Suplemento Mil Folhas

20-03-2004
marcar artigo

Um Livro de Ficção

Sábado, 13 de Março de 2004 %Joaquim Ferreira do Amaral A tese do livro é a seguinte: em 1421 (Março) largou da China uma gigantesca frota comandada por Zheng-He, com destino ao mar Índico, levando uma missão com dois objectivos. Em primeiro lugar, devolver aos países de origem as embaixadas que tinham estado presentes na inauguração da nova capital da China, reconstruída pela recente dinastia Ming, no poder desde que os mongóis tinham sido afastados em 1368 (desde 1404 que se estava a proceder à sua transferência de Nankim para Pequim); em segundo lugar, assegurar a influência chinesa em toda a região (naquilo a que o autor chama "incorporação no sistema fiscal chinês"). A armada regressa em Outubro de 1423. Como entende que os registos que subsistem da viagem são incompletos, o autor tenta reconstituir por ele próprio tudo o que julga que está em falta, isto é, tenta deduzir o que andaram a fazer os 30 mil chineses da armada durante esse período. As conclusões a que chega são esmagadoras. Durante mais ou menos um ano e meio, a frota entreteve-se a descobrir nada mais nada menos que o mundo inteiro. Tudo de tudo. Geografia, levantamento costeiro, correntes marítimas, longitudes, antropologia, botânica, zoologia, experimentação científica local, construção monumental e até criação de colónias por todo o lado. Quando o título do livro refere "o ano em que a China descobriu o mundo", a verdade é que não exagera nada quanto ao conteúdo. É mesmo o mundo todo. África Ocidental, América do Sul, de cá e de lá, América do Norte, também dos dois lados, região antárctica, oceano Pacífico, Austrália, regiões árcticas, Gronelândia, oceano Atlântico, além do próprio oceano Índico. Nada mais sensacional, sobretudo para quem estava convencido de que o conhecimento do globo tinha constituído um processo longo percorrido passo a passo pela humanidade. Tão sensacional que o "site" do livro na Internet ( http://www.1421.tv/ ) se gaba do livro estar já disponível em 63 países e ter sido traduzido em 15 línguas diferentes, acrescentando que acabou de ser publicada no Reino Unido a edição em "paperback" (saiu no dia 2 de Março e terá destaque na London Book Fair que amanhã começa em Londres). É aquilo a que vulgarmente se chama um sucesso editorial. Temos agora também a tradução em português. A minha opinião, que expresso desde já, é que do ponto de vista científico o livro vale muito pouco, próximo do zero. De outros pontos de vista, a apreciação pode ser diferente. Isso significa que à partida não tenho legitimidade para recomendar ao leitor que não o compre, porque não sei o que é que ele espera do seu investimento. O que não vai encontrar com certeza é um livro de História ou, mais em geral, um livro de Ciência. Mas se o leitor aprecia livros do género "Eram os Deuses Astronautas?" talvez goste deste também. Volta e meia surgem livros deste tipo. Apesar de cientificamente nulos, não são rejeitados e esquecidos como seria de esperar. Ascendem ao estatuto comercialmente invejável de "obra polémica". Pior ainda, numa sociedade que cada vez mais se quer deliciar com a "fast science", quando a comunidade científica, a justo título, critica obras como esta acaba muitas vezes por se ver retratada como sendo um grupo corporativo, conservador e retrógrado, receoso de perder privilégios (?), resistindo às lufadas de ar fresco com que intrépidos amantes da verdade ousam varrer teias de aranha há muito estabelecidas. O arquétipo Galileu entra em acção, mas só na parte que convém. Mas, sendo esta a tese, como é que o autor chega à conclusão de que os chineses em 1421 percorreram metodicamente toda a vastidão do globo, em apenas um ano e meio, para em seguida o revelarem à humanidade (exceptuando, pelos vistos, a eles próprios, que nos tempos seguintes nunca deram mostras de o conhecer)? Com base em novos documentos indiscutíveis? Através de testemunhos sólidos até agora desconhecidos? Por meio de uma reinterpretação de documentos já revelados? Não. A prova maior consiste no facto de o autor do livro "achar" que sim. Como em várias ocasiões, afirma que está "convicto" de que foi assim. O problema não parece portanto ser de História, mas sim de convicção. E a questão é a de saber se o leitor, ao chegar à última página, estará ele próprio convicto também. A verdade é que o autor, segundo a minha opinião, não logra conseguir demonstrar coisa nenhuma. Mas, apesar disso, há um risco contra o qual todas as prevenções são poucas. É que ao abrigo de uma absurda, mas infelizmente muito frequente, inversão do ónus da prova, o livro pode acabar por deixar a ideia de que os chineses "talvez" tenham descoberto o mundo inteiro em 1421. E isto simplesmente porque ainda não houve ninguém que demonstrasse que "não foram eles". "Está bem, eu não demonstro que sim, mas demonstre lá você que não." Espero que o leitor não se deixe cair nessa ratoeira. A História, como todos sabemos, não se resume a engendrar hipóteses. Não basta congeminar uma arquitectura possível de acontecimentos. Se fosse isso, provavelmente não saberíamos nada do nosso passado. Quando se pretende fazer História tomando meras hipóteses encadeadas em sucessão tal e qual como se fossem factos estabelecidos, a probabilidade final de correspondência com a realidade andará muito próxima do zero. História dessa acaba afinal por não ser História, mas sim pura ficção. Mas vamos aos factos. Em primeiro lugar, convém recordar que os chineses estiveram no Índico por essa época. Esse é um dado histórico já conhecido. Aliás, no que respeita às circunstâncias dessa presença, e em geral no que respeita à China após a queda da dinastia mongol, o livro tem interesse para o leitor de História. O passo seguinte é que é dramático e precipita o autor no mundo sem limites da ficção. Por motivos não identificados, a armada chinesa sai do oceano Índico para o Atlântico, dobrando o cabo da Boa Esperança no sentido contrário ao de Bartolomeu Dias. Depois, palavra puxa palavra, umas vezes vogando ao calhas ao sabor das correntes, outras vezes não, acaba por descobrir o mundo inteiro. Infelizmente, não existe a mais pequena prova documental desta extraordinária odisseia. Na sua falta, o autor tenta suprir uma falha tão irremediável revelando fenómenos em todo o globo que identifica como sendo pistas deixadas pela viagem. Sempre com singular perspicácia e, segundo nos conta, frequentemente iluminado por golpes de sorte e de feliz inspiração, muitas vezes quando já desesperava perante mistérios que quase o levavam a desistir. No final, congrega aquilo que no seu entender constitui um conjunto de dezenas de sintomas óbvios da viagem chinesa ao mundo inteiro em 1421. Desde as galinhas manifestamente chinesas da América do Sul, até às colónias espalhadas pelo mundo que ainda hoje se preservam, passando pela Pedra de Ielala na margem do rio Congo. Esta, julgava-se, tinha sido gravada em português em pedra bruta durante uma viagem de Diogo Cão. Mas agora, segundo o autor, a gravação dos portugueses foi meramente sobreposta a uma mensagem em língua tamil (?) que os chineses anteriormente já lá tinham deixado. Ou seja, Diogo Cão e os seus companheiros internaram-se pelo sertão de África, à procura de uma pedra escrita anteriormente pelos chineses em tamil para, uma vez miraculosamente encontrada a 200 quilómetros da costa, lhe gravarem uma mensagem em português por cima. Se ao leitor isto poderá eventualmente fazer alguma confusão, ao autor não faz nenhuma. Para ele, nada de mais natural e para ele tudo isto atesta, sem margem para dúvidas, a viagem de 1421. Como é que o autor nos tenta convencer da existência do passo inicial decisivo, ou seja, a passagem do cabo da Boa Esperança que escancara o mundo à armada chinesa? Como se nos desvenda esse pequeno passo para o homem, este salto gigante para a humanidade? Muito simplesmente através do mapa de Fra Mauro. O chamado "mapa de Fra Mauro" é um planisfério de grandes dimensões acabado em 1459. O mapa actualmente existente é uma cópia de um outro, esse desaparecido, que foi pago pelo rei português D. Afonso V. Carregado de legendas, o mapa propõe uma África circum-navegável, embora sem qualquer rigor no que respeita ao desenho da sua costa (contrariamente ao que sucede com a representação do Mediterrâneo, já muito bem conhecido e navegado na época e portanto apresentando a costa correctamente recortada). Um dos acidentes que Fra Mauro assinalou na costa de África chama-lhe Cavo de Diab, que ninguém pode ter a certeza do que pretende ser. Pode ser a ilha de Madagáscar, pode ser o cabo de Guardafui, pode ser a ideia de um cabo da Boa Esperança ou pode ser outra coisa qualquer. Pode mesmo ser uma informação de natureza lendária. O nosso autor, contudo, não hesita: é o cabo da Boa Esperança. E como é o cabo da Boa Esperança, numa África circum-navegável, numa época anterior a Bartolomeu Dias, então é óbvio que foram os chineses que ensinaram ao Fra Mauro - quem mais poderia ter sido? E se os chineses ensinaram, fica "demonstrado" que a armada chinesa passou o cabo da Boa Esperança. Apoiado nesta base que considera indiscutível, o autor passa adiante para novas e formidáveis aventuras. Resta dizer que o intermediário entre os chineses e o Fra Mauro também está identificado pelo autor. Foi Niccolo de Conti. Este era um expatriado veneziano que viveu pelos orientes durante 25 anos e que quando regressou contou as suas viagens ao humanista Poggio Bracciolini, o qual verteu o relato em latim. Constitui esse relato o quarto livro da sua obra "De varietate fortunae". Como, segundo o autor, Conti estava em Calecute em 1421, onde também se encontrava a armada chinesa ("feliz coincidência", assinala), foi aí que estabeleceu os preciosos contactos (embora o autor não nos esclareça se o Niccolo de Conti também andou com os chineses durante toda a viagem ou se voltou a contactá-los depois, uma vez que em 1421 não podia aprender nada: os chineses, segundo o autor, ainda estavam com a viagem por fazer). O que o livro não diz é que a ideia de uma África circum-navegável já vinha do fundo dos tempos, pelo menos dos tempos anteriores a Heródoto, que relata histórias de circum-navegação que lhe chegaram ao conhecimento, provavelmente mais lendárias do que reais. É essa, aliás, a opinião do magnífico Estrabão, umas décadas antes da nossa era, o qual, aliás, embora convicto da circum-navegabilidade da África, não aceita como verídicos os relatos dessas viagens. Pompónio Mela, geógrafo latino do primeiro século depois de Cristo, também assumia uma África circum-navegável. Embora Estrabão só tenha aparecido pela Europa traduzido do grego por volta de meados do século XV, Pompónio Mela atravessou toda a Idade Média na Europa, se bem que com uma circulação muito restrita até ao século XIV. Quem dizia que não se podia passar por mar do Índico para o Atlântico (e vice-versa) era Ptolomeu, o alexandrino do século II, que só veio a ser conhecido na Europa no que respeita à obra geográfica poucos anos antes de 1421, embora logo com divulgação explosiva e de enorme aceitação. Seja como for, praticamente todos os mapas medievais de representação do mundo anteriores a Bartolomeu Dias, e que eram de carácter marcadamente apriorístico, figuram uma África invariavelmente rodeada pelo mar, salvo aqueles que a partir dos começos do século XV acompanham a "Geografia" de Ptolomeu. Não se trata portanto de uma novidade de Fra Mauro. Alguns são bem anteriores a 1421, como o do árabe al-Idrisi (segunda metade do século XII) ou o do genovês que trabalhou em Veneza Pietro Vesconte (primeiro terço do século XIV). Não podiam por isso ter sido inspirados na viagem da armada chinesa. Quanto ao "intermediário" Niccolo de Conti, não sei qual a razão pela qual o autor diz que ele estava em Calecute em 1421. Bracciolini, no seu relato em segunda mão, nunca fala em datas da viagem e Conti só esteve em Calecute (ainda segundo o relato) durante a viagem de regresso à Europa, mais para o fim da estadia, ou seja, mais perto de 1439, que foi quando voltou. Mas, em tudo isto, o que seria verdadeiramente espantoso seria Conti estar a par de tão grandes novidades geográficas, reveladas pelos chineses, e ter perdido a ocasião de deslumbrar Poggio Bracciolini e o mundo inteiro, mencionando-as no relato. Conti, como se sabe, não se limitou a contar experiências pessoais da sua longa peregrinação - contou, por exemplo, muita coisa sobre o Norte da China, incluindo Pequim, onde aparentemente nunca esteve, mas que achou interessante descrever. Tanto quanto podemos concluir do seu relato, Conti não fazia a mínima ideia da passagem do Índico para o Atlântico e nem sequer se interessou por isso. Se me detive um pouco neste episódio da passagem do cabo da Boa Esperança, é porque ele é decisivo para a tese do livro. Por um lado, o autor consegue com este passe de mágica meter os chineses de roldão no Atlântico, o que não parecia fácil à luz do que conhecíamos da época. Era essencial, porque a partir daqui tudo é possível. Basta escolher. Por outro lado, o método de "prova" utilizado passará a constituir, recorrentemente, a ferramenta preferida para permitir que se alcancem conclusões tão surpreendentes e sensacionais quanto o autor queira. Pega-se num mapa da época, interpreta-se qualquer pormenor como sendo uma precocidade relativamente à data em que foi feito ou então estipula-se arbitrariamente que o cartógrafo não era capaz de o fazer por si próprio e a partir daí conclui-se que se tal coisa lá está, então foram os chineses. Não escapam a esse escrutínio os mapas de Kangnido, Piri Reis, Rotz, Cantino, Caverio, Pizzigano, Waldseemuller. Mas, acrescento eu, se o método é esse, acho que lhe poderia juntar todos os outros que existem com idênticos resultados. Em Piri Reis, o autor confunde o leitor dizendo que a costa do Brasil, que o cartógrafo desenhou no mapa, é a da Patagónia (para ficar mais parecida, julgo eu, em comparação com os mapas actuais). Depois, a propósito de rosas dos ventos, das linhas de rumo (que o autor afirma que eram designadas pelos marinheiros como "linhas-portulanas"(?) ou de "triangulação"(?)), da estrela Canopus (que, segundo ele, estava em cima dos chineses e indicava a latitude no hemisfério sul, como a Polar no norte) com uns bichos chamados "mylodons" pelo meio, chega à conclusão de que tudo isto só pode ter origem nos ensinamentos chineses obtidos durante a famosa viagem. Para o autor, é óbvio. Piri Reis constitui, portanto, mais uma "prova". Aqui surge um pequeno, mas aborrecido contratempo. É que por acaso Piri Reis, marinheiro turco, cartógrafo e autor de um livro de geografia e navegação, é talvez o único cartógrafo da época que identifica as fontes (concretamente os mapas) em que se baseou para realizar a sua obra cartográfica. Diz que foram 20 mapas, de vária origem. Azar dos ingleses, ou neste caso, azar do inglês: nenhum era chinês. E, portanto, das duas uma. Ou Piri Reis revela má índole, tão ingrato que se esqueceu dos mestres a quem tudo devia; ou nada disto faz sentido. Vou mais pelo segundo termo. Quanto a Cantino, se o leitor pensava que era um mapa de origem portuguesa, contendo tudo aquilo que os portugueses sabiam da geografia mundial em 1502, adquirido em Portugal por meios de espionagem para Itália, desengane-se. Trata-se afinal de um mapa inspirado nos mapas chineses criados durante a magnífica viagem. Porquê? Porque as longitudes no Índico estão boas demais para os pobres conhecimentos europeus da época. Logo, só podia ser chinês. Mais uma "prova". É claro que, além de tudo mais, o autor não menciona o facto de no próprio mapa de Cantino figurar o meridiano de Tordesilhas no Atlântico, o que implica uma razoável estimativa das longitudes. E essas longitudes não podiam ter vindo dos chineses porque em 1421 ainda estava por traçar o meridiano de Tordesilhas. É portanto com este tipo de lógica muito peculiar que o autor constrói o seu caso, desde a Rússia à Austrália, desde a Califórnia aos Açores. Se mais mundos houvera, mais páginas teria o livro. Só não explica o autor porque é que não aparece a América no mapa de Fra Mauro. Ou a Austrália no de Cantino. Ou a Antárctida no de Pizzigano. É que se os cartógrafos obtiveram a informação da viagem dos chineses de 1421, então ficaram a saber certamente da existência de tudo. Não se compreende por isso qual a razão por que não representariam a totalidade das novidades em cada um dos mapas de que eram autores. Não assinalo aqui (porque isso daria quase para um outro livro) os erros em matéria de facto com que tropeçamos a cada página. São imensos e alguns são extraordinários. A este propósito talvez possa dar um bom conselho ao leitor: não se deixe intimidar com o tom afirmativo, nem dê de barato frases "en passant", ao estilo de quem diz o óbvio, que toda a gente tem a obrigação de saber. Em muitos casos, está perante verdadeiros disparates, quase ao nível do Menino Tonecas. Por outro lado, não baixe a guarda quando, em questões marginais, o autor utiliza um humilde tom dubitativo, a aparentar uma abordagem de dúvida científica à matéria. A verdade, insisto, é que por mais voltas que se dê o livro não vale nada do ponto de vista científico. Quer isto dizer que recomendo ao leitor que não o leia? Não. Em primeiro lugar por uma questão de princípio. A não-leitura nunca é uma recomendação que se faça. Mas, em segundo lugar, como disse de início, porque pode ser que goste deste tipo de ficção. E que aprecie o livro, não como sendo um livro de História, que verdadeiramente não pode ser, mas como um exercício de imaginação ao estilo de "O Despertar dos Mágicos" ou de outros do mesmo género que fizeram carreira há umas décadas. 1421 - O Ano em que a China Descobriu o Mundo

Autor: Gavin Menzies

Tradutor: Maria Eduarda Colares

Revisão técnica Paulo Jorge de Sousa Pinto

Editor Dom Quixote

448 págs., ... euros

OUTROS TÍTULOS EM MIL FOLHAS Ninguém sabe a verdade de uma pessoa

O corpo e a história da vida

ENTREVISTA

Por um punhado de acções

PLANO GERAL

A realidade segundo António, Cid, Maia e Vasco

Inquérito os meus livros

A. M. Couto Viana e Tomaz de Figueiredo na IN-CM

Lançamentos

FICÇÃO

As intenções não são muitas, mas são boas

Percorrer uma Lisboa invisível

Sexto livro para Tristan Connor e Devon

Academicamente apaixonado por Tolkien

ENSAIOS

Um livro de ficção

DO BOM SENSO E DO BOM GOSTO

No Ruanda, a culpa do sobrevivente

CRÓNICA

Medo, preconceito ou revisionismo?

CATÓLICOS, OS CLANDESTINOS

UM COMBOIO PODE ESCONDER OUTRO

O estranho caso do clítoris subjectivo

MÚSICA CLÁSSICA

Concertos

Discos

As políticas de arquivo

Dicionário

ARTES PLÁSTICAS

Sonhos insones

"Slow Motion" na Madeira

Esculturas do aconchego

Exposições

Um Livro de Ficção

Sábado, 13 de Março de 2004 %Joaquim Ferreira do Amaral A tese do livro é a seguinte: em 1421 (Março) largou da China uma gigantesca frota comandada por Zheng-He, com destino ao mar Índico, levando uma missão com dois objectivos. Em primeiro lugar, devolver aos países de origem as embaixadas que tinham estado presentes na inauguração da nova capital da China, reconstruída pela recente dinastia Ming, no poder desde que os mongóis tinham sido afastados em 1368 (desde 1404 que se estava a proceder à sua transferência de Nankim para Pequim); em segundo lugar, assegurar a influência chinesa em toda a região (naquilo a que o autor chama "incorporação no sistema fiscal chinês"). A armada regressa em Outubro de 1423. Como entende que os registos que subsistem da viagem são incompletos, o autor tenta reconstituir por ele próprio tudo o que julga que está em falta, isto é, tenta deduzir o que andaram a fazer os 30 mil chineses da armada durante esse período. As conclusões a que chega são esmagadoras. Durante mais ou menos um ano e meio, a frota entreteve-se a descobrir nada mais nada menos que o mundo inteiro. Tudo de tudo. Geografia, levantamento costeiro, correntes marítimas, longitudes, antropologia, botânica, zoologia, experimentação científica local, construção monumental e até criação de colónias por todo o lado. Quando o título do livro refere "o ano em que a China descobriu o mundo", a verdade é que não exagera nada quanto ao conteúdo. É mesmo o mundo todo. África Ocidental, América do Sul, de cá e de lá, América do Norte, também dos dois lados, região antárctica, oceano Pacífico, Austrália, regiões árcticas, Gronelândia, oceano Atlântico, além do próprio oceano Índico. Nada mais sensacional, sobretudo para quem estava convencido de que o conhecimento do globo tinha constituído um processo longo percorrido passo a passo pela humanidade. Tão sensacional que o "site" do livro na Internet ( http://www.1421.tv/ ) se gaba do livro estar já disponível em 63 países e ter sido traduzido em 15 línguas diferentes, acrescentando que acabou de ser publicada no Reino Unido a edição em "paperback" (saiu no dia 2 de Março e terá destaque na London Book Fair que amanhã começa em Londres). É aquilo a que vulgarmente se chama um sucesso editorial. Temos agora também a tradução em português. A minha opinião, que expresso desde já, é que do ponto de vista científico o livro vale muito pouco, próximo do zero. De outros pontos de vista, a apreciação pode ser diferente. Isso significa que à partida não tenho legitimidade para recomendar ao leitor que não o compre, porque não sei o que é que ele espera do seu investimento. O que não vai encontrar com certeza é um livro de História ou, mais em geral, um livro de Ciência. Mas se o leitor aprecia livros do género "Eram os Deuses Astronautas?" talvez goste deste também. Volta e meia surgem livros deste tipo. Apesar de cientificamente nulos, não são rejeitados e esquecidos como seria de esperar. Ascendem ao estatuto comercialmente invejável de "obra polémica". Pior ainda, numa sociedade que cada vez mais se quer deliciar com a "fast science", quando a comunidade científica, a justo título, critica obras como esta acaba muitas vezes por se ver retratada como sendo um grupo corporativo, conservador e retrógrado, receoso de perder privilégios (?), resistindo às lufadas de ar fresco com que intrépidos amantes da verdade ousam varrer teias de aranha há muito estabelecidas. O arquétipo Galileu entra em acção, mas só na parte que convém. Mas, sendo esta a tese, como é que o autor chega à conclusão de que os chineses em 1421 percorreram metodicamente toda a vastidão do globo, em apenas um ano e meio, para em seguida o revelarem à humanidade (exceptuando, pelos vistos, a eles próprios, que nos tempos seguintes nunca deram mostras de o conhecer)? Com base em novos documentos indiscutíveis? Através de testemunhos sólidos até agora desconhecidos? Por meio de uma reinterpretação de documentos já revelados? Não. A prova maior consiste no facto de o autor do livro "achar" que sim. Como em várias ocasiões, afirma que está "convicto" de que foi assim. O problema não parece portanto ser de História, mas sim de convicção. E a questão é a de saber se o leitor, ao chegar à última página, estará ele próprio convicto também. A verdade é que o autor, segundo a minha opinião, não logra conseguir demonstrar coisa nenhuma. Mas, apesar disso, há um risco contra o qual todas as prevenções são poucas. É que ao abrigo de uma absurda, mas infelizmente muito frequente, inversão do ónus da prova, o livro pode acabar por deixar a ideia de que os chineses "talvez" tenham descoberto o mundo inteiro em 1421. E isto simplesmente porque ainda não houve ninguém que demonstrasse que "não foram eles". "Está bem, eu não demonstro que sim, mas demonstre lá você que não." Espero que o leitor não se deixe cair nessa ratoeira. A História, como todos sabemos, não se resume a engendrar hipóteses. Não basta congeminar uma arquitectura possível de acontecimentos. Se fosse isso, provavelmente não saberíamos nada do nosso passado. Quando se pretende fazer História tomando meras hipóteses encadeadas em sucessão tal e qual como se fossem factos estabelecidos, a probabilidade final de correspondência com a realidade andará muito próxima do zero. História dessa acaba afinal por não ser História, mas sim pura ficção. Mas vamos aos factos. Em primeiro lugar, convém recordar que os chineses estiveram no Índico por essa época. Esse é um dado histórico já conhecido. Aliás, no que respeita às circunstâncias dessa presença, e em geral no que respeita à China após a queda da dinastia mongol, o livro tem interesse para o leitor de História. O passo seguinte é que é dramático e precipita o autor no mundo sem limites da ficção. Por motivos não identificados, a armada chinesa sai do oceano Índico para o Atlântico, dobrando o cabo da Boa Esperança no sentido contrário ao de Bartolomeu Dias. Depois, palavra puxa palavra, umas vezes vogando ao calhas ao sabor das correntes, outras vezes não, acaba por descobrir o mundo inteiro. Infelizmente, não existe a mais pequena prova documental desta extraordinária odisseia. Na sua falta, o autor tenta suprir uma falha tão irremediável revelando fenómenos em todo o globo que identifica como sendo pistas deixadas pela viagem. Sempre com singular perspicácia e, segundo nos conta, frequentemente iluminado por golpes de sorte e de feliz inspiração, muitas vezes quando já desesperava perante mistérios que quase o levavam a desistir. No final, congrega aquilo que no seu entender constitui um conjunto de dezenas de sintomas óbvios da viagem chinesa ao mundo inteiro em 1421. Desde as galinhas manifestamente chinesas da América do Sul, até às colónias espalhadas pelo mundo que ainda hoje se preservam, passando pela Pedra de Ielala na margem do rio Congo. Esta, julgava-se, tinha sido gravada em português em pedra bruta durante uma viagem de Diogo Cão. Mas agora, segundo o autor, a gravação dos portugueses foi meramente sobreposta a uma mensagem em língua tamil (?) que os chineses anteriormente já lá tinham deixado. Ou seja, Diogo Cão e os seus companheiros internaram-se pelo sertão de África, à procura de uma pedra escrita anteriormente pelos chineses em tamil para, uma vez miraculosamente encontrada a 200 quilómetros da costa, lhe gravarem uma mensagem em português por cima. Se ao leitor isto poderá eventualmente fazer alguma confusão, ao autor não faz nenhuma. Para ele, nada de mais natural e para ele tudo isto atesta, sem margem para dúvidas, a viagem de 1421. Como é que o autor nos tenta convencer da existência do passo inicial decisivo, ou seja, a passagem do cabo da Boa Esperança que escancara o mundo à armada chinesa? Como se nos desvenda esse pequeno passo para o homem, este salto gigante para a humanidade? Muito simplesmente através do mapa de Fra Mauro. O chamado "mapa de Fra Mauro" é um planisfério de grandes dimensões acabado em 1459. O mapa actualmente existente é uma cópia de um outro, esse desaparecido, que foi pago pelo rei português D. Afonso V. Carregado de legendas, o mapa propõe uma África circum-navegável, embora sem qualquer rigor no que respeita ao desenho da sua costa (contrariamente ao que sucede com a representação do Mediterrâneo, já muito bem conhecido e navegado na época e portanto apresentando a costa correctamente recortada). Um dos acidentes que Fra Mauro assinalou na costa de África chama-lhe Cavo de Diab, que ninguém pode ter a certeza do que pretende ser. Pode ser a ilha de Madagáscar, pode ser o cabo de Guardafui, pode ser a ideia de um cabo da Boa Esperança ou pode ser outra coisa qualquer. Pode mesmo ser uma informação de natureza lendária. O nosso autor, contudo, não hesita: é o cabo da Boa Esperança. E como é o cabo da Boa Esperança, numa África circum-navegável, numa época anterior a Bartolomeu Dias, então é óbvio que foram os chineses que ensinaram ao Fra Mauro - quem mais poderia ter sido? E se os chineses ensinaram, fica "demonstrado" que a armada chinesa passou o cabo da Boa Esperança. Apoiado nesta base que considera indiscutível, o autor passa adiante para novas e formidáveis aventuras. Resta dizer que o intermediário entre os chineses e o Fra Mauro também está identificado pelo autor. Foi Niccolo de Conti. Este era um expatriado veneziano que viveu pelos orientes durante 25 anos e que quando regressou contou as suas viagens ao humanista Poggio Bracciolini, o qual verteu o relato em latim. Constitui esse relato o quarto livro da sua obra "De varietate fortunae". Como, segundo o autor, Conti estava em Calecute em 1421, onde também se encontrava a armada chinesa ("feliz coincidência", assinala), foi aí que estabeleceu os preciosos contactos (embora o autor não nos esclareça se o Niccolo de Conti também andou com os chineses durante toda a viagem ou se voltou a contactá-los depois, uma vez que em 1421 não podia aprender nada: os chineses, segundo o autor, ainda estavam com a viagem por fazer). O que o livro não diz é que a ideia de uma África circum-navegável já vinha do fundo dos tempos, pelo menos dos tempos anteriores a Heródoto, que relata histórias de circum-navegação que lhe chegaram ao conhecimento, provavelmente mais lendárias do que reais. É essa, aliás, a opinião do magnífico Estrabão, umas décadas antes da nossa era, o qual, aliás, embora convicto da circum-navegabilidade da África, não aceita como verídicos os relatos dessas viagens. Pompónio Mela, geógrafo latino do primeiro século depois de Cristo, também assumia uma África circum-navegável. Embora Estrabão só tenha aparecido pela Europa traduzido do grego por volta de meados do século XV, Pompónio Mela atravessou toda a Idade Média na Europa, se bem que com uma circulação muito restrita até ao século XIV. Quem dizia que não se podia passar por mar do Índico para o Atlântico (e vice-versa) era Ptolomeu, o alexandrino do século II, que só veio a ser conhecido na Europa no que respeita à obra geográfica poucos anos antes de 1421, embora logo com divulgação explosiva e de enorme aceitação. Seja como for, praticamente todos os mapas medievais de representação do mundo anteriores a Bartolomeu Dias, e que eram de carácter marcadamente apriorístico, figuram uma África invariavelmente rodeada pelo mar, salvo aqueles que a partir dos começos do século XV acompanham a "Geografia" de Ptolomeu. Não se trata portanto de uma novidade de Fra Mauro. Alguns são bem anteriores a 1421, como o do árabe al-Idrisi (segunda metade do século XII) ou o do genovês que trabalhou em Veneza Pietro Vesconte (primeiro terço do século XIV). Não podiam por isso ter sido inspirados na viagem da armada chinesa. Quanto ao "intermediário" Niccolo de Conti, não sei qual a razão pela qual o autor diz que ele estava em Calecute em 1421. Bracciolini, no seu relato em segunda mão, nunca fala em datas da viagem e Conti só esteve em Calecute (ainda segundo o relato) durante a viagem de regresso à Europa, mais para o fim da estadia, ou seja, mais perto de 1439, que foi quando voltou. Mas, em tudo isto, o que seria verdadeiramente espantoso seria Conti estar a par de tão grandes novidades geográficas, reveladas pelos chineses, e ter perdido a ocasião de deslumbrar Poggio Bracciolini e o mundo inteiro, mencionando-as no relato. Conti, como se sabe, não se limitou a contar experiências pessoais da sua longa peregrinação - contou, por exemplo, muita coisa sobre o Norte da China, incluindo Pequim, onde aparentemente nunca esteve, mas que achou interessante descrever. Tanto quanto podemos concluir do seu relato, Conti não fazia a mínima ideia da passagem do Índico para o Atlântico e nem sequer se interessou por isso. Se me detive um pouco neste episódio da passagem do cabo da Boa Esperança, é porque ele é decisivo para a tese do livro. Por um lado, o autor consegue com este passe de mágica meter os chineses de roldão no Atlântico, o que não parecia fácil à luz do que conhecíamos da época. Era essencial, porque a partir daqui tudo é possível. Basta escolher. Por outro lado, o método de "prova" utilizado passará a constituir, recorrentemente, a ferramenta preferida para permitir que se alcancem conclusões tão surpreendentes e sensacionais quanto o autor queira. Pega-se num mapa da época, interpreta-se qualquer pormenor como sendo uma precocidade relativamente à data em que foi feito ou então estipula-se arbitrariamente que o cartógrafo não era capaz de o fazer por si próprio e a partir daí conclui-se que se tal coisa lá está, então foram os chineses. Não escapam a esse escrutínio os mapas de Kangnido, Piri Reis, Rotz, Cantino, Caverio, Pizzigano, Waldseemuller. Mas, acrescento eu, se o método é esse, acho que lhe poderia juntar todos os outros que existem com idênticos resultados. Em Piri Reis, o autor confunde o leitor dizendo que a costa do Brasil, que o cartógrafo desenhou no mapa, é a da Patagónia (para ficar mais parecida, julgo eu, em comparação com os mapas actuais). Depois, a propósito de rosas dos ventos, das linhas de rumo (que o autor afirma que eram designadas pelos marinheiros como "linhas-portulanas"(?) ou de "triangulação"(?)), da estrela Canopus (que, segundo ele, estava em cima dos chineses e indicava a latitude no hemisfério sul, como a Polar no norte) com uns bichos chamados "mylodons" pelo meio, chega à conclusão de que tudo isto só pode ter origem nos ensinamentos chineses obtidos durante a famosa viagem. Para o autor, é óbvio. Piri Reis constitui, portanto, mais uma "prova". Aqui surge um pequeno, mas aborrecido contratempo. É que por acaso Piri Reis, marinheiro turco, cartógrafo e autor de um livro de geografia e navegação, é talvez o único cartógrafo da época que identifica as fontes (concretamente os mapas) em que se baseou para realizar a sua obra cartográfica. Diz que foram 20 mapas, de vária origem. Azar dos ingleses, ou neste caso, azar do inglês: nenhum era chinês. E, portanto, das duas uma. Ou Piri Reis revela má índole, tão ingrato que se esqueceu dos mestres a quem tudo devia; ou nada disto faz sentido. Vou mais pelo segundo termo. Quanto a Cantino, se o leitor pensava que era um mapa de origem portuguesa, contendo tudo aquilo que os portugueses sabiam da geografia mundial em 1502, adquirido em Portugal por meios de espionagem para Itália, desengane-se. Trata-se afinal de um mapa inspirado nos mapas chineses criados durante a magnífica viagem. Porquê? Porque as longitudes no Índico estão boas demais para os pobres conhecimentos europeus da época. Logo, só podia ser chinês. Mais uma "prova". É claro que, além de tudo mais, o autor não menciona o facto de no próprio mapa de Cantino figurar o meridiano de Tordesilhas no Atlântico, o que implica uma razoável estimativa das longitudes. E essas longitudes não podiam ter vindo dos chineses porque em 1421 ainda estava por traçar o meridiano de Tordesilhas. É portanto com este tipo de lógica muito peculiar que o autor constrói o seu caso, desde a Rússia à Austrália, desde a Califórnia aos Açores. Se mais mundos houvera, mais páginas teria o livro. Só não explica o autor porque é que não aparece a América no mapa de Fra Mauro. Ou a Austrália no de Cantino. Ou a Antárctida no de Pizzigano. É que se os cartógrafos obtiveram a informação da viagem dos chineses de 1421, então ficaram a saber certamente da existência de tudo. Não se compreende por isso qual a razão por que não representariam a totalidade das novidades em cada um dos mapas de que eram autores. Não assinalo aqui (porque isso daria quase para um outro livro) os erros em matéria de facto com que tropeçamos a cada página. São imensos e alguns são extraordinários. A este propósito talvez possa dar um bom conselho ao leitor: não se deixe intimidar com o tom afirmativo, nem dê de barato frases "en passant", ao estilo de quem diz o óbvio, que toda a gente tem a obrigação de saber. Em muitos casos, está perante verdadeiros disparates, quase ao nível do Menino Tonecas. Por outro lado, não baixe a guarda quando, em questões marginais, o autor utiliza um humilde tom dubitativo, a aparentar uma abordagem de dúvida científica à matéria. A verdade, insisto, é que por mais voltas que se dê o livro não vale nada do ponto de vista científico. Quer isto dizer que recomendo ao leitor que não o leia? Não. Em primeiro lugar por uma questão de princípio. A não-leitura nunca é uma recomendação que se faça. Mas, em segundo lugar, como disse de início, porque pode ser que goste deste tipo de ficção. E que aprecie o livro, não como sendo um livro de História, que verdadeiramente não pode ser, mas como um exercício de imaginação ao estilo de "O Despertar dos Mágicos" ou de outros do mesmo género que fizeram carreira há umas décadas. 1421 - O Ano em que a China Descobriu o Mundo

Autor: Gavin Menzies

Tradutor: Maria Eduarda Colares

Revisão técnica Paulo Jorge de Sousa Pinto

Editor Dom Quixote

448 págs., ... euros

OUTROS TÍTULOS EM MIL FOLHAS Ninguém sabe a verdade de uma pessoa

O corpo e a história da vida

ENTREVISTA

Por um punhado de acções

PLANO GERAL

A realidade segundo António, Cid, Maia e Vasco

Inquérito os meus livros

A. M. Couto Viana e Tomaz de Figueiredo na IN-CM

Lançamentos

FICÇÃO

As intenções não são muitas, mas são boas

Percorrer uma Lisboa invisível

Sexto livro para Tristan Connor e Devon

Academicamente apaixonado por Tolkien

ENSAIOS

Um livro de ficção

DO BOM SENSO E DO BOM GOSTO

No Ruanda, a culpa do sobrevivente

CRÓNICA

Medo, preconceito ou revisionismo?

CATÓLICOS, OS CLANDESTINOS

UM COMBOIO PODE ESCONDER OUTRO

O estranho caso do clítoris subjectivo

MÚSICA CLÁSSICA

Concertos

Discos

As políticas de arquivo

Dicionário

ARTES PLÁSTICAS

Sonhos insones

"Slow Motion" na Madeira

Esculturas do aconchego

Exposições

marcar artigo