A culpa da actual crise económica está na política de convergência

08-04-2003
marcar artigo

Padrão euro e ou um Fundo Monetário Europeu teriam sido melhor que moeda única

A Culpa da Actual Crise Económica Está na Política de Convergência

Segunda-feira, 07 de Abril de 2003

João Ferreira do Amaral acusa a política macroeconómica de ter dado, nos últimos anos, sinais errados às empresas portuguesas, o que se traduziu num modelo de crescimento pouco saudável com um desequilíbrio crescente das contas externas. Com a adesão ao euro, faltam a Portugal instrumentos para combater este tipo de desequilíbrios a curto prazo.

Artur Neves

Conhecido crítico da forma como se tem desenrolado, nos últimos anos, o processo de integração europeia, João Ferreira do Amaral publicou no final de 2002 "Contra o Centralismo Europeu - Um Manifesto Autonomista", no qual critica vivamente as concepções centralistas que estariam subjacentes ao actual processo de construção europeia. Definindo como elemento essencial do centralismo a imposição de políticas únicas para territórios diferenciados, o autor coloca em questão a sua eficiência económica e a sua justificação política, elegendo o euro como um dos símbolos maiores das três concepções centralistas que actualmente estariam a ser contempladas: a Europa como super-Estado, como Estado federal e como federação de Estados-Nação.

João Ferreira do Amaral: Todos eles demonstram que não há, de facto, um interesse europeu. Em relação às questões mundiais, há interesses dos Estados europeus. Muito naturalmente, uns Estados europeus alinharam por uma via, outros alinharam por outra, outros mantiveram-se praticamente neutrais ou, pelo menos, não disseram nada de muito definitivo. Não é drama nenhum, só é drama quando se pensa num mundo que não existe, no qual existiria um interesse europeu único.

Os alinhamentos que se perfilaram surpreenderam-no?

Não, julgo que são aqueles que se poderiam esperar em termos do que é normal nas relações estratégicas dos Estados europeus. Há aqueles que têm mais ligações com o Atlântico e há aqueles que têm tradicionalmente mais uma vocação centralista em termos geográficos e, quer uns quer outros, exprimiram isso.

Há quem diga que perante a chantagem política, económica, e mesmo militar, que os EUA terão feito junto dos seus aliados europeus e não europeus há mais argumentos para a defesa de uma chamada superpotência europeia que possa servir como um contrapoder. Como rebate esta ideia?

Não fico feliz com a ideia de um mundo unipolar, porque já se sabe que, sem haver uma rivalidade séria a nível global, a tendência será para a actual superpotência exercer o seu poder de um modo não apropriado. Agora, o que eu julgo é que pensar numa superpotência europeia é um sonho perigoso. Nunca poderá suceder, porque a Europa não tem a unidade que seria necessária para garantir um estatuto de superpotência e não existe entre os Estados europeus um consenso face às relações a ter com os EUA.

Mas não há a necessidade de alguns países europeus investirem mais na área da defesa?

A defesa europeia é um dos aspectos em que é necessária uma cooperação muito estreita entre os Estados europeus e isso levará necessariamente a uma maior autonomia face aos EUA na defesa do continente. Senão corremos o risco de, um dia, os EUA se desinteressarem da defesa europeia e ficarmos desprotegidos. Simplesmente, não me parece que isso possa acontecer em conflito com os EUA, tem que ser feito no quadro da NATO.

Sendo o consórcio Airbus um exemplo de sucesso de cooperação europeia na área da aviação civil, não teríamos aqui um exemplo de como alguns países europeus poderiam em conjunto reduzir no espaço de alguns anos o seu menor poderio militar face aos EUA?

As coisas não devem ser forçadas. Se surgir naturalmente uma tendência para os países europeus terem em comum certo tipo de posições e se proporcionarem ganhos económicos nesse tipo de iniciativas, acho tudo muito bem. Agora já não me parece tão correcto fazer "a martelo" uma indústria de defesa e sacrificar muita coisa por causa disso.

Teme o sacrifício do chamado modelo social europeu?

Há situações muito diversas na União Europeia, e com a entrada dos novos países ainda mais diferenças haverá. Já há muitas diferenças entre o modelo do Reino Unido e o modelo da Alemanha, para já não falar nas diferenças entre o modelo de Portugal e o modelo da Dinamarca, portanto, pensar que a Europa se vai criar com base na defesa de um modelo social europeu, parece-me descabido. Há países que o têm e o devem manter, mas acho que não devemos esperar que a prossecução desse modelo, que não existe em todos os países, possa servir de pivô da integração europeia.

A partir de que momento é que o processo de construção europeia passa a merecer a sua crítica?

A partir da altura em que se começou a adoptar o modelo do super-Estado europeu, fundamentalmente a partir do final dos anos 80, com a criação da moeda única, o Tratado de Maastricht e o que veio a seguir.

Mas as ideias originais dos que primeiro começaram a pensar a Europa, como Schumman ou Monet, não apontavam já para os Estados Unidos da Europa?

Num certo sentido, sim, mas simplesmente não tiveram tradução prática. Visões há muitas, visionários há muitos, o problema é saber se as questões práticas são guiadas de acordo com essas visões ou não. E a verdade é que o grande salto na criação do que eu considero ser o super-Estado europeu coincide com a decisão de avançar com uma moeda única e com o Tratado de Maastricht.

O balanço que faz da globalização, particularmente na última década, é bastante negativo. Um dos argumentos favoráveis a uma Europa federal é precisamente que já não é possível regular esta globalização a partir do Estado-nação. Acha que essa regulação pode ser bem conseguida sem uma Europa federal?

Eu acho que o Estado-nação deve ser a unidade básica da actuação política. Quanto à regulação mundial, pode ser feita através da colaboração dos Estados-nação. Dou-lhe um exemplo. O sistema monetário internacional esteve regulado desde 1944 até ao início da década de 70 pelo chamado sistema de Bretton Woods, sem necessidade de um super-Estado.

Mas o mundo mudou muito desde então. Quando pensa em colaboração entre Estados, em que é que está a pensar?

Por exemplo, cooperação monetária entre os bancos centrais com regras que permitam estabilizar as moedas entre si e evitar os efeitos da especulação.

Com todas as desvantagens em termos económicos que aponta ao funcionamento de uma Europa federal, esta não terá sido a única forma de resolver o "problema alemão"?

Não creio que fosse a única forma. Não é necessário um super-Estado europeu para evitar guerras entre Estados europeus. Pode-se perfeitamente arquitectar um sistema de segurança e de regras de convivência entre Estados que impeça conflitos desse tipo sem que a decisão política tenha que ser tomada ao nível dum órgão que se coloque acima desses Estados. Paz e super-Estado europeu versus guerra e Estados-nação é uma forma simplista de ver estas coisas.

E o euro, não foi o preço a pagar pela reunificação alemã?

Acho que isso é uma racionalização "a posteriori". Sabemos que a reunificação trouxe um problema económico complicado para a Europa. As grandes despesas do Estado alemão para o apoio ao Leste levaram a que a política monetária alemã fosse bastante rigorosa para evitar a inflação e, a reboque, outros Estados europeus adoptaram também políticas monetárias mais restritivas. Também houve quem dissesse "bom, agora com a Alemanha reunificada, ela vai concentrar-se nos seus próprios interesses e, portanto, o euro será a melhor forma de a 'amarrar' aos interesses europeus. São racionalizações que se podem fazer mas, do meu ponto de vista, o euro foi um projecto eminentemente político destinado a pressionar a integração política. Isso, aliás, foi dito.

No seu livro critica muito o euro pelo menor crescimento registado pela UE na década de 90 face à década anterior mas não faz nenhuma menção ao impacto económico da reunificação. Ele é desprezível?

O impacto não foi muito grande, mas é difícil distinguir as diversas componentes da situação na altura. Temos, pelo menos, três factores: a reunificação alemã, o início da política de convergência para a moeda única, e a realização do mercado interno. A política de convergência seguida a partir de 1991 foi o factor mais importante, porque se traduziu em políticas monetárias e orçamentais mais restritivas que foram adoptadas simultaneamente por vários Estados e se traduziram numa limitação do crescimento no espaço europeu.

Como é que países como a Irlanda, Finlândia, Portugal e Espanha entraram no "comboio do euro", depois de terem registado, na década de 90, taxas de crescimento superiores a países como o Reino Unido, Suécia e Dinamarca, que "ficaram na estação"?

Isso não é uma tendência geral. A Irlanda é um caso especial: está no euro e cresceu muito bem. Já Portugal teve um desempenho relativamente mau. O nosso crescimento económico pode ter sido ligeiramente superior à média comunitária, foi certamente superior ao dos três países que referiu, simplesmente deveria ter sido muito maior porque nós partimos de um nível muito mais baixo. O que seria natural era termos tido um crescimento bastante superior ao desses países, como acontecera em décadas anteriores. Portanto, não se pode concluir daí que o euro foi uma grande ajuda para o crescimento económico.

Pelo menos não terá sido um grande travão à possibilidade de crescimento nas periferias...

A Irlanda deu um salto mais por medidas de política interna, na aposta que fez no investimento estrangeiro, do que propriamente por causa da adesão ao euro, mas não me custa a crer que a adesão ao euro tenha ajudado. Agora em Portugal, não tenho qualquer dúvida que a situação é hoje bastante grave em termos de crescimento, porque não só este tem sido muito fraco em relação ao que seria expectável, ainda que ligeiramente acima da média comunitária, mas fundamentalmente porque o crescimento está a ser pouco saudável, assentando nos chamados bens não transaccionáveis, o que nos coloca hoje sob uma pressão tremenda em termos de equilíbrio das contas externas. Ora, este desequilíbrio entre as dinâmicas dos sectores de bens transaccionáveis e de bens não transaccionáveis deve-se inteiramente à política de convergência, que tornou muito mais rentável para as empresas produzir para o mercado interno em detrimento da exportação.

Mas a política cambial, que deixámos de ter, não funcionava através da desvalorização do escudo como uma espécie de bengala para sectores a necessitarem de profundas mudanças?

Eu fui sempre um adversário da sustentação da competitividade através da desvalorização cambial, pelos efeitos de habituação que provoca. Mas o que se passou a partir do início dos anos 90 é que começámos a perder competitividade externa devido a um escudo sobrevalorizado, e isso também não é positivo para a economia. Porquê? Em primeiro lugar, porque há empresas que não resistem, e depois porque se torna mais rentável para as empresas desviarem-se para a produção interna. Tirando alguns casos especiais, uma boa parte das empresas que podiam ter investido na exportação preferem investir em sectores virados para o mercado interno, porque têm um crescimento maior e são mais rentáveis. Basta olhar para a evolução dos preços dos bens não transaccionáveis, na última década, e verificar que estes cresceram cerca de 50 por cento mais do que os preços dos não transaccionáveis. A macroeconomia é muito importante para dar sinais às empresas e o sinal que nós demos nesse período foi o de que é preferível produzir para o mercado externo do que exportar.

Que importância é que atribui às políticas microeconómicas e a outras políticas não económicas com fortes repercussões na esfera económica?

Uma grande importância, aliás hoje em dia já ninguém pode falar de competitividade sem olhar para esse tipo de coisas. Agora há uma questão de "timings". A educação é muito importante, as infra-estruturas são muito importantes, mas esse tipo de coisas demoram o seu tempo a dar resultados. E nós temos neste momento um problema muito mais imediato que é o de um défice externo não sustentável. E para isso é que não temos instrumentos.

A política macroeconómica é muito útil não só para dar sinais correctos às empresas, mas também para resolver situações desequilibradas no imediato, em que há pouca margem de tempo para correcções.

A maior parte dos economistas americanos manifestaram claramente a sua oposição à criação da moeda única. Como é que se sente na sua companhia?

Nem mal nem bem. Alguns dos meus argumentos serão semelhantes. A crítica básica à moeda única é que não é eficiente quando se aplica a um espaço muito heterogéneo como é o europeu, que não é aquilo que na teoria económica se chama uma "região monetária óptima".

Mas ainda há bocado afirmou que a moeda única era um projecto político. O que é que faria então sentido do ponto de vista económico? O sistema monetário europeu?

Justamente, o euro é um projecto político ao serviço do sonho da criação de um super-Estado europeu. O que é que seria racional do ponto de vista económico? É evidente que o sistema monetário europeu, tal como existia, não era a solução e isso logo se viu ao não aguentar em 1992 o movimento de liberalização de capitais. Teria sido possível substituí-lo por um sistema de regras que permitisse uma maior estabilidade cambial entre as moedas europeias sem retirar alguma autoridade às políticas monetárias. A criação de uma espécie de padrão-euro e a instituição de um Fundo Monetário Europeu teria sido perfeitamente possível, mas nunca se encarou essa possibilidade porque a ideia da moeda única era o trampolim para o super-Estado europeu.

Padrão euro e ou um Fundo Monetário Europeu teriam sido melhor que moeda única

A Culpa da Actual Crise Económica Está na Política de Convergência

Segunda-feira, 07 de Abril de 2003

João Ferreira do Amaral acusa a política macroeconómica de ter dado, nos últimos anos, sinais errados às empresas portuguesas, o que se traduziu num modelo de crescimento pouco saudável com um desequilíbrio crescente das contas externas. Com a adesão ao euro, faltam a Portugal instrumentos para combater este tipo de desequilíbrios a curto prazo.

Artur Neves

Conhecido crítico da forma como se tem desenrolado, nos últimos anos, o processo de integração europeia, João Ferreira do Amaral publicou no final de 2002 "Contra o Centralismo Europeu - Um Manifesto Autonomista", no qual critica vivamente as concepções centralistas que estariam subjacentes ao actual processo de construção europeia. Definindo como elemento essencial do centralismo a imposição de políticas únicas para territórios diferenciados, o autor coloca em questão a sua eficiência económica e a sua justificação política, elegendo o euro como um dos símbolos maiores das três concepções centralistas que actualmente estariam a ser contempladas: a Europa como super-Estado, como Estado federal e como federação de Estados-Nação.

João Ferreira do Amaral: Todos eles demonstram que não há, de facto, um interesse europeu. Em relação às questões mundiais, há interesses dos Estados europeus. Muito naturalmente, uns Estados europeus alinharam por uma via, outros alinharam por outra, outros mantiveram-se praticamente neutrais ou, pelo menos, não disseram nada de muito definitivo. Não é drama nenhum, só é drama quando se pensa num mundo que não existe, no qual existiria um interesse europeu único.

Os alinhamentos que se perfilaram surpreenderam-no?

Não, julgo que são aqueles que se poderiam esperar em termos do que é normal nas relações estratégicas dos Estados europeus. Há aqueles que têm mais ligações com o Atlântico e há aqueles que têm tradicionalmente mais uma vocação centralista em termos geográficos e, quer uns quer outros, exprimiram isso.

Há quem diga que perante a chantagem política, económica, e mesmo militar, que os EUA terão feito junto dos seus aliados europeus e não europeus há mais argumentos para a defesa de uma chamada superpotência europeia que possa servir como um contrapoder. Como rebate esta ideia?

Não fico feliz com a ideia de um mundo unipolar, porque já se sabe que, sem haver uma rivalidade séria a nível global, a tendência será para a actual superpotência exercer o seu poder de um modo não apropriado. Agora, o que eu julgo é que pensar numa superpotência europeia é um sonho perigoso. Nunca poderá suceder, porque a Europa não tem a unidade que seria necessária para garantir um estatuto de superpotência e não existe entre os Estados europeus um consenso face às relações a ter com os EUA.

Mas não há a necessidade de alguns países europeus investirem mais na área da defesa?

A defesa europeia é um dos aspectos em que é necessária uma cooperação muito estreita entre os Estados europeus e isso levará necessariamente a uma maior autonomia face aos EUA na defesa do continente. Senão corremos o risco de, um dia, os EUA se desinteressarem da defesa europeia e ficarmos desprotegidos. Simplesmente, não me parece que isso possa acontecer em conflito com os EUA, tem que ser feito no quadro da NATO.

Sendo o consórcio Airbus um exemplo de sucesso de cooperação europeia na área da aviação civil, não teríamos aqui um exemplo de como alguns países europeus poderiam em conjunto reduzir no espaço de alguns anos o seu menor poderio militar face aos EUA?

As coisas não devem ser forçadas. Se surgir naturalmente uma tendência para os países europeus terem em comum certo tipo de posições e se proporcionarem ganhos económicos nesse tipo de iniciativas, acho tudo muito bem. Agora já não me parece tão correcto fazer "a martelo" uma indústria de defesa e sacrificar muita coisa por causa disso.

Teme o sacrifício do chamado modelo social europeu?

Há situações muito diversas na União Europeia, e com a entrada dos novos países ainda mais diferenças haverá. Já há muitas diferenças entre o modelo do Reino Unido e o modelo da Alemanha, para já não falar nas diferenças entre o modelo de Portugal e o modelo da Dinamarca, portanto, pensar que a Europa se vai criar com base na defesa de um modelo social europeu, parece-me descabido. Há países que o têm e o devem manter, mas acho que não devemos esperar que a prossecução desse modelo, que não existe em todos os países, possa servir de pivô da integração europeia.

A partir de que momento é que o processo de construção europeia passa a merecer a sua crítica?

A partir da altura em que se começou a adoptar o modelo do super-Estado europeu, fundamentalmente a partir do final dos anos 80, com a criação da moeda única, o Tratado de Maastricht e o que veio a seguir.

Mas as ideias originais dos que primeiro começaram a pensar a Europa, como Schumman ou Monet, não apontavam já para os Estados Unidos da Europa?

Num certo sentido, sim, mas simplesmente não tiveram tradução prática. Visões há muitas, visionários há muitos, o problema é saber se as questões práticas são guiadas de acordo com essas visões ou não. E a verdade é que o grande salto na criação do que eu considero ser o super-Estado europeu coincide com a decisão de avançar com uma moeda única e com o Tratado de Maastricht.

O balanço que faz da globalização, particularmente na última década, é bastante negativo. Um dos argumentos favoráveis a uma Europa federal é precisamente que já não é possível regular esta globalização a partir do Estado-nação. Acha que essa regulação pode ser bem conseguida sem uma Europa federal?

Eu acho que o Estado-nação deve ser a unidade básica da actuação política. Quanto à regulação mundial, pode ser feita através da colaboração dos Estados-nação. Dou-lhe um exemplo. O sistema monetário internacional esteve regulado desde 1944 até ao início da década de 70 pelo chamado sistema de Bretton Woods, sem necessidade de um super-Estado.

Mas o mundo mudou muito desde então. Quando pensa em colaboração entre Estados, em que é que está a pensar?

Por exemplo, cooperação monetária entre os bancos centrais com regras que permitam estabilizar as moedas entre si e evitar os efeitos da especulação.

Com todas as desvantagens em termos económicos que aponta ao funcionamento de uma Europa federal, esta não terá sido a única forma de resolver o "problema alemão"?

Não creio que fosse a única forma. Não é necessário um super-Estado europeu para evitar guerras entre Estados europeus. Pode-se perfeitamente arquitectar um sistema de segurança e de regras de convivência entre Estados que impeça conflitos desse tipo sem que a decisão política tenha que ser tomada ao nível dum órgão que se coloque acima desses Estados. Paz e super-Estado europeu versus guerra e Estados-nação é uma forma simplista de ver estas coisas.

E o euro, não foi o preço a pagar pela reunificação alemã?

Acho que isso é uma racionalização "a posteriori". Sabemos que a reunificação trouxe um problema económico complicado para a Europa. As grandes despesas do Estado alemão para o apoio ao Leste levaram a que a política monetária alemã fosse bastante rigorosa para evitar a inflação e, a reboque, outros Estados europeus adoptaram também políticas monetárias mais restritivas. Também houve quem dissesse "bom, agora com a Alemanha reunificada, ela vai concentrar-se nos seus próprios interesses e, portanto, o euro será a melhor forma de a 'amarrar' aos interesses europeus. São racionalizações que se podem fazer mas, do meu ponto de vista, o euro foi um projecto eminentemente político destinado a pressionar a integração política. Isso, aliás, foi dito.

No seu livro critica muito o euro pelo menor crescimento registado pela UE na década de 90 face à década anterior mas não faz nenhuma menção ao impacto económico da reunificação. Ele é desprezível?

O impacto não foi muito grande, mas é difícil distinguir as diversas componentes da situação na altura. Temos, pelo menos, três factores: a reunificação alemã, o início da política de convergência para a moeda única, e a realização do mercado interno. A política de convergência seguida a partir de 1991 foi o factor mais importante, porque se traduziu em políticas monetárias e orçamentais mais restritivas que foram adoptadas simultaneamente por vários Estados e se traduziram numa limitação do crescimento no espaço europeu.

Como é que países como a Irlanda, Finlândia, Portugal e Espanha entraram no "comboio do euro", depois de terem registado, na década de 90, taxas de crescimento superiores a países como o Reino Unido, Suécia e Dinamarca, que "ficaram na estação"?

Isso não é uma tendência geral. A Irlanda é um caso especial: está no euro e cresceu muito bem. Já Portugal teve um desempenho relativamente mau. O nosso crescimento económico pode ter sido ligeiramente superior à média comunitária, foi certamente superior ao dos três países que referiu, simplesmente deveria ter sido muito maior porque nós partimos de um nível muito mais baixo. O que seria natural era termos tido um crescimento bastante superior ao desses países, como acontecera em décadas anteriores. Portanto, não se pode concluir daí que o euro foi uma grande ajuda para o crescimento económico.

Pelo menos não terá sido um grande travão à possibilidade de crescimento nas periferias...

A Irlanda deu um salto mais por medidas de política interna, na aposta que fez no investimento estrangeiro, do que propriamente por causa da adesão ao euro, mas não me custa a crer que a adesão ao euro tenha ajudado. Agora em Portugal, não tenho qualquer dúvida que a situação é hoje bastante grave em termos de crescimento, porque não só este tem sido muito fraco em relação ao que seria expectável, ainda que ligeiramente acima da média comunitária, mas fundamentalmente porque o crescimento está a ser pouco saudável, assentando nos chamados bens não transaccionáveis, o que nos coloca hoje sob uma pressão tremenda em termos de equilíbrio das contas externas. Ora, este desequilíbrio entre as dinâmicas dos sectores de bens transaccionáveis e de bens não transaccionáveis deve-se inteiramente à política de convergência, que tornou muito mais rentável para as empresas produzir para o mercado interno em detrimento da exportação.

Mas a política cambial, que deixámos de ter, não funcionava através da desvalorização do escudo como uma espécie de bengala para sectores a necessitarem de profundas mudanças?

Eu fui sempre um adversário da sustentação da competitividade através da desvalorização cambial, pelos efeitos de habituação que provoca. Mas o que se passou a partir do início dos anos 90 é que começámos a perder competitividade externa devido a um escudo sobrevalorizado, e isso também não é positivo para a economia. Porquê? Em primeiro lugar, porque há empresas que não resistem, e depois porque se torna mais rentável para as empresas desviarem-se para a produção interna. Tirando alguns casos especiais, uma boa parte das empresas que podiam ter investido na exportação preferem investir em sectores virados para o mercado interno, porque têm um crescimento maior e são mais rentáveis. Basta olhar para a evolução dos preços dos bens não transaccionáveis, na última década, e verificar que estes cresceram cerca de 50 por cento mais do que os preços dos não transaccionáveis. A macroeconomia é muito importante para dar sinais às empresas e o sinal que nós demos nesse período foi o de que é preferível produzir para o mercado externo do que exportar.

Que importância é que atribui às políticas microeconómicas e a outras políticas não económicas com fortes repercussões na esfera económica?

Uma grande importância, aliás hoje em dia já ninguém pode falar de competitividade sem olhar para esse tipo de coisas. Agora há uma questão de "timings". A educação é muito importante, as infra-estruturas são muito importantes, mas esse tipo de coisas demoram o seu tempo a dar resultados. E nós temos neste momento um problema muito mais imediato que é o de um défice externo não sustentável. E para isso é que não temos instrumentos.

A política macroeconómica é muito útil não só para dar sinais correctos às empresas, mas também para resolver situações desequilibradas no imediato, em que há pouca margem de tempo para correcções.

A maior parte dos economistas americanos manifestaram claramente a sua oposição à criação da moeda única. Como é que se sente na sua companhia?

Nem mal nem bem. Alguns dos meus argumentos serão semelhantes. A crítica básica à moeda única é que não é eficiente quando se aplica a um espaço muito heterogéneo como é o europeu, que não é aquilo que na teoria económica se chama uma "região monetária óptima".

Mas ainda há bocado afirmou que a moeda única era um projecto político. O que é que faria então sentido do ponto de vista económico? O sistema monetário europeu?

Justamente, o euro é um projecto político ao serviço do sonho da criação de um super-Estado europeu. O que é que seria racional do ponto de vista económico? É evidente que o sistema monetário europeu, tal como existia, não era a solução e isso logo se viu ao não aguentar em 1992 o movimento de liberalização de capitais. Teria sido possível substituí-lo por um sistema de regras que permitisse uma maior estabilidade cambial entre as moedas europeias sem retirar alguma autoridade às políticas monetárias. A criação de uma espécie de padrão-euro e a instituição de um Fundo Monetário Europeu teria sido perfeitamente possível, mas nunca se encarou essa possibilidade porque a ideia da moeda única era o trampolim para o super-Estado europeu.

marcar artigo