"Mais uma razão"- Vítor Dias no "Semanário"

09-07-2004
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"Mais uma razão"

Vítor Dias no "Semanário"

9 de Julho de 2004

É certo que não faltam boas, sólidas e imperativas razões de natureza democrática e de interesse nacional para justificar a convocação de eleições antecipadas e que, aliás, estão ditas e reditas.

Mas, sendo essas as razões substantivas e decisivas que aconselhariam uma tal opção, não podemos deixar de acrescentar, em registo exclusivamente pessoal, que todo o comportamento do PSD e do CDS-PP neste processo, longe de poder ser considerado um pormenor acessório e despiciendo, é antes, a diversos títulos, uma razão suplementar para que não lhes seja satisfeita a desmedida ânsia de se manterem tranquilamente no governo como se nada se tivesse passado.

Na verdade, o “filme” essencial desse comportamento começa em 26 de Junho quando uma bem sucedida operação de intoxicação junto dos “media” gizada e inspirada pelos “cérebros” da coligação governante coloca a opinião pública e as instituições democráticas perante a ideia de um facto consumado – a saída de Durão Barroso para a Europa e a sua “entrega” do cargo de Primeiro-Ministro a Santana Lopes – com todos os ingredientes de assunto doméstico resolvido dentro das quatro paredes do serralho laranja com o alegado beneplácito do Presidente da República.

A coisa assumiu tais proporções de arrogância e enxovalho ao PR que este, no próprio dia, teve de pôr alguns pontos nos iis, recapitular algumas esquecidas evidências de natureza funcional e constitucional e, reflexamente, tirar o tapete a todos quantos o quiseram tratar como subserviente notário de decisões e escolhas alheias.

Esta parte da história teve depois novo desdobramento quando, perante o Conselho Nacional do PSD, Durão Barroso terá voltado à carga com a ideia de que só teria aceite o cargo europeu face à garantia ou compromisso do PR de que não haveria eleições antecipadas. Mas neste domínio, que aliás obrigaria a nova rectificação da Presidência da República, mais do que conjecturar sobre quem mente, quem se expressou mal ou quem ouviu pior, talvez seja mais sensato lembrarmo-nos que é da natureza humana que, quando se quer muito uma coisa – neste caso, escapar para Bruxelas –, é bem provável que só se oiça e valorize o que convergir com essa vontade e já nem se oiça, fixe e muito menos se conte aos correligionários tudo o que complicar a concretização dessa mesma vontade.

Depois, numa exuberante confirmação de que o vezo manipulador não poupa nem os da casa, sobretudo se perfilham reservas ou objecções face a aspectos da manobra desencadeada, vieram as “fugas” de informação sobre uma alegada posição apoiante de Cavaco Silva e sobre uma suposta retractação de Manuela Ferreira Leite no Conselho Nacional do PSD, uma e outra seca mas devastadoramente desmentidas pelos próprios.

A seguir, num pequeno mas significativo sinal do pensamento reservado dos círculos dirigentes do PSD e numa altura em que Santana Lopes ainda falava com filigranas de prudência verbal e de comedimento político em relação ao PR, tivemos no “Expresso da meia noite” da SIC Notícias (em 2/7) o deputado do PSD e fiel santanista Henrique Chaves a fechar o programa desabafando que o que estava mal era a “demora” e a “procissão em Belém”.

Mais à frente, em “oportuna” entrevista à RTP, tivemos Santana Lopes já a falar do “meu Governo” e a transpor para o plano político aquele conhecido truque do cidadão que diz para outro que “eu jamais lhe direi alguma coisa mas, se dissesse, teria de dizer que você é um grande estupor”.

E, finalmente, máximo desaforo e inesquecível pináculo de falta de educação, arrogância e sobranceria, tivemos na passada terça-feira a “comunicação ao país” ou a palestra de Paulo Portas, à saída da audiência com o Presidente da República, a pretender fazer a minuciosa demonstração de que nenhuma das “três” situações que, em escrito anterior, o PR admitia justificarem-se eleições antecipadas correspondia à situação actual.

Sendo que, de imediato, teve de passar pela vergonha de, segundo foi noticiado, os serviços de Belém terem remetido prontamente aos órgãos de comunicação social duas outras situações, descritas no mesmo texto do PR, que Paulo Portas havia desonesta e interesseiramente escamoteado.

Tudo visto, se houver eleições antecipadas, já sabemos que grande vai ser a gritaria do PSD propositadamente esquecido que por quatro vezes (em 1979, 1985, 1987 e 2002) reclamou eleições antecipadas e, por via delas, acedeu ao governo e que, se tivesse um pouco de “fair-play”, devia compreender que é normal e natural que alguma vez perca o governo por via de eleições antecipadas.

Se não houver eleições antecipadas, para além da continuação de uma malfadada política e da vida artificial de um governo manchado por uma descredibilização originária, não nos admiremos que, quando o PR já tiver perdido o poder de dissolução da AR, Santana Lopes, repetindo uma cena antiga, venha declarar cínica e ofensivamente que o PSD tudo fará “para que o Presidente da República possa terminar com dignidade o seu mandato”.

"Mais uma razão"

Vítor Dias no "Semanário"

9 de Julho de 2004

É certo que não faltam boas, sólidas e imperativas razões de natureza democrática e de interesse nacional para justificar a convocação de eleições antecipadas e que, aliás, estão ditas e reditas.

Mas, sendo essas as razões substantivas e decisivas que aconselhariam uma tal opção, não podemos deixar de acrescentar, em registo exclusivamente pessoal, que todo o comportamento do PSD e do CDS-PP neste processo, longe de poder ser considerado um pormenor acessório e despiciendo, é antes, a diversos títulos, uma razão suplementar para que não lhes seja satisfeita a desmedida ânsia de se manterem tranquilamente no governo como se nada se tivesse passado.

Na verdade, o “filme” essencial desse comportamento começa em 26 de Junho quando uma bem sucedida operação de intoxicação junto dos “media” gizada e inspirada pelos “cérebros” da coligação governante coloca a opinião pública e as instituições democráticas perante a ideia de um facto consumado – a saída de Durão Barroso para a Europa e a sua “entrega” do cargo de Primeiro-Ministro a Santana Lopes – com todos os ingredientes de assunto doméstico resolvido dentro das quatro paredes do serralho laranja com o alegado beneplácito do Presidente da República.

A coisa assumiu tais proporções de arrogância e enxovalho ao PR que este, no próprio dia, teve de pôr alguns pontos nos iis, recapitular algumas esquecidas evidências de natureza funcional e constitucional e, reflexamente, tirar o tapete a todos quantos o quiseram tratar como subserviente notário de decisões e escolhas alheias.

Esta parte da história teve depois novo desdobramento quando, perante o Conselho Nacional do PSD, Durão Barroso terá voltado à carga com a ideia de que só teria aceite o cargo europeu face à garantia ou compromisso do PR de que não haveria eleições antecipadas. Mas neste domínio, que aliás obrigaria a nova rectificação da Presidência da República, mais do que conjecturar sobre quem mente, quem se expressou mal ou quem ouviu pior, talvez seja mais sensato lembrarmo-nos que é da natureza humana que, quando se quer muito uma coisa – neste caso, escapar para Bruxelas –, é bem provável que só se oiça e valorize o que convergir com essa vontade e já nem se oiça, fixe e muito menos se conte aos correligionários tudo o que complicar a concretização dessa mesma vontade.

Depois, numa exuberante confirmação de que o vezo manipulador não poupa nem os da casa, sobretudo se perfilham reservas ou objecções face a aspectos da manobra desencadeada, vieram as “fugas” de informação sobre uma alegada posição apoiante de Cavaco Silva e sobre uma suposta retractação de Manuela Ferreira Leite no Conselho Nacional do PSD, uma e outra seca mas devastadoramente desmentidas pelos próprios.

A seguir, num pequeno mas significativo sinal do pensamento reservado dos círculos dirigentes do PSD e numa altura em que Santana Lopes ainda falava com filigranas de prudência verbal e de comedimento político em relação ao PR, tivemos no “Expresso da meia noite” da SIC Notícias (em 2/7) o deputado do PSD e fiel santanista Henrique Chaves a fechar o programa desabafando que o que estava mal era a “demora” e a “procissão em Belém”.

Mais à frente, em “oportuna” entrevista à RTP, tivemos Santana Lopes já a falar do “meu Governo” e a transpor para o plano político aquele conhecido truque do cidadão que diz para outro que “eu jamais lhe direi alguma coisa mas, se dissesse, teria de dizer que você é um grande estupor”.

E, finalmente, máximo desaforo e inesquecível pináculo de falta de educação, arrogância e sobranceria, tivemos na passada terça-feira a “comunicação ao país” ou a palestra de Paulo Portas, à saída da audiência com o Presidente da República, a pretender fazer a minuciosa demonstração de que nenhuma das “três” situações que, em escrito anterior, o PR admitia justificarem-se eleições antecipadas correspondia à situação actual.

Sendo que, de imediato, teve de passar pela vergonha de, segundo foi noticiado, os serviços de Belém terem remetido prontamente aos órgãos de comunicação social duas outras situações, descritas no mesmo texto do PR, que Paulo Portas havia desonesta e interesseiramente escamoteado.

Tudo visto, se houver eleições antecipadas, já sabemos que grande vai ser a gritaria do PSD propositadamente esquecido que por quatro vezes (em 1979, 1985, 1987 e 2002) reclamou eleições antecipadas e, por via delas, acedeu ao governo e que, se tivesse um pouco de “fair-play”, devia compreender que é normal e natural que alguma vez perca o governo por via de eleições antecipadas.

Se não houver eleições antecipadas, para além da continuação de uma malfadada política e da vida artificial de um governo manchado por uma descredibilização originária, não nos admiremos que, quando o PR já tiver perdido o poder de dissolução da AR, Santana Lopes, repetindo uma cena antiga, venha declarar cínica e ofensivamente que o PSD tudo fará “para que o Presidente da República possa terminar com dignidade o seu mandato”.

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