Todos à espera do engenheiro

08-10-2003
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Sucessão no Banco Comercial Português

Todos à Espera do Engenheiro EM DESTAQUE

Segunda-feira, 29 de Setembro de 2003

O facto de Jardim Gonçalves completar 68 anos no próximo sábado, mais três do que a idade com que os administradores da instituição abandonam funções executivas, faz com que a substituição do carismático presidente e fundador do maior banco privado português ganhe actualidade. Dentro do BCP, silêncio total é a palavra de ordem. Cá fora, admite-se que o engenheiro poderá deixar a presidência o mais tardar em 2006, ano em que termina o actual mandato, preferencialmente a favor de um homem da casa. Mas a única certeza é que o presidente só deixará o cargo depois de concluído o processo de recuperação da fase menos boa que o banco atravessou nos últimos tempos.

Cristina Ferreira

O presidente do Banco Comercial Português Jorge Jardim Gonçalves celebra sábado, véspera do dia de São Francisco de Assis, 68 anos. Em condições normais, o banqueiro não deverá manter-se à frente da instituição depois dos 70 anos, data em que termina o actual mandato, cinco anos após a idade "acordada" pelos gestores do grupo para abandonarem funções. Depois de algumas decisões "menos felizes", Jardim Gonçalves optou por se manter à frente da instituição tendo conseguido, na assembleia geral de Fevereiro deste ano, congregar esforços à sua volta, que lhe permitiram arrumar a casa. Mas a "obra" já está feita e o banco recupera agora visibilidade, depois de uma fase menos favorável, em que teve necessidade de repor a sua base de capital. Aparentemente, seria natural que entre os seus quadros se falasse de um nome para o substituir. Só que o tema é tabu dentro do grupo. Mas é possível que Jardim Gonçalves esteja já a ponderar uma proposta para apresentar aos accionistas quando decidir ir embora. Até à sua divulgação muita água irá correr ainda.

No Banco Comercial Português (BCP) parece existir um pacto de silêncio à volta da sucessão de Jorge Jardim Gonçalves, o fundador do maior banco privado português. Falar na sua sucessão é quase uma "heresia", um assunto "de menor importância". Mas mais tarde ou mais cedo o tema terá que saltar para a agenda da instituição. É previsível que isto só venha a acontecer após a conclusão do processo de recuperação do grupo, pois o engenheiro pretende deixar o banco em boa situação ao seu sucessor, provavelmente quando terminar o actual mandato da administração, em 2006. Discutir hoje a liderança do BCP passa por debater vários cenários, num quadro que escapa ao mais elementar raciocínio, e onde se esconde um misto de desejos, de expectativas e de palpites. Talvez, por isso, abordar a questão da sucessão do presidente do maior banco privado português é, no mínimo, delicado.

"Já antes do fim do primeiro mandato, em 1989, se falava nisso. É um tema que tem pouca consistência". A frase é de Jardim Gonçalves e foi retirada de uma entrevista dada ao Diário Económico (DE) em Maio de 2002, e surge em resposta a uma pergunta sobre a sua sucessão. Embora nos estatutos do BCP não esteja consignado um limite de idade a partir do qual os administradores devem abandonar funções, tem prevalecido entre os executivos "uma espécie" de acordo que os tem levado a sair quando fazem 65 anos. Pelo menos é esta a idade que tem sido referida na imprensa. "O grupo costuma dar aos seus quadros, a opção de se reformarem quando chegam aos 65 anos ", garantia a Revista Factos em Março de 1998. "De acordo com as regras internas estabelecidas na fundação do BCP, em 1985, nenhum quadro pode ocupar cargos na administração após completar 65 anos", corroborava a Visão de 13 de Fevereiro de 1997. A revista citava mesmo fonte da instituição segundo a qual "a regra não é rígida e pode ser alterada se os accionistas o entenderem". Não consta que este ponto tenha sido alguma vez debatido em assembleia geral ou sequer em conselho superior, o órgão que reúne os principais accionistas do grupo. Confrontado com a idade de reforma dos administradores aos 65 anos, fonte oficial do BCP desmente, garantindo não existir qualquer "timing" definido.

Contudo, um ex-administrador do banco, hoje na reforma, reconheceu ao PÚBLICO que entre os seus pares terá havido quem ficasse "picado" por a regra lhe ter sido aplicada e não a Jardim Gonçalves. Ao manter-se em funções numa fase turbulenta da vida da instituição, e adiando a sua retirada de cena, o banqueiro "fortaleceu o banco", concede o antigo gestor do BCP. Um accionista da instituição concorda sublinhando a propósito ter sido muito importante que Jardim Gonçalves não tivesse saído pois trata-se "do fundador e do timoneiro do sucesso da grupo". E evidenciou que sem o engenheiro, esta última fase,"teria sido uma desgraça", pois é ele que está a "levar o barco a bom porto".

Também os seus concorrentes parecem compreender a sua decisão de se manter na presidência numa fase "menos boa". E entre os banqueiros portugueses há mesmo quem sublinhe o papel desempenhado por Jardim Gonçalves na modernização do sistema financeiro nacional. "Foi pena que se tivesse dispersado por outros mercados e por áreas que não são o 'core business' que é a banca". Em todo o caso, adianta, "o BCP foi o primeiro banco privado comercial, criado de raiz, a adoptar uma máquina moderna, segmentando clientes, e adoptando um sistema de informatização geral", o que obrigou as restantes instituições a acompanhá-lo, isto quando o sector financeiro era ainda público.

Solução interna é a preferida

Ao ser confrontado com o tema da sucessão de Jardim Gonçalves, o porta-voz do BCP limitou-se a remeter o PÚBLICO para a leitura da entrevista concedida ao Diário Económico, resposta que é elucidativa da relutância existente dentro do banco em tocar no assunto da sucessão.

Na referida conversa com o DE, Jardim Gonçalves afirmou que "o BCP tem capacidades internas para se dirigir." À "Factos", em 1998, o engenheiro dizia mesmo que "é só escolher. Há gente com 30 anos que denota nítida capacidade para ser tudo nesta casa." Estas afirmações indiciam, segundo observadores, a preferência do presidente e fundador do banco por uma sucessão interna. Em síntese: no momento necessário, a sucessão acontecerá e será uma solução interna e de confiança.

Pode ser o caso dos dois vice-presidentes, Christopher Beck e Filipe Pinhal, ambos com 57 anos. Qualquer deles com domínio da máquina bancária e conhecimento a fundo da instituição, possuindo condições para tomar conta do barco. Alípio Dias, ex-presidente do Totta, Castro Henriques ou Bastos Gomes são nomes que tem desempenhado um papel essencial nos destinos da instituição, estando igualmente em condições de assumir as suas rédeas. Resta saber se algum deles o deseja e, nesse caso, se o engenheiro concorda.

O banqueiro alia a uma personalidade afável e conciliadora, uma tenacidade e determinação imbatíveis, que lhe permitem prosseguir projectos audaciosos e objectivos de médio e longo prazo com sucesso. Sem Jardim Gonçalves à frente, o grupo teria tido o sucesso que alcançou, perguntam fontes contactadas pelo PÚBLICO. Não é certo! A personalidade afável e conciliadora, aliadas a uma tenacidade e determinação imbatíveis serão os traços que mais o diferenciam, mas também o seu "calcanhar de Aquiles". Sendo um líder forte dificilmente encontrará alguém à medida para o substituir dentro da instituição, pois os "segundos" ficam, em regra, "muito marcados" pelo "número um" com quem trabalham, com quem estabeleceram laços de lealdade e fidelidade. Uma observação que é válida para as empresas e para o país. Um exemplo: quando Cavaco Silva abandonou o governo, Fernando Nogueira não teve a vida fácil, pois não tinha igual carisma. O reverso da medalha é óbvio: quando o líder natural da instituição recua, esta pode ficar fragilizada, na medida em que dificilmente se encontra alguém com idêntica projecção. E pode sempre haver a tentação de ir buscar uma pessoa de fora da instituição, que tenderá a trazer uma nova equipa. Se for essa a intenção, é natural que reserve para si o nome do eleito, evitando por a sua instituição em pé de guerra.

Por outro lado, a recusa contínua em designar um "herdeiro" tenderá a gerar "burburinho" e a potenciar guerras internas à medida que o tempo for passando. Só que também não é frequente anunciar nomes a mais de dois anos, pois a prazo muita coisa pode acontecer e corre-se o risco de desestabilizar a instituição, abrindo uma luta interna pelo poder muito forte. Mas anunciar de véspera como acontece em Portugal, pode não ser eficaz. Em rigor quase nada se sabe do que pensa o presidente do BCP sobre o tema. E não é de espantar que assim seja. Mas tal como sucede nas remodelações governamentais, o mais provável é o engenheiro estar já a ponderar o assunto

Sucessão no Banco Comercial Português

Todos à Espera do Engenheiro EM DESTAQUE

Segunda-feira, 29 de Setembro de 2003

O facto de Jardim Gonçalves completar 68 anos no próximo sábado, mais três do que a idade com que os administradores da instituição abandonam funções executivas, faz com que a substituição do carismático presidente e fundador do maior banco privado português ganhe actualidade. Dentro do BCP, silêncio total é a palavra de ordem. Cá fora, admite-se que o engenheiro poderá deixar a presidência o mais tardar em 2006, ano em que termina o actual mandato, preferencialmente a favor de um homem da casa. Mas a única certeza é que o presidente só deixará o cargo depois de concluído o processo de recuperação da fase menos boa que o banco atravessou nos últimos tempos.

Cristina Ferreira

O presidente do Banco Comercial Português Jorge Jardim Gonçalves celebra sábado, véspera do dia de São Francisco de Assis, 68 anos. Em condições normais, o banqueiro não deverá manter-se à frente da instituição depois dos 70 anos, data em que termina o actual mandato, cinco anos após a idade "acordada" pelos gestores do grupo para abandonarem funções. Depois de algumas decisões "menos felizes", Jardim Gonçalves optou por se manter à frente da instituição tendo conseguido, na assembleia geral de Fevereiro deste ano, congregar esforços à sua volta, que lhe permitiram arrumar a casa. Mas a "obra" já está feita e o banco recupera agora visibilidade, depois de uma fase menos favorável, em que teve necessidade de repor a sua base de capital. Aparentemente, seria natural que entre os seus quadros se falasse de um nome para o substituir. Só que o tema é tabu dentro do grupo. Mas é possível que Jardim Gonçalves esteja já a ponderar uma proposta para apresentar aos accionistas quando decidir ir embora. Até à sua divulgação muita água irá correr ainda.

No Banco Comercial Português (BCP) parece existir um pacto de silêncio à volta da sucessão de Jorge Jardim Gonçalves, o fundador do maior banco privado português. Falar na sua sucessão é quase uma "heresia", um assunto "de menor importância". Mas mais tarde ou mais cedo o tema terá que saltar para a agenda da instituição. É previsível que isto só venha a acontecer após a conclusão do processo de recuperação do grupo, pois o engenheiro pretende deixar o banco em boa situação ao seu sucessor, provavelmente quando terminar o actual mandato da administração, em 2006. Discutir hoje a liderança do BCP passa por debater vários cenários, num quadro que escapa ao mais elementar raciocínio, e onde se esconde um misto de desejos, de expectativas e de palpites. Talvez, por isso, abordar a questão da sucessão do presidente do maior banco privado português é, no mínimo, delicado.

"Já antes do fim do primeiro mandato, em 1989, se falava nisso. É um tema que tem pouca consistência". A frase é de Jardim Gonçalves e foi retirada de uma entrevista dada ao Diário Económico (DE) em Maio de 2002, e surge em resposta a uma pergunta sobre a sua sucessão. Embora nos estatutos do BCP não esteja consignado um limite de idade a partir do qual os administradores devem abandonar funções, tem prevalecido entre os executivos "uma espécie" de acordo que os tem levado a sair quando fazem 65 anos. Pelo menos é esta a idade que tem sido referida na imprensa. "O grupo costuma dar aos seus quadros, a opção de se reformarem quando chegam aos 65 anos ", garantia a Revista Factos em Março de 1998. "De acordo com as regras internas estabelecidas na fundação do BCP, em 1985, nenhum quadro pode ocupar cargos na administração após completar 65 anos", corroborava a Visão de 13 de Fevereiro de 1997. A revista citava mesmo fonte da instituição segundo a qual "a regra não é rígida e pode ser alterada se os accionistas o entenderem". Não consta que este ponto tenha sido alguma vez debatido em assembleia geral ou sequer em conselho superior, o órgão que reúne os principais accionistas do grupo. Confrontado com a idade de reforma dos administradores aos 65 anos, fonte oficial do BCP desmente, garantindo não existir qualquer "timing" definido.

Contudo, um ex-administrador do banco, hoje na reforma, reconheceu ao PÚBLICO que entre os seus pares terá havido quem ficasse "picado" por a regra lhe ter sido aplicada e não a Jardim Gonçalves. Ao manter-se em funções numa fase turbulenta da vida da instituição, e adiando a sua retirada de cena, o banqueiro "fortaleceu o banco", concede o antigo gestor do BCP. Um accionista da instituição concorda sublinhando a propósito ter sido muito importante que Jardim Gonçalves não tivesse saído pois trata-se "do fundador e do timoneiro do sucesso da grupo". E evidenciou que sem o engenheiro, esta última fase,"teria sido uma desgraça", pois é ele que está a "levar o barco a bom porto".

Também os seus concorrentes parecem compreender a sua decisão de se manter na presidência numa fase "menos boa". E entre os banqueiros portugueses há mesmo quem sublinhe o papel desempenhado por Jardim Gonçalves na modernização do sistema financeiro nacional. "Foi pena que se tivesse dispersado por outros mercados e por áreas que não são o 'core business' que é a banca". Em todo o caso, adianta, "o BCP foi o primeiro banco privado comercial, criado de raiz, a adoptar uma máquina moderna, segmentando clientes, e adoptando um sistema de informatização geral", o que obrigou as restantes instituições a acompanhá-lo, isto quando o sector financeiro era ainda público.

Solução interna é a preferida

Ao ser confrontado com o tema da sucessão de Jardim Gonçalves, o porta-voz do BCP limitou-se a remeter o PÚBLICO para a leitura da entrevista concedida ao Diário Económico, resposta que é elucidativa da relutância existente dentro do banco em tocar no assunto da sucessão.

Na referida conversa com o DE, Jardim Gonçalves afirmou que "o BCP tem capacidades internas para se dirigir." À "Factos", em 1998, o engenheiro dizia mesmo que "é só escolher. Há gente com 30 anos que denota nítida capacidade para ser tudo nesta casa." Estas afirmações indiciam, segundo observadores, a preferência do presidente e fundador do banco por uma sucessão interna. Em síntese: no momento necessário, a sucessão acontecerá e será uma solução interna e de confiança.

Pode ser o caso dos dois vice-presidentes, Christopher Beck e Filipe Pinhal, ambos com 57 anos. Qualquer deles com domínio da máquina bancária e conhecimento a fundo da instituição, possuindo condições para tomar conta do barco. Alípio Dias, ex-presidente do Totta, Castro Henriques ou Bastos Gomes são nomes que tem desempenhado um papel essencial nos destinos da instituição, estando igualmente em condições de assumir as suas rédeas. Resta saber se algum deles o deseja e, nesse caso, se o engenheiro concorda.

O banqueiro alia a uma personalidade afável e conciliadora, uma tenacidade e determinação imbatíveis, que lhe permitem prosseguir projectos audaciosos e objectivos de médio e longo prazo com sucesso. Sem Jardim Gonçalves à frente, o grupo teria tido o sucesso que alcançou, perguntam fontes contactadas pelo PÚBLICO. Não é certo! A personalidade afável e conciliadora, aliadas a uma tenacidade e determinação imbatíveis serão os traços que mais o diferenciam, mas também o seu "calcanhar de Aquiles". Sendo um líder forte dificilmente encontrará alguém à medida para o substituir dentro da instituição, pois os "segundos" ficam, em regra, "muito marcados" pelo "número um" com quem trabalham, com quem estabeleceram laços de lealdade e fidelidade. Uma observação que é válida para as empresas e para o país. Um exemplo: quando Cavaco Silva abandonou o governo, Fernando Nogueira não teve a vida fácil, pois não tinha igual carisma. O reverso da medalha é óbvio: quando o líder natural da instituição recua, esta pode ficar fragilizada, na medida em que dificilmente se encontra alguém com idêntica projecção. E pode sempre haver a tentação de ir buscar uma pessoa de fora da instituição, que tenderá a trazer uma nova equipa. Se for essa a intenção, é natural que reserve para si o nome do eleito, evitando por a sua instituição em pé de guerra.

Por outro lado, a recusa contínua em designar um "herdeiro" tenderá a gerar "burburinho" e a potenciar guerras internas à medida que o tempo for passando. Só que também não é frequente anunciar nomes a mais de dois anos, pois a prazo muita coisa pode acontecer e corre-se o risco de desestabilizar a instituição, abrindo uma luta interna pelo poder muito forte. Mas anunciar de véspera como acontece em Portugal, pode não ser eficaz. Em rigor quase nada se sabe do que pensa o presidente do BCP sobre o tema. E não é de espantar que assim seja. Mas tal como sucede nas remodelações governamentais, o mais provável é o engenheiro estar já a ponderar o assunto

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