Deputados apoiam, mas...

14-03-2004
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Publicitação dos devedores fiscais

Deputados Apoiam, Mas...

Segunda-feira, 08 de Março de 2004

A maioria dos parlamentares ligados aos assuntos económicos vêem benefícios na divulgação de quem deve ao fisco, mas colocam muitas dúvidas quanto à forma como isso seria feito

João Ramos de Almeida

E se o Estado seguisse o exemplo do proprietário de um café de Samora Correia, que afixou na montra as dívidas dos seus caloteiros e, veja-se, conseguiu cobrar quase todas as dívidas? O PÚBLICO inquiriu deputados de todas as bancadas na Assembleia da República, ligados aos assuntos económicos, para saber se concordavam em mudar a lei. Em geral, os deputados vêem utilidade no procedimento, mas perguntam-se como fazê-lo. Apenas os deputados comunista e de Os Verdes não veriam qualquer problema. O Ministério das Finanças não respondeu.

A questão não é nova, nem sequer original. Segundo um esclarecimento dado ao PÚBLICO há três anos pela Direcção-Geral de Impostos (DGCI), a fixação de éditos dos contribuintes incumpridores por parte do Fisco representa "uma medida acessória tradicional em direito fiscal". Só que, como se acrescentava, esta fixação de éditos é uma "matéria ainda não regulamentada".

Em 1996, o plano excepcional de regularização de dívidas aprovado pelo Governo socialista (decreto 124/96 de 10 de Agosto, conhecido por Plano Mateus), previu essa possibilidade. Fazendo jus à dureza do discurso oficial aquando da aprovação de regimes semelhantes, o seu articulado (artigo 3º, ponto 1, alínea d) consagrava que toda a entidade colectiva que aderisse ao Plano Mateus teria de autorizar "a publicitação anual da situação contributiva do devedor (...), em caso de incumprimento" das prestações de pagamento acordadas. Mas nem com essa autorização o Ministério das Finanças quis enveredar por essa política, regra que ainda hoje se mantém.

No tempo do governo socialista, a própria DGCI justificou essa posição com o facto de "a publicitação, pura e simples, sem regras, das situações nominais de incumprimento poder, em muitos casos, revelar-se contraproducente". Isso "não só por o contribuinte incumpridor, eventualmente, já estar recuperado para o sistema aquando da publicitação efectiva, como também em sede de gestão processual, em que alertaria o faltoso para o desencadear eminente da reversão contra os responsáveis subsidiários, permitindo-lhes desde logo encetar as diligências para a dissipação dos bens". No entanto, na altura, admitia-se mudar de "orientação técnica", o que não aconteceu.

Apesar do volume crescente de processos de execução fiscal, há mais de uma década, as autoridades continuam a queixar-se da cultura social de fuga. Mas mostram-se, igualmente, relutantes em enveredar por métodos que exponham os faltosos.

Hugo Velosa remete para o Governo

No Parlamento, essa questão não é consensual. O deputado Eduardo Cabrita, do PS, está contra uma afixação pública dos devedores. Defende em alternativa que essas dívidas se tornassem públicas apenas para quem tivesse "interesse legítimo", designadamente para quem pretende ter alguma "ligação contratual". A reforma da acção executiva, lembrou, criará uma base de dados de devedores, à qual poderia aceder quem tivesse interesse legítimo.

Quanto às dívidas fiscais, o deputado contrapõe uma "nuance". "Não me chocaria que houvesse lista de dívidas em execução, mas não em fase administrativa". Mas acrescenta que "teria de haver uma alteração legal", associada ao funcionamento dos tribunais tributários. De qualquer forma, está contra uma "afixação pública".

Na bancada do PSD, o deputado Hugo Velosa não vê como se poderia efectuar essa afixação, mas admite que teria "um efeito útil". Na sua opinião, uma coisa são as relações privadas entre empresas, outra é a relação com o Estado. A divulgação de dívidas fiscais violaria o sigilo fiscal. "Se me pergunta se tinha efeito, tinha um efeito útil com aquelas pessoas que estivessem no país e que tenham meios", reconheceu. Seria um instrumento no combate à fraude e evasão fiscais, admite ainda. "Num país como o nosso, com uma evasão militante, todas as medidas seriam úteis." Mas, continuou, ter-se-iam de encontrar todas as formas de garantir os direitos dos contribuintes. De qualquer forma, essa hipótese não está no espírito da bancada e, a avançar-se, "teria de partir de quem tem a gestão das montanhas de dívidas", ou seja, do Governo. Mas no Ministério das Finanças nada aponta nesse sentido.

Para Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda, uma medida como essa teria de ser tomada com muitas cautelas. O seu receio é o de uma intervenção discriminatória, "não suficientemente disciplinada, face à desorganização actual dos serviços fiscais". Perante os números de correcções tributárias que, depois, se verifica não existirem, uma afixação do nome dos contribuintes e das suas dívidas poderia ser muito delicado. De qualquer forma, admite que se possa pensar num mecanismo para as empresas, à semelhança do Plano Mateus.

No Partido Popular, Diogo Feio vê muitas dificuldades para a concretização dessa afixação de devedores fiscais. Preferia, antes, que se fosse capaz de organizar a administração fiscal por forma a tornar-se respeitada.

Quem apoia sem limites a ideia é o deputado comunista Lino de Carvalho, que não vê pessoalmente grandes inconvenientes. "Não tenho objecções a isso", afirmou. "É necessário e é útil." Isabel Castro, do partido Os Verdes, acha mesmo que é uma boa ideia.

Publicitação dos devedores fiscais

Deputados Apoiam, Mas...

Segunda-feira, 08 de Março de 2004

A maioria dos parlamentares ligados aos assuntos económicos vêem benefícios na divulgação de quem deve ao fisco, mas colocam muitas dúvidas quanto à forma como isso seria feito

João Ramos de Almeida

E se o Estado seguisse o exemplo do proprietário de um café de Samora Correia, que afixou na montra as dívidas dos seus caloteiros e, veja-se, conseguiu cobrar quase todas as dívidas? O PÚBLICO inquiriu deputados de todas as bancadas na Assembleia da República, ligados aos assuntos económicos, para saber se concordavam em mudar a lei. Em geral, os deputados vêem utilidade no procedimento, mas perguntam-se como fazê-lo. Apenas os deputados comunista e de Os Verdes não veriam qualquer problema. O Ministério das Finanças não respondeu.

A questão não é nova, nem sequer original. Segundo um esclarecimento dado ao PÚBLICO há três anos pela Direcção-Geral de Impostos (DGCI), a fixação de éditos dos contribuintes incumpridores por parte do Fisco representa "uma medida acessória tradicional em direito fiscal". Só que, como se acrescentava, esta fixação de éditos é uma "matéria ainda não regulamentada".

Em 1996, o plano excepcional de regularização de dívidas aprovado pelo Governo socialista (decreto 124/96 de 10 de Agosto, conhecido por Plano Mateus), previu essa possibilidade. Fazendo jus à dureza do discurso oficial aquando da aprovação de regimes semelhantes, o seu articulado (artigo 3º, ponto 1, alínea d) consagrava que toda a entidade colectiva que aderisse ao Plano Mateus teria de autorizar "a publicitação anual da situação contributiva do devedor (...), em caso de incumprimento" das prestações de pagamento acordadas. Mas nem com essa autorização o Ministério das Finanças quis enveredar por essa política, regra que ainda hoje se mantém.

No tempo do governo socialista, a própria DGCI justificou essa posição com o facto de "a publicitação, pura e simples, sem regras, das situações nominais de incumprimento poder, em muitos casos, revelar-se contraproducente". Isso "não só por o contribuinte incumpridor, eventualmente, já estar recuperado para o sistema aquando da publicitação efectiva, como também em sede de gestão processual, em que alertaria o faltoso para o desencadear eminente da reversão contra os responsáveis subsidiários, permitindo-lhes desde logo encetar as diligências para a dissipação dos bens". No entanto, na altura, admitia-se mudar de "orientação técnica", o que não aconteceu.

Apesar do volume crescente de processos de execução fiscal, há mais de uma década, as autoridades continuam a queixar-se da cultura social de fuga. Mas mostram-se, igualmente, relutantes em enveredar por métodos que exponham os faltosos.

Hugo Velosa remete para o Governo

No Parlamento, essa questão não é consensual. O deputado Eduardo Cabrita, do PS, está contra uma afixação pública dos devedores. Defende em alternativa que essas dívidas se tornassem públicas apenas para quem tivesse "interesse legítimo", designadamente para quem pretende ter alguma "ligação contratual". A reforma da acção executiva, lembrou, criará uma base de dados de devedores, à qual poderia aceder quem tivesse interesse legítimo.

Quanto às dívidas fiscais, o deputado contrapõe uma "nuance". "Não me chocaria que houvesse lista de dívidas em execução, mas não em fase administrativa". Mas acrescenta que "teria de haver uma alteração legal", associada ao funcionamento dos tribunais tributários. De qualquer forma, está contra uma "afixação pública".

Na bancada do PSD, o deputado Hugo Velosa não vê como se poderia efectuar essa afixação, mas admite que teria "um efeito útil". Na sua opinião, uma coisa são as relações privadas entre empresas, outra é a relação com o Estado. A divulgação de dívidas fiscais violaria o sigilo fiscal. "Se me pergunta se tinha efeito, tinha um efeito útil com aquelas pessoas que estivessem no país e que tenham meios", reconheceu. Seria um instrumento no combate à fraude e evasão fiscais, admite ainda. "Num país como o nosso, com uma evasão militante, todas as medidas seriam úteis." Mas, continuou, ter-se-iam de encontrar todas as formas de garantir os direitos dos contribuintes. De qualquer forma, essa hipótese não está no espírito da bancada e, a avançar-se, "teria de partir de quem tem a gestão das montanhas de dívidas", ou seja, do Governo. Mas no Ministério das Finanças nada aponta nesse sentido.

Para Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda, uma medida como essa teria de ser tomada com muitas cautelas. O seu receio é o de uma intervenção discriminatória, "não suficientemente disciplinada, face à desorganização actual dos serviços fiscais". Perante os números de correcções tributárias que, depois, se verifica não existirem, uma afixação do nome dos contribuintes e das suas dívidas poderia ser muito delicado. De qualquer forma, admite que se possa pensar num mecanismo para as empresas, à semelhança do Plano Mateus.

No Partido Popular, Diogo Feio vê muitas dificuldades para a concretização dessa afixação de devedores fiscais. Preferia, antes, que se fosse capaz de organizar a administração fiscal por forma a tornar-se respeitada.

Quem apoia sem limites a ideia é o deputado comunista Lino de Carvalho, que não vê pessoalmente grandes inconvenientes. "Não tenho objecções a isso", afirmou. "É necessário e é útil." Isabel Castro, do partido Os Verdes, acha mesmo que é uma boa ideia.

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