Filomena Mónica "lendo" Boaventura Sousa Santos:

20-01-2005
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Filomena Mónica "Lendo" Boaventura Sousa Santos:

Sábado, 08 de Janeiro de 2005

nem debate sociológico nem crítica literária

O artigo "O Sociólogo-Poeta Boaventura Sousa Santos", de Filomena Mónica, publicado no Mil Folhas de 4 de Dezembro de 2004, é no mínimo preocupante quanto ao estado do debate crítico em Portugal.

Como é possível escrever para um jornal de referência, como é o PÚBLICO, um texto que, para criticar a obra de Boaventura Sousa Santos, se serve de um livro seu de poesia, publicado há 24 anos, o qual, de acordo com a própria articulista, não é sequer mencionado pelo autor no seu "curriculum"?

Desse livro, Filomena Mónica "resgata" para o seu texto versos que considera "primários, possidónios e indecorosos", deles se servindo como pretexto para falar do percurso de Boaventura Sousa Santos e do seu último livro, "Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique". E, depois de citar alguns excertos, escolhidos de entre os "poemas mais canhestros", "mais cómicos", isto é, os de "natureza erótica", convida o leitor a, caso queira "conhecer melhor a alma" do autor, procurar nos alfarrabistas os seus outros livros de poemas, como se a escrita de poesia pudesse minimamente contribuir para a discussão do que se escreve em matéria de sociologia...

Quando um sociólogo discorda das posições defendidas por outro sociólogo, é de esperar que as debata no campo que a ambos diz respeito (o da sociologia). O que menos se espera é que use como argumento o conteúdo de um livro de poemas publicado há mais de vinte anos - se esse livro tem ou não tem qualidade literária é, deste ponto de vista, inteiramente irrelevante -, pressupondo que ele nos dá acesso à "alma" do autor. De resto, compreende-se que Filomena Mónica se demarque, logo no início, de "usar a linguagem críptica de alguns críticos literários". Nunca um crítico se serviria da leitura de uma obra de poesia como pretexto para deduzir o perfil do seu autor ou para avaliar a qualidade científica do trabalho que entretanto desenvolveu.

Somos, assim, conduzidos a uma única, e óbvia, conclusão: a de que o texto de Filomena Mónica não estabelece um diálogo crítico saudável com a escrita e o pensamento de Sousa Santos, limitando-se à intenção de vilipendiar o autor. Ou seja, o texto de Filomena Mónica não se dirige ao pensador e cientista - e menos ainda aos seus livros de poemas -, mas à pessoa, cujos "devaneios [em poesia] se destinam tão-só a fazer corar as meninas das aldeias".

Corar?! Há um passo em que Filomena Mónica, reportando-se ainda ao "volumezinho" de poemas assinado por Boaventura de Sousa e "descoberto, entre o pó", num alfabarrista, lamenta que "ninguém - a editora, a crítica, os familiares - o tivesse caridosamente prevenido do perigo do gesto". É caso para perguntar: em que poderia residir o perigo de tal gesto? No de vir a ser utilizado para os fins a que Filomena Mónica agora o destinou? Na verdade, tudo indica que estamos perante um caso puro e simples de má-fé.

Não sendo nem literário, nem sociológico, o móbil desta intervenção fica à vista. A própria mão que escreve o esclarece, ao afirmar: "Não se pense que o facto de, em anteriores ocasiões, ter criticado Boaventura Sousa Santos releva de uma qualquer obsessão, causada sabe-se lá por que rasteiros motivos." É que ninguém o pensaria, seguramente. Mas tão óbvia denegação (um pouco mais de Freud não fazia mal nenhum...!) dá a ver a causa de uma explícita ocultação. Nem vale a pena dizer mais nada.

Uma coisa, todavia, o texto diz bem: "Na luta, há que apontar à cabeça." De facto, é a uma cabeça que se aponta. Mecanismo muito visto entre nós, e que desencadeia, por vezes, como parece ser o caso, estratégias "rasteiras": palavra aqui retomada com toda a propriedade.

Ana Gabriela Macedo, Ana Luísa Amaral, Armando Silva Carvalho, Bernardo Pinto de Almeida, Celina Manita, Diana Andringa, Fernanda Gil Costa, Francisco Louçã, Gabriela Moita, Gastão Cruz, Helder Macedo, Helena Carvalhão Buescu, Helga Moreira, Isabel Allegro de Magalhães, Isabel Pires de Lima, João Ferreira Duarte, João Teixeira Lopes, Manuel Gusmão, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa, Miguel Vale de Almeida, Paula Morão, Rosa Maria Martelo, Teolinda Gersão

Filomena Mónica "Lendo" Boaventura Sousa Santos:

Sábado, 08 de Janeiro de 2005

nem debate sociológico nem crítica literária

O artigo "O Sociólogo-Poeta Boaventura Sousa Santos", de Filomena Mónica, publicado no Mil Folhas de 4 de Dezembro de 2004, é no mínimo preocupante quanto ao estado do debate crítico em Portugal.

Como é possível escrever para um jornal de referência, como é o PÚBLICO, um texto que, para criticar a obra de Boaventura Sousa Santos, se serve de um livro seu de poesia, publicado há 24 anos, o qual, de acordo com a própria articulista, não é sequer mencionado pelo autor no seu "curriculum"?

Desse livro, Filomena Mónica "resgata" para o seu texto versos que considera "primários, possidónios e indecorosos", deles se servindo como pretexto para falar do percurso de Boaventura Sousa Santos e do seu último livro, "Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique". E, depois de citar alguns excertos, escolhidos de entre os "poemas mais canhestros", "mais cómicos", isto é, os de "natureza erótica", convida o leitor a, caso queira "conhecer melhor a alma" do autor, procurar nos alfarrabistas os seus outros livros de poemas, como se a escrita de poesia pudesse minimamente contribuir para a discussão do que se escreve em matéria de sociologia...

Quando um sociólogo discorda das posições defendidas por outro sociólogo, é de esperar que as debata no campo que a ambos diz respeito (o da sociologia). O que menos se espera é que use como argumento o conteúdo de um livro de poemas publicado há mais de vinte anos - se esse livro tem ou não tem qualidade literária é, deste ponto de vista, inteiramente irrelevante -, pressupondo que ele nos dá acesso à "alma" do autor. De resto, compreende-se que Filomena Mónica se demarque, logo no início, de "usar a linguagem críptica de alguns críticos literários". Nunca um crítico se serviria da leitura de uma obra de poesia como pretexto para deduzir o perfil do seu autor ou para avaliar a qualidade científica do trabalho que entretanto desenvolveu.

Somos, assim, conduzidos a uma única, e óbvia, conclusão: a de que o texto de Filomena Mónica não estabelece um diálogo crítico saudável com a escrita e o pensamento de Sousa Santos, limitando-se à intenção de vilipendiar o autor. Ou seja, o texto de Filomena Mónica não se dirige ao pensador e cientista - e menos ainda aos seus livros de poemas -, mas à pessoa, cujos "devaneios [em poesia] se destinam tão-só a fazer corar as meninas das aldeias".

Corar?! Há um passo em que Filomena Mónica, reportando-se ainda ao "volumezinho" de poemas assinado por Boaventura de Sousa e "descoberto, entre o pó", num alfabarrista, lamenta que "ninguém - a editora, a crítica, os familiares - o tivesse caridosamente prevenido do perigo do gesto". É caso para perguntar: em que poderia residir o perigo de tal gesto? No de vir a ser utilizado para os fins a que Filomena Mónica agora o destinou? Na verdade, tudo indica que estamos perante um caso puro e simples de má-fé.

Não sendo nem literário, nem sociológico, o móbil desta intervenção fica à vista. A própria mão que escreve o esclarece, ao afirmar: "Não se pense que o facto de, em anteriores ocasiões, ter criticado Boaventura Sousa Santos releva de uma qualquer obsessão, causada sabe-se lá por que rasteiros motivos." É que ninguém o pensaria, seguramente. Mas tão óbvia denegação (um pouco mais de Freud não fazia mal nenhum...!) dá a ver a causa de uma explícita ocultação. Nem vale a pena dizer mais nada.

Uma coisa, todavia, o texto diz bem: "Na luta, há que apontar à cabeça." De facto, é a uma cabeça que se aponta. Mecanismo muito visto entre nós, e que desencadeia, por vezes, como parece ser o caso, estratégias "rasteiras": palavra aqui retomada com toda a propriedade.

Ana Gabriela Macedo, Ana Luísa Amaral, Armando Silva Carvalho, Bernardo Pinto de Almeida, Celina Manita, Diana Andringa, Fernanda Gil Costa, Francisco Louçã, Gabriela Moita, Gastão Cruz, Helder Macedo, Helena Carvalhão Buescu, Helga Moreira, Isabel Allegro de Magalhães, Isabel Pires de Lima, João Ferreira Duarte, João Teixeira Lopes, Manuel Gusmão, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa, Miguel Vale de Almeida, Paula Morão, Rosa Maria Martelo, Teolinda Gersão

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