem de Roma. Com o estalajadeiro, enceta uma viagem nocturna pelos subterrâneos da cidade, à procura das causas que estarão por detrás da morte ocorrida na estalagem. Um policial histórico cuja acção se situa em 1683 e que se pretende sustentado em documentos. Como pano de fundo, os turcos estão à porta de Viena, o rei Luís XIV mostra em França que o Estado é ele, o Papado faz alianças secretas com Guilherme de Orange... A.M. "Para Uma História da Alimentação de Lisboa e Seu Termo" Autor Alfredo Saramago Editor Assírio & Alvim ? No panorama da escassíssima produção teórica sobre a história da alimentação em Portugal, Alfredo Saramago ocupa um lugar à parte. Ele recolhe, sistematiza e sintetiza dados dispersos por várias fontes, sabedor de que a formulação de teses e tentativas de explicação é posterior e não pode ser feito sem este esforço de formiga. Este "Para Uma História da Alimentação de Lisboa e Seu Termo" é o um bom exemplo do trabalho necessário e útil que Alfredo Saramago tem produzido nos últimos anos. D.L.R. "Sabor de Goa" Autor Maria Fernanda Noronha da Costa e Sousa (texto), Inês Gonçalves (fotografias) Editor Assírio & Alvim ? Trata-se do segundo livro de Maria Fernanda Noronha da Costa e Sousa, editado pela Assírio & Alvim, sobre a cozinha goesa. Esta segunda obra recolhe mais informação e vai mais longe na exposição sobre o contexto social em que se desenvolveu e evoluiu a cozinha goesa. O alargado conjunto de receitas recolhidas e publicadas, muitas delas de casas de família, são um complemento indispensável no conjunto da obra. Belas fotografias de pessoas, lugares e cozinhados de Inês Gonçalves. D.L.R. "Melo Antunes - O Sonhador Pragmático" Autor Maria Manuela Cruzeiro Editor Editorial Notícias 23,76? "A Fita do Tempo da Revolução, A Noite que Mudou Portugal" Organização Boaventura Sousa Santos Editor Ed. Afrontamento-Centro de Documentação 25 de Abril 19? Revolução ou evolução, a verdade é que 30 anos passaram sobre o 25 de Abril e a lei da vida vai fazendo minguar, inexorável, o número de testemunhos vivos de quem protagonizou o golpe de Estado e o extraordinário período que se lhe seguiu. A versão de Melo Antunes sobre ambos os períodos, dada na fase derradeira da sua vida, constitui um documento imprescindível para a compreensão tanto do programa do MFA, como dos momentos de ruptura e confronto político-militar ocorridos entre a queda do regime de Salazar e Caetano e o 25 de Novembro de 1975. Realce especial para as considerações sobre o processo de descolonização. Num outro plano, mais factual, registe-se o encontro, no local onde os "capitães" situaram o seu posto de comando, entre cinco dos seis mais altos responsáveis militares do golpe de Estado. Tendo à frente a "Fita do Tempo" (nome dado pelos militares ao seu diário de operações e que pela primeira vez chega ao grande público), Amadeu Garcia dos Santos, José Eduardo Sanches Osório, Nuno Fisher Lopes Pires, Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Crespo rememoram pequenos e grandes episódios das 24 horas que mudaram Portugal, tal como as viveram numa pequena sala, de portas e janelas fechadas, do Quartel da Pontinha. Créditos das duas iniciativas para o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, em particular para o seu director, Boaventura Sousa Santos (moderador do encontro), e para Maria Manuela Cruzeiro, entrevistadora de Melo Antunes. A.G. "O Porteiro de Pilatos ou O Segredo do Judeu Errante" Autor Jean d'Ormesson Editor Europa América ? No mercado francês há quase uma década e meia, "L'Histoire du Juif Errant" (Gallimard) chegou finalmente a Portugal. Escrito primorosamente por Jean d'Ormesson a partir do mito do judeu errante, o livro conduz-nos por dois mil anos de história - do Monte Calvário à descoberta da América, da invenção do zero à Revolução Francesa e ao raide israelita sobre Entebe. Magnífica de ensinamentos políticos e jornalísticos a carta de Pilatos ao legado imperial da Síria, "Publius Sulpicius Quirinius". O grau de excelência da obra bem dispensava as manobras de "marketing" a aproximá-la, oportunisticamente, do "Código da Vinci". Bem como aquele título (transformado em português, também por considerações certamente extraliterárias em "O Porteiro de Pilatos ou O Segredo do Judeu Errante"). A.G. "Eu Hei-de Amar Uma Pedra" Autor António Lobo Antunes Editor Dom Quixote 20,50? "Eu Hei-de Amar Uma Pedra" nasceu de uma história que um colega médico contou a António Lobo Antunes no Hospital Miguel Bombarda, quando ia a passar uma senhora de 80 e tal anos. O escritor disse ao PÚBLICO que tentou escrevê-la "com uma mão de escriturário". E que concorda com o seu agente literário norte-americano: foi o melhor romance que escreveu. Os leitores pareceram partilhar essa opinião: um mês e meio depois do lançamento, o livro já vai na 3ª edição. A carreira do escritor atingiu novos picos de reconhecimento em 2004. Foi-lhe atribuído o prestigiadíssimo prémio Jerusalém. Na homenagem internacional pelos seus 25 anos de livros publicados, Mats Gellefelt, respeitado crítico sueco, lamentou a miopia do Comité Nobel e chamou-lhe "o maior escritor vivo". Da mesma forma o classifica a crítica literária Tereza Coelho, na fotobiografia que lhe dedica. A Dom Quixote iniciou a edição de toda a sua obra. Imprescindível. A.G. "Austerlitz" Autor W. G. Sebald Editor Teorema 17,85? O alemão W. G. Sebald, "exilado" voluntário em Inglaterra durante praticamente toda a sua vida adulta, é considerado por alguns críticos como um dos maiores escritores "europeus" do século. Escreveu "Austerlitz" em 2001, o ano em que morreu num desastre de automóvel, e a tradução em português - a primeira da sua obra - chegou este ano (pela Teorema). "Austerlitz" é, de certo modo, exclusivamente sobre a memória e o Holocausto, mas essa palavra não está lá uma única vez. Entre muitas das suas particularidades, Sebald inclui nos seus romances dezenas de fotografias misteriosas, a preto e branco e sem legendas, que têm - ou não - uma ligação directa com o texto. B.R. Sul - Viagens Autor Miguel Sousa Tavares Editor Oficina do Livro 25? É o "Sul" de novo, um livro de viagens, mas numa edição aumentada e muito mais cuidada do que a original, que foi publicada há alguns anos pela Relógio d'Água, de tal maneira que parece um outro livro. O texto "Ruínas do Império" é novo e foi escrito no Verão passado em São Tomé e Príncipe e abre o livro - é o regresso de M.S.T. a São Tomé dez anos depois de lá ter estado pela primeira vez. Emociona. Outros dois textos, "Outono em Veneza" de 2002, e "Uma noite em África", escrito em 2004, também não estavam na edição original. Neste último é evidente a mestria de Sousa Tavares para nos fazer ficar presos a uma história, que tudo levaria a crer que só interessasse a quem por ela passou. Trata-se de uma noite passada no Parque Nacional do Kruger, num pacote que "compreendia um jantar, uma noite, um pequeno-almoço e duas saídas para ver os bichos, uma ao pôr do Sol, outra ao nascer do dia". Como os textos publicados são de várias épocas, sente-se também o amadurecimento da escrita e do olhar de M.S.T sobre as coisas. Este "Sul" vale igualmente pelas fotografias, alguns textos que na edição anterior não estavam ilustrados estão agora e há mais fotografias do autor nas suas viagens. Desde Outubro, quando foi posto à venda, já vendeu 40 mil exemplares. E o impressionante é que o romance "Equador" atingiu já os 214 mil exemplares vendidos. I.C. "Dieta (à Minha Maneira)" Autor Helena Sacadura Cabral (textos) e Adriana Freire (fotografias) Editor Oficina do Livro 19? Mais um livro de receitas de Helena Sacadura Cabral que teve que ajudar um dos seus filhos a perder 13 quilos e por isso reuniu as receitas dessa dieta neste livro. As natas são substituídas por natas de soja ou magras, o queijo é magro, alguns doces têm adoçante. "Não adianta sofrer. O que é bom é aprender a variar e descobrir que comer é uma fonte de prazer, se soubermos ter cuidado...", diz a autora. O livro, tal como o anterior, tem fotografias belíssimas. I.C. "Até ao Oriente e Outros Contos para Wenceslau de Moraes" Autor Vários (organização de Rui Zink) Editor Dom Quixote ? Wenceslau de Moraes nasceu em Lisboa em 1854 e morreu em 1929 em Tokushima, no Japão, onde passara os seus últimos 31 anos. Cumpriu-se em 2004 o 150º aniversário do seu nascimento e é sob o signo da efeméride que se publica esta colectânea de contos de "circunstância", encomendados por Rui Zink aos respectivos autores: Eduardo Brum, Inês Pedrosa, Jacinto Lucas Pires, Luís Cardoso, Marilene Felinto, Mário Cláudio, Possidónio Cachapa e Richard Zenith. Moraes nunca foi um autor muito lido, sequer "conhecido" pelo nome, e isso reconhece Zink no prefácio: "Não sei se os autores que aceitaram participar neste livro conhecem muito ou pouco a obra de Wenceslau de Moraes. Suspeito mesmo que, à excepção de Mário Cláudio ('noblesse oblige'), quase todos conheceriam muito pouco... antes de se lançarem em busca deste Oriente. O importante é que todos aceitaram o desafio: contar uma história em função do que possa ser um 'espírito de Moraes'." Pedro Barreiros, que comissariou as discretas comemorações moraesianas, assim o desejou: que tais comemorações "marcassem o início de um novo ciclo" no conhecimento do autor de "O Culto do Chá". Possa o leitor agora descobrir o Oriente desse Oriente, esta rápida antologia de contos. M.S. "Cobra" Autor Severo Sarduy Tradutor Margarida Amado e Pedro Santa María de Abreu Editor Assírio & Alvim ? Sob vários pontos de vista, o barroco sempre se deu bem nos trópicos latino-americanos. Na literatura do século XX, Cuba é um exemplo fértil e, em Cuba - ou melhor, fora dela, pois o autor de "Cobra" foi para Paris em 1960 e não voltou à ilha -, Severo Sarduy (1937-1993). Se bem nos lembramos, existia em português apenas um livro de Sarduy, um seu ensaio sobre, precisamente, o "Barroco". E já não era pouco. Mas felizmente temos agora "Cobra", que é de 1972 e que a seu tempo ganhou um prémio Médicis e foi traduzido para várias línguas, nomeadamente para o francês pela mão de Phillipe Sollers (que foi, com Barthes e Lacan, um dos grandes amigos de Sarduy em Paris). "Cobra" é um exemplo extremo da luxúria neobarroca de Severo Sarduy, lírica e delirante: "Quer engolir um sapo./Dilata as cartilagens do pescoço - húmidas ramagens ganglionares, anéis de apófises moles -, a pele sem poros: a garganta expande-se: caixa oval cuja tremente torcaz, cuja lebre ainda adormecida, chumbearão, apertadas as esponjas das amígdalas, jorros de sucos corrosivos, salivadelas fénicas." M.S. "Poemas Ditos por Germana Tânger" Autor Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa Editor Assírio & Alvim Livro + CD (53'40'') ? Entre Março e Maio deste ano, a actriz Germana Tânger, que (bem) diz poemas há mais de 50 anos, entrou no estúdio Praça das Flores, em Lisboa e gravou 35 poemas (ou excertos de poemas) de Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa (com Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis). O 36º que ela seleccionou para este audiolivro foi gravado "ao vivo" no teatro São Luiz, em Lisboa, no início da década de 1970, durante um recital de poesia e piano com Adriano Jordão (e ouvem-se as merecidas palmas). Por vezes, mas só mesmo por vezes e com muita, muita discrição, a voz de Germana Tânger é acompanhada por "improvisações ao piano" por Paulo Pimentel. É que a voz de Tânger se basta e nos basta aqui, recortando com claridade sem ênfase as palavras dos poetas que, audivelmente, ela tanto gosta de "dizer" (não "declamar"). Um regalo. M.S. "Mar" Autor Sophia de Mello Breyner Andresen Editor Caminho ? Esta antologia, inicialmente "constituída pelos poemas de Sophia sobre o mar", foi organizada por Maria Andresen de Sousa Tavares e publicada pela primeira vez em 2001. Chegou agora à 5ª edição "revista e aumentada". Devemos sublinhar que não se trata de uma mera reimpressão, mas é, verdadeiramente, uma nova edição, e muito aumentada. Basta dizer que há 78 poemas que não estavam nas edições anteriores desta antologia, fazendo com que o número de poemas agora coligidos exceda em mais do dobro o anterior. Tal se deve, basicamente, a um entendimento menos restritivo do critério que sustém a antologia. Ainda bem. Diga-se também que há nesta antologia seis poemas que são pela primeira vez publicados em livro, graças ao trabalho de recolha de dispersos feito por Luís Manuel Gaspar com vista à edição "definitiva" da obra de Sophia em curso de publicação pela Caminho. Citem-se os versos finais de "Náufrago acordando", publicado em 1959, no segundo número da revista "Colóquio": "Um homem só na areia lisa, inerte,/Na orla dançada do mar./Nos seus cinco sentidos, devagar,/A presença das coisas principia." Mantém-se, a título de posfácio, o texto de Francisco de Sousa Tavares que foi, em 1944, a primeira recensão ao primeiro livro de Sophia, intitulado "Poesia". M.S. "Carrossel e Outros Poemas" Autor Rainer Maria Rilke (desenhos de Júlio Resende) Tradutor Vasco Graça Moura Editor Asa ? "Momentos de Paixão" Autor Rainer Maria Rilke (desenhos de Auguste Rodin) Tradutor João Barrento, José Miranda Justo e Isabel Castro Silva ? Organizado e traduzido por Vasco Graça Moura, "Carrossel e Outros Poemas" é um pequeno bestiário rilkiano, com golfinhos, papagaios, flamingos, pombos, um cisne, um gato preto, um cão, um escaravelho, uma pantera e até um unicórnio, entre outros bichos: "Focinho de penugem rosa baço,/leve arreganho e a branca nitidez/dos dentes no seu brilho (e é a mais branca);/a arfar, narinas lentas de avidez;/mas nos olhares que coisa alguma estanca/lançando-se em imagens para o espaço/o ciclo azul das lendas se perfez." O livro tem dez desenhos de Júlio Resende, direcção gráfica de Armando Alves, capa dura e sobrecapa. Que bela prenda. O jovem Rainer Maria Rilke, que estava então casado com uma ex-aluna de Rodin, foi por alguns meses, em 1905 e 1906, secretário do escultor, a quem dedicou um estudo e os "Novos Poemas". "Momentos de Paixão" é uma colectânea que junta poemas e dois ou três textos em prosa de Rilke e nus a carvão e aguarela de Rodin. "Como podemos nós suportar que o nome de Eros, que na boca de Sócrates se tornou astro, esteja agora 'escondido' pelos cantos, nos lugares mais esconsos e sujos, não 'tendo' nós nada mais, nenhuma palavra (...) para dar nome à única coisa que nos dá o direito de aqui ser e a esperança de aqui 'permanecer'?", pergunta o poeta de "Sonetos a Orfeu", num texto sobre os desenhos de Rodin. M.S. "Ou o Poema Contínuo" Autor Herberto Helder Editor Assírio & Alvim ? Supomos que era em "Os Passos em Volta" (cuja primeira edição é do início dos anos de 1960) que o poeta inscrevia este desejo: "Meu Deus, faz com que eu seja sempre um poeta obscuro." Quiseram os deuses e o poeta que o desejo fosse atendido e Herberto Helder foi sempre e continuará sendo um poeta obscuro, virtude mais difícil de alcançar, e sobretudo mais necessária, do que é costume supor-se. Que Herberto Helder seja entretanto um dos (verdadeiramente) grandes poetas do último meio século é pormenor que já toda a gente sabe. A sua obra tem tido sempre um corpo instável, mutante, vivo, território em permanente complexificação por sucessivas rasuras, recomposições e transfigurações: é um poema contínuo. Precisamente, "Ou o Poema Contínuo" é o modo último como se apresenta o rosto da obra de Herberto Helder. Digamos que é um título que se parece mais com a obra do que o anterior "Poesia Toda". Mas é altura de voltarmos à fonte, a "O amor em visita": "Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti/que me vem o fogo./Não há gesto ou verdade onde não dormissem/tua noite e loucura,/não há vindima ou água/em que não estivesses pousando o silêncio criador./(...)/Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra/a carne transcendente. E em ti/principiam o mar e o mundo." M.S. "Paladares de Cá" Paladares Pacíficos Mónica Chan, Minnie Freudenthal, Inês Gonçalves Almedina, 2004 22? cada "Paladares de Cá" e "Paladares Pacíficos" são dois livros de cozinha saudável resultado de vários encontros e misturas (ou fusões, usando um termo mais contemporâneo e aplicado também à culinária). Encontro de Mónica Chan, uma chinesa de Macau, e da portuguesa Minnie Freudenthal. Cruzamento da comida oriental com a experiência europeia (não só portuguesa) de Chan, cruzamento da culinária portuguesa com técnicas de cozinhar orientais (e alguns ingredientes) e cruzamento de tudo isto com a vida moderna. As duas encontraram-se no início dos anos 90 e dão cursos de Culinária no Centro Cozinha Equilíbrio, no Restelo (Lisboa). São as receitas dos cursos que resultaram nos livros depois de um último encontro, desta vez com a fotógrafa Inês Gonçalves. I.S. "Ao Longe os Barcos de Flores - Poesia Portuguesa do Século XX" Escolhida por Gastão Cruz, dita por José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto, Luís Lucas, Luísa Cruz, Natália Luiza Edição Assírio & Alvim Livro + dois CD (155') ? Sendo escasso o espaço, adiantem-se os autores dos poemas que, sob a direcção de Gastão Cruz, cinco actores portugueses, habitualmente participantes em recitais, gravaram em Outubro. No primeiro CD: Pessanha, Pessoa (mais Campos, Reis, Caeiro), Sá-Carneiro, Nemésio, Sena, Sophia, Carlos de Oliveira. No segundo CD: Eugénio, Cesariny, Ramos Rosa, O'Neill, Herberto, Ruy Belo, Fiama, Luiza Neto Jorge. Prosseguindo a colecção Sons, que, neste deserto português que é a poesia gravada, tanto tem por onde se expandir. A.L.C. "Quinze Poetas Portugueses do Século XX" Selecção e prefácio de Gastão Cruz Edição Assírio & Alvim ? Forma uma dupla com o livro-CD anterior, até graficamente, pela fotografia de Lourdes Castro na capa. Os mesmos 15 poetas já referidos, mas aqui com outra extensão: mais de 250 poemas escolhidos pelo poeta e dedicado divulgador de poesia portuguesa do século XX que é Gastão Cruz. A.L.C. "Todos os Poemas", I, II, III Ruy Belo Edições Assírio & Alvim ? Era um volume único, passam a ser três, revistos, a partir do estabelecimento de texto feito por Gastão Cruz e Teresa Belo. O primeiro vai até ao livro "Homem de Palavra[s]", o segundo até "A Margem da Alegria", ficando assim o terceiro para "Toda a Terra", "Despeço-me da Terra da Alegria" e quatro poemas dispersos: "Na noite de Madrid", "Homenagem talvez talvez viagem", "Auto-retrato" e "[Um dia alguém numa grande cidade longínqua dirá que morri]", o poema que encerra com estes versos: "Deixaram-me aqui doutor em tantas e tão grandes tristezas portuguesas / e durmo o sono das coisas convivo com minerais preparo a minha juventude definitiva / Era como eu esperava mas não posso dizer-vos nada / pois tendes ainda o problema e a cara da pessoa viva." A.L.C. "Verso de Autografia" Mário Cesariny Edição Assírio & Alvim ? A transcrição das conversas entre Mário Cesariny e Miguel Mendes, realizador do documentário "Autografia". Um filme transposto para livro, com colaboração da fotógrafa Susana Paiva e do "designer" gráfico Paulo Reis. A.L.C. "Fascinação - Seguido de A Dama Pé-de-Cabra" Hélia Correia-Camilo Castelo Branco Edição Relógio d'Água ? Para entrar no Inverno com um sopro medieval, um conto de Hélia Correia, nascido da leitura redescoberta de "A Dama Pé-de-Cabra - Rimance de Um Jogral (Século XI)", de Camilo Castelo Branco, retomando as suas personagens e o seu universo . "Eram tempos de verão e as feiticeiras folgavam sem rebuço pelos céus, com os seus pés fendidos voltejando, pontapeando as luas amarelas." A.L.C. "Roma - Exercícios de Reconhecimento" António Mega Ferreira Edição Assírio & Alvim ? António Mega Ferreira ama Roma "como nenhuma outra cidade", e quão tentador é dar-lhe razão. Este livrinho magnético e muito portátil, guia de (mais do que conhecedor) amante andante, pode ser pretexto suficiente para ir, lá onde tanto de Inverno como de Verão o tempo é dourado. História, histórias, imagens, livros, percursos, lugares, cafés, restaurantes, hotéis (sem esquecer, naturalmente, as gravatas). A.L.C. "O Senhor Brecht" "O Senhor Juarroz" Gonçalo M. Tavares Edições Caminho ? O mais prolífico jovem escritor português acrescenta dois títulos à sua série de pequenas meditações protagonizadas por senhores com nome de escritor. Os desenhos são, como sempre, de Rachel Caiano. Eis o princípio da teoria dos saltos: "A 2ª parte do salto para cima é descer, mas a 2ª parte do salto para baixo não é subir - pensava o senhor Juarroz." A.L.C. "Ver: Amor" David Grossman Edição Campo das Letras Tradução Lúcia Liba Mucznik ? Uma edição corajosa (mais de 500 páginas em letra miúda, traduzidas directamente do hebraico), que não acabaremos de agradecer. Menos conhecido e publicado (em Portugal) do que Amos Oz, o israelita Grossman é um escritor absolutamente a descobrir. Este romance já foi considerado "um digno sucessor" de obras como "O Som e a Fúria" ou "Cem Anos de Solidão". A.L.C. "Almas Cinzentas" Autor Philippe Claudel Editor Asa ? Este é um dos melhores livros publicados em Portugal este ano. Com ele Philippe Claudel ganhou o Prémio Renaudot 2003 e a revista "Lire" considerou-o também como "o mais importante romance publicado em França durante o ano de 2003". É um "thriller" muito bem construído, muito bem escrito e um retrato impressionante do comportamento humano. Tem a Primeira Guerra Mundial como pano de fundo ("É verdade que havia a guerra. E que perdurava. E que já tinha provocado mortes até perdermos a conta."), mas poderia passar-se agora. É intemporal. "Na fronteira entre o bem e o mal, todos somos a um tempo culpados e inocentes, justos e injustos, almas cinzentas e atormentadas". I.C. "Bica Escaldada" Autor Alice Vieira Editor Notícias ? Um dia, num momento que em regra não é procurado, e é de graça e paz, a memória convoca-nos para revisitações à vida que tivemos. E a gente vai, irresistivelmente, ao encontro dos anos aconchegados. São histórias, momentos, pessoas, as que mais marcaram, quase sempre por bons motivos. Não é preciso ter muitos anos, é necessário só ter passado e alguma capacidade de gratidão. "Bica Escaldada", de Alice Vieira, é essa viagem, 86 quadros buscados entre crónicas publicadas em vários jornais e revistas, feitos de passinhos de criança e passos de adulto, entre cenas que sentimos ter vivido também. Neste sentido, é mais do que um livro, é uma partilha. De instantes, de luzes, de aromas, de sabores, entre jarrões e tios inesquecíveis, cantos que mais ninguém ocupou, Natais que mais ninguém teve, praias que ainda temos debaixo dos pés, hotéis onde ainda nos tratam "pelo nome". Mas isso tudo, ainda que nostálgico, contado sem as dores do irreversível e sempre com um muito notável sentido de humor, como em "Uma dívida de gratidão" ou "Em louvor do licor". Para beber entre dois goles de café? Não só. Para ler, história a história, num serão de família que por sorte a gente venha a ter um dia destes. Como antigamente. F.S. OUTROS TÍTULOS EM MIL FOLHAS Cartografar a beleza

Entrevista a Pedro Canais, autor de "A Lenda de Martim Regos"

A peregrinação de Martim Regos

Entrevista a Pedro Almeida Vieira, autor de "Nove Mil Passos"

Crónica da edificação de "um rio de pedra"

25.00

A redenção dos super-heróis

Seis álbuns para o Natal

NATAL É TRADIÇÃO

PLANO GERAL

Livro da semana

Aldeia de Natal, em Leiria

Lançamentos

CRÓNICA

n. f. n. s. n. c.

Mas o que é que andamos a fazer?

MÚSICA CLÁSSICA

Óperas, guerras e contos

Biber em ano de tricentenário

Concertos

PRENDAS

ARTES PLÁSTICAS

Frutos de um "raisonné"

O grito de Vincent-Antonin

Mário Cesariny

Um Dalí pelo Natal

marcar artigo