O (des)multiplicador automóvel

23-06-2004
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O sector para além do que se vê

O (Des)multiplicador Automóvel

Segunda-feira, 24 de Maio de 2004

Análise às contas nacionais entre 1989 e 1999 revela que os construtores automóveis portugueses aumentaram as transacções com o resto da economia. O problema é que isso não induziu a criação de mais riqueza, já que o valor acrescentado dos fornecedores por cada veículo produzido até diminuiu ligeiramente

Teresa Costa e Alexandre Videira*

O sector automóvel caracteriza-se por ser um mega integrador que dada a complexidade do produto, veículo automóvel, e da rede de actores que directa e indirectamente se movimentam ao longo da sua cadeia de abastecimento, potencia efeitos em cascata. Neste sentido, a análise do sector da montagem de veículos automóveis em Portugal, ao nível das suas repercussões directas e indirectas na economia, constitui uma questão relevante.

A desvantagem competitiva gerada por um tecido industrial baseado em produtos de baixa complexidade faz com que as linhas de montagem existentes no nosso país, ainda estejam longe de estar presas à oferta nacional. Contudo, a sua existência potencia não só efeitos de escala na capacidade instalada dos seus fornecedores, mas também encoraja a dinamização de actividades de elevado valor acrescentado, como a concepção, desenvolvimento de novos produtos e processos tecnológicos.

O sector automóvel tem sido um dos mais dinâmicos da economia nacional nos últimos anos. De facto, a produção do sector dos veículos automóveis [código de actividade económica (CAE) 341] revelou uma tendência de crescimento, contrastante com a maioria dos sectores da indústria transformadora. Em 11 anos (1988 a 1999), o peso da sua produção, face à produção nacional da economia, passou de cerca de 1,1 por cento para 1,9 por cento, correspondendo a 3 600 (1) milhões de euros em 1999.

As mudanças verificadas tiveram o seu grande incremento depois da entrada em funcionamento da unidade da Autoeuropa, em Palmela. Esta unidade assumiu um papel preponderante no acréscimo do volume da produção do sector automóvel português, o que se reflectiu no aumento de, aproximadamente, 175 por cento, entre 1994 e 1996.

Mas será que este aumento de produção induziu efeitos estruturantes na economia?

Impacto na produção...

Da análise económica multisectorial efectuada para o período 1988 a 1999 (2), verificou-se que o volume total de transacções do sector e da sua cadeia de abastecimento nacional cresceu para o triplo, atingindo cerca de 5500 milhões de euros em 1999 (2). Este efeito de escala, em 11 anos, foi motivado, sobretudo, pelo aumento da produção do sector a partir de 1995, que, consequentemente, incutiu um acréscimo de pressão na cadeia de abastecimento nacional, no sentido de aumentar as suas vendas às montadoras.

Os efeitos induzidos em toda a cadeia de abastecimento nacional reflectiram-se, essencialmente, em aumentos de quantidade fornecidas às montadoras, proporcionais ao acréscimo da produção de veículos. Efectivamente, a evolução de incorporação de produtos nacionais dos fornecedores de primeira linha não sofreu grandes oscilações, rondando os 30 por cento, e o resto da rede de fornecedores, também não usufruiu de alterações significativas. Este facto reflecte-se no multiplicador dos efeitos totais gerados pela produção nacional de veículos, que obteve apenas um ligeiro aumento de 1,45 para 1,54, entre 1988 e 1999. Tal significa que, por cada euro de veículos comprados em 1999, as linhas de montagem produziram euro e induziram mais 0,54 euros na produção no resto da economia.

Esta situação revela que os fornecedores do sector automóvel não aproveitaram os efeitos de escala para aumentar a gama de produtos a incorporar pelas linhas de montagem. O país permanece, ainda, fortemente dependente das importações do resto do mundo, as quais não encontram produtos rivais na produção nacional. A oferta nacional destinada às linhas de montagem instaladas em Portugal ainda está aquém de produzir os efeitos que potencialmente decorrem da presença das multinacionais do sector. No período analisado, a grande alteração foi ao nível da capacidade de resposta em fornecer "mais do mesmo". Neste contexto, a estrutura intersectorial nacional apresenta um ponto fraco que, ao mesmo tempo, revela ser uma oportunidade no incentivo à melhoria da performance da cadeia de abastecimento local. Para tal é necessário uma aposta no sentido da dinamização, crescimento e modernização da rede que directa ou indirectamente abastece as linhas de montagem.

Após a análise dos efeitos na produção, façamos uma análise dos impactos gerados pelas vendas nacionais do sector automóvel no valor acrescentado bruto (VAB) da economia, ou seja, na riqueza criada.

... E no valor acrescentado

As vendas das linhas de montagem, em 1999, produziram um impacto total de 1600 milhões de euros no rendimento da economia. Este valor foi, aproximadamente, quatro vezes superior ao rendimento gerado em 1988, o que, face ao total do valor acrescentado do país, fez com que o peso da actividade induzida pelo sector automóvel passasse de cerca de 0,6 por cento para dois por cento.

Com base neste aumento, qual foi a evolução do VAB gerado pelo próprio sector e pela sua cadeia de abastecimento nacional?

O impacto total das montadoras tem duas componentes: uma relativa ao impacto directo, ou seja o VAB do sector das linhas de montagem; outra correspondente ao VAB da cadeia de abastecimento local, que se designa de impacto indirecto do sector automóvel no rendimento da economia.

A evolução do impacto directo e indirecto assumiu comportamentos distintos. Por um lado, os veículos automóveis produzidos em Portugal passaram a ser produtos com maior incorporação de VAB, ou seja, o impacto directo do sector automóvel no rendimento da economia cresceu significativamente, sobretudo entre 1995 e 1996 (Figura 2). Por outro lado, a parcela correspondente ao impacto indirecto induzido pelas linhas de montagem no rendimento da economia manteve-se, aproximadamente, constante, o que evidencia que mesmo produzindo veículos com maior VAB, a cadeia de abastecimento local manteve o grau de complexidade dos seus fornecimentos. Em 1999, a parcela do impacto directo significou cerca de 950 milhões de euros de rendimento na economia, enquanto que a fatia de impacto indirecto correspondeu a, aproximadamente, 650 milhões de euros.

No período em análise, os efeitos induzidos pelo sector automóvel aumentaram a sua repercussão na economia nacional. Na produção da economia os efeitos gerados pelas vendas dos veículos automóveis revelam um acréscimo significativo no volume de transacções efectuado em toda a economia. Ao nível do rendimento nacional, a distribuição dos impactos dos veículos automóveis produzidos internamente traduz, por um lado, a mudança de paradigma do sector de montagem de automóveis pelo aumento do grau de incorporação de VAB na sua produção. Por outro lado, reflecte que o resto da economia não fez evoluir qualitativamente os seus fornecimentos às montadoras, mantendo o grau de complexidade dos seus produtos.

(1) Valores a preços de 1995

(2) Com base nas Matrizes de "Input/Output" anuais (1988-1999) produzidas pelo INE, aplicou-se o Modelo de Leontief combinado com a metodologia de Ferreira do Amaral (1991)

*INTELI - Inteligência em Inovação

O sector para além do que se vê

O (Des)multiplicador Automóvel

Segunda-feira, 24 de Maio de 2004

Análise às contas nacionais entre 1989 e 1999 revela que os construtores automóveis portugueses aumentaram as transacções com o resto da economia. O problema é que isso não induziu a criação de mais riqueza, já que o valor acrescentado dos fornecedores por cada veículo produzido até diminuiu ligeiramente

Teresa Costa e Alexandre Videira*

O sector automóvel caracteriza-se por ser um mega integrador que dada a complexidade do produto, veículo automóvel, e da rede de actores que directa e indirectamente se movimentam ao longo da sua cadeia de abastecimento, potencia efeitos em cascata. Neste sentido, a análise do sector da montagem de veículos automóveis em Portugal, ao nível das suas repercussões directas e indirectas na economia, constitui uma questão relevante.

A desvantagem competitiva gerada por um tecido industrial baseado em produtos de baixa complexidade faz com que as linhas de montagem existentes no nosso país, ainda estejam longe de estar presas à oferta nacional. Contudo, a sua existência potencia não só efeitos de escala na capacidade instalada dos seus fornecedores, mas também encoraja a dinamização de actividades de elevado valor acrescentado, como a concepção, desenvolvimento de novos produtos e processos tecnológicos.

O sector automóvel tem sido um dos mais dinâmicos da economia nacional nos últimos anos. De facto, a produção do sector dos veículos automóveis [código de actividade económica (CAE) 341] revelou uma tendência de crescimento, contrastante com a maioria dos sectores da indústria transformadora. Em 11 anos (1988 a 1999), o peso da sua produção, face à produção nacional da economia, passou de cerca de 1,1 por cento para 1,9 por cento, correspondendo a 3 600 (1) milhões de euros em 1999.

As mudanças verificadas tiveram o seu grande incremento depois da entrada em funcionamento da unidade da Autoeuropa, em Palmela. Esta unidade assumiu um papel preponderante no acréscimo do volume da produção do sector automóvel português, o que se reflectiu no aumento de, aproximadamente, 175 por cento, entre 1994 e 1996.

Mas será que este aumento de produção induziu efeitos estruturantes na economia?

Impacto na produção...

Da análise económica multisectorial efectuada para o período 1988 a 1999 (2), verificou-se que o volume total de transacções do sector e da sua cadeia de abastecimento nacional cresceu para o triplo, atingindo cerca de 5500 milhões de euros em 1999 (2). Este efeito de escala, em 11 anos, foi motivado, sobretudo, pelo aumento da produção do sector a partir de 1995, que, consequentemente, incutiu um acréscimo de pressão na cadeia de abastecimento nacional, no sentido de aumentar as suas vendas às montadoras.

Os efeitos induzidos em toda a cadeia de abastecimento nacional reflectiram-se, essencialmente, em aumentos de quantidade fornecidas às montadoras, proporcionais ao acréscimo da produção de veículos. Efectivamente, a evolução de incorporação de produtos nacionais dos fornecedores de primeira linha não sofreu grandes oscilações, rondando os 30 por cento, e o resto da rede de fornecedores, também não usufruiu de alterações significativas. Este facto reflecte-se no multiplicador dos efeitos totais gerados pela produção nacional de veículos, que obteve apenas um ligeiro aumento de 1,45 para 1,54, entre 1988 e 1999. Tal significa que, por cada euro de veículos comprados em 1999, as linhas de montagem produziram euro e induziram mais 0,54 euros na produção no resto da economia.

Esta situação revela que os fornecedores do sector automóvel não aproveitaram os efeitos de escala para aumentar a gama de produtos a incorporar pelas linhas de montagem. O país permanece, ainda, fortemente dependente das importações do resto do mundo, as quais não encontram produtos rivais na produção nacional. A oferta nacional destinada às linhas de montagem instaladas em Portugal ainda está aquém de produzir os efeitos que potencialmente decorrem da presença das multinacionais do sector. No período analisado, a grande alteração foi ao nível da capacidade de resposta em fornecer "mais do mesmo". Neste contexto, a estrutura intersectorial nacional apresenta um ponto fraco que, ao mesmo tempo, revela ser uma oportunidade no incentivo à melhoria da performance da cadeia de abastecimento local. Para tal é necessário uma aposta no sentido da dinamização, crescimento e modernização da rede que directa ou indirectamente abastece as linhas de montagem.

Após a análise dos efeitos na produção, façamos uma análise dos impactos gerados pelas vendas nacionais do sector automóvel no valor acrescentado bruto (VAB) da economia, ou seja, na riqueza criada.

... E no valor acrescentado

As vendas das linhas de montagem, em 1999, produziram um impacto total de 1600 milhões de euros no rendimento da economia. Este valor foi, aproximadamente, quatro vezes superior ao rendimento gerado em 1988, o que, face ao total do valor acrescentado do país, fez com que o peso da actividade induzida pelo sector automóvel passasse de cerca de 0,6 por cento para dois por cento.

Com base neste aumento, qual foi a evolução do VAB gerado pelo próprio sector e pela sua cadeia de abastecimento nacional?

O impacto total das montadoras tem duas componentes: uma relativa ao impacto directo, ou seja o VAB do sector das linhas de montagem; outra correspondente ao VAB da cadeia de abastecimento local, que se designa de impacto indirecto do sector automóvel no rendimento da economia.

A evolução do impacto directo e indirecto assumiu comportamentos distintos. Por um lado, os veículos automóveis produzidos em Portugal passaram a ser produtos com maior incorporação de VAB, ou seja, o impacto directo do sector automóvel no rendimento da economia cresceu significativamente, sobretudo entre 1995 e 1996 (Figura 2). Por outro lado, a parcela correspondente ao impacto indirecto induzido pelas linhas de montagem no rendimento da economia manteve-se, aproximadamente, constante, o que evidencia que mesmo produzindo veículos com maior VAB, a cadeia de abastecimento local manteve o grau de complexidade dos seus fornecimentos. Em 1999, a parcela do impacto directo significou cerca de 950 milhões de euros de rendimento na economia, enquanto que a fatia de impacto indirecto correspondeu a, aproximadamente, 650 milhões de euros.

No período em análise, os efeitos induzidos pelo sector automóvel aumentaram a sua repercussão na economia nacional. Na produção da economia os efeitos gerados pelas vendas dos veículos automóveis revelam um acréscimo significativo no volume de transacções efectuado em toda a economia. Ao nível do rendimento nacional, a distribuição dos impactos dos veículos automóveis produzidos internamente traduz, por um lado, a mudança de paradigma do sector de montagem de automóveis pelo aumento do grau de incorporação de VAB na sua produção. Por outro lado, reflecte que o resto da economia não fez evoluir qualitativamente os seus fornecimentos às montadoras, mantendo o grau de complexidade dos seus produtos.

(1) Valores a preços de 1995

(2) Com base nas Matrizes de "Input/Output" anuais (1988-1999) produzidas pelo INE, aplicou-se o Modelo de Leontief combinado com a metodologia de Ferreira do Amaral (1991)

*INTELI - Inteligência em Inovação

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