Descriminalização do aborto volta à Assembleia em 2004

01-05-2004
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Descriminalização do Aborto Volta à Assembleia em 2004

Por HELENA PEREIRA E SÃO JOSÉ ALMEIDA

Quinta-feira, 18 de Dezembro de 2003 O PSD e o CDS já clarificaram que nesta legislatura não admitem mexer na lei nem repetir o referendo ao aborto. Mas aceitam debater o assunto depois de 2006 e até admitem, então, aceitar alterações à lei no sentido da descriminalização. Por isso, a palavra de ordem na maioria é votar contra o projecto que o PS vai reapresentar na Assembleia da República para descriminalizar a prática de aborto por vontade da mulher até às dez semanas de gestação, anunciado ontem pelo secretário-geral do PS, Ferro Rodrigues, no fim das jornadas parlamentares. A intenção dos socialistas - que, caso a maioria não concorde com o agendamento, usarão o seu direito de agendar um debate - é forçar o PSD a clarificar a sua posição face ao facto de serem julgadas mulheres que abortam. Ontem, o líder parlamentar social-democrata, Guilherme Silva, anunciou que vai haver disciplina de voto nesta matéria. Mas entre os deputados sociais-democratas há já quem conteste esta imposição num debate sobre um tema em que é tradição o PSD adoptar a liberdade de voto, por entender tratar-se de uma decisão não partidária mas de consciência. Pouco depois de o PS anunciar a sua iniciativa, o PCP, também através da voz do secretário-geral, Carlos Carvalhas, divulgou que já entregou na Assembleia o projecto que despenaliza o aborto até às dez semanas e quer o agendamento do debate. Ferro Rodrigues explicou a posição dos socialistas com a necessidade de serem consequentes e coerentes com o que pensam e defendem, apontando o dedo aos partidos da maioria: "Não querem que o aborto seja crime e, para tal, não querem que a lei se cumpra. Nós queremos descriminalizar as mulheres que praticam aborto e para tal queremos alterar a lei. Em democracia, as leis quando existem são para cumprir. Se discordamos delas é nossa obrigação e dever alterá-las." O líder do PS assumiu a abertura para que o projecto dos socialistas receba contributos de outros partidos. Já depois das jornadas terminadas, o líder parlamentar, António Costa, vincou a abertura do PS para que os partidos ou deputados da maioria que concordem com a descriminalização colaborem na alteração da lei. Quanto à repetição do referendo, disse que isso estava em aberto. Costa advertiu, contudo, que o PS não aceita um regime legal de enquadramento do aborto em que as penas de cadeias venham a ser substituídas por contra-ordenações ou coimas. "Seria absolutamente absurda" essa solução, afirmou, acrescentando que para quem acredita que está em causa o direito à vida, "o bem da vida não é tutelável por uma coima." A possíbilidade de tornar o aborto uma contra-ordenação tem vindo a ser admitida sobretudo pelo CDS. Ontem, o seu líder parlamentar, Telmo Correia, admitiu uma "clarificação à lei", embora nunca nesta legislatura e sempre sujeita a novo referendo. "Podemos deixar esta matéria aos tribunais ou podemos proceder a uma alteração da lei, substituindo a pena de prisão por outras alternativas", disse Telmo Correia, citado pela Lusa. O líder da bancada do CDS já tinha dito, no plenário da Assembleia da República, que "nenhuma mulher que fez um aborto deve ser condenada". Anteontem, quando foi questionado sobre se o seu partido admitia uma alteração à lei no sentido da descriminalização, Nobre Guedes, um dos dirigentes do CDS que mais se envolveu na campanha pelo "não", no referendo do 1998, respondeu que o que teve o apoio dos protugueses, nesse referendo, foi uma "posição de tolerância". e que "a protecção do direito à vida é, para o CDS, um valor fundamental". Ao que explicou ao PÚBLICO outro dirigente do CDS que também esteve bastante envolvido na campanha de 1998, perante um cenário de descriminalização do aborto (e nunca de despenalização) a posição deste partido oscilará entre entre dois argumentos: pode invocar a moderação dos juízes, que tem feito com que nenhuma mulher tenha sido, efectivamente, presa por ter abortado e que, portanto, têm garantido que a lei é humana na sua aplicação; ou pode ir mais longe e considerar que o humanismo cristão não pode permitir que uma mulher que já sofreu muito por ter feito um aborto tenha de voltar a sofrer ao responder em tribunal por esse acto. Deputados do PSD contestam disciplina de voto O líder parlamentar do PSD, Guilherme Silva, explicou ontem que o compromisso de Durão Barroso com o eleitorado e o acordo da AD só são cumpridos, "não se viabilizando qualquer alteração legislativa, nesta legislatura" em matéria de aborto. E acrescentou que a imposição de voto não irá criar nenhum problema ao PSD, convicto que os deputados seguirão essa ordem. No entanto, os deputados mais liberais em relação ao aborto vão aproveitar para assegurar na próxima legislatura espaço de manobra. O PÚBLICO falou ontem com uma dezena de deputados do PSD favoráveis à descriminalização do aborto. Gonçalo Capitão quer ouvir as razões de Guilherme Silva para a disciplina de voto. Capitão, que concorda com a despenalização, critica, no entanto, a esquerda, acusando-a de "hipocrisia" e de fazer "folclore" quando sabe que "os partidos de direita têm obviamente que defender o interesse da maioria". O deputado e líder da JSD, Jorge Nuno Sá, considera que "deve haver liberdade de voto, sempre houve nesta matéria". "Gostava de poder votar a favor", acrescentou. Mas, se o grupo parlamentar mantiver a disciplina, Jorge Nuno Sá votará alinhado. Vítor Reis, que em 1998 votou a favor da despenalização do aborto, diz que não votará ao lado do PS porque este partido está a agir por "puro oportunismo". Apesar de dizer que o aborto "não deve ser despenalizado", Miguel Coleta considera que "não é correcto prender uma mulher que pratique um aborto". Admitiria votar ao lado do PS, mas não o faz para respeitar a disciplina de voto. Ricardo Almeida, que votou "sim" em 1998, não quis pronunciar-se sobre o sentido de voto sobre o projecto do PS por ainda não conhecer a proposta. O deputado, no entanto, diz que deverá "seguir a intenção do PSD", mas antes disso quer que o assunto seja discutido em reunião do grupo parlamentar. Arménio Santos, deputado e dirigente dos Trabalhadores Sociais-Democratas, absteve-se na discussão de 1998 e afirmou ontem que a sua convicção pró-despenalização do aborto está hoje "mais consolidada". Mesmo assim, só quer pronunciar-se sobre a proposta do PS depois de a analisar. 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Quinta-feira, 18 de Dezembro de 2003 O PSD e o CDS já clarificaram que nesta legislatura não admitem mexer na lei nem repetir o referendo ao aborto. Mas aceitam debater o assunto depois de 2006 e até admitem, então, aceitar alterações à lei no sentido da descriminalização. Por isso, a palavra de ordem na maioria é votar contra o projecto que o PS vai reapresentar na Assembleia da República para descriminalizar a prática de aborto por vontade da mulher até às dez semanas de gestação, anunciado ontem pelo secretário-geral do PS, Ferro Rodrigues, no fim das jornadas parlamentares. A intenção dos socialistas - que, caso a maioria não concorde com o agendamento, usarão o seu direito de agendar um debate - é forçar o PSD a clarificar a sua posição face ao facto de serem julgadas mulheres que abortam. Ontem, o líder parlamentar social-democrata, Guilherme Silva, anunciou que vai haver disciplina de voto nesta matéria. Mas entre os deputados sociais-democratas há já quem conteste esta imposição num debate sobre um tema em que é tradição o PSD adoptar a liberdade de voto, por entender tratar-se de uma decisão não partidária mas de consciência. Pouco depois de o PS anunciar a sua iniciativa, o PCP, também através da voz do secretário-geral, Carlos Carvalhas, divulgou que já entregou na Assembleia o projecto que despenaliza o aborto até às dez semanas e quer o agendamento do debate. Ferro Rodrigues explicou a posição dos socialistas com a necessidade de serem consequentes e coerentes com o que pensam e defendem, apontando o dedo aos partidos da maioria: "Não querem que o aborto seja crime e, para tal, não querem que a lei se cumpra. Nós queremos descriminalizar as mulheres que praticam aborto e para tal queremos alterar a lei. Em democracia, as leis quando existem são para cumprir. Se discordamos delas é nossa obrigação e dever alterá-las." O líder do PS assumiu a abertura para que o projecto dos socialistas receba contributos de outros partidos. Já depois das jornadas terminadas, o líder parlamentar, António Costa, vincou a abertura do PS para que os partidos ou deputados da maioria que concordem com a descriminalização colaborem na alteração da lei. Quanto à repetição do referendo, disse que isso estava em aberto. Costa advertiu, contudo, que o PS não aceita um regime legal de enquadramento do aborto em que as penas de cadeias venham a ser substituídas por contra-ordenações ou coimas. "Seria absolutamente absurda" essa solução, afirmou, acrescentando que para quem acredita que está em causa o direito à vida, "o bem da vida não é tutelável por uma coima." A possíbilidade de tornar o aborto uma contra-ordenação tem vindo a ser admitida sobretudo pelo CDS. Ontem, o seu líder parlamentar, Telmo Correia, admitiu uma "clarificação à lei", embora nunca nesta legislatura e sempre sujeita a novo referendo. "Podemos deixar esta matéria aos tribunais ou podemos proceder a uma alteração da lei, substituindo a pena de prisão por outras alternativas", disse Telmo Correia, citado pela Lusa. O líder da bancada do CDS já tinha dito, no plenário da Assembleia da República, que "nenhuma mulher que fez um aborto deve ser condenada". Anteontem, quando foi questionado sobre se o seu partido admitia uma alteração à lei no sentido da descriminalização, Nobre Guedes, um dos dirigentes do CDS que mais se envolveu na campanha pelo "não", no referendo do 1998, respondeu que o que teve o apoio dos protugueses, nesse referendo, foi uma "posição de tolerância". e que "a protecção do direito à vida é, para o CDS, um valor fundamental". Ao que explicou ao PÚBLICO outro dirigente do CDS que também esteve bastante envolvido na campanha de 1998, perante um cenário de descriminalização do aborto (e nunca de despenalização) a posição deste partido oscilará entre entre dois argumentos: pode invocar a moderação dos juízes, que tem feito com que nenhuma mulher tenha sido, efectivamente, presa por ter abortado e que, portanto, têm garantido que a lei é humana na sua aplicação; ou pode ir mais longe e considerar que o humanismo cristão não pode permitir que uma mulher que já sofreu muito por ter feito um aborto tenha de voltar a sofrer ao responder em tribunal por esse acto. Deputados do PSD contestam disciplina de voto O líder parlamentar do PSD, Guilherme Silva, explicou ontem que o compromisso de Durão Barroso com o eleitorado e o acordo da AD só são cumpridos, "não se viabilizando qualquer alteração legislativa, nesta legislatura" em matéria de aborto. E acrescentou que a imposição de voto não irá criar nenhum problema ao PSD, convicto que os deputados seguirão essa ordem. No entanto, os deputados mais liberais em relação ao aborto vão aproveitar para assegurar na próxima legislatura espaço de manobra. O PÚBLICO falou ontem com uma dezena de deputados do PSD favoráveis à descriminalização do aborto. Gonçalo Capitão quer ouvir as razões de Guilherme Silva para a disciplina de voto. Capitão, que concorda com a despenalização, critica, no entanto, a esquerda, acusando-a de "hipocrisia" e de fazer "folclore" quando sabe que "os partidos de direita têm obviamente que defender o interesse da maioria". O deputado e líder da JSD, Jorge Nuno Sá, considera que "deve haver liberdade de voto, sempre houve nesta matéria". "Gostava de poder votar a favor", acrescentou. Mas, se o grupo parlamentar mantiver a disciplina, Jorge Nuno Sá votará alinhado. Vítor Reis, que em 1998 votou a favor da despenalização do aborto, diz que não votará ao lado do PS porque este partido está a agir por "puro oportunismo". Apesar de dizer que o aborto "não deve ser despenalizado", Miguel Coleta considera que "não é correcto prender uma mulher que pratique um aborto". Admitiria votar ao lado do PS, mas não o faz para respeitar a disciplina de voto. Ricardo Almeida, que votou "sim" em 1998, não quis pronunciar-se sobre o sentido de voto sobre o projecto do PS por ainda não conhecer a proposta. O deputado, no entanto, diz que deverá "seguir a intenção do PSD", mas antes disso quer que o assunto seja discutido em reunião do grupo parlamentar. Arménio Santos, deputado e dirigente dos Trabalhadores Sociais-Democratas, absteve-se na discussão de 1998 e afirmou ontem que a sua convicção pró-despenalização do aborto está hoje "mais consolidada". Mesmo assim, só quer pronunciar-se sobre a proposta do PS depois de a analisar. 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