Que Fazer

06-07-2002
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Que Fazer? Para que Minerva levante voo...

Depois de um longo e doloroso parto, com imensos gritos de revolta, o monte guterrista deu à luz o pequeno rato do novíssimo governo. Os parteiros de esquerda, comentadores da remodelação, esses que se ilusionaram com o “ir às fuças à direita”, já manifestaram o respectivo desencanto quanto ao “naufrágio do PS”, e raros são os que têm a coragem de elogiar o sentido da mudança e de dar o benefício da dúvida à nova equipa, como muito corajosamente o fez o Professor Sousa Franco. Apetece-me, por intuição, ir, mais uma vez, contra a corrente, invocando a legitimidade de ter sido um dos mais cáusticos denunciantes do simulacro do pretenso novo ciclo, mesmo quando exagerei em certa linguagem crítica face ao meu amigo Guilherme de Oliveira Martins, a quem desejo, muito geracionalmente, as maiores felicidades para o nosso colectivo.

Importa reconhecer que, neste ambiente crepuscular, marcado pelas sombras de certa crise de regime, onde a caricatura de um presidente Sampaio, ralhando com os guardas republicanos em Almourol, atingiu as raias do tragicómico, é a hora de Minerva levantar voo!

Com efeito, o Primeiro-Ministro, assolado pelas “vacas magras”, tomou a atitude que Marcello Caetano procurava assumir nas vésperas do 25 de Abril de 1974, concretizando uma remodelação muito parecida com a que o Presidente do Ministério da I República, António Maria da Silva, levou a cabo, três meses antes do 28 de Maio de 1926, quando mobilizou para a pasta das finanças o Professor Armando Marques Guedes. Há até algumas semelhanças congregacionistas com o último governo da monarquia, a que presidiu António Teixeira de Sousa, dado que se mantêm as atitudes do José Luciano e do Júlio de Vilhena.

Mas seria estúpido fazermos um qualquer paralelismo entre o actual regime português e as degredações políticas dos modelos do 4 e do 5 de Outubro de 1910 ou do autoritarismo anterior a 1974. Julgo que vamos assistir a uma experiência inédita na nossa história política e, muito patrioticamente, qualquer português de boa vontade tem que desejar boa sorte aos homens que vão correr o risco de contraditar o vaticínio de Jacques Maritain, para quem os governos mais fracos são precisamente os governos de esquerda com mentalidade de direita.

Seria bom para Portugal que o Engenheiro Guterres conseguisse esmagar o fantasma de António Maria da Silva, executando o necessário programa de emergência da “salvação pública”. Não porque tema um qualquer 28 de Maio, mas porque considero, com a lucidez do bom senso, que tanto está mal o situacionismo como o oposicionismo vigentes.

Qualquer observador realista do actual momento político português, mesmo que seja um observador comprometido com as suas convicções, como o subscritor destas linhas, não pode deixar de reconhecer que a direita partidária que temos ainda não está madura para ser alternativa ao guterrismo e ao sampaísmo.

O impasse a que chegámos nada tem a ver com a “pessoa” de António Guterres e a falta de alternativas só, por acaso, resulta de outras “pessoas”, chamem-se José Manuel Durão Barroso ou Paulo Portas. Tirar o António e pôr o Jaime, substituir o José Manuel pelo Pedro ou recuperar o Manuel é virar o disco e tocar o mesmo. Nem sequer convém a ilusão dos adeptos das melodias de sempre que, em vez do António e do José Manuel, estão sempre a ouvir o Mário, o Aníbal e as homílias dominicais de Marcelo, desencantado pelo facto de já não ser possível um anti-guterres.

Julgo que temos o governo e as oposições que merecemos. Porque os processos de recrutamento da elite política passam por tão enferrujadas canalizações partidárias quanto o são os mecanismos de selecção do mérito nos domínios da chamada sociedade civil. E continuamos na cauda da União Europeia quanto aos índices de desenvolvimento humano, nomeadamente da corrupção, conforme o último relatório da ONU.

Respondendo à leninista invocação do “que fazer?”, julgo que importa enterrar os mortos e cuidar dos vivos. Se este governo lançar os fantasmas esquerdistas, que o tolheram, para o caixote de lixo da história, e desimpedir a via, ainda há tempo para que, em liberdade responsável, os portugueses que somos possam recuperar a esperança e que as forças políticas da oposição também se regenerem, chamando a responsabilidades políticas outros homens de boa vontade.

Com o tal José Manuel ou com o tal Paulo, as oposições, em vez de somarem duas fraquezas, deveriam também caminhar no sentido de uma reconversão, procurando um qualquer método que às mesmas dê a mais valia do sonho, em nome de uma certa ideia de Portugal, capaz de viver menos com a legitimidade carismática e com a legitimidade patrimonialista e mais com uma legitimidade racional, capaz de mobilizar a razão inteira.

Para tanto importa invocar Minerva e dizer que a razão não é apenas o cálculo utilitarista dos rácios, onde são hábeis os tecnocratas que espreitam em todas as épocas de decadência, esses muitos seres de inteligência intermediária, marcados pela inveja, que se consideram superiores aos actuais membros do governo. A razão que nos falta é, sobretudo, a razão da emoção, a racionalidade valorativa de que falava Max Weber, aquele alimento espiritual que é capaz de dar a uma instituição a respectiva ideia de obra, mobilizando os membros da mesma, em nome da comunhão em torno das coisas que se amam.

Que venham os arquitectos da esperança, os sonhadores activos, esses radicais nos objectivos, que querem viver com pensam, sem pensarem em como vão vivendo, porque acreditam que a política ainda pode rimar com verdade, com justiça e com fé. Se o actual governo de Gueterres conseguir enterrar os cadáveres adiados que continuam a procriar imbecilidades e assim cuidar dos vivos, poderá rever a história e vencer frustração de António Maria da Silva, impedindo que, depois de um Sinel de Cordes, a dissidência republicana de um qualquer Francisco da Cunhal Leal, vá, à Lusa-Apenas, procurar um qualquer ditador das Finanças.

Bem Comum da Semana

Guilherme de Oliveira Martins

Guilherme de Oliveira Martins, meu companheiro de geração e de valores fundamentais, quanto à ética da democracia pluralista, do Estado de Direito, do personalismo, do institucionalismo e da “ideia de Portugal” na Europa, depois de não ser António Sérgio na pasta da educação e de não repetir António Ferro no Secretariado da Propaganda, é agora chamado a vencer a frustração do respectivo tio-avô na pasta da fazenda, bem como a do avô do respectivo trio-avô, como ministro de D. João VI. Espero que, à terceira, seja de vez, para bem de Portugal! Primeiro, porque Guterres não o odeia nem o teme, como o Zé Dias Ferreira relativamente ao Joaquim Pedro do “Portugal Contemporâneo”. Segundo, porque ele tem cuidado com as maroteiras do eventual candidato a António Maria Pereira Carrilho (o falecido em 1903...). Terceiro, porque chegou a hora de politizarmos e darmos cultura a um lugar que bem pode ser ocupado por um homem livre de grupos de interesse. Espero que não repitas Armando Marques Guedes, o autor das memórias ditas “Três Meses de Governo”.

Mal Comum da Semana

Uma nova versão da sebenta de Veiga Simão?

Que Fazer? Para que Minerva levante voo...

Depois de um longo e doloroso parto, com imensos gritos de revolta, o monte guterrista deu à luz o pequeno rato do novíssimo governo. Os parteiros de esquerda, comentadores da remodelação, esses que se ilusionaram com o “ir às fuças à direita”, já manifestaram o respectivo desencanto quanto ao “naufrágio do PS”, e raros são os que têm a coragem de elogiar o sentido da mudança e de dar o benefício da dúvida à nova equipa, como muito corajosamente o fez o Professor Sousa Franco. Apetece-me, por intuição, ir, mais uma vez, contra a corrente, invocando a legitimidade de ter sido um dos mais cáusticos denunciantes do simulacro do pretenso novo ciclo, mesmo quando exagerei em certa linguagem crítica face ao meu amigo Guilherme de Oliveira Martins, a quem desejo, muito geracionalmente, as maiores felicidades para o nosso colectivo.

Importa reconhecer que, neste ambiente crepuscular, marcado pelas sombras de certa crise de regime, onde a caricatura de um presidente Sampaio, ralhando com os guardas republicanos em Almourol, atingiu as raias do tragicómico, é a hora de Minerva levantar voo!

Com efeito, o Primeiro-Ministro, assolado pelas “vacas magras”, tomou a atitude que Marcello Caetano procurava assumir nas vésperas do 25 de Abril de 1974, concretizando uma remodelação muito parecida com a que o Presidente do Ministério da I República, António Maria da Silva, levou a cabo, três meses antes do 28 de Maio de 1926, quando mobilizou para a pasta das finanças o Professor Armando Marques Guedes. Há até algumas semelhanças congregacionistas com o último governo da monarquia, a que presidiu António Teixeira de Sousa, dado que se mantêm as atitudes do José Luciano e do Júlio de Vilhena.

Mas seria estúpido fazermos um qualquer paralelismo entre o actual regime português e as degredações políticas dos modelos do 4 e do 5 de Outubro de 1910 ou do autoritarismo anterior a 1974. Julgo que vamos assistir a uma experiência inédita na nossa história política e, muito patrioticamente, qualquer português de boa vontade tem que desejar boa sorte aos homens que vão correr o risco de contraditar o vaticínio de Jacques Maritain, para quem os governos mais fracos são precisamente os governos de esquerda com mentalidade de direita.

Seria bom para Portugal que o Engenheiro Guterres conseguisse esmagar o fantasma de António Maria da Silva, executando o necessário programa de emergência da “salvação pública”. Não porque tema um qualquer 28 de Maio, mas porque considero, com a lucidez do bom senso, que tanto está mal o situacionismo como o oposicionismo vigentes.

Qualquer observador realista do actual momento político português, mesmo que seja um observador comprometido com as suas convicções, como o subscritor destas linhas, não pode deixar de reconhecer que a direita partidária que temos ainda não está madura para ser alternativa ao guterrismo e ao sampaísmo.

O impasse a que chegámos nada tem a ver com a “pessoa” de António Guterres e a falta de alternativas só, por acaso, resulta de outras “pessoas”, chamem-se José Manuel Durão Barroso ou Paulo Portas. Tirar o António e pôr o Jaime, substituir o José Manuel pelo Pedro ou recuperar o Manuel é virar o disco e tocar o mesmo. Nem sequer convém a ilusão dos adeptos das melodias de sempre que, em vez do António e do José Manuel, estão sempre a ouvir o Mário, o Aníbal e as homílias dominicais de Marcelo, desencantado pelo facto de já não ser possível um anti-guterres.

Julgo que temos o governo e as oposições que merecemos. Porque os processos de recrutamento da elite política passam por tão enferrujadas canalizações partidárias quanto o são os mecanismos de selecção do mérito nos domínios da chamada sociedade civil. E continuamos na cauda da União Europeia quanto aos índices de desenvolvimento humano, nomeadamente da corrupção, conforme o último relatório da ONU.

Respondendo à leninista invocação do “que fazer?”, julgo que importa enterrar os mortos e cuidar dos vivos. Se este governo lançar os fantasmas esquerdistas, que o tolheram, para o caixote de lixo da história, e desimpedir a via, ainda há tempo para que, em liberdade responsável, os portugueses que somos possam recuperar a esperança e que as forças políticas da oposição também se regenerem, chamando a responsabilidades políticas outros homens de boa vontade.

Com o tal José Manuel ou com o tal Paulo, as oposições, em vez de somarem duas fraquezas, deveriam também caminhar no sentido de uma reconversão, procurando um qualquer método que às mesmas dê a mais valia do sonho, em nome de uma certa ideia de Portugal, capaz de viver menos com a legitimidade carismática e com a legitimidade patrimonialista e mais com uma legitimidade racional, capaz de mobilizar a razão inteira.

Para tanto importa invocar Minerva e dizer que a razão não é apenas o cálculo utilitarista dos rácios, onde são hábeis os tecnocratas que espreitam em todas as épocas de decadência, esses muitos seres de inteligência intermediária, marcados pela inveja, que se consideram superiores aos actuais membros do governo. A razão que nos falta é, sobretudo, a razão da emoção, a racionalidade valorativa de que falava Max Weber, aquele alimento espiritual que é capaz de dar a uma instituição a respectiva ideia de obra, mobilizando os membros da mesma, em nome da comunhão em torno das coisas que se amam.

Que venham os arquitectos da esperança, os sonhadores activos, esses radicais nos objectivos, que querem viver com pensam, sem pensarem em como vão vivendo, porque acreditam que a política ainda pode rimar com verdade, com justiça e com fé. Se o actual governo de Gueterres conseguir enterrar os cadáveres adiados que continuam a procriar imbecilidades e assim cuidar dos vivos, poderá rever a história e vencer frustração de António Maria da Silva, impedindo que, depois de um Sinel de Cordes, a dissidência republicana de um qualquer Francisco da Cunhal Leal, vá, à Lusa-Apenas, procurar um qualquer ditador das Finanças.

Bem Comum da Semana

Guilherme de Oliveira Martins

Guilherme de Oliveira Martins, meu companheiro de geração e de valores fundamentais, quanto à ética da democracia pluralista, do Estado de Direito, do personalismo, do institucionalismo e da “ideia de Portugal” na Europa, depois de não ser António Sérgio na pasta da educação e de não repetir António Ferro no Secretariado da Propaganda, é agora chamado a vencer a frustração do respectivo tio-avô na pasta da fazenda, bem como a do avô do respectivo trio-avô, como ministro de D. João VI. Espero que, à terceira, seja de vez, para bem de Portugal! Primeiro, porque Guterres não o odeia nem o teme, como o Zé Dias Ferreira relativamente ao Joaquim Pedro do “Portugal Contemporâneo”. Segundo, porque ele tem cuidado com as maroteiras do eventual candidato a António Maria Pereira Carrilho (o falecido em 1903...). Terceiro, porque chegou a hora de politizarmos e darmos cultura a um lugar que bem pode ser ocupado por um homem livre de grupos de interesse. Espero que não repitas Armando Marques Guedes, o autor das memórias ditas “Três Meses de Governo”.

Mal Comum da Semana

Uma nova versão da sebenta de Veiga Simão?

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