A revolta da repórter

19-02-2005
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A Revolta da Repórter

Por ADELINO GOMES

Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2005

Era um clássico do jornalismo. Como pela necrologia, no passado longínquo, não havia estagiário que por lá não passasse. O nome da rubrica mudava, de jornal para jornal (as rádios também não desdenhavam do método, mas aí só quando algum acontecimento ultrapassava a mediania noticiosa), mas a substância era a mesma: o repórter saía à rua, punha a mesma pergunta a vários transeuntes ("concorda com o aumento do preço da bica?", "usa gravata para ir à missa?"), e estava feito o inquérito.

Nas vésperas das legislativas de 1976, o "Jornal Novo" decidiu que a pergunta - "Interessa-se por política?" - seria feita apenas a mulheres.

O resultado estamos agora a vê-lo, na primeira página do dossier eleitoral: quatro fotografias de mulheres de diferentes idades e ocupações."Interesso-me mais ou menos"; "sim, em geral"; "assim, assim", respondem as mais novas; "gosto de ouvir os políticos falarem na rádio ou na televisão", mas "os jovens falam mais disso que as pessoas da minha geração", diz a mais velha.

Tudo previsível, portanto?

Não. Quando o começamos a ler, sob o anódino título "As mulheres e a política", o texto paginado logo por debaixo das fotos e das respostas revela-nos um mundo feminino em ebulição. Escrito obviamente pela repórter mandada sair à rua, ele soa como um autêntico grito de revolta.

"Quando é que as mulheres terão coragem para assumir, frontalmente, as suas próprias opiniões? As suas, não as dos pais, filhos ou companheiros?", pergunta a repórter. Tão indignada que interpela o mundo jornalístico: "Quando é que os jornais, em vez de perguntarem às mulheres 'interessa-se por política?' começarão a perguntar: 'tens tempo para te interessares por política?'."

Procure-se na ficha técnica, para ficar com uma ideia de quem foi a irritada e ao mesmo tempo corajosa jornalista que assim questionou o próprio jornal, isto é, os chefes? Sinal dos tempos: por entre ilustres figuras do panorama mediático - Proença de Carvalho, director, M. Bettencourt Resendes, Luís Paixão Martins - apenas dois nomes de mulher lá constam: Maria Helena Mensurado e Maria Guiomar Lima.

Uma delas foi, a uma delas a homenagem, trinta anos depois.

A Revolta da Repórter

Por ADELINO GOMES

Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2005

Era um clássico do jornalismo. Como pela necrologia, no passado longínquo, não havia estagiário que por lá não passasse. O nome da rubrica mudava, de jornal para jornal (as rádios também não desdenhavam do método, mas aí só quando algum acontecimento ultrapassava a mediania noticiosa), mas a substância era a mesma: o repórter saía à rua, punha a mesma pergunta a vários transeuntes ("concorda com o aumento do preço da bica?", "usa gravata para ir à missa?"), e estava feito o inquérito.

Nas vésperas das legislativas de 1976, o "Jornal Novo" decidiu que a pergunta - "Interessa-se por política?" - seria feita apenas a mulheres.

O resultado estamos agora a vê-lo, na primeira página do dossier eleitoral: quatro fotografias de mulheres de diferentes idades e ocupações."Interesso-me mais ou menos"; "sim, em geral"; "assim, assim", respondem as mais novas; "gosto de ouvir os políticos falarem na rádio ou na televisão", mas "os jovens falam mais disso que as pessoas da minha geração", diz a mais velha.

Tudo previsível, portanto?

Não. Quando o começamos a ler, sob o anódino título "As mulheres e a política", o texto paginado logo por debaixo das fotos e das respostas revela-nos um mundo feminino em ebulição. Escrito obviamente pela repórter mandada sair à rua, ele soa como um autêntico grito de revolta.

"Quando é que as mulheres terão coragem para assumir, frontalmente, as suas próprias opiniões? As suas, não as dos pais, filhos ou companheiros?", pergunta a repórter. Tão indignada que interpela o mundo jornalístico: "Quando é que os jornais, em vez de perguntarem às mulheres 'interessa-se por política?' começarão a perguntar: 'tens tempo para te interessares por política?'."

Procure-se na ficha técnica, para ficar com uma ideia de quem foi a irritada e ao mesmo tempo corajosa jornalista que assim questionou o próprio jornal, isto é, os chefes? Sinal dos tempos: por entre ilustres figuras do panorama mediático - Proença de Carvalho, director, M. Bettencourt Resendes, Luís Paixão Martins - apenas dois nomes de mulher lá constam: Maria Helena Mensurado e Maria Guiomar Lima.

Uma delas foi, a uma delas a homenagem, trinta anos depois.

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