Sentidos da vida: julho 2004 Archives

21-10-2004
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A vertente alegre do PS A candidatura de Manuel Alegre a secretário-geral do PS é uma mais valia ao partido. Uma mais valia de ideias, de conceitos, de opinião. Seria muito triste ver uma disputa polarizada entre Sócrates e João Soares. Seria péssimo. Tudo se resumiria ao contar de espingardas, por entre chavões, arrogâncias e discursos demagógicos. Seria triste, desgastante, e acima de tudo seria muito pouco motivador para a Esquerda portuguesa ver o PS em fluorescente letargia. Daí que recebi com agrado a notícia que Manuel Alegre é, definitivamente, candidato a secretário-geral. E como muito bem frisou o mesmo, é candidato a secretário-geral e não a Primeiro-Ministro. Refutou essa ideia provinciana, parola mas arrogante que aos poucos se vai instalando no PS e no PSD que serve para confundir o eleitorado de acordo com as circunstâncias. Os líderes dos partidos são candidatos em listas e se mais tarde ganharem as eleições, então sim, com base na legitimidade parlamentar formarão Governo. Mas são candidatos a um lugar na Assembleia da República e esta, por sua vez, dará legitimidade parlamentar ao Governo que carece ainda do aval do Presidente da República. Nos termos da lei, não há candidatos ao cargo de Primeiro-Ministro, isso faz parte da deturpação populista que se faz do nosso sistema eleitoral. E que só serve para lançar poeira quando se discute em momentos de crise como a recentemente vivida.

A candidatura der Manuel Alegre servirá para forçar o debate sobre os valores da Esquerda em Portugal, sobre o seu pensamento, as suas soluções e, de certa forma, para esclarecer quem pensa o quê. É uma candidatura que vem, desde logo, desfazer rótulos e mitos. Deita por terra esse novo dogma designado por “Esquerda moderna” que ninguém define mas que dá jeito nos dias de hoje enquanto servir para seduzir o eleitorado vacilante ao centro. A ideia de “Esquerda moderna” é um autêntico placebo, é desprovida de conteúdo e vive da embalagem. Mas não é o único efeito construtivo que tem esta candidatura de Manuel Alegre. Um outro é a queda do mito que a ala esquerda tinha em João Soares o seu pródigo representante. Falso. Felizmente. A ala esquerda não só não está com João Soares como certamente não se esquece do seu acidente de avião entre a Jamba (Quartel General da UNITA) e a África do Sul, cujo excesso de carga sempre ficou por explicar. Uma mancha incontornável no seu pseudo currículo de homem de Esquerda e que muitos ainda não esqueceram. Por João Soares surge apenas o agregado de clientela que foi conseguindo granjear, tendo o pai Mário Soares como seu autêntico mandatário. O mesmo pai Soares que o ajudou nas eleições autárquicas quando o menino se sentiu com medo ante a possibilidade de perder a Câmara de Lisboa. Seguiu-se o discurso do desespero, um rol de profecias de regresso ao fascismo. João Soares não poderia ser o candidato da ala esquerda do PS e a prová-lo está Manuel Alegre. Está quem pode forçar o PS a definir-se, a avaliar-se. Quem pode provocar o debate de ideias e denunciar a ausência de conteúdos. Quem pode recuperar a essência social e humanista que tanto falta ao PS e à Esquerda em geral, sob pena da mesma não apresentar qualquer diferença para com os liberalismos camuflados de social-democracia ou de democracia cristã.

Na trilogia de candidatos no PS, a vantagem teórica, por mediática, é de Sócrates. É uma vantagem pessoal, construída ao longo do tempo quer pelo exercício de cargos governativos quer pela televisão, de imagem e charme. Uma vantagem que se traduz na modelagem de um virtual candidato a Primeiro-Ministro feito à imagem do seu virtual opositor. Sócrates é a resposta mediática do PS ao mediatismo de Santana Lopes. É a escalada de esvaziamento de conteúdo ideológico, conceptual e programático. Teremos duas figuras em choques de estilo e de charme e pouco mais. Acreditando, claro, que Santana Lopes terá vontade de ir a eleições, qual é a sua vontade. Algo que é sempre imperscrutável. Enfim, uma amalgama de virtualidades sem qualquer verdadeiro virtuosismo.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:26 AM

Curta do dia Com tanta deslocalização anunciada, é de estranhar como é que Santana Lopes ainda não se decidiu a deslocalizar a sua residência oficial do Palácio de Belém, por exemplo, para a Casa dos Bicos.

(Arteixei Rioma)

Comentários: (0) Posted by Agildo at 10:32 AM

Curta do dia Ontem, o Ministro da Agricultura, Costa Neves, a propósito dos incêndios, apelou à “sociedade civil”. Mas afinal de contas ele é militar? “Sociedade civil”?! É a expressão em voga mais estúpida e imbecil que conheço, e que já substituiu no top, a clássica “as portuguesas e os portugueses” (com muitos zzz pelo meio) de Carlos Carvalhas. Mas pior foi afirmar que o esforço preventivo do Governo anterior é digno de apreço e que os números falam por si, depois de todos os técnicos continuarem a afirmar que não há verdadeira política de prevenção. Temos Ministro

(Arteixei Rioma) Comentários: (1) Posted by Agildo at 12:14 PM

Um paradoxo chamado Euro 2004 Em 12 de Outubro de 1999, a candidatura portuguesa à realização do Euro 2004 vence em terras germânicas, após o inequívoco apoio político dado pelo Executivo de António Guterres com a Resolução do Conselho de Ministros a apoiar a candidatura em 3 de Setembro de 1998. Criou-se o consenso político generalizado que o Euro 2004 seria bom para o país, que Portugal só teria a ganhar com a realização lusitana do evento. De um modo geral, entrou-se em euforia, pese embora os iniciais pessimismos quanto ao sucesso da complexa operação de construção de dez estádios de futebol, acessibilidades, etc. Mas lá se meteu mão à obra e tudo começou. Aconteceu que a demissão de António Guterres trouxe eleições legislativas antecipadas e chegou ao governo a coligação então designada PSD-CDS/PP (hoje PPD/PSD-CDS/PP), liderada por Durão Barroso. Líder que há já algum tempo, cerca de ano e meio, vinha proferindo o discurso da desgraça da nação, o discurso da tanga, a contrastar com o discurso oficial de António Guterres da cândida e celestial felicidade nacional, um autêntico discurso rosa. Mas António Guterres demitiu-se e Durão Barroso tornou-se democrática e legitimamente Primeiro-Ministro de Portugal. O discurso da desgraça e da tanga perdurou e em alguns aspectos acentuou-se. Começou depois um movimento interno do PSD contra o Euro 2004, embora apresentando-o como uma fatalidade uma vez que os compromissos assumidos por Portugal são para cumprir. Cavaco Silva pronunciou-se mesmo contra o Euro 2004, afirmando que as contas públicas do país não permitiam eventos daquela natureza e daquele encargo. De imediato Durão Barroso abordou o Euro 2004 como algo que tinha de ser feito mas que representaria mais uma obrigação do que uma ambição.

O tempo foi passando e Durão Barroso inflecte o seu discurso, já não fala na desgraça, já não fala na tanga, antes pelo contrário: apela à confiança, ao optimismo. Critica o pessimismo nacional e repele os cépticos e as aves agoirentas. Num ápice, o Euro 2004 revela-se a solução para a chamada colectiva de todos para um fim comum. Um grande desígnio nacional. Deixa de ser um compromisso a cumprir ainda que contra a situação das contas públicas, para se tornar algo que toda a nação deve abraçar, acreditar. Na verdade o Governo de Durão Barroso transformou o Euro 2004 de filho bastardo em filho prodígio.

No fim, o Euro 2004 passou a ser referenciado como um exemplo perfeito das capacidades de Portugal. Passou a orgulho nacional. Ponto de referência para as soluções aos desafios que o futuro nos apresenta. Com o Euro 2004 mostramos que somos capazes de organizar, coordenar, de fazer. Jorge Sampaio declarou que seria bom se usássemos esta nossa evidente capacidade para outras coisas. Todavia, Ferro Rodrigues que era então ainda secretário-geral do PS, adiantou a forte possibilidade de Portugal vir a organizar os Jogos Olímpicos. Para já, que se saiba, não se vislumbra o que Santana Lopes pensa, em concreto, acerca do aproveitamento desta capacidade organizativa portuguesa, mas uma coisa é clara: nem do PS nem do PSD (ou PPD/PSD) se ouve nada de concreto acerca do que cumpre ser feito e que obriga a muito empenho, acção e método. Alguém ouviu o PS ou Governo de Santana Lopes afirmar que era bom aproveitar esta nossa capacidade de organização e de empenho para se reformar a máquina fiscal? Ou a justiça? Ou para fazer, equipar e dotar com pessoal mais hospitais? Ou a prevenir seriamente os incêndios? Ou, simplesmente, a acabar com os buracos das nossas ruas em que desgastamos dia-a-dia os nossos carros para depois os levar à inspecção anualmente? Nada disso. O mais provável é que nos candidatemos ao Campeonato do Mundo de Futebol ou a qualquer outro “desígnio nacional”. Fogo de artifício.

O pior é que assistimos a completos desvarios. A condecoração da Selecção Nacional, equipa técnica e jogadores, é um bom exemplo. Ganharam o segundo lugar (ou seja não ganharam nada), mas foram condecorados. Filipe Scolari é Comendador por ter levado a equipa ao segundo lugar. Num momento único e irrepetível, pois tão cedo a equipa não terá o apoio caseiro intenso que teve, ficou-se pelo segundo lugar, ao passo que outros ganham taças e medalhas de ouro lá fora e não são condecorados. Nem falo sequer do Futebol Clube do Porto (sim, sou portista), mas falo dos nossos atletas dos Jogos Olímpicos de Deficientes, cujos nomes, na sua esmagadora maioria, nem se conhecem. No entanto, na última edição de 2000 em Sydney, ganharam seis medalhas de ouro, cinco de prata e quatro de bronze. Ganharam! Mas continuam a ter problemas de ordem financeira, pagamentos do Estado em atraso e promessas por cumprir. O vigilante Jorge Sampaio que se emocionou tanto na condecoração à Selecção Nacional, que tanto apela à solidariedade e à coesão nacional, bem que poderia dar o exemplo, mas não. O PS bem que poderia ter tomado alguma iniciativa, mas nada (o que também não admira pois há muito tempo que o PS não sabe o que é ter iniciativa, ficou estático como Ferro ). Será de ver o que Santana Lopes fará após os Jogos de Atenas.

Agora que o Euro 2004 persiste em câmara ardente, aguardemos pelo que acontece após o seu funeral. (Arteixei Rioma)

Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:48 AM

Curta do dia Todos sabemos que no cinema norte-americano existem alguns lugares comuns: a mala carregada pelo artista que parece uma pluma, as portas dos carros não se travam (embora agora já se veja o uso do comando à distância), etc. Acontece que há uma dada situação em que os filmes, todos sem excepção, abordam da mesma forma, pelo que na realidade deve ser mesmo assim, embora me custe a aceitar. A situação clássica é a seguinte: numa reunião de Alcoólicos Anónimos (sublinho Anónimos), qualquer novo membro que intervenha pela primeira vez, diz “olá, eu sou o Carlos e sou alcoólico”. Afinal de contas, isto é que são alcoólicos anónimos: “eu sou o Carlos”. Não percebo.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:40 AM

Curta do dia Após a final do Euro 2004, andamos nós armados em trovadores de escárnio e maldizer acerca dos gregos, para agora recebermos ajuda dos mesmos no combate aos fogos que grassam pelo nosso país. Triste sina a nossa, de andar sempre de mão estendida.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 12:38 PM

Estamos mal, estamos (nem com extraterrestres) Estamos mal, estamos. Estamos muito mal. O que vale é que há calor, há praia. O que vale é que há jogos de estágio dos grandes clubes e há vitórias. Mas estamos mal e ainda agora começamos. Continua-se a querer demagogicamente confundir deslocalização com descentralização quando a diferença é evidente: de nada serve ao cidadão português de Setúbal, Castelo Branco ou Évora, ter uma Secretaria de Estado em Coimbra, Porto ou Faro. É pura demagogia querer fazer acreditar que se descentraliza deslocalizando-se. É demagogia mas é bem mais barato e fácil. São estas, aliás, as duas grandes vantagens da demagogia e talvez por isso ela prolifere. Acrescente-se mais duas vantagens e então estamos mesmo condenados a ter de a suportar pelo menos nos próximos dois anos: mediática e popular.

O próprio Santana Lopes disse que quem governa para ter votos, não tem sucesso. Talvez, mas ao certo o que sabe Santana Lopes acerca disso? Não teve de se preocupar com os votos quando esteve na Figueira da Foz porque não se candidatou novamente. Não se preocupou com os votos dos sócios do Sporting porque abandonou a presidência do clube ao fim de 11 meses embora sempre prometesse ficar até ao fim. Também em Lisboa os votos não o preocuparam (e pelos vistos as despesas também não), uma vez que na sua mente estava S. Bento. Falta agora saber o que vai na mente de Santana Lopes, o que é que realmente quer.

Por outro lado ainda não se percebeu, afinal, se estamos perante um novo governo por inteiro e então é tempo de se poder julgar o falecido governo de Durão Barroso, ou se pelo contrário deveremos aguardar pelas próximas eleições legislativas para se poder julgar o mandato nos seus 4 anos. O “novo” programa do “novo” Governo afirma claramente que assenta na continuidade das políticas do anterior. Todavia, Morais Sarmento dissera já que este Governo nada tem a ver com o anterior, e certamente não quereria referir-se apenas aos ministérios e seus titulares. Para isso Morais Sarmento não precisava de ter falado, só um extraterrestre é que não se aperceberia das diferenças. Talvez seja isso que esteja a faltar em Portugal: extraterrestres. Algo que agitasse profundamente a nossa sociedade, o que só será possível com habitantes de outro planeta, está visto.

Imagine-se: uma nave espacial aterra num aeroporto do país (claro que nos filmes aterram sempre nos EUA e falam inglês, por isso este toque patriótico). A torre de controlo não faz valer o seu nome e é o caos completo. De imediato a SIC tenta negociar os direitos exclusivos de transmissão e uma entrevista com os ET`s. A TVI, desde logo cria uma “Task Force” para em 24 horas pôr no ar uma telenovela acerca de dois ET`s que perderam os pais e ao fim de anos-luz a vaguear pelo espaço, chegam ao planeta Terra e tentam adaptar-se ao novo mundo, sendo gozados pelos seus pés de sapo e as suas antenas luminosas. E negoceia com os ET`s a colocação de câmaras de vídeo no interior da nave espacial para uma nova versão do Big Brother. A RTP limita-se a transmitir as imagens da CNN porque todos os seus funcionários estão em greve e os sindicatos afirmam que a aterragem dos ET`s é uma prática concertada entre o Governo e os interesses estrangeiros para desviar as atenções. Bush, cheio de inveja, encomenda aos estúdios de cinema uma aterragem de ET`s frente ao Capitólio, com pequenos seres a saírem da nave a cantar os êxitos de Sinatra e a empunhar cartazes a favor da guerra no Iraque. Blair afirma que os seus serviços secretos já o haviam informado que tal aterragem iria acontecer, mas desta vez, por precaução, preferiu não acreditar. Putin, com falta de dinheiro, afirma em conferência de imprensa que a Rússia já havia sido visitada por uma nave espacial há muitos anos e que sem os ET`s a Perestroika nunca teria sido possível. Os ET`s continuam fechados na sua nave a tentar perceber o que se passa. Das janelas observam uma gigantesca multidão à frente da qual aparece Teresa Guilherme aos saltos a acenar com um cheque de quinhentos euros para o primeiro ET que fizer um gesto obsceno. Santana Lopes dirige-se ao país aconselhando à calma e à serenidade, garantindo que o seu Governo PPD/PSD/CDS/PP está confiante neste encontro de culturas e prepara uma recepção oficial num casino de Stanley Ho com vista a estimular o investimento extraterrestre em Portugal. A oposição liderada por Francisco Louçã, acusa o Governo de estar a fazer uma política de espectáculo. Jorge Sampaio exorta os valores patrióticos e apela à solidariedade para com os ET`s, lembrando que também nós somos um país de emigrantes, ao mesmo tempo que garante estar vigilante e disposto a usar os seus poderes em caso de necessidade. É o espectáculo total. Os ET´s decidem fugir, arrancando a todo gás, em busca de um outro local mais tranquilo para um pequena pernoita de seis meses. E de imediato a oposição convoca uma sessão extraordinária na Assembleia da República para confrontar o Governo com uma moção de censura pelo descalabro da política de negócios extraterrestres.

Não, é melhor não. Vamos mesmo de ter de ver no que isto dá. Vamos ter de aturar estes terráqueos e a sua demagogia. A final de contas, o “novo” programa do “novo” Governo afirma que Portugal é um país com esperança e ambição, e que ganhamos de novo a confiança. Estamos mal, estamos. Estamos muito mal.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:59 AM

Curta do dia Proponho a deslocalização da Secretaria de Estado dos Assuntos do Mar, de Nuno Thomaz, para as Ilhas Berlengas. Não terá de aturar nem presidentes de câmara nem governos regionais, nem capitanias, estará em pleno atlântico, e poderá cuidar dos ciclos reprodutivos das gaivotas que afinal de contas também são um assunto do mar. Tanto mais, tendo em conta a viril expressão de surpresa que Paulo Portas teve aquando do anúncio do nome do seu ministério, o melhor é mantê-lo afastado de tais assuntos.

(Arteixei Rioma)

Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:00 AM

Breve nota de pesar Faleceu Carlos Paredes, hoje, aos 79 anos. Portugal perdeu um verdadeiro tesouro da sua cultura. Vamos agora ver o cortejo das personalidades de palavras afáveis e sentidas. Anos e anos após um contínuo processo de esquecimento das nossas rotas culturais e mediáticas (que hoje praticamente não se distinguem) de um homem incómodo pela combinação da sua arte com a sua cor política, agora não vão faltar amigos, gente que se diz amiga. Amigos necrófagos. Santana Lopes vai lá estar, claro. A imagem e a hipocrisia são coisas que se exercitam. A história sempre se repete e à memória vem Zeca Afonso.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 12:18 PM

Velhos Uma das disciplinas do liceu que sempre me foi apelativa foi a de História. Aprender o que fomos e perceber como chegamos aos dias de hoje, era para mim compreender a identidade do ser humano. Acontece que a informação que chega até nós é a versão oficial. As teses que nos são transmitidas são as socialmente estabelecidas e aceites. Para ter uma outra visão, temos de recorrer a obras que não contam da lista curricular. O que nos leva por em dúvida se realmente a versão que é trazida até nós sobre certa época ou sobre um dado episódio da história terá realmente acontecido como vem nos manuais, se não haverá uma outra visão dos acontecimentos. Foi com base nesta dúvida que comecei a valorizar as histórias que cada um tem para contar, sobre experiências da sua vida. Episódios em que foram intervenientes e que nos são contados com base numa participação efectiva, à luz das suas próprias ideias. Uma visão de todo objectiva ou cientifica, sem amarras na abordagem rigorosa e distanciada.

Recordo-me do meu professor de história (Luís Alberto) dizer, a este propósito, que a distância temporal em relação aos acontecimentos era essencial para uma abordagem neutral, racional e objectiva. Mas será que as ideias que cada um tem, a ideologia que perfilha não poderá sempre condicionar a investigação histórica? Dois historiadores com ideologias diametralmente opostas poderão retirar as mesmas conclusões sobre a Revolução Industrial ou sobre a Revolução Francesa?

A verdade é que já se passaram séculos e todavia continuamos a viver e a conviver com os efeitos daqueles dois marcos históricos. É a eterna questão da objectividade nas ciências humanas. Entendo por isso que se deveria dar valor às histórias que cada um tem para contar. De cada uma dessas histórias, vamos aprender os condicionalismos que os valores dominantes em cada época impunham no modo de agir e pensar. Quantos episódios da vida dos mais velhos, dos antigos, se perderam e se perdem e que poderiam enriquecer a nossa visão, o nosso conhecimento. Teríamos uma maior capacidade de perceber uma certa mentalidade retrógrada ou um certo furor revolucionário.

Hoje não há já grande "pachorra" para ouvir os "velhos" contar as suas histórias. Sejam elas de grandes feitos e conquistas sejam elas de lições e desilusões que tiveram. Todavia, devemos aprender com a nossa experiência e com a dos outros. Mas na verdade já não ligamos muito à sabedoria que cada pessoa tem para nos transmitir, fruto da sua experiência de vida. Achamos que temos tudo na rede, nos jornais, nos manuais e na televisão. E esquecemos que a história é um enredo também interpretado por tantos actores que não constam no genérico. Um elenco tão vasto quanto a diversidade de pessoas que habitam este planeta. Os serões à lareira, ouvindo histórias dos mais velhos são cada vez mais raros. Primeiro veio a rádio preencher o horário nobre dos serões familiares. Depois foi a televisão, a caixa mágica que impõe o silêncio e nos cativa com imagens e som. Hoje temos os quartos com um computador ligado ao mundo, que nos leva a trocar mensagens à volta do globo e nos retira da sala de convívio. Ou os telemóveis com a magia das mensagens escritas que nos reduz muitas vezes a janela do mundo ao pequeno espaço do visor e do teclado. Os "velhos", esses, perderam o seu lugar na lista de preferências, perderam a audiência. Foram trocados por máquinas numa moda apelativa e viciosa. E essa perda de contacto, de captação de conhecimentos e de ideias faz-nos falta. Muita falta mesmo. Como faz falta o conto. O conto falado por voz pausada e com aquelas interrupções de apuro da memória.

"Lembro-me do meu avô contar" era uma expressão de orgulho. Havia orgulho em termos sido escolhidos para guardiães de um conhecimento, de uma experiência. Daí que devêssemos tentar aprender, ouvindo, aquilo que os mais velhos nos têm a transmitir. As suas histórias e experiências. Até pode ser um festival de fanfarronice, mas mais tarde ou mais cedo vai ser útil para resolvermos uma determinada situação ou até para cativar a atenção de alguém. Devia-se escrever as histórias que cada um tem para contar. Não todas, mas a maioria delas estou certo que serviriam para enriquecer a nossa visão da vida e para temperar a impulsividade que timbra os mais novos. Além de que sempre serviria para, um dia mais tarde, termos o nosso lugar sagrado na cadeia da transmissão do saber. Porque um dia também seremos velhos. Mas nós não queremos saber disso, estamos mais preocupados em fazer render os dias pelos compromissos e pelos objectivos que moldam e aferrolham a nossa existência útil. Pensa-se em ser velho em termos de planos reforma, de estabilidade financeira, de proventos. E um dia, quando formos velhos, e se tivermos a segurança pela qual lutamos durante a vida, viveremos felizes, orgulhosos, e em sossego, sem termos mais nada para dar porque ninguém estará disposto a receber.

É preciso ouvir, ter tempo para escutar, mas o tempo escasseia. Comunica-se cada vez mais, cada vez mais depressa, e no entanto aprofunda-se em nós o sentimento que não somo escutados. Vive-se tão depressa, tão rápido que os mais velhos devem ser dos poucos que valorizam o tempo. Nós não valorizamos o tempo, valorizamos a sua utilidade. É à luz deste novo método de medição pela utilidade que os velhos vão perdendo estatuto. E nós, vamos preparando o nosso próprio inferno.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:50 AM

Curta do dia (em tom subliminar) O Governo deslocou a Secretaria de Estado da Administração Local para Coimbra, colocando-a no meio do país. Como diz o povo: no meio é que está a virtude. Possivelmente a lógica da decisão reporta-se à semântica ao nível do subconsciente de Santana Lopes, que terá sido levado pela associação de ideias de “administração local”, “meio” e “virtudes”. Bem se sabe o quanto são “virtuosos” para Santana Lopes certos “meios”, especialmente quando sujeitos a “administração local”. Subliminarmente falando.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 10:33 AM

Curta do dia Começa-se agora a ver que o Santana Lopes que abandonou a Câmara Municipal de Lisboa, é o mesmo que abandonou a presidência do Sporting em 1996: deixa atrás de si um rasto ostensivo de dívidas. Para um país que carece de rigor e consolidação nas contas públicas e de gastos racionais e acreditando que a história se repete, parece que temos um Primeiro-Ministro à altura. Sem dúvida.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 12:29 PM

Brigada do amor e das armadilhas (um breve olhar) De um modo geral não deixamos nunca de manter, ainda que apenas de modo latente, as defesas com que nos armamos. Talvez seja por isso que, também, não deixamos nunca de nos sentirmos mais vulneráveis quando os nossos sentimentos são tocados por alguém. Parece, assim, ser natural essa tendência defensiva. Todos nós já passamos por experiências de perda no campo afectivo. Tudo depende do modo como gerimos essas experiências e como as interiorizamos. Uns estão sempre disposto a arriscar tudo, mesmo que seja num breve momento e outros são incapazes de arriscar o que quer que seja, são incapazes de baixar as suas defesas, numa tentativa, possivelmente vã, de assim não serem tocados, beliscados.

Escrevi, já, de modo sucinto e avulso, acerca da relação entre a razão, o instinto e o sentimento. É quase sempre nessa correlação de forças que traçamos as nossas decisões,

e, também, a nossa imagem, aquilo que transmitimos aos outros. Mas temos, também, uma espécie de brigada do amor e armadilhas que tenta dar o seu melhor para que as consequências de um ou de outro não nos façam sofrer. Qual a eficácia da brigada depende daquilo que sentimos, do que estamos dispostos a sentir ou a descobrir, que tantas vezes em nada tem a ver com aquilo que expressamos para o exterior. Nada tem a ver quando não nos conhecem o suficiente para perceber que um certo olhar representa tristeza ou um dado gesto significa serenidade. Podemos representar mil e um papéis, mas muitas vezes só atingimos uma verdadeira plenitude na vida quando encontramos pelo menos uma pessoa que nos lê com tanta transparência que é capaz de nos ajudar a entender melhor a nós próprios. Que nos faça pensar nela e em nós mesmos. E ao pensarmos, fazemos variar os nossos índices defensivos, ora avançando ora recuando.

Daí ser possível que alguém ame sem desmantelar por completo as suas defesas. Como é possível amar de formas tão diferentes quantas as formas de sentir que existem.

Fazer nascer flores em terrenos minados é perfeitamente possível. Principalmente quando estamos dispostos a construir a reconciliação. A guerra, as armas afasta o homem do seu estado harmonioso, mas possivelmente aproxima-o da sua génese natural do combate e do confronto. Ao longo dos séculos o ser humano tem vindo a desenvolver, por via do intelecto, o equilíbrio que o seu cunho selvagem teima em contrariar. Talvez por isso o amor seja bem mais racional do que aquilo que o

romantismo nos tenta convencer. Talvez, aqui e além, o ser humano conclua em favor do sentimento, raciocine em prol da paixão, pondere pela entrega. É complexo e paradoxal, mas tanto valorizamos a paz quando temos a guerra como buscamos na guerra a conquista da paz. Contraditório? Sem dúvida alguma. Mas haverá algum ser mais contraditório do que o ser humano? Aquele ser que constrói a harmonia dos sons e das palavras com o mesmo engenho com que cria eficazes métodos de aniquilação do seu semelhante.

Segundo rezam as escrituras, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Das duas umas: ou fez tal obra em plena depressão nervosa ou tinha uma péssima imagem de si próprio. Ou talvez o homem, apesar de tudo, como ser contraditório que é, careça ainda de muita reflexão para que possa entender um pouco mais acerca de si próprio e, assim, um pouco mais acerca do seu criador.

O século passado é uma amostra disso mesmo: fomos capazes de travar as mais

profundas lutas pela conquista da dignidade da vida humana em todos os quadrantes do globo, ao mesmo tempo que em todos os quadrantes os conflitos armados aniquilaram tantas vidas e martirizaram outras tantas. Para sermos capazes de entender um pouco as contrariedades que encerramos em nós próprios parece-me que temos de ser capazes de entender que somos naturalmente seres contraditórios. E temos para isso uma faculdade maravilhosa: questionarmos. Enquanto formos capazes de nos questionarmos não se apagará a chama que nos ilumina o espírito por entre as trevas em busca do idealismo, seja pelo amor dos outros seja pelo amor que buscamos para nós próprios. Por isso, simplesmente por isso, vale a pena viver. E, claro está, amar. (Arteixei Rioma) Comentários: (1) Posted by Agildo at 12:23 PM

Curta do dia Está na moda os partidos políticos falarem acerca de nós como “a sociedade civil”. Até parece que eles agora são alguma força militar ou paramilitar. Como se eles fossem uma casta à parte. Se calhar até são. Mas por mim, eles que chamem sociedade civil a quem lhes pertence. Eu sou português.

(Arteixei Rioma)

Comentários: (1) Posted by Agildo at 12:17 PM

Impulso, razão e sentimento (notas breves sobre os erros e os “mas”) Não será o trio impulso/razão/sentimento a condicionante de todas as nossas atitudes?

Talvez.

Somos ensinados que o ser humano é um ser racional. Logo, deveria comandar-se tão só pela razão. Seria assim que nos distinguiríamos dos demais seres deste planeta. Nada mais errado, talvez. Parece-me que a razão que fomos adquirindo ao longo do tempo, apenas serve de instrumento para analisarmos a nossa impulsividade e o nosso sentimento. Como se a razão fosse um filtro dos outros dois elementos que serão o fluxo. O erro nem sempre está ao nível da mente enquanto razão pura. Tão só porque também a nossa mente é espaço de sentimento e de impulso. Um misto da trilogia.

Se temos uma dose de razão conquistada ao longo do tempo pela experiência (a nossa e a transmitida pelos outros), também lá estão a primária impulsividade e o inato sentimento. Cometer um erro é não atingir um dado resultado pela nossa acção ou omissão como que fruto de uma má gestão daquele trio.

Errar é humano, diz-se.

Mas humano não será aprender com os erros? Qualquer ser deste mundo é capaz de errar, não é uma característica própria do ser humano. Penso que o sentido da expressão “errar é humano” se reporta à qualidade do homem como um ser composto por mais elementos para além da razão, pelo que é normal que erre uma vez que as suas acções não são apenas ditadas pela razão. Aí sim, concordo que “errar é humano” porquanto pressupõe que não somos apenas razão mas também impulso e sentimento. Mas humano é também aprender com os erros, porque a nossa razão assim o exige. Uma exigência que parte de nós próprios e também dos outros. Errar e não aprender, repetindo o erro, levanta juízos de valor acerca da nossa razão, da nossa capacidade de avaliar o erro em si mesmo e como extensão para nós e para os outros. E é aqui que nos distinguimos, também, dos demais: somos capazes de avaliar as consequências do nosso erro não só em relação a nós como também em relação aos outros.

Foi este o fruto da nossa conquista e consequente afastamento dos demais seres. Claro que o orgulho nem sempre nos permite alcançar a extensão dos nossos erros ou sequer admiti-los. E a impulsividade leva-nos muitas vezes a não tomar decisões racionais mas tão só baseadas num palpite ou numa sensação.

Mesmo alguém que se considere moderadamente impulsivo, pode ter um barómetro que por vezes cause dissabores. É que apesar de se aceitar os outros como eles são, muitas vezes somos moldados nos juízos sobre os outros pela impressão que nos transmitem num primeiro contacto. Essa tendência de desde logo catalogar o outro num primeiro contacto. Depois, vai-se apurando ao longo do tempo se essa pessoa deverá continuar na secção em que foi classificada ou se deverá ser transferida para uma outra. Trata-se de uma impulsividade defensiva que actua mecânica e instintivamente.

Não será propriamente correcta pois acaba sempre por fazer um juízo prévio e só depois uma análise. E esse juízo prévio acaba sempre por condicionar o decurso do relacionamento com essa pessoa ou pelo menos a investigação que fazemos acerca dele. O pior é quando parte das vezes esse juízo prévio acaba por se mostrar eficaz. O que seduz sempre as tendências defensivas com que nos armamos enquanto indivíduos de uma sociedade. Mas também há vezes que falha. E dessa falha ou vem uma surpresa ou uma injustiça. E bastaria uma só injustiça para deitar por terra a validade de tal procedimento. Mas é mais forte do que nós. E dá-nos jeito.

Outras vezes somos forçados a tomar decisões num curto espaço de tempo, a tomar uma posição ou uma decisão em cima da hora. Nem sempre nos é possibilitado pensar de modo livre e sem pressões. A vida dá-nos em algumas situações a escolher entre duas ou mais possibilidades que nem sempre são verdadeiras soluções mas são as hipóteses do momento. Também aqui somos condicionados e o facto de não podermos sempre agir ou decidir em total liberdade pode mesmo forçar-nos a sermos algo naquele momento, sem que sejamos capazes de nos reconhecer mais tarde. É essa, talvez, uma das nossas heranças da luta pela sobrevivência. Uma sobrevivência que hoje se afere não tanto pela satisfação da fome mas pela preservação da individualidade que cada ser encerra em si mesmo enquanto pessoa. Uma luta constante do dia-a-dia, da nossa relação com os outros, em casa, em família, em sociedade. O desgaste que os outros causam em nós. O bom e o mau desgaste. O desgaste que nos preenche e o que nos cansa.

O último reduto da nossa individualidade, das nossas defesas é o isolamento em nós, nos nossos sentidos, na nossa razão. Por consequência tornamo-nos menos expressivos e profundos em relação aos outros, como que levantando muralhas para uma hibernação defensiva. Aí analisamos a razão e o sentimento, e a eles submetemos a impulsividade.

Invariavelmente temos de decifrar as nossas próprias construções da alma e da mente. Temos de ler as suas linhas e entrelinhas. Ler, interpretar e, mais difícil, escolher. Mas não só. Temos, também, de ser capazes de ler os outros. Ideia interessante, esta: ler os outros. (Arteixei Rioma) Comentários: (1) Posted by Agildo at 12:15 PM

O (des)ordenamento do território (breve nota) Como vem sendo noticiado, existe a séria e perigosa possibilidade do Governo transferir para as câmaras municipais os poderes de gestão e controlo sobre a Reserva Agrícola Nacional (RAN) que se reporta à defesa dos solos com valor ou potencialidade agrícola, e a Reserva Ecológica Nacional (REN) que visa proteger pontos sensíveis e essenciais do nosso ecossistema. Ambas classificam solos, condicionando o seu uso. Ainda não é certo, mas é possível, perigosamente possível. A entrega às câmaras da RAN e da REN, significaria, a curto / médio prazo a aniquilação da preservação de muitas áreas protegidas do nosso território. Só quem quer ser ingénuo é que acredita que as câmaras municipais estão menos sujeitas ou são menos permissivas em relação aos interesses da especulação imobiliária. Só mesmo quem quer ser ingénuo ou então fazer dos outros parvos. Se a própria administração estadual central tem tido dificuldades em manter intocáveis certos patrimónios naturais, se ela mesma é constantemente pressionada pelos municípios a alterar (reduzindo) áreas de protecção do território, sejam RAN ou REN, através de Planos de Pormenor normalmente promovidos por interesses privados, é fácil de ver o que acontecerá se tudo ficar sob a alçada das gestões autárquicas, onde se revelam os mais claros sinais de corrupção no nosso país. Já chegam os incêndios que destroem hectares das nossas florestas, para agora termos também as câmaras a delapidar um património verdadeiramente colectivo, nacional, porquanto se reconduz aos nossos recursos naturais.

Se nos recordarmos bem o que foi difícil para o Governo de Cavaco Silva impor disciplina às câmaras municipais, com a elaboração dos Planos Directores Municipais (PDM), em sede de ordenamento do território, em que foi necessário o ministro da tutela, então Valente de Oliveira, “lembrar” que não haveria apoios contratos-programa para obras com fundos comunitários para as câmaras que não tivessem aprovados os seus PDM, está fácil de ver o descalabro que seria entregar agora a gestão quer da RAN quer da REN às autarquias. Representaria um retrocesso à desordem, ao compadrio e à legal vilanagem. O que não significa que o regime vigente não careça de ajustamento e melhorias. Mas uma coisa é melhorar outra, bem diferente, é aniquilar.

Este vai ser um claro desafio para Nobre Guedes, que herda dos seus antecessores uma matéria que mexe com muitos interesses privados e com a ganância de muito autarca. Um desafio que partilha com o seu colega da pasta da agricultura. A ver vamos o rumo que irá dar o novo Governo. Só se espera que os nossos governantes tenham em mente que os actos políticos que se materializam nas suas decisões, surtem efeitos muito mais profundos no país do que o seus nomes na história de Portugal. É que há muito político que parece não saber isso. Parece.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:40 AM

Os polivalentes (e o “e-governement”) (fim) Está composto e empossado o novo Governo, agora com 19 ministros, ou seja com mais dois ministros do que o anterior. Desta feita, os polivalentes não se reconduzem apenas àqueles que trocam de pasta ministerial com enorme mestria mas também aos que assumem pastas em cujas áreas não são reconhecidos quaisquer méritos curriculares. É o caso de Nobre Guedes, a quem não se conhece nem reconhece qualquer conhecimento particular acerca do ambiente. Talvez Santana Lopes não entenda necessário, nos dias de hoje, defender o ambiente, e daí que tenha entregue a pasta ao CDS/PP e este, sem grandes possibilidades de recrutamentos, lá escolheu Nobre Guedes. Matérias como a reestruturação do sector das águas ou o tratamento dos resíduos indústrias continuam a aguardar solução. Adivinha-se que a matéria ecológica não constitui grande preocupação para Santana Lopes, mais ligado aos ambientes nocturnos de fumo, luzes, barulho e copos. Compreende-se.

Mas Nobre Guedes não é o único caso, temos também Fernando Negrão que finalmente vê o seu percurso político ganhar verdadeiro relevo, após um percurso na magistratura que deixou muito a desejar em avanços e recuos e em acusações e pedidos de desculpa. O que é certo é que Fernando Negrão atinge um cargo ministerial numa área em que ninguém lhe reconhece qualquer competência concreta. Ainda para mais vai substituir Bagão Félix, com provas dadas no terreno. Numa altura em que a eficácia e a racionalidade dos serviços prestados pelo Estado se afere, em muito, pela máquina que compõe a Segurança Social, é, no mínimo, de estranhar a escolha de Fernando Negrão.

Mas temos também os polivalentes em sentido clássico. É o caso de Costa Neves.

Mas enfim, nem vale a pena aprofundar muito mais esta matéria. Apenas valerá atentar para o facto de que Luís Filipe Pereira continua como Ministro da Saúde. Pelos visto o seu trabalho ainda não está concluído daí a sua continuidade. O que seria interessante saber (perante as listas de espera, o descalabro dos hospitais S.A., e as polémicas da Novartis e do INFARMED) é a favor de quem e de que interesses trabalha.

Temos um Governo composto, mas cujos ministros ainda estão na dúvida onde vão ficar sedeados. Será que o Ministério da Economia irá para o Porto? Haveria uma certa lógica que assim fosse, afinal de contas é no Distrito do Porto que se encontram as três maiores marcas portuguesas de sucesso internacional: Futebol Clube do Porto, Vinho do Porto e SONAE (isto, se pusermos de parte o Santuário de Fátima).

Com a ideia de deslocalização dos ministérios, Santana Lopes tentou confundir e seduzir. Tentou confundir descentralização com deslocalização, dando ares de artes mágicas, como se fosse exequível fazer alterações geográficas de ministérios num espaço de tempo que possibilitasse a implementação de medidas concretas para solucionar os problemas que importam realmente resolver. Ao mesmo tempo que tentou seduzir as populações com o engodo de que assim o Governo fica mais à beira do povo e pode resolver melhor os seus problemas. É a lógica do “e-governement”, um termo que para Santana Lopes certamente é bem português (como d.j., girls ou house music). Admira que Santana Lopes não tenha adoptado o estilo do Governo itinerante, percorrendo o país, ficando uns meses num Distrito, outros meses noutro, e por aí fora. Assim éramos capazes de ter um Portugal em acção, em movimento. Quando os ministérios forem colocados em outras cidades que não Lisboa, talvez depois seja necessário requalificar o Terreiro do Paço. E talvez assim já haja sítio para o casino de Stanley Ho.

É este o populismo perigoso a que se referia Pacheco Pereira quando falava, e certamente falará, acerca de Santana Lopes. O que é preciso é estar atento aos sinais.

(Arteixei Rioma)

Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:35 AM

Os polivalentes (e os músicos titânicos) Com a chegada de Santana Lopes ao Governo, temos já uma nova forma de fazer circular a informação: tudo é adiantado pela SIC Notícias. Aliás, a primeira entrevista dada por Santana Lopes, onde apresentou aquilo que no seu entender, seriam as grandes orientações do Governo (como a deslocalização dos ministérios, com que tentou confundir com descentralização), foi dada ao canal de Carnaxide. Ora, é a filial noticiosa que tem acesso privilegiado às novidades do novo elenco governativo. Sempre será interessante ver se assim continuará a ser, após a tomada de posse dos novos titulares, quanto às novidades do futuro.

Ficamos a saber que temos mais gente confirmada e, claro está, mais um polivalente: Álvaro Barreto, que exerceu já várias pastas ministeriais tais como Indústria e Tecnologia, Integração Europeia e Agricultura, entre outras, surge agora para Ministro do Estado e dos Assuntos Económicos. Isto, num momento em que António Mexia, presidente executivo da GALP Energia, que em Fevereiro de 2004 afirmou “Será que perdemos a noção do sonho e da ambição?”, em sede de uma iniciativa da qual foi um dos organizadores, chamada “Compromisso Portugal” que concluiu na apresentação de 30 propostas para melhorar a economia, é dado como Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

Num país em que é necessário, mais: é urgente, para a nossa economia, gente prática, com ideias concretas, com experiência no campo do mercado e da estratégia, escolhe-se um polivalente Álvaro Barreto para Ministro dos Assuntos Económicos e opta-se por António Mexias para Ministro das Obras Públicas? Mas afinal qual é o sentido de tudo isto?

Desde que eu me recordo de ouvir falar em política, que ouço falar na urgência das reformas estruturais do nosso país: a economia, a saúde, a justiça, a agricultura, as pescas, etc. Não deve haver ministério algum que não careça de reestruturação, aliás o país todo precisa de ser reestruturado. Toda a gente diz, toda gente fala, toda a gente diagnostica, toda a gente promete, e sempre se adia. Está à vista: escolher uma peça polivalente de museu para a economia e gastar um conhecedor e um estratega do mercado nas obras públicas, é um sinal claro da continuidade do embuste e do malogro.

Parece que estamos rodeados de músicos titânicos. Chamo músicos titânicos aos elementos da orquestra do Titanic que continuaram com pompa e brio a executar as peças musicais, enquanto o barco se afundava, porque já não havia botes de salvação. Portugal parece estar igual: a possibilidade de afundamento é cada vez mais concreta, e a classe política preocupada em continuar a tocar a mesma música com que nos embala no sono da indolência, da perigosa apatia, da sedativa prostração. Todos eles grandes executantes, que trocam de instrumento musical ou de partitura com a maior das facilidades, e a qualquer fífia mantêm o semblante em impávida e serena expressão, como se nada se passasse.

Mas o PS não quer ficar atrás: com a sucessão de candidaturas a secretário-geral, temos agora o cortejo das propostas gerais e abstractas, o elenco das convicções pessoais de cada um dos candidatos, os princípios, as moções, as linhas orientadoras, os programas, ou seja a palavra transformada em ruído. Não há mensagem, não há conteúdo. Não há nem vai haver. Teremos um pequeno espaço de debate de ideias mais protagonizado pelos apoiantes nas suas crónicas, do que propriamente pelos candidatos. Depois, será a inflexão alternada do discurso entre os nomes e a obra. As ideias não terão grande espaço, aliás nunca têm. Serão inflamados os percursos políticos, invocada a história do partido, saudados os antigos líderes e prometidas glórias, conquistas, empenhos e lutas.

Pelo meio, teremos a figura mediática de José Sócrates, a verborreia cínica de João Soares e o cinzento monocórdico de José Lamego. O primeiro tem a vantagem da imagem e de parte do seu passado governativo; o segundo tem a desvantagem da imagem mas pode contar com a sua própria família socialista; o terceiro parece empatar consigo próprio.

Enquanto isso, Santana Lopes estará à frente de um Governo em que o PSD, ou PPD/PSD, tentará obter os maiores ganhos políticos possíveis com as pastas sociais e económicas. O mau da fita passará agora a ser Bagão Félix, que cuidará pelo seu rigor das contas públicas e ao mesmo tempo será sempre identificado com o CDS/PP, não prejudicando a imagem do partido de Santana Lopes (o PPD/PSD). Ao mesmo tempo, as áreas de que advém sempre benefício eleitoral a distribuição de uns tantos trocos, estarão na mão de Santana Lopes, assegurando que CDS/PP fique com pastas ministeriais sem reflexos directos nas massas, para além das Finanças onde o aproveitamento para fins eleitorais é, no mínimo, duvidoso.

O que possivelmente poderá permitir a Santana Lopes a candidatura “a solo” nas próximas eleições legislativas. Sendo certo que é ainda muito cedo para se concluir o que quer que seja, algo parece dar a entender que Santana Lopes está a preparar caminho para levar o seu PPD/PSD à luta sozinho, nas próximas legislativas.

Por fim, um regresso ao tempo presente, para dar uma breve nota à atitude de Pacheco Pereira em se demitir do cargo de embaixador de Portugal na UNESCO, livrando-se assim de qualquer vínculo hierárquico, político ou meramente funcional com o Governo liderado por Santana Lopes. Fica, assim, com espaço livre para continuar o seu combate. Ainda há gente que preza a liberdade e que teimosamente a tenta conciliar com a lógica partidária. (Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 03:06 PM

Os polivalentes (breve continuação) Fiquei sensibilizado com a atitude de Santana Lopes em dirigir-se de propósito a Belém para sossegar o PR. Foi bonito, comoveu certamente o PR que não estaria à espera de tão respeitoso e gentil gesto. Um gesto que certamente não teve nada a ver com o facto de Santana Lopes gostar de aparecer na comunicação social, tanto mais agora que os repórteres fixaram um autêntico acampamento às portas da residência oficial do PR. Certamente Santana Lopes achou que um telefonema para sossegar o PR não chegaria, teria de ser pessoal. É que o desassossego do PR, pelos vistos, é muito. Vá-se lá saber porquê. Depressões próprias dos políticos, coitados. Mas aquilo passa.

Mas o desassossego não é só do PR. Santana Lopes também tem de ter muitas cautelas, pois sobre si tem um poderoso vigilante. Por isso tem de agir com cuidado, muito cuidado. Aliás, já teve um exemplo claro dos cuidados que tem de ter: falou primeiro à comunicação social sobre a data de tomada de posse antes de falar ao vigilante, ou seja, ao PR e o resultado está à vista: um puxão de orelhas em forma de comunicado da presidência.

Santana Lopes tem de refrear um pouco a sua tendência mediática, principalmente agora que tem um vigilante no seu encalço, com super poderes, os chamados poderes presidências, que nem sequer o saudoso Charles Bronson teve nos seus filmes de vigilante de Nova York. Agora, tem de se esforçar para que sua imagem se reconduza, por exemplo, à sua fotografia da primeira página do Público de hoje. Tem de exercitar aquele ar beato, santo. É que o PR está vigilante.

O certo é que as duas doses de sossego, chamam-se: António Monteiro e Bagão Félix.

Sobre o primeiro, sabe-se do seu papel como embaixador da ONU aquando do processo de referendo de Timor. É um homem das relações internacionais, da diplomacia, negociador nos meandros da política internacional. É uma escolha segura, de alguém que conhece os ambientes e as linguagens, muito embora não recaia sobre alguém com verdadeiro peso partidário. A ver vamos o rumo dado à política externa.

Quanto ao segundo, é notório que estamos perante o primeiro polivalente. Bagão Félix ao passar da Segurança Social e Trabalho para as Finanças, deita por terra o mito de que o seu trabalho estava a agradar. Caso estivesse, certamente que continuaria. Ou então, não há ninguém no PSD, ou como gosta de dizer Santana Lopes: PPD/PSD, disposto a assumir a pasta das finanças. Pelo menos disposto, porque competente isso é o menos preocupante.

O certo é que temos já o primeiro polivalente, alguém que deixa a área social na qual tem vindo a exercer toda a sua actividade política ao nível governativo desde 1980, para se dedicar àquilo que hoje se chama de engenharia financeira. Bem uns chamam engenharia, outros chamam cosmética. Acho que depende de como as coisas estão feias. Se as contas estiverem mesmo com mau aspecto, penso que a técnica é mesmo a cosmética financeira, como fez em boa parte Manuela Ferreira Leite.

Agora só temos de aguardar por mais novidades acerca das escolhas de Santana Lopes. Mas fica a interrogação: será que vai continuar a levar os nomes dos ministros, dois a dois, a Belém, ao vigilante?

Se for assim, num Governo constituído, por exemplo, por 16 ministros, Santana Lopes poderá ainda dar mais umas sete doses de sossego ao PR e outras tantas entrevistas. Se souber gerir bem a situação, vai ser o próprio PR a querer marcar a tomada de posse o mais rapidamente possível. Talvez o dia 19 da agenda do PR até fique livre (Arteixei Rioma) Comentários: (1) Posted by Agildo at 02:39 PM

Os polivalentes (breve nota a continuar) Estamos todos à espera para saber qual o Executivo que Santana Lopes irá apresentar: as caras, os nomes, os currículos. Ao que parece teremos menos Ministros e mais Secretários de Estado. Ora, considerando que o Governo cessante contava com 17 Ministros e 34 Secretários de Estado, sempre será curioso saber quais os números que quantificarão a nova versão da eficácia e da racionalidade. Tanto mais que Santana Lopes parece estar disposto a apostar na mobilidade, atendendo à ideia por si expressa de mudar as sedes dos ministérios. O que levará a que, uma vez mais, os nossos Ministros, terão de dar mostras de grande polivalência. Uma característica que, quase sempre, atravessa o agregado ministerial que compõe os governos.

Assim foi, também, no último Governo, a polivalência: Teresa Gouveia, Ministra dos Negócios Estrangeiros, começou como Secretária de Estado da Cultura por volta de 1985, foi Secretária de Estado do Ambiente de 1991 a 1993 e depois transitou para os Negócios Estrangeiros; Figueiredo Lopes, Ministro da Administração Interna, foi já Secretário de Estado da Administração Pública em 1978, do Orçamento em 1980 e até da Reforma Administrativa de 1981 a 1983; Luís Filipe Pereira, Ministro da Saúde, foi Secretário de Estado da Energia de 1991 a 1995, tendo algumas matérias curriculares de especialidade ligadas à produção de fertilizantes; Arlindo Cunha, Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, foi Ministro da Agricultura de 1990 a 1994; e por fim, Manuela Ferreira Leite, Ministra das Finanças e de Estado, que foi Ministra da Educação de 1993 a 1995.

É esta a tónica dominante na classe política que ascende a cargo governativos: polivalência.

Serão todos assim?

Não, não são todos, assim, há aqueles que nunca precisaram sequer de dar provas da sua competência em cargos no Governo, como é o caso de Celeste Cardona, a quem foi entregue a complexa e problemática pasta da Justiça, após a sua experiência como Euro Deputada e Deputada da Assembleia da República. Ora como nunca precisou de dar provas antes, certamente achou que também não as tinha que dar enquanto Ministra. E se bem achou melhor o fez, em não ter dado tais confianças a quem quer que fosse. Um dia poderá ser Ministra do Ambiente ou da Educação. Quem sabe?

Todavia, esta situação cria uma interrogação: com titulares de pastas ministeriais tão abrangentes, tão versáteis, afinal do que é eles sabem mesmo?

Esperemos, então, para ver quais são as mentes polivalentes que se seguem e talvez sejamos capazes de aferir um pouco mais da orientação futura dos diversos ministérios. Ou talvez não. Pessoalmente acredito mais na segunda hipótese.

(Arteixei Rioma) Comentários: (2) Posted by Agildo at 02:48 PM

O triste cinzento do Verão Corre mais um dia de Verão. Digo “corre”, porque é assim que os dias vão passando: correndo. O calor espalha-se pelas ruas, pelas roupas e pelos corpos, ao longo do dia, para à noite nos aguardar, sorrateiramente, em nossas casas. O calor corre. Os corpos desembaraçam-se da roupa, revelam-se, ostentam-se. As lentes escuras ocultam olhares e disputam o destaque nos acessórios da época. Por isso não batia certo o que mirava da janela do meu carro na manhã de hoje: um céu cinzento cobria a cidade e os montes adjacentes. Não batia certo, estava calor, sentia-se, transpirava-se. Daí a pouco um odor, trazido pela brisa despertou-me para a realidade: fumo. Olhei em redor e fui então capaz de entender melhor o que se passava. O país está de novo a arder. Já não é chama da alma portuguesa no Euro 2004, já não é o fogo político da recente crise que ainda vai dando ecos. É um outro fogo, tanto mais real quanto perigoso. O fogo que consome a nossa floresta, o nosso património, e a réstia de confiança que um dia tudo seja diferente.

No céu, a mantilha cinzenta espalha-se e adensa-se. A cor de que são feitos tantos dias neste país, domina as alturas, como se reflectisse o nosso triste modo de vida, a nossa alma talhada de saudade e de destino. No Verão, em que as cores mais exuberantes se despontam um pouco por toda a parte, somos dominados pelo cinzento das alturas. Um cinzento que se lança ao firmamento por mãos negligentes, criminosas, incompetentes e demagógicas, que parecem combinar na perfeição. Existe uma espécie de associação criminosa, uma sociedade comercial em que uns são sócios capitalistas e outros são sócios de indústria. O capital é o da inércia política e a indústria é a dos operacionais do fogo posto e seus sinistros interesses.

Já bastava o Outono e o Inverno, falando apenas de estações do ano, tristes e deprimentes. Temos agora o Verão, triste, deprimente, degradante e revoltoso. São hectares de floresta ardida, casas, animais. São populações em desespero. São bombeiros extenuados. E políticos, claro, sempre preocupados, vigilantes e promissores.

Não será já tempo de usarmos eficazmente o exército e a força aérea no patrulhamento das nossas florestas? E a comunidade prisional na limpeza dos matos?

Se em relação às forças militares não há dúvida que o inimigo não é só externo mas também pode ser interno, já a ocupação da comunidade prisional na limpeza de matos levanta problemas axiológicos políticos: pode parecer mal; pode ser entendido como trabalhos forçados; pode dividir a esquerda nos direitos, liberdades e garantias constitucionais; pode rotular a direita de extrema e opressora.

Pois pode. É um facto.

Além de que obrigava a rever tanta coisa: legislação, modelos de gestão, carreiras militares, operacionalidade dos serviços prisionais, equipamentos, ordenamento do território

Será então melhor deixar correr tudo como até aqui. Fazendo mais do mesmo, colhendo o mesmo que nada. Como sempre. Como é natural no nosso cinzento de alma triste e predestinada, bem português. (Arteixei Rioma) Comentários: (1) Posted by Agildo at 03:02 PM

A queda das máscaras Na passada sexta-feira, assistiu-se em Portugal ao fim do baile de máscaras que começara com o pedido de demissão de José Manuel Durão Barroso do seu cargo de Primeiro-ministro para abraçar a patriótica carreira de Presidente da Comissão Europeia. A orquestra iniciara a sua melodia e o baile começara.

Principiou-se o cortejo de individualidades a Belém, tais Reis Magos a levar ao Presidente da República (doravante PR) ofertas de sabedoria e experiência para que este pudesse tomar uma decisão. Um a um, entravam e saíam de Belém, ora mudos ora opinativos, para serem escutados pelo PR. E nós assistíamos num misto de preocupação e de expectativa, tentando interpretar os sinais que daquela peregrinação emergiam. Somando a reacção dos partidos políticos e de analistas, a preocupação aumentava a par da expectativa. E assim esteve Portugal suspenso, com aquele ambiente que evidencia algo de novo e que ao mesmo tempo alerta os sentidos para a mudança.

Foram dias e dias corridos, em que se foi firmando a ideia de que o PR estava preocupado com o que se passava no país e que tinha consciência da necessidade de agir. Pelo menos era essa a ideia que se ia vincando na mente da maior parte de nós. O que tornava compreensível a delonga. Dias e dias de audições avolumavam a responsabilidade que pendia sobre os ombros do PR. Ainda mais tendo em conta a posição crítica tantas vezes protagonizada pelo PR quanto às políticas seguidas pelo governo, a sua crescente reacção alérgica ao fundamentalismo da consolidação das contas públicas, o seu discurso nos trinta anos da Revolução de Abril na Assembleia da República e a sua mensagem ao Parlamento genericamente interpretada como puxão de orelhas ao governo. Sem falar nos resultados das últimas eleições que obrigaram José Manuel Durão Barroso a prometer mais e melhor, pese embora sem alteração de rumo.

O resultado do somatório do tempo com os factos, indiciava a convocação de eleições antecipadas. Uma decisão tão difícil quanto legítima, mas que exigia a auscultação de responsáveis políticos e de personalidades na impossibilidade de se auscultar directamente o povo. Aparentava-se uma recolha de sinais por todos os quadrantes da sociedade portuguesa para sustentar, repito, uma difícil e legítima decisão de convocação de eleições antecipadas. Se assim não fosse, como se justificava tanto tempo, tanta auscultação, tanto cortejo.

Por fim, e como “agravante”, o PR resolveu convocar o Conselho de Estado, evidenciando que logo de seguida tomaria uma decisão. Ora, em caso de eleições antecipadas, a convocação prévia do Conselho de Estado é legal e constitucionalmente exigida.

Era, por isso, natural a confiança das forças políticas de esquerda na decisão do PR em eleições antecipadas. E era também natural a preocupação das forças políticas de direita.

Se por um lado, Ferro Rodrigues, após o sucesso obtido pelo seu partido nas últimas eleições tinha a sua derradeira oportunidade de ir a votos para constituir governo, após um longo e desgastante combate, Pedro Santana Lopes estava na eminência, uma vez mais, de ter de convencer os seus pares e de unir o partido à volta da sua liderança.

Não acredito que a maior parte da população não esperasse outra coisa que não a convocação de eleições antecipadas, concordasse ou não.

Porém, às 21.15 de sexta-feira, a nove de Julho de 2004, o PR parou o corrupio e pronunciou-se, e o final foi tão surpreendente quanto decepcionante.

A mim não me decepcionou o simples facto do PR não ter convocado eleições antecipadas. Fosse qual fosse a sua decisão final, sempre defendi que era legítima.

O que eu não aceito é o estilo e a argumentação da decisão do PR.

O estilo foi maçador. O PR demorou muito tempo para tomar um a decisão. Demasiado tempo. Criou ilusões de uma decisão difícil para, no fim, tomar a decisão mais fácil, aquela que não carecia de leituras políticas, de auscultações, de interpretação de sinais. Bastava cumprir a lei em sentido estrito, respeitando, sem mais, a maioria parlamentar existente e o processo estatutário do PSD de indicação do novo líder. Não era necessário rigorosamente mais nada. Uma vez conhecido o sucessor de José Manuel Durão Barroso, ouviria os líderes da coligação e decidia com base no compromisso da estabilidade governativa que estes últimos teriam de assumir. Isto, porque nas suas palavras, o PR disse claramente à nação que a dissolução da Assembleia da República seria a pior das soluções para a estabilidade política, tanto mais que a maioria parlamentar lhe garantiu poder constituir um novo governo que cumprisse o programa.

Afinal de contas para quê tanto tempo? Para que foram escutados, por exemplo, João Salgueiro ou Maria de Lurdes Pintasilgo? Alguém sabe para quê ou com que finalidade?

O PR arrastou-se e com ele arrastou o país, fazendo-o esperar numa corrida em que a sua desvantagem para o pelotão da frente é enorme, cada vez maior. Revelou uma total incompetência na gestão do tempo e um profundo desrespeito pelos anseios do povo. Acabou para contribuir para o problema ao invés de fazer parte da solução.

Mas o pior não foi isso.

O pior é que na sua mensagem ao país viu-se cair a sua máscara. Ninguém pode dizer que aquele PR que falou na sexta-feira de prossecução das políticas do governo era o mesmo que as criticava em momentos de solenidade. O PR que tanto auscultou a sociedade portuguesa para se pronunciar, apareceu depois como mero executor de preceitos constitucionais. E pior do que isso, a queda da máscara revelou um PR que prometeu o que sabia ser falso: estar vigilante a quem deu um claro voto de confiança. Como se estiveste disposto a dissolver o Parlamento se o governo não agisse em rigoroso respeito pela prossecução das suas políticas essenciais (as que tanto criticara), quando não o fez agora. Na verdade, o PR abdicou da sua intervenção política concreta e do seu sentido crítico responsável como garante máximo da nação, até ao fim do seu mandato.

Foi um PR desconcertante aquele que vi na sexta-feira. Um PR que parecia não estar a sustentar uma decisão legítima, que sem dúvida que é, mas antes a desculpar-se.

Mas esta não foi a única máscara que caiu na pretérita sexta-feira. Caiu também a máscara de Ferro Rodrigues, que tanto apregoou a confiança no PR, que tanto acreditou na convocação de eleições antecipadas que ao desiludir-se tomou uma decisão antes que a tomassem por ele: demitiu-se. Caiu a máscara do líder. A máscara que há muito lhe pesava no rosto, uma autêntica e genuína máscara de ferro.

Ferro Rodrigues aproveitou a ocasião da desilusão colectiva dos socialistas, para se retirar a tempo de receber alguns aplausos e umas tantas medalhas de sacrifício. Foi a oportunidade de sair como vítima antes que fosse empurrado por ser culpado. Mas exagerou na postura, atacando de modo incoerente o PR. Não havia mais a necessidade de defender a figura institucional do PR, a legitimidade da sua decisão. Fosse qual fosse a decisão, se Ferro Rodrigues não fosse já um líder em decadência, sempre se respeitaria a legitimidade da mesma. Mas não era. Estava gasto, cansado, sem resposta alternativa à direita e sem iniciativa política.

Se a máscara de Ferro Rodrigues caiu por necessário efeito do cansaço e do vazio, já a do PR não teve qualquer razão plausível.

Foi pena, era evitável, mas parece ser a nossa sina: os políticos continuam a viver num mundo à parte do nosso. (Arteixei Rioma) Comentários: (2) Posted by Agildo at 06:26 PM

Um coelho da cartola Um final de tarde triste, de céu macilento brindou a minha saída do escritório. Em bom rigor não era já final de tarde, era um pouco mais do que isso, cerca das 21 horas. Tomei a rotineira prática resultante de gestos mecanizados: abrir e fechar portas, ligar o motor, introduzir e retirar o cartão do parque e iniciar marcha por entre alcatrão remendado e desconcertante empedrado. Tudo normal, tudo habitual, perfeitamente identificável. Sucessivos compassos de espera, criados pelos circuitos alternativos que as obras de repavimentação causam sempre numa pequena cidade. Se bem que agora não se chame repavimentação, é um termo pobre, cheira a recauchutagem pelo que é desagradável e pouco estético. Agora chama-se requalificação urbana. É um conjunto de obras que grosso modo refaz o que já estava feito, mas acrescenta alcatrão, granito, repuxos e luzes. E não podemos esquecer as rotundas que são a grande solução actual para os cruzamentos. Aliás, vendo bem as coisas, a rotunda é uma solução tipicamente portuguesa: quando temos um problema, contornámo-lo. Nas rotundas é igual: contorna-se o problema do cruzamento, porque o pessoal é posto a contornar aquilo que seria o epicentro do problema. Talvez por isso as rotundas estejam a proliferar no nosso país, e a gente até ache bem. Qualquer um de nós sente-se à vontade a contornar as coisas, faz parte de nós, da nossa cultura: dar a volta.

Mas este é apenas um dos aspectos do meu fim de tarde de ontem. Fim de tarde não é bem assim, já passava das 21 horas. Mas adiante. Algum trânsito pela sucessiva paragem de alguns que queriam espreitar as obras ao mesmo tempo que circundavam por caminhos alternativos. Um ou outro lá espreitava para ver o que se estava a passar, ao mesmo tempo que tentava perceber o novo esquema rodoviário que as obras implicavam para que no dia seguinte pudessem ter maior certeza quanto aos trajectos a escolher. Claro que se trata de percursos provisórios, mas já se sabe da tendencial estabilidade do provisório nestas matérias. Quase sempre a precariedade do provisório em Portugal garante-nos sempre alguma segurança, chegando mesmo, por vezes, a consolidar-se em definitivo. O certo é que se andava devagar, quando se andava, e alguns olhavam em volta notoriamente à procura de uma qualquer indicação, algo que lhes explicasse o que se estava a passar, como se aquilo fosse uma visita guiada a um museu ou à casa onde outrora viveu alguém que se tornou santo e tudo se encontra legendado e a guia explica toda a panóplia de coisas expostas aos olhos dos curiosos: a bíblia, as imagens santas, a cadeira velha e ensebada, a almofada que usava para rezar, a placa dos dentes, o pote. Parecia uma visita de estudo, do estilo “drive pass”. Parecia, mas não era e talvez por isso alguns que não estavam a gostar do cortejo iniciaram a desgarrada de buzinas. Não sei se pelas manifestações sonoras, mas o corteja desfez-se passado pouco tempo.

Uma vez tomada a estrada lembrei-me que o carro tinha rádio e resolvi ligá-lo. Após três saltos de estações, descansei num noticiário. Não estava à espera de novidades: já sabia que o Presidente da República havia convocado o Conselho de Estado para sexta-feira (hoje) e já sabia o que pensava Santana Lopes, Ferro Rodrigues, Vítor Constâncio. Dificilmente seria surpreso por alguma coisa. Aliás em plena contagem decrescente da decisão presidencial, e atento o seu longo curso, até ela mesma arrisca-se a deixar de ser novidade. Tudo tão simples quanto prático: a esquerda quer eleições e a direita não quer. Depois soma-se a tomada de posição de individualidades e temos o quadro completo. Daqui não se poderia esperar surpresas. Lá de fora, quando muito, poderia vir algo, mas de onde: do Iraque? Dos EUA? De Israel? Da Palestina?

Dificilmente haveria novidades, apenas a repetição das mesmas vozes, das mesmas palavras, das mesmas especulações e das mesmas convicções captadas isoladamente que depois são amassadas em conjunto para fazerem a papa com que nos alimentam durante os noticiários. Mas mesmo assim eu escolhi o noticiário. Mesmo apesar de não esperar novidades. Mesmo apesar de não esperar nada de fora do comum, que suscitasse curiosidade, como a produção de bananas com sabor a outros frutos, nomeadamente a morango, já noticiada pela Chiquita Internacional durante esta semana. Uma novidade que rivaliza de igual para igual com as novidades que nos chegam de Saturno. Foi tornado público por um dos directores da Chiquita Internacional que estão a apostar na produção de bananas com sabor a outros frutos, nomeadamente, repito, a morango. Tudo porque segundo aquele responsável a banana tem vindo a perder o interesse pelos consumidores. Pelos vistos em termos de mercado a banana acusa algum desgaste e há quem esteja a preparar-se para recuperar esse interesse. Coisas de mercado. Foi dada a garantia que as bananas não sofrem alterações genéticas muito embora não tenha sido revelada a técnica. Assim, sim, são novidades que valem a pena saber: um dia poderemos comer bananas com sabor laranja ou até mesmo a presunto. É o tipo de novidade que nos faz sentir bem, que nos põe bem dispostos e que reflexamente nos mexe com a imaginação.

Ouvi toda sequela informativa e quando menos esperava, algo me captou a atenção: Jorge Coelho, coordenador autárquico do PS, a lançar um alerta geral ao seu partido em tom grave e sério, para a necessidade de haver muita união porque Santana Lopes, em caso de eleições antecipadas, é um adversário muito perigoso.

Ouvi e não quis acreditar. O PS a fazer campanha por Santana Lopes?! Mas será que Santana Lopes não é já suficientemente mediático que ainda precisa de Jorge Coelho para ser falado?!

Ouvi e tentei reflectir naquele alerta de Jorge Coelho. Estava preocupado, e muito, com o facto do PS ter de enfrentar Santana Lopes, não o PSD e o seu programa, mas Santana Lopes em pessoa, em carne e osso, em estilo mediático, galanteador e sedutor das massas. Percebi então o pesadelo de Jorge Coelho: comparou Ferro a Santana e assustou-se. Daí a necessidade de mobilização do PS em bloco. E essa mobilização se tiver de passar pela contraposição de ideias, pela apresentação de soluções credíveis que anulem o discurso e a postura mediaticamente populista de Santana Lopes, paciência. Dá mais trabalho: tem de se puxar a arena política para o campo das ideias, tem de se fazer compromissos profundos e sérios com o eleitorado. Paciência, terá de ser feito. Isto porque Santana Lopes é um adversário perigoso e assim o PS tem de se mobilizar em pleno, usar de todas as suas forças e argumentos.

Foi, possivelmente, um dos melhores elogios que Santana Lopes alguma vez recebeu de um adversário: o toque do alarme pela sua chegada. Mas compreende-se Jorge Coelho, o seu medo, para não dizer pânico. O PS não teve tempo de se renovar, manteve um secretário-geral que parte com uma imagem já muito desgastada junto do eleitorado quer por azar quer por mérito próprio. E este é o verdadeiro ponto fraco do PS em caso de eleições antecipadas: a imagem mediática do seu líder. E por azar, o ponto forte de Santana Lopes. O PS vai ter de se elevar acima da pessoa do seu líder, o que aliás sempre teria de o fazer. Mas o pior é que vai ter de trabalhar no campo estritamente político e ideológico. E isso é terrível. E é essa consciência do terrível que assola Jorge Coelho. A consciência do terrível que pode ser para um partido a palavra, a convicção, a ideia, a solução, o compromisso.

Afinal de contas sempre houve uma novidade, que vale mais pelo que se reflecte sobre ela do que pelo que conta. Num fim de tarde, que já não era bem fim de tarde pois passava das 21 horas, alguém conseguiu tirar um coelho da cartola, e o interessante é que foi o próprio. (Arteixei Rioma)

Comentários: (1) Posted by Agildo at 01:32 PM

"Here we may reign secure..." “Here we may reign secure; and in my choice

To reign is worth ambition, though in hell:

Better to reign in hell than serve in heaven.”

John Milton (1608-1674) in Paradise Lost (1667).

Teria sido muito proveitoso a José Manuel Durão Barroso, ler aquela obra de John Milton. Talvez assim poderia ter tido maior pudor em classificar de interesse nacional a sua ida para Bruxelas. Talvez assim tivesse até decidido ficar ao invés de partir.

Mas não.

Partiu consciente que fugia. Consciente que deixava para trás todos os que o elegeram. Consciente que dias antes prometera fazer mais e melhor por Portugal face a resultados eleitorais claramente reflexos do desalento e do descrédito da sua política.

Reactivamente José Manuel Durão Barroso garantiu que não iria mudar a sua postura, porque acreditava naquilo que fazia. Acreditava que aquele era o caminho. Acreditava que os sacrifícios exigidos ao povo eram necessários e que já começavam a dar frutos.

Pelo menos dizia acreditar.

Quem votou PSD nas últimas eleições não votou para o governo que José Manuel Durão Barroso constitui em aliança com o PP. Mas era um governo legítimo, suportado e sustentado por uma maioria parlamentar.

Faltou a coragem necessária, que se exige aos líderes, para constituir um governo minoritário. Faltou coragem em afrontar a oposição quando chegasse a discussão do Orçamento de Estado. Faltou coragem em apostar na inversão do ónus da prova e responsabilizar a oposição, desafiando-a votar contra o Orçamento de Estado, contra as Grandes Opções do Plano. Faltou coragem em obrigar a oposição a tomar posição, a derrubar o governo se caso assim fosse.

Faltou coragem de ir à luta.

Pode-se argumentar: o momento não era oportuno; era necessário criar a todo o custo a estabilidade governativa para implantar medidas de austeridade; vivia-se tempos difíceis e limitadores.

Pois bem, a aliança foi feita e seguiram-se dois anos de custos sociais e económicos. Foram dois anos de oficial austeridade, de apertos, de contenções, de dificuldades.

O pacto proposto por José Manuel Durão Barroso a Portugal foi muito claro: teremos dias difíceis, teremos de fazer sacrifícios mas tudo quanto penarmos será para construir um Portugal moderno, com contas públicas equilibradas, que aposta na eficácia e na racionalidade, na inovação e na ciência.

Ainda vegetava (e pelos vistos continua) a propalada retoma económica e já o autor do pacto, em conjuntura de efervescente delírio português com o Euro 2004, comunicava a sua decisão de ir para Bruxelas, a reboque de um convite que fazia dele a terceira escolha.

Pela segunda vez faltou coragem.

Como as palavras de John Milton fizeram falta a José Manuel Durão Barroso. Não apenas as palavras mas o carácter e a têmpera que as ordena. Jamais teria trocado a dificuldade pelo prestígio, a luta pelo conforto, a pátria pela carreira.

Não retomo a análise da oportunidade da decisão nem do seu mérito, o que já fiz de modo suficientemente claro noutros textos. Mas quero abordar outras inquietações que, aos poucos, vão surgindo na alma inquieta portuguesa.

Vivemos um momento de patente dúvida, de expectativa e de receios.

Independentemente da decisão do Presidente da República, qualquer que seja ela, é legítima e própria, temos o direito de nos interrogar sobre o carácter e a personalidade de quem se apresenta ao povo para dirigir os destinos da nação e qual o papel dos partidos políticos. De que massa é feita a nossa classe política? O que move realmente os partidos políticos?

Pessoalmente tenho algumas dúvidas acerca do valor da classe política em geral. Não defendo a tese catastrófica de que nada está bem, que vivemos no caos, que não há gente capaz e voluntariosa. Parece é que temos um enorme défice de líderes. Não na quantidade mas sim na qualidade. Faltam homens e mulheres com ideias concretas, com um sentido de vida, um sentido de Estado. Ideias concretas. Gente capaz de corrigir o que está mal, que toda gente sabe que está mal, mas que perdura. Gente capaz de motivar a transformação. Gente que apresente soluções e as ponha em prática. Basicamente, gente que cumpra o que promete.

Claro que nada disto é fácil. Claro que nada disto se faz por mero decreto ou por fórmula matemática. Mas tão claro é isso quanto o facto de cada vez mais ser necessário gente assim.

Espantem-se depois com o descrédito em que tem vindo a mergulhar a nossa classe política. Espantem-se com a crescente aversão do povo quanto à discussão da coisa pública. Espantem-se com o alheamento do povo aos actos eleitorais. Espantem-se com a malquerença, com a suspeição e o absentismo.

Alguém até hoje se preocupou em estudar as motivações daqueles que votam em branco? Em saber porque é que há gente que abdica do conforto do sofá, desloca-se a uma mesa de voto, identifica-se, toma o boletim de voto e o introduz em branco na urna? O que motiva alguém a exercer o seu direito de voto, considerando-o também um dever de cidadania, manifestando um claro repúdio por todos quantos se candidatam?

Após o último livro de José Saramago, “Ensaio sobre a Lucidez”, a classe política, um pouco por todo o lado, criticou a ideia tacitamente defendida por aquele autor no recurso ao voto em branco por banda daqueles que não se revêem em qualquer partido político ou candidato.

Não importa agora analisar a ideia de José Saramago em relação à sua própria pessoa. Importa, sim, a ideia em si mesma. Todo o cidadão tem o direito democraticamente legítimo de manifestar o seu desafecto aos partidos e candidatos concorrentes. Para isso tem o trabalho de ir votar. De manifestar a sua opinião, de se expressar. Não se confunda com quem não vota, quem prefere a praia ou pinhal, desvalorizando um direito que se conquistou.

É óbvio que a ideia de voto em branco para a classe política é inaceitável, criticável. Mas isso é assim porque não aceita a crítica que está implícita no voto em branco. Não aceita nem lhe convém aceitar o cabal e inequívoco atestado de incapacidade e incompetência que o voto em branco representa.

Custa-me por isso ver o fervor corporativo com que os partidos políticos reagem ao voto em branco. A sobranceria que denunciam e a altivez em que se colocam ao abordar o voto em branco, acabam por delatar a sua incapacidade e, pior, o seu desinteresse de perceberem que algo está mal.

Por vezes a luta política partidária tanto sobe no tom que abafa a voz daqueles que deveriam ser ouvidos. A discussão entre partidos políticos chega ao cúmulo de se falar no povo e nas suas aspirações como se de uma criança se tratasse. Argumenta-se, exemplifica-se, metaforiza-se, contesta-se, rebate-se e contrapõe-se. Mas de concreto, raramente alguém apresenta uma solução. A moda é falar-se de princípios enformadores, de linhas de orientação, directrizes. Rara é a vez que alguém diz, concretamente, como vai resolver, por exemplo, os problemas da justiça. Dando meios mais eficazes aos tribunais, assegurando uma melhor e mais célere comunicação entre os vários agentes da justiça Mas como? Como é que isso se faz? Alguém diz? Alguém ao menos sabe como se faz?

É bem mais simples fazer pavilhões, estádios e pontes.

Fossem os partidos políticos tão claros nos seus programas eleitorais, quanto são palpáveis e concretas as obra de betão. Estas ao menos o povo vê, toca.

O que fica então dos partidos políticos é a dinâmica própria de cada um, a mediatização das suas figuras, dos seus líderes. Pouco mais resta. Sem desprimor da importância que os partidos políticos têm na vida democrática do país. Mas é uma importância de terceiro grau. Isto porque é bom que os partidos políticos se recordem que acima deles está a democracia e acima desta está Portugal.

Mas também é bom que o povo não adormeça, é importante que esteja atento. Porque nunca se sabe se entretanto surge alguém que leu John Milton e se está disposto a reinar no inferno ao invés de servir no céu.

(Arteixei Rioma) Comentários: (3) Posted by Agildo at 02:51 PM

O país do fogo de artifício Não há festa popular em Portugal que não cuide de ter fogo de artifício a iluminar o céu, como lacre exuberante do encerramento festivo. São centenas, milhares de pontos luminosos que salpicam o breu da noite com as cores do arco-íris. Por breves instantes, tão intensos quanto efémeros, aqueles pontos de luz dão vida e alegria ao negro capote da noite. São manifestações de cor que se anunciam por petardos, compondo o espectáculo e a ilusão.

É assim em todas as cidades, vilas e aldeias de Portugal.

Tudo por uns breves instantes de beleza, fascínio, alegria, entusiasmo, sorvidos avidamente pelos olhos do povo. Para no fim tudo voltar à escuridão, ao negro e às trevas.

É esta a síntese do espectáculo do fogo de artifício, e tão portuguesa que ela é: uns breves minutos de explosão de cores, de fulminante esplendor para compensar horas de trânsito, calcadelas, empurrões, o barulho dos altifalantes das cassetes e dos leilões, os atropelos do corrupio da canalha, as roupas empoeiradas e em desalinho, os sapatos amassados e conspurcados, a paleta de odores de suor, os palavrões e os desordeiros.

É esta a síntese, também, do Portugal dos nossos dias. Nos tempos de hoje os nossos olhos são iludidos com as cores fugazes de grandes eventos, mormente catalogados por mentes brilhantes e iluminadas como “desígnios nacionais”.

Nos dias que correm, o conceito de “desígnio nacional” é tudo aquilo susceptível de atrair e manipular as massas com vista a um determinado feito. Seja uma exposição mundial, um campeonato europeu de futebol ou os jogos olímpicos. O que importa é que se crie a convicção nas massas que é bom para Portugal, que vai projectar a imagem do país além fronteiras, que nos vai tornar mais conhecidos, que nos vai granjear maior prestígio e respeito. Depois é só aproveitar essa convicção para que se mobilize toda a gente a participar, a comprar bilhetes, adereços, a ganhar vontade, desejo em conhecer, ver, estar lá, e depois poder dizer “eu fui”. As pessoas animam, sorriem, sonham. Tornam-se curiosas, orgulhosas. Finalmente surge algo que dá cor ao pardacento modo de viver neste país. Desperta em nós uma necessidade de satisfação.

Assim, investem-se milhões em betão, faz-se obra palpável, matéria física que se toca, que se sente, que se vê e se aprecia. Formas, espaços e volumes. Podemos caminhar sobre elas, subir os seus degraus, contemplar do alto. Está ali, existe, é concreto.

Não são discursos, promessas, projectos, visões, modelos, reformas ou programas.

Mas ao mesmo tempo, não deixam de ser encenações conspirativas, manhas e artes da ilusão pelo fascínio. Tal como o fogo de artificio.

É esta a nossa síntese portuguesa dos dias de hoje: breves momentos de euforia, de quimera, de luz. Uma luz ainda que breve mas que rompe a letargia melancólica, a modorra, a apatia.

E destes pequenos fascínios vamos vivendo, adiando sempre o que realmente falta construir, edificar, implantar, instituir, tornar matéria, tornar concreto.

Somos primordialmente outonais. Somos fado, somos saudade.

Todos os dias se protesta numa qualquer instituição do Estado, por diversos motivos, razões e interesses. Não há dia que alguém não se queixe legitimamente das condições de trabalho, do atendimento, das demoras, das filas, dos papéis, dos abusos, das ignorâncias, da arrogância e de tudo mais. Constantemente se invoca a cidadania, direitos, liberdades, garantias, inovação, evolução, qualidade, estruturação, desenvolvimento, eficácia, rentabilização. São palavras que invariavelmente estão na ordem do dia do discurso político e que pese embora façam parte do acervo cultural e social de cada um de nós, perpetuam-se na imobilidade, no adiamento, na petrificação conveniente.

Além das grandes iniciativas materializadas em betão, dos pavilhões, dos estádios e pontes, sobra muito pouco de concreto, sobra muito pouco de que nos possamos orgulhar verdadeiramente. Continuamos a padecer dos mesmos males na saúde, no ensino ou na justiça. Os mesmos males que dão o tiro de partida para a marcha de tantos projectos e reformas que se apregoam como urgentes e essenciais. Um tiro de partida que, invariavelmente, atinge o pé que inicia a marcha. Manca-se, tropeça-se, retrocede-se.

O mesmo cidadão que pode apreciar o Parque das Nações ou ver um jogo de futebol em dia de chuva sem se molhar, é o mesmo que se enfileira nas listas de espera do hospital, que aguarda que justiça seja feita nos tribunais, que foge aos buracos das ruas, que se sente inseguro, que se tem de aventurar nas estradas do seu país por sinalização deficiente, que não tem transportes públicos satisfatórios, que vive numa cidade sem ordem urbanística, que tem de aguardar em salas de espera decadentes e bafientas pelo parente que se encontra numa urgência hospitalar, que perde horas e horas da sua vida numa repartição para tratar de uma qualquer burocracia, que regressa a casa cansado do trabalho e do trânsito, sabendo que no dia seguinte tudo se vai repetir novamente.

É este o rosário de muita gente. Um rosário triste, fatídico, melancólico e entediante. Um cansaço que busca o conforto pelo preço da perigosa indiferença à política. A perda do sonho, da utopia, do idealismo e, por fim, da esperança.

Estranhem que o povo vibre com o futebol. Estranhem que o povo sonhe com campeonatos, taças e títulos. Estranhem que o povo anseie e devore uma Expo98. Estranhem que delire com o Euro 2004. Estranhem que se orgulhe do seu clube campeão. E que por isso saia às ruas, se manifeste.

Afinal de contas não são estes episódios fugidios das nossas vidas que ainda vão pincelando alguma cor ao quadro soturno do nosso país? Não são estes momentos que nos ressuscitam o sorriso? Que nos trazem à memória a alegria? Que nos fazem pensar e acreditar do que somos capazes?

Digam se depois da poeira, das cotoveladas, das calcadelas, dos empurrões e dos amasses, temos ou não direito a um fogo de artifício? A um pouco de beleza? A um pouco de ilusão?

Temos. Tristemente temos.

(Arteixei Rioma) Comentários: (1) Posted by Agildo at 03:34 PM

A vertente alegre do PS A candidatura de Manuel Alegre a secretário-geral do PS é uma mais valia ao partido. Uma mais valia de ideias, de conceitos, de opinião. Seria muito triste ver uma disputa polarizada entre Sócrates e João Soares. Seria péssimo. Tudo se resumiria ao contar de espingardas, por entre chavões, arrogâncias e discursos demagógicos. Seria triste, desgastante, e acima de tudo seria muito pouco motivador para a Esquerda portuguesa ver o PS em fluorescente letargia. Daí que recebi com agrado a notícia que Manuel Alegre é, definitivamente, candidato a secretário-geral. E como muito bem frisou o mesmo, é candidato a secretário-geral e não a Primeiro-Ministro. Refutou essa ideia provinciana, parola mas arrogante que aos poucos se vai instalando no PS e no PSD que serve para confundir o eleitorado de acordo com as circunstâncias. Os líderes dos partidos são candidatos em listas e se mais tarde ganharem as eleições, então sim, com base na legitimidade parlamentar formarão Governo. Mas são candidatos a um lugar na Assembleia da República e esta, por sua vez, dará legitimidade parlamentar ao Governo que carece ainda do aval do Presidente da República. Nos termos da lei, não há candidatos ao cargo de Primeiro-Ministro, isso faz parte da deturpação populista que se faz do nosso sistema eleitoral. E que só serve para lançar poeira quando se discute em momentos de crise como a recentemente vivida.

A candidatura der Manuel Alegre servirá para forçar o debate sobre os valores da Esquerda em Portugal, sobre o seu pensamento, as suas soluções e, de certa forma, para esclarecer quem pensa o quê. É uma candidatura que vem, desde logo, desfazer rótulos e mitos. Deita por terra esse novo dogma designado por “Esquerda moderna” que ninguém define mas que dá jeito nos dias de hoje enquanto servir para seduzir o eleitorado vacilante ao centro. A ideia de “Esquerda moderna” é um autêntico placebo, é desprovida de conteúdo e vive da embalagem. Mas não é o único efeito construtivo que tem esta candidatura de Manuel Alegre. Um outro é a queda do mito que a ala esquerda tinha em João Soares o seu pródigo representante. Falso. Felizmente. A ala esquerda não só não está com João Soares como certamente não se esquece do seu acidente de avião entre a Jamba (Quartel General da UNITA) e a África do Sul, cujo excesso de carga sempre ficou por explicar. Uma mancha incontornável no seu pseudo currículo de homem de Esquerda e que muitos ainda não esqueceram. Por João Soares surge apenas o agregado de clientela que foi conseguindo granjear, tendo o pai Mário Soares como seu autêntico mandatário. O mesmo pai Soares que o ajudou nas eleições autárquicas quando o menino se sentiu com medo ante a possibilidade de perder a Câmara de Lisboa. Seguiu-se o discurso do desespero, um rol de profecias de regresso ao fascismo. João Soares não poderia ser o candidato da ala esquerda do PS e a prová-lo está Manuel Alegre. Está quem pode forçar o PS a definir-se, a avaliar-se. Quem pode provocar o debate de ideias e denunciar a ausência de conteúdos. Quem pode recuperar a essência social e humanista que tanto falta ao PS e à Esquerda em geral, sob pena da mesma não apresentar qualquer diferença para com os liberalismos camuflados de social-democracia ou de democracia cristã.

Na trilogia de candidatos no PS, a vantagem teórica, por mediática, é de Sócrates. É uma vantagem pessoal, construída ao longo do tempo quer pelo exercício de cargos governativos quer pela televisão, de imagem e charme. Uma vantagem que se traduz na modelagem de um virtual candidato a Primeiro-Ministro feito à imagem do seu virtual opositor. Sócrates é a resposta mediática do PS ao mediatismo de Santana Lopes. É a escalada de esvaziamento de conteúdo ideológico, conceptual e programático. Teremos duas figuras em choques de estilo e de charme e pouco mais. Acreditando, claro, que Santana Lopes terá vontade de ir a eleições, qual é a sua vontade. Algo que é sempre imperscrutável. Enfim, uma amalgama de virtualidades sem qualquer verdadeiro virtuosismo.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:26 AM

Curta do dia Com tanta deslocalização anunciada, é de estranhar como é que Santana Lopes ainda não se decidiu a deslocalizar a sua residência oficial do Palácio de Belém, por exemplo, para a Casa dos Bicos.

(Arteixei Rioma)

Comentários: (0) Posted by Agildo at 10:32 AM

Curta do dia Ontem, o Ministro da Agricultura, Costa Neves, a propósito dos incêndios, apelou à “sociedade civil”. Mas afinal de contas ele é militar? “Sociedade civil”?! É a expressão em voga mais estúpida e imbecil que conheço, e que já substituiu no top, a clássica “as portuguesas e os portugueses” (com muitos zzz pelo meio) de Carlos Carvalhas. Mas pior foi afirmar que o esforço preventivo do Governo anterior é digno de apreço e que os números falam por si, depois de todos os técnicos continuarem a afirmar que não há verdadeira política de prevenção. Temos Ministro

(Arteixei Rioma) Comentários: (1) Posted by Agildo at 12:14 PM

Um paradoxo chamado Euro 2004 Em 12 de Outubro de 1999, a candidatura portuguesa à realização do Euro 2004 vence em terras germânicas, após o inequívoco apoio político dado pelo Executivo de António Guterres com a Resolução do Conselho de Ministros a apoiar a candidatura em 3 de Setembro de 1998. Criou-se o consenso político generalizado que o Euro 2004 seria bom para o país, que Portugal só teria a ganhar com a realização lusitana do evento. De um modo geral, entrou-se em euforia, pese embora os iniciais pessimismos quanto ao sucesso da complexa operação de construção de dez estádios de futebol, acessibilidades, etc. Mas lá se meteu mão à obra e tudo começou. Aconteceu que a demissão de António Guterres trouxe eleições legislativas antecipadas e chegou ao governo a coligação então designada PSD-CDS/PP (hoje PPD/PSD-CDS/PP), liderada por Durão Barroso. Líder que há já algum tempo, cerca de ano e meio, vinha proferindo o discurso da desgraça da nação, o discurso da tanga, a contrastar com o discurso oficial de António Guterres da cândida e celestial felicidade nacional, um autêntico discurso rosa. Mas António Guterres demitiu-se e Durão Barroso tornou-se democrática e legitimamente Primeiro-Ministro de Portugal. O discurso da desgraça e da tanga perdurou e em alguns aspectos acentuou-se. Começou depois um movimento interno do PSD contra o Euro 2004, embora apresentando-o como uma fatalidade uma vez que os compromissos assumidos por Portugal são para cumprir. Cavaco Silva pronunciou-se mesmo contra o Euro 2004, afirmando que as contas públicas do país não permitiam eventos daquela natureza e daquele encargo. De imediato Durão Barroso abordou o Euro 2004 como algo que tinha de ser feito mas que representaria mais uma obrigação do que uma ambição.

O tempo foi passando e Durão Barroso inflecte o seu discurso, já não fala na desgraça, já não fala na tanga, antes pelo contrário: apela à confiança, ao optimismo. Critica o pessimismo nacional e repele os cépticos e as aves agoirentas. Num ápice, o Euro 2004 revela-se a solução para a chamada colectiva de todos para um fim comum. Um grande desígnio nacional. Deixa de ser um compromisso a cumprir ainda que contra a situação das contas públicas, para se tornar algo que toda a nação deve abraçar, acreditar. Na verdade o Governo de Durão Barroso transformou o Euro 2004 de filho bastardo em filho prodígio.

No fim, o Euro 2004 passou a ser referenciado como um exemplo perfeito das capacidades de Portugal. Passou a orgulho nacional. Ponto de referência para as soluções aos desafios que o futuro nos apresenta. Com o Euro 2004 mostramos que somos capazes de organizar, coordenar, de fazer. Jorge Sampaio declarou que seria bom se usássemos esta nossa evidente capacidade para outras coisas. Todavia, Ferro Rodrigues que era então ainda secretário-geral do PS, adiantou a forte possibilidade de Portugal vir a organizar os Jogos Olímpicos. Para já, que se saiba, não se vislumbra o que Santana Lopes pensa, em concreto, acerca do aproveitamento desta capacidade organizativa portuguesa, mas uma coisa é clara: nem do PS nem do PSD (ou PPD/PSD) se ouve nada de concreto acerca do que cumpre ser feito e que obriga a muito empenho, acção e método. Alguém ouviu o PS ou Governo de Santana Lopes afirmar que era bom aproveitar esta nossa capacidade de organização e de empenho para se reformar a máquina fiscal? Ou a justiça? Ou para fazer, equipar e dotar com pessoal mais hospitais? Ou a prevenir seriamente os incêndios? Ou, simplesmente, a acabar com os buracos das nossas ruas em que desgastamos dia-a-dia os nossos carros para depois os levar à inspecção anualmente? Nada disso. O mais provável é que nos candidatemos ao Campeonato do Mundo de Futebol ou a qualquer outro “desígnio nacional”. Fogo de artifício.

O pior é que assistimos a completos desvarios. A condecoração da Selecção Nacional, equipa técnica e jogadores, é um bom exemplo. Ganharam o segundo lugar (ou seja não ganharam nada), mas foram condecorados. Filipe Scolari é Comendador por ter levado a equipa ao segundo lugar. Num momento único e irrepetível, pois tão cedo a equipa não terá o apoio caseiro intenso que teve, ficou-se pelo segundo lugar, ao passo que outros ganham taças e medalhas de ouro lá fora e não são condecorados. Nem falo sequer do Futebol Clube do Porto (sim, sou portista), mas falo dos nossos atletas dos Jogos Olímpicos de Deficientes, cujos nomes, na sua esmagadora maioria, nem se conhecem. No entanto, na última edição de 2000 em Sydney, ganharam seis medalhas de ouro, cinco de prata e quatro de bronze. Ganharam! Mas continuam a ter problemas de ordem financeira, pagamentos do Estado em atraso e promessas por cumprir. O vigilante Jorge Sampaio que se emocionou tanto na condecoração à Selecção Nacional, que tanto apela à solidariedade e à coesão nacional, bem que poderia dar o exemplo, mas não. O PS bem que poderia ter tomado alguma iniciativa, mas nada (o que também não admira pois há muito tempo que o PS não sabe o que é ter iniciativa, ficou estático como Ferro ). Será de ver o que Santana Lopes fará após os Jogos de Atenas.

Agora que o Euro 2004 persiste em câmara ardente, aguardemos pelo que acontece após o seu funeral. (Arteixei Rioma)

Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:48 AM

Curta do dia Todos sabemos que no cinema norte-americano existem alguns lugares comuns: a mala carregada pelo artista que parece uma pluma, as portas dos carros não se travam (embora agora já se veja o uso do comando à distância), etc. Acontece que há uma dada situação em que os filmes, todos sem excepção, abordam da mesma forma, pelo que na realidade deve ser mesmo assim, embora me custe a aceitar. A situação clássica é a seguinte: numa reunião de Alcoólicos Anónimos (sublinho Anónimos), qualquer novo membro que intervenha pela primeira vez, diz “olá, eu sou o Carlos e sou alcoólico”. Afinal de contas, isto é que são alcoólicos anónimos: “eu sou o Carlos”. Não percebo.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:40 AM

Curta do dia Após a final do Euro 2004, andamos nós armados em trovadores de escárnio e maldizer acerca dos gregos, para agora recebermos ajuda dos mesmos no combate aos fogos que grassam pelo nosso país. Triste sina a nossa, de andar sempre de mão estendida.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 12:38 PM

Estamos mal, estamos (nem com extraterrestres) Estamos mal, estamos. Estamos muito mal. O que vale é que há calor, há praia. O que vale é que há jogos de estágio dos grandes clubes e há vitórias. Mas estamos mal e ainda agora começamos. Continua-se a querer demagogicamente confundir deslocalização com descentralização quando a diferença é evidente: de nada serve ao cidadão português de Setúbal, Castelo Branco ou Évora, ter uma Secretaria de Estado em Coimbra, Porto ou Faro. É pura demagogia querer fazer acreditar que se descentraliza deslocalizando-se. É demagogia mas é bem mais barato e fácil. São estas, aliás, as duas grandes vantagens da demagogia e talvez por isso ela prolifere. Acrescente-se mais duas vantagens e então estamos mesmo condenados a ter de a suportar pelo menos nos próximos dois anos: mediática e popular.

O próprio Santana Lopes disse que quem governa para ter votos, não tem sucesso. Talvez, mas ao certo o que sabe Santana Lopes acerca disso? Não teve de se preocupar com os votos quando esteve na Figueira da Foz porque não se candidatou novamente. Não se preocupou com os votos dos sócios do Sporting porque abandonou a presidência do clube ao fim de 11 meses embora sempre prometesse ficar até ao fim. Também em Lisboa os votos não o preocuparam (e pelos vistos as despesas também não), uma vez que na sua mente estava S. Bento. Falta agora saber o que vai na mente de Santana Lopes, o que é que realmente quer.

Por outro lado ainda não se percebeu, afinal, se estamos perante um novo governo por inteiro e então é tempo de se poder julgar o falecido governo de Durão Barroso, ou se pelo contrário deveremos aguardar pelas próximas eleições legislativas para se poder julgar o mandato nos seus 4 anos. O “novo” programa do “novo” Governo afirma claramente que assenta na continuidade das políticas do anterior. Todavia, Morais Sarmento dissera já que este Governo nada tem a ver com o anterior, e certamente não quereria referir-se apenas aos ministérios e seus titulares. Para isso Morais Sarmento não precisava de ter falado, só um extraterrestre é que não se aperceberia das diferenças. Talvez seja isso que esteja a faltar em Portugal: extraterrestres. Algo que agitasse profundamente a nossa sociedade, o que só será possível com habitantes de outro planeta, está visto.

Imagine-se: uma nave espacial aterra num aeroporto do país (claro que nos filmes aterram sempre nos EUA e falam inglês, por isso este toque patriótico). A torre de controlo não faz valer o seu nome e é o caos completo. De imediato a SIC tenta negociar os direitos exclusivos de transmissão e uma entrevista com os ET`s. A TVI, desde logo cria uma “Task Force” para em 24 horas pôr no ar uma telenovela acerca de dois ET`s que perderam os pais e ao fim de anos-luz a vaguear pelo espaço, chegam ao planeta Terra e tentam adaptar-se ao novo mundo, sendo gozados pelos seus pés de sapo e as suas antenas luminosas. E negoceia com os ET`s a colocação de câmaras de vídeo no interior da nave espacial para uma nova versão do Big Brother. A RTP limita-se a transmitir as imagens da CNN porque todos os seus funcionários estão em greve e os sindicatos afirmam que a aterragem dos ET`s é uma prática concertada entre o Governo e os interesses estrangeiros para desviar as atenções. Bush, cheio de inveja, encomenda aos estúdios de cinema uma aterragem de ET`s frente ao Capitólio, com pequenos seres a saírem da nave a cantar os êxitos de Sinatra e a empunhar cartazes a favor da guerra no Iraque. Blair afirma que os seus serviços secretos já o haviam informado que tal aterragem iria acontecer, mas desta vez, por precaução, preferiu não acreditar. Putin, com falta de dinheiro, afirma em conferência de imprensa que a Rússia já havia sido visitada por uma nave espacial há muitos anos e que sem os ET`s a Perestroika nunca teria sido possível. Os ET`s continuam fechados na sua nave a tentar perceber o que se passa. Das janelas observam uma gigantesca multidão à frente da qual aparece Teresa Guilherme aos saltos a acenar com um cheque de quinhentos euros para o primeiro ET que fizer um gesto obsceno. Santana Lopes dirige-se ao país aconselhando à calma e à serenidade, garantindo que o seu Governo PPD/PSD/CDS/PP está confiante neste encontro de culturas e prepara uma recepção oficial num casino de Stanley Ho com vista a estimular o investimento extraterrestre em Portugal. A oposição liderada por Francisco Louçã, acusa o Governo de estar a fazer uma política de espectáculo. Jorge Sampaio exorta os valores patrióticos e apela à solidariedade para com os ET`s, lembrando que também nós somos um país de emigrantes, ao mesmo tempo que garante estar vigilante e disposto a usar os seus poderes em caso de necessidade. É o espectáculo total. Os ET´s decidem fugir, arrancando a todo gás, em busca de um outro local mais tranquilo para um pequena pernoita de seis meses. E de imediato a oposição convoca uma sessão extraordinária na Assembleia da República para confrontar o Governo com uma moção de censura pelo descalabro da política de negócios extraterrestres.

Não, é melhor não. Vamos mesmo de ter de ver no que isto dá. Vamos ter de aturar estes terráqueos e a sua demagogia. A final de contas, o “novo” programa do “novo” Governo afirma que Portugal é um país com esperança e ambição, e que ganhamos de novo a confiança. Estamos mal, estamos. Estamos muito mal.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:59 AM

Curta do dia Proponho a deslocalização da Secretaria de Estado dos Assuntos do Mar, de Nuno Thomaz, para as Ilhas Berlengas. Não terá de aturar nem presidentes de câmara nem governos regionais, nem capitanias, estará em pleno atlântico, e poderá cuidar dos ciclos reprodutivos das gaivotas que afinal de contas também são um assunto do mar. Tanto mais, tendo em conta a viril expressão de surpresa que Paulo Portas teve aquando do anúncio do nome do seu ministério, o melhor é mantê-lo afastado de tais assuntos.

(Arteixei Rioma)

Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:00 AM

Breve nota de pesar Faleceu Carlos Paredes, hoje, aos 79 anos. Portugal perdeu um verdadeiro tesouro da sua cultura. Vamos agora ver o cortejo das personalidades de palavras afáveis e sentidas. Anos e anos após um contínuo processo de esquecimento das nossas rotas culturais e mediáticas (que hoje praticamente não se distinguem) de um homem incómodo pela combinação da sua arte com a sua cor política, agora não vão faltar amigos, gente que se diz amiga. Amigos necrófagos. Santana Lopes vai lá estar, claro. A imagem e a hipocrisia são coisas que se exercitam. A história sempre se repete e à memória vem Zeca Afonso.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 12:18 PM

Velhos Uma das disciplinas do liceu que sempre me foi apelativa foi a de História. Aprender o que fomos e perceber como chegamos aos dias de hoje, era para mim compreender a identidade do ser humano. Acontece que a informação que chega até nós é a versão oficial. As teses que nos são transmitidas são as socialmente estabelecidas e aceites. Para ter uma outra visão, temos de recorrer a obras que não contam da lista curricular. O que nos leva por em dúvida se realmente a versão que é trazida até nós sobre certa época ou sobre um dado episódio da história terá realmente acontecido como vem nos manuais, se não haverá uma outra visão dos acontecimentos. Foi com base nesta dúvida que comecei a valorizar as histórias que cada um tem para contar, sobre experiências da sua vida. Episódios em que foram intervenientes e que nos são contados com base numa participação efectiva, à luz das suas próprias ideias. Uma visão de todo objectiva ou cientifica, sem amarras na abordagem rigorosa e distanciada.

Recordo-me do meu professor de história (Luís Alberto) dizer, a este propósito, que a distância temporal em relação aos acontecimentos era essencial para uma abordagem neutral, racional e objectiva. Mas será que as ideias que cada um tem, a ideologia que perfilha não poderá sempre condicionar a investigação histórica? Dois historiadores com ideologias diametralmente opostas poderão retirar as mesmas conclusões sobre a Revolução Industrial ou sobre a Revolução Francesa?

A verdade é que já se passaram séculos e todavia continuamos a viver e a conviver com os efeitos daqueles dois marcos históricos. É a eterna questão da objectividade nas ciências humanas. Entendo por isso que se deveria dar valor às histórias que cada um tem para contar. De cada uma dessas histórias, vamos aprender os condicionalismos que os valores dominantes em cada época impunham no modo de agir e pensar. Quantos episódios da vida dos mais velhos, dos antigos, se perderam e se perdem e que poderiam enriquecer a nossa visão, o nosso conhecimento. Teríamos uma maior capacidade de perceber uma certa mentalidade retrógrada ou um certo furor revolucionário.

Hoje não há já grande "pachorra" para ouvir os "velhos" contar as suas histórias. Sejam elas de grandes feitos e conquistas sejam elas de lições e desilusões que tiveram. Todavia, devemos aprender com a nossa experiência e com a dos outros. Mas na verdade já não ligamos muito à sabedoria que cada pessoa tem para nos transmitir, fruto da sua experiência de vida. Achamos que temos tudo na rede, nos jornais, nos manuais e na televisão. E esquecemos que a história é um enredo também interpretado por tantos actores que não constam no genérico. Um elenco tão vasto quanto a diversidade de pessoas que habitam este planeta. Os serões à lareira, ouvindo histórias dos mais velhos são cada vez mais raros. Primeiro veio a rádio preencher o horário nobre dos serões familiares. Depois foi a televisão, a caixa mágica que impõe o silêncio e nos cativa com imagens e som. Hoje temos os quartos com um computador ligado ao mundo, que nos leva a trocar mensagens à volta do globo e nos retira da sala de convívio. Ou os telemóveis com a magia das mensagens escritas que nos reduz muitas vezes a janela do mundo ao pequeno espaço do visor e do teclado. Os "velhos", esses, perderam o seu lugar na lista de preferências, perderam a audiência. Foram trocados por máquinas numa moda apelativa e viciosa. E essa perda de contacto, de captação de conhecimentos e de ideias faz-nos falta. Muita falta mesmo. Como faz falta o conto. O conto falado por voz pausada e com aquelas interrupções de apuro da memória.

"Lembro-me do meu avô contar" era uma expressão de orgulho. Havia orgulho em termos sido escolhidos para guardiães de um conhecimento, de uma experiência. Daí que devêssemos tentar aprender, ouvindo, aquilo que os mais velhos nos têm a transmitir. As suas histórias e experiências. Até pode ser um festival de fanfarronice, mas mais tarde ou mais cedo vai ser útil para resolvermos uma determinada situação ou até para cativar a atenção de alguém. Devia-se escrever as histórias que cada um tem para contar. Não todas, mas a maioria delas estou certo que serviriam para enriquecer a nossa visão da vida e para temperar a impulsividade que timbra os mais novos. Além de que sempre serviria para, um dia mais tarde, termos o nosso lugar sagrado na cadeia da transmissão do saber. Porque um dia também seremos velhos. Mas nós não queremos saber disso, estamos mais preocupados em fazer render os dias pelos compromissos e pelos objectivos que moldam e aferrolham a nossa existência útil. Pensa-se em ser velho em termos de planos reforma, de estabilidade financeira, de proventos. E um dia, quando formos velhos, e se tivermos a segurança pela qual lutamos durante a vida, viveremos felizes, orgulhosos, e em sossego, sem termos mais nada para dar porque ninguém estará disposto a receber.

É preciso ouvir, ter tempo para escutar, mas o tempo escasseia. Comunica-se cada vez mais, cada vez mais depressa, e no entanto aprofunda-se em nós o sentimento que não somo escutados. Vive-se tão depressa, tão rápido que os mais velhos devem ser dos poucos que valorizam o tempo. Nós não valorizamos o tempo, valorizamos a sua utilidade. É à luz deste novo método de medição pela utilidade que os velhos vão perdendo estatuto. E nós, vamos preparando o nosso próprio inferno.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:50 AM

Curta do dia (em tom subliminar) O Governo deslocou a Secretaria de Estado da Administração Local para Coimbra, colocando-a no meio do país. Como diz o povo: no meio é que está a virtude. Possivelmente a lógica da decisão reporta-se à semântica ao nível do subconsciente de Santana Lopes, que terá sido levado pela associação de ideias de “administração local”, “meio” e “virtudes”. Bem se sabe o quanto são “virtuosos” para Santana Lopes certos “meios”, especialmente quando sujeitos a “administração local”. Subliminarmente falando.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 10:33 AM

Curta do dia Começa-se agora a ver que o Santana Lopes que abandonou a Câmara Municipal de Lisboa, é o mesmo que abandonou a presidência do Sporting em 1996: deixa atrás de si um rasto ostensivo de dívidas. Para um país que carece de rigor e consolidação nas contas públicas e de gastos racionais e acreditando que a história se repete, parece que temos um Primeiro-Ministro à altura. Sem dúvida.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 12:29 PM

Brigada do amor e das armadilhas (um breve olhar) De um modo geral não deixamos nunca de manter, ainda que apenas de modo latente, as defesas com que nos armamos. Talvez seja por isso que, também, não deixamos nunca de nos sentirmos mais vulneráveis quando os nossos sentimentos são tocados por alguém. Parece, assim, ser natural essa tendência defensiva. Todos nós já passamos por experiências de perda no campo afectivo. Tudo depende do modo como gerimos essas experiências e como as interiorizamos. Uns estão sempre disposto a arriscar tudo, mesmo que seja num breve momento e outros são incapazes de arriscar o que quer que seja, são incapazes de baixar as suas defesas, numa tentativa, possivelmente vã, de assim não serem tocados, beliscados.

Escrevi, já, de modo sucinto e avulso, acerca da relação entre a razão, o instinto e o sentimento. É quase sempre nessa correlação de forças que traçamos as nossas decisões,

e, também, a nossa imagem, aquilo que transmitimos aos outros. Mas temos, também, uma espécie de brigada do amor e armadilhas que tenta dar o seu melhor para que as consequências de um ou de outro não nos façam sofrer. Qual a eficácia da brigada depende daquilo que sentimos, do que estamos dispostos a sentir ou a descobrir, que tantas vezes em nada tem a ver com aquilo que expressamos para o exterior. Nada tem a ver quando não nos conhecem o suficiente para perceber que um certo olhar representa tristeza ou um dado gesto significa serenidade. Podemos representar mil e um papéis, mas muitas vezes só atingimos uma verdadeira plenitude na vida quando encontramos pelo menos uma pessoa que nos lê com tanta transparência que é capaz de nos ajudar a entender melhor a nós próprios. Que nos faça pensar nela e em nós mesmos. E ao pensarmos, fazemos variar os nossos índices defensivos, ora avançando ora recuando.

Daí ser possível que alguém ame sem desmantelar por completo as suas defesas. Como é possível amar de formas tão diferentes quantas as formas de sentir que existem.

Fazer nascer flores em terrenos minados é perfeitamente possível. Principalmente quando estamos dispostos a construir a reconciliação. A guerra, as armas afasta o homem do seu estado harmonioso, mas possivelmente aproxima-o da sua génese natural do combate e do confronto. Ao longo dos séculos o ser humano tem vindo a desenvolver, por via do intelecto, o equilíbrio que o seu cunho selvagem teima em contrariar. Talvez por isso o amor seja bem mais racional do que aquilo que o

romantismo nos tenta convencer. Talvez, aqui e além, o ser humano conclua em favor do sentimento, raciocine em prol da paixão, pondere pela entrega. É complexo e paradoxal, mas tanto valorizamos a paz quando temos a guerra como buscamos na guerra a conquista da paz. Contraditório? Sem dúvida alguma. Mas haverá algum ser mais contraditório do que o ser humano? Aquele ser que constrói a harmonia dos sons e das palavras com o mesmo engenho com que cria eficazes métodos de aniquilação do seu semelhante.

Segundo rezam as escrituras, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Das duas umas: ou fez tal obra em plena depressão nervosa ou tinha uma péssima imagem de si próprio. Ou talvez o homem, apesar de tudo, como ser contraditório que é, careça ainda de muita reflexão para que possa entender um pouco mais acerca de si próprio e, assim, um pouco mais acerca do seu criador.

O século passado é uma amostra disso mesmo: fomos capazes de travar as mais

profundas lutas pela conquista da dignidade da vida humana em todos os quadrantes do globo, ao mesmo tempo que em todos os quadrantes os conflitos armados aniquilaram tantas vidas e martirizaram outras tantas. Para sermos capazes de entender um pouco as contrariedades que encerramos em nós próprios parece-me que temos de ser capazes de entender que somos naturalmente seres contraditórios. E temos para isso uma faculdade maravilhosa: questionarmos. Enquanto formos capazes de nos questionarmos não se apagará a chama que nos ilumina o espírito por entre as trevas em busca do idealismo, seja pelo amor dos outros seja pelo amor que buscamos para nós próprios. Por isso, simplesmente por isso, vale a pena viver. E, claro está, amar. (Arteixei Rioma) Comentários: (1) Posted by Agildo at 12:23 PM

Curta do dia Está na moda os partidos políticos falarem acerca de nós como “a sociedade civil”. Até parece que eles agora são alguma força militar ou paramilitar. Como se eles fossem uma casta à parte. Se calhar até são. Mas por mim, eles que chamem sociedade civil a quem lhes pertence. Eu sou português.

(Arteixei Rioma)

Comentários: (1) Posted by Agildo at 12:17 PM

Impulso, razão e sentimento (notas breves sobre os erros e os “mas”) Não será o trio impulso/razão/sentimento a condicionante de todas as nossas atitudes?

Talvez.

Somos ensinados que o ser humano é um ser racional. Logo, deveria comandar-se tão só pela razão. Seria assim que nos distinguiríamos dos demais seres deste planeta. Nada mais errado, talvez. Parece-me que a razão que fomos adquirindo ao longo do tempo, apenas serve de instrumento para analisarmos a nossa impulsividade e o nosso sentimento. Como se a razão fosse um filtro dos outros dois elementos que serão o fluxo. O erro nem sempre está ao nível da mente enquanto razão pura. Tão só porque também a nossa mente é espaço de sentimento e de impulso. Um misto da trilogia.

Se temos uma dose de razão conquistada ao longo do tempo pela experiência (a nossa e a transmitida pelos outros), também lá estão a primária impulsividade e o inato sentimento. Cometer um erro é não atingir um dado resultado pela nossa acção ou omissão como que fruto de uma má gestão daquele trio.

Errar é humano, diz-se.

Mas humano não será aprender com os erros? Qualquer ser deste mundo é capaz de errar, não é uma característica própria do ser humano. Penso que o sentido da expressão “errar é humano” se reporta à qualidade do homem como um ser composto por mais elementos para além da razão, pelo que é normal que erre uma vez que as suas acções não são apenas ditadas pela razão. Aí sim, concordo que “errar é humano” porquanto pressupõe que não somos apenas razão mas também impulso e sentimento. Mas humano é também aprender com os erros, porque a nossa razão assim o exige. Uma exigência que parte de nós próprios e também dos outros. Errar e não aprender, repetindo o erro, levanta juízos de valor acerca da nossa razão, da nossa capacidade de avaliar o erro em si mesmo e como extensão para nós e para os outros. E é aqui que nos distinguimos, também, dos demais: somos capazes de avaliar as consequências do nosso erro não só em relação a nós como também em relação aos outros.

Foi este o fruto da nossa conquista e consequente afastamento dos demais seres. Claro que o orgulho nem sempre nos permite alcançar a extensão dos nossos erros ou sequer admiti-los. E a impulsividade leva-nos muitas vezes a não tomar decisões racionais mas tão só baseadas num palpite ou numa sensação.

Mesmo alguém que se considere moderadamente impulsivo, pode ter um barómetro que por vezes cause dissabores. É que apesar de se aceitar os outros como eles são, muitas vezes somos moldados nos juízos sobre os outros pela impressão que nos transmitem num primeiro contacto. Essa tendência de desde logo catalogar o outro num primeiro contacto. Depois, vai-se apurando ao longo do tempo se essa pessoa deverá continuar na secção em que foi classificada ou se deverá ser transferida para uma outra. Trata-se de uma impulsividade defensiva que actua mecânica e instintivamente.

Não será propriamente correcta pois acaba sempre por fazer um juízo prévio e só depois uma análise. E esse juízo prévio acaba sempre por condicionar o decurso do relacionamento com essa pessoa ou pelo menos a investigação que fazemos acerca dele. O pior é quando parte das vezes esse juízo prévio acaba por se mostrar eficaz. O que seduz sempre as tendências defensivas com que nos armamos enquanto indivíduos de uma sociedade. Mas também há vezes que falha. E dessa falha ou vem uma surpresa ou uma injustiça. E bastaria uma só injustiça para deitar por terra a validade de tal procedimento. Mas é mais forte do que nós. E dá-nos jeito.

Outras vezes somos forçados a tomar decisões num curto espaço de tempo, a tomar uma posição ou uma decisão em cima da hora. Nem sempre nos é possibilitado pensar de modo livre e sem pressões. A vida dá-nos em algumas situações a escolher entre duas ou mais possibilidades que nem sempre são verdadeiras soluções mas são as hipóteses do momento. Também aqui somos condicionados e o facto de não podermos sempre agir ou decidir em total liberdade pode mesmo forçar-nos a sermos algo naquele momento, sem que sejamos capazes de nos reconhecer mais tarde. É essa, talvez, uma das nossas heranças da luta pela sobrevivência. Uma sobrevivência que hoje se afere não tanto pela satisfação da fome mas pela preservação da individualidade que cada ser encerra em si mesmo enquanto pessoa. Uma luta constante do dia-a-dia, da nossa relação com os outros, em casa, em família, em sociedade. O desgaste que os outros causam em nós. O bom e o mau desgaste. O desgaste que nos preenche e o que nos cansa.

O último reduto da nossa individualidade, das nossas defesas é o isolamento em nós, nos nossos sentidos, na nossa razão. Por consequência tornamo-nos menos expressivos e profundos em relação aos outros, como que levantando muralhas para uma hibernação defensiva. Aí analisamos a razão e o sentimento, e a eles submetemos a impulsividade.

Invariavelmente temos de decifrar as nossas próprias construções da alma e da mente. Temos de ler as suas linhas e entrelinhas. Ler, interpretar e, mais difícil, escolher. Mas não só. Temos, também, de ser capazes de ler os outros. Ideia interessante, esta: ler os outros. (Arteixei Rioma) Comentários: (1) Posted by Agildo at 12:15 PM

O (des)ordenamento do território (breve nota) Como vem sendo noticiado, existe a séria e perigosa possibilidade do Governo transferir para as câmaras municipais os poderes de gestão e controlo sobre a Reserva Agrícola Nacional (RAN) que se reporta à defesa dos solos com valor ou potencialidade agrícola, e a Reserva Ecológica Nacional (REN) que visa proteger pontos sensíveis e essenciais do nosso ecossistema. Ambas classificam solos, condicionando o seu uso. Ainda não é certo, mas é possível, perigosamente possível. A entrega às câmaras da RAN e da REN, significaria, a curto / médio prazo a aniquilação da preservação de muitas áreas protegidas do nosso território. Só quem quer ser ingénuo é que acredita que as câmaras municipais estão menos sujeitas ou são menos permissivas em relação aos interesses da especulação imobiliária. Só mesmo quem quer ser ingénuo ou então fazer dos outros parvos. Se a própria administração estadual central tem tido dificuldades em manter intocáveis certos patrimónios naturais, se ela mesma é constantemente pressionada pelos municípios a alterar (reduzindo) áreas de protecção do território, sejam RAN ou REN, através de Planos de Pormenor normalmente promovidos por interesses privados, é fácil de ver o que acontecerá se tudo ficar sob a alçada das gestões autárquicas, onde se revelam os mais claros sinais de corrupção no nosso país. Já chegam os incêndios que destroem hectares das nossas florestas, para agora termos também as câmaras a delapidar um património verdadeiramente colectivo, nacional, porquanto se reconduz aos nossos recursos naturais.

Se nos recordarmos bem o que foi difícil para o Governo de Cavaco Silva impor disciplina às câmaras municipais, com a elaboração dos Planos Directores Municipais (PDM), em sede de ordenamento do território, em que foi necessário o ministro da tutela, então Valente de Oliveira, “lembrar” que não haveria apoios contratos-programa para obras com fundos comunitários para as câmaras que não tivessem aprovados os seus PDM, está fácil de ver o descalabro que seria entregar agora a gestão quer da RAN quer da REN às autarquias. Representaria um retrocesso à desordem, ao compadrio e à legal vilanagem. O que não significa que o regime vigente não careça de ajustamento e melhorias. Mas uma coisa é melhorar outra, bem diferente, é aniquilar.

Este vai ser um claro desafio para Nobre Guedes, que herda dos seus antecessores uma matéria que mexe com muitos interesses privados e com a ganância de muito autarca. Um desafio que partilha com o seu colega da pasta da agricultura. A ver vamos o rumo que irá dar o novo Governo. Só se espera que os nossos governantes tenham em mente que os actos políticos que se materializam nas suas decisões, surtem efeitos muito mais profundos no país do que o seus nomes na história de Portugal. É que há muito político que parece não saber isso. Parece.

(Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:40 AM

Os polivalentes (e o “e-governement”) (fim) Está composto e empossado o novo Governo, agora com 19 ministros, ou seja com mais dois ministros do que o anterior. Desta feita, os polivalentes não se reconduzem apenas àqueles que trocam de pasta ministerial com enorme mestria mas também aos que assumem pastas em cujas áreas não são reconhecidos quaisquer méritos curriculares. É o caso de Nobre Guedes, a quem não se conhece nem reconhece qualquer conhecimento particular acerca do ambiente. Talvez Santana Lopes não entenda necessário, nos dias de hoje, defender o ambiente, e daí que tenha entregue a pasta ao CDS/PP e este, sem grandes possibilidades de recrutamentos, lá escolheu Nobre Guedes. Matérias como a reestruturação do sector das águas ou o tratamento dos resíduos indústrias continuam a aguardar solução. Adivinha-se que a matéria ecológica não constitui grande preocupação para Santana Lopes, mais ligado aos ambientes nocturnos de fumo, luzes, barulho e copos. Compreende-se.

Mas Nobre Guedes não é o único caso, temos também Fernando Negrão que finalmente vê o seu percurso político ganhar verdadeiro relevo, após um percurso na magistratura que deixou muito a desejar em avanços e recuos e em acusações e pedidos de desculpa. O que é certo é que Fernando Negrão atinge um cargo ministerial numa área em que ninguém lhe reconhece qualquer competência concreta. Ainda para mais vai substituir Bagão Félix, com provas dadas no terreno. Numa altura em que a eficácia e a racionalidade dos serviços prestados pelo Estado se afere, em muito, pela máquina que compõe a Segurança Social, é, no mínimo, de estranhar a escolha de Fernando Negrão.

Mas temos também os polivalentes em sentido clássico. É o caso de Costa Neves.

Mas enfim, nem vale a pena aprofundar muito mais esta matéria. Apenas valerá atentar para o facto de que Luís Filipe Pereira continua como Ministro da Saúde. Pelos visto o seu trabalho ainda não está concluído daí a sua continuidade. O que seria interessante saber (perante as listas de espera, o descalabro dos hospitais S.A., e as polémicas da Novartis e do INFARMED) é a favor de quem e de que interesses trabalha.

Temos um Governo composto, mas cujos ministros ainda estão na dúvida onde vão ficar sedeados. Será que o Ministério da Economia irá para o Porto? Haveria uma certa lógica que assim fosse, afinal de contas é no Distrito do Porto que se encontram as três maiores marcas portuguesas de sucesso internacional: Futebol Clube do Porto, Vinho do Porto e SONAE (isto, se pusermos de parte o Santuário de Fátima).

Com a ideia de deslocalização dos ministérios, Santana Lopes tentou confundir e seduzir. Tentou confundir descentralização com deslocalização, dando ares de artes mágicas, como se fosse exequível fazer alterações geográficas de ministérios num espaço de tempo que possibilitasse a implementação de medidas concretas para solucionar os problemas que importam realmente resolver. Ao mesmo tempo que tentou seduzir as populações com o engodo de que assim o Governo fica mais à beira do povo e pode resolver melhor os seus problemas. É a lógica do “e-governement”, um termo que para Santana Lopes certamente é bem português (como d.j., girls ou house music). Admira que Santana Lopes não tenha adoptado o estilo do Governo itinerante, percorrendo o país, ficando uns meses num Distrito, outros meses noutro, e por aí fora. Assim éramos capazes de ter um Portugal em acção, em movimento. Quando os ministérios forem colocados em outras cidades que não Lisboa, talvez depois seja necessário requalificar o Terreiro do Paço. E talvez assim já haja sítio para o casino de Stanley Ho.

É este o populismo perigoso a que se referia Pacheco Pereira quando falava, e certamente falará, acerca de Santana Lopes. O que é preciso é estar atento aos sinais.

(Arteixei Rioma)

Comentários: (0) Posted by Agildo at 11:35 AM

Os polivalentes (e os músicos titânicos) Com a chegada de Santana Lopes ao Governo, temos já uma nova forma de fazer circular a informação: tudo é adiantado pela SIC Notícias. Aliás, a primeira entrevista dada por Santana Lopes, onde apresentou aquilo que no seu entender, seriam as grandes orientações do Governo (como a deslocalização dos ministérios, com que tentou confundir com descentralização), foi dada ao canal de Carnaxide. Ora, é a filial noticiosa que tem acesso privilegiado às novidades do novo elenco governativo. Sempre será interessante ver se assim continuará a ser, após a tomada de posse dos novos titulares, quanto às novidades do futuro.

Ficamos a saber que temos mais gente confirmada e, claro está, mais um polivalente: Álvaro Barreto, que exerceu já várias pastas ministeriais tais como Indústria e Tecnologia, Integração Europeia e Agricultura, entre outras, surge agora para Ministro do Estado e dos Assuntos Económicos. Isto, num momento em que António Mexia, presidente executivo da GALP Energia, que em Fevereiro de 2004 afirmou “Será que perdemos a noção do sonho e da ambição?”, em sede de uma iniciativa da qual foi um dos organizadores, chamada “Compromisso Portugal” que concluiu na apresentação de 30 propostas para melhorar a economia, é dado como Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

Num país em que é necessário, mais: é urgente, para a nossa economia, gente prática, com ideias concretas, com experiência no campo do mercado e da estratégia, escolhe-se um polivalente Álvaro Barreto para Ministro dos Assuntos Económicos e opta-se por António Mexias para Ministro das Obras Públicas? Mas afinal qual é o sentido de tudo isto?

Desde que eu me recordo de ouvir falar em política, que ouço falar na urgência das reformas estruturais do nosso país: a economia, a saúde, a justiça, a agricultura, as pescas, etc. Não deve haver ministério algum que não careça de reestruturação, aliás o país todo precisa de ser reestruturado. Toda a gente diz, toda gente fala, toda a gente diagnostica, toda a gente promete, e sempre se adia. Está à vista: escolher uma peça polivalente de museu para a economia e gastar um conhecedor e um estratega do mercado nas obras públicas, é um sinal claro da continuidade do embuste e do malogro.

Parece que estamos rodeados de músicos titânicos. Chamo músicos titânicos aos elementos da orquestra do Titanic que continuaram com pompa e brio a executar as peças musicais, enquanto o barco se afundava, porque já não havia botes de salvação. Portugal parece estar igual: a possibilidade de afundamento é cada vez mais concreta, e a classe política preocupada em continuar a tocar a mesma música com que nos embala no sono da indolência, da perigosa apatia, da sedativa prostração. Todos eles grandes executantes, que trocam de instrumento musical ou de partitura com a maior das facilidades, e a qualquer fífia mantêm o semblante em impávida e serena expressão, como se nada se passasse.

Mas o PS não quer ficar atrás: com a sucessão de candidaturas a secretário-geral, temos agora o cortejo das propostas gerais e abstractas, o elenco das convicções pessoais de cada um dos candidatos, os princípios, as moções, as linhas orientadoras, os programas, ou seja a palavra transformada em ruído. Não há mensagem, não há conteúdo. Não há nem vai haver. Teremos um pequeno espaço de debate de ideias mais protagonizado pelos apoiantes nas suas crónicas, do que propriamente pelos candidatos. Depois, será a inflexão alternada do discurso entre os nomes e a obra. As ideias não terão grande espaço, aliás nunca têm. Serão inflamados os percursos políticos, invocada a história do partido, saudados os antigos líderes e prometidas glórias, conquistas, empenhos e lutas.

Pelo meio, teremos a figura mediática de José Sócrates, a verborreia cínica de João Soares e o cinzento monocórdico de José Lamego. O primeiro tem a vantagem da imagem e de parte do seu passado governativo; o segundo tem a desvantagem da imagem mas pode contar com a sua própria família socialista; o terceiro parece empatar consigo próprio.

Enquanto isso, Santana Lopes estará à frente de um Governo em que o PSD, ou PPD/PSD, tentará obter os maiores ganhos políticos possíveis com as pastas sociais e económicas. O mau da fita passará agora a ser Bagão Félix, que cuidará pelo seu rigor das contas públicas e ao mesmo tempo será sempre identificado com o CDS/PP, não prejudicando a imagem do partido de Santana Lopes (o PPD/PSD). Ao mesmo tempo, as áreas de que advém sempre benefício eleitoral a distribuição de uns tantos trocos, estarão na mão de Santana Lopes, assegurando que CDS/PP fique com pastas ministeriais sem reflexos directos nas massas, para além das Finanças onde o aproveitamento para fins eleitorais é, no mínimo, duvidoso.

O que possivelmente poderá permitir a Santana Lopes a candidatura “a solo” nas próximas eleições legislativas. Sendo certo que é ainda muito cedo para se concluir o que quer que seja, algo parece dar a entender que Santana Lopes está a preparar caminho para levar o seu PPD/PSD à luta sozinho, nas próximas legislativas.

Por fim, um regresso ao tempo presente, para dar uma breve nota à atitude de Pacheco Pereira em se demitir do cargo de embaixador de Portugal na UNESCO, livrando-se assim de qualquer vínculo hierárquico, político ou meramente funcional com o Governo liderado por Santana Lopes. Fica, assim, com espaço livre para continuar o seu combate. Ainda há gente que preza a liberdade e que teimosamente a tenta conciliar com a lógica partidária. (Arteixei Rioma) Comentários: (0) Posted by Agildo at 03:06 PM

Os polivalentes (breve continuação) Fiquei sensibilizado com a atitude de Santana Lopes em dirigir-se de propósito a Belém para sossegar o PR. Foi bonito, comoveu certamente o PR que não estaria à espera de tão respeitoso e gentil gesto. Um gesto que certamente não teve nada a ver com o facto de Santana Lopes gostar de aparecer na comunicação social, tanto mais agora que os repórteres fixaram um autêntico acampamento às portas da residência oficial do PR. Certamente Santana Lopes achou que um telefonema para sossegar o PR não chegaria, teria de ser pessoal. É que o desassossego do PR, pelos vistos, é muito. Vá-se lá saber porquê. Depressões próprias dos políticos, coitados. Mas aquilo passa.

Mas o desassossego não é só do PR. Santana Lopes também tem de ter muitas cautelas, pois sobre si tem um poderoso vigilante. Por isso tem de agir com cuidado, muito cuidado. Aliás, já teve um exemplo claro dos cuidados que tem de ter: falou primeiro à comunicação social sobre a data de tomada de posse antes de falar ao vigilante, ou seja, ao PR e o resultado está à vista: um puxão de orelhas em forma de comunicado da presidência.

Santana Lopes tem de refrear um pouco a sua tendência mediática, principalmente agora que tem um vigilante no seu encalço, com super poderes, os chamados poderes presidências, que nem sequer o saudoso Charles Bronson teve nos seus filmes de vigilante de Nova York. Agora, tem de se esforçar para que sua imagem se reconduza, por exemplo, à sua fotografia da primeira página do Público de hoje. Tem de exercitar aquele ar beato, santo. É que o PR está vigilante.

O certo é que as duas doses de sossego, chamam-se: António Monteiro e Bagão Félix.

Sobre o primeiro, sabe-se do seu papel como embaixador da ONU aquando do processo de referendo de Timor. É um homem das relações internacionais, da diplomacia, negociador nos meandros da política internacional. É uma escolha segura, de alguém que conhece os ambientes e as linguagens, muito embora não recaia sobre alguém com verdadeiro peso partidário. A ver vamos o rumo dado à política externa.

Quanto ao segundo, é notório que estamos perante o primeiro polivalente. Bagão Félix ao passar da Segurança Social e Trabalho para as Finanças, deita por terra o mito de que o seu trabalho estava a agradar. Caso estivesse, certamente que continuaria. Ou então, não há ninguém no PSD, ou como gosta de dizer Santana Lopes: PPD/PSD, disposto a assumir a pasta das finanças. Pelo menos disposto, porque competente isso é o menos preocupante.

O certo é que temos já o primeiro polivalente, alguém que deixa a área social na qual tem vindo a exercer toda a sua actividade política ao nível governativo desde 1980, para se dedicar àquilo que hoje se chama de engenharia financeira. Bem uns chamam engenharia, outros chamam cosmética. Acho que depende de como as coisas estão feias. Se as contas estiverem mesmo com mau aspecto, penso que a técnica é mesmo a cosmética financeira, como fez em boa parte Manuela Ferreira Leite.

Agora só temos de aguardar por mais novidades acerca das escolhas de Santana Lopes. Mas fica a interrogação: será que vai continuar a levar os nomes dos ministros, dois a dois, a Belém, ao vigilante?

Se for assim, num Governo constituído, por exemplo, por 16 ministros, Santana Lopes poderá ainda dar mais umas sete doses de sossego ao PR e outras tantas entrevistas. Se souber gerir bem a situação, vai ser o próprio PR a querer marcar a tomada de posse o mais rapidamente possível. Talvez o dia 19 da agenda do PR até fique livre (Arteixei Rioma) Comentários: (1) Posted by Agildo at 02:39 PM

Os polivalentes (breve nota a continuar) Estamos todos à espera para saber qual o Executivo que Santana Lopes irá apresentar: as caras, os nomes, os currículos. Ao que parece teremos menos Ministros e mais Secretários de Estado. Ora, considerando que o Governo cessante contava com 17 Ministros e 34 Secretários de Estado, sempre será curioso saber quais os números que quantificarão a nova versão da eficácia e da racionalidade. Tanto mais que Santana Lopes parece estar disposto a apostar na mobilidade, atendendo à ideia por si expressa de mudar as sedes dos ministérios. O que levará a que, uma vez mais, os nossos Ministros, terão de dar mostras de grande polivalência. Uma característica que, quase sempre, atravessa o agregado ministerial que compõe os governos.

Assim foi, também, no último Governo, a polivalência: Teresa Gouveia, Ministra dos Negócios Estrangeiros, começou como Secretária de Estado da Cultura por volta de 1985, foi Secretária de Estado do Ambiente de 1991 a 1993 e depois transitou para os Negócios Estrangeiros; Figueiredo Lopes, Ministro da Administração Interna, foi já Secretário de Estado da Administração Pública em 1978, do Orçamento em 1980 e até da Reforma Administrativa de 1981 a 1983; Luís Filipe Pereira, Ministro da Saúde, foi Secretário de Estado da Energia de 1991 a 1995, tendo algumas matérias curriculares de especialidade ligadas à produção de fertilizantes; Arlindo Cunha, Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, foi Ministro da Agricultura de 1990 a 1994; e por fim, Manuela Ferreira Leite, Ministra das Finanças e de Estado, que foi Ministra da Educação de 1993 a 1995.

É esta a tónica dominante na classe política que ascende a cargo governativos: polivalência.

Serão todos assim?

Não, não são todos, assim, há aqueles que nunca precisaram sequer de dar provas da sua competência em cargos no Governo, como é o caso de Celeste Cardona, a quem foi entregue a complexa e problemática pasta da Justiça, após a sua experiência como Euro Deputada e Deputada da Assembleia da República. Ora como nunca precisou de dar provas antes, certamente achou que também não as tinha que dar enquanto Ministra. E se bem achou melhor o fez, em não ter dado tais confianças a quem quer que fosse. Um dia poderá ser Ministra do Ambiente ou da Educação. Quem sabe?

Todavia, esta situação cria uma interrogação: com titulares de pastas ministeriais tão abrangentes, tão versáteis, afinal do que é eles sabem mesmo?

Esperemos, então, para ver quais são as mentes polivalentes que se seguem e talvez sejamos capazes de aferir um pouco mais da orientação futura dos diversos ministérios. Ou talvez não. Pessoalmente acredito mais na segunda hipótese.

(Arteixei Rioma) Comentários: (2) Posted by Agildo at 02:48 PM

O triste cinzento do Verão Corre mais um dia de Verão. Digo “corre”, porque é assim que os dias vão passando: correndo. O calor espalha-se pelas ruas, pelas roupas e pelos corpos, ao longo do dia, para à noite nos aguardar, sorrateiramente, em nossas casas. O calor corre. Os corpos desembaraçam-se da roupa, revelam-se, ostentam-se. As lentes escuras ocultam olhares e disputam o destaque nos acessórios da época. Por isso não batia certo o que mirava da janela do meu carro na manhã de hoje: um céu cinzento cobria a cidade e os montes adjacentes. Não batia certo, estava calor, sentia-se, transpirava-se. Daí a pouco um odor, trazido pela brisa despertou-me para a realidade: fumo. Olhei em redor e fui então capaz de entender melhor o que se passava. O país está de novo a arder. Já não é chama da alma portuguesa no Euro 2004, já não é o fogo político da recente crise que ainda vai dando ecos. É um outro fogo, tanto mais real quanto perigoso. O fogo que consome a nossa floresta, o nosso património, e a réstia de confiança que um dia tudo seja diferente.

No céu, a mantilha cinzenta espalha-se e adensa-se. A cor de que são feitos tantos dias neste país, domina as alturas, como se reflectisse o nosso triste modo de vida, a nossa alma talhada de saudade e de destino. No Verão, em que as cores mais exuberantes se despontam um pouco por toda a parte, somos dominados pelo cinzento das alturas. Um cinzento que se lança ao firmamento por mãos negligentes, criminosas, incompetentes e demagógicas, que parecem combinar na perfeição. Existe uma espécie de associação criminosa, uma sociedade comercial em que uns são sócios capitalistas e outros são sócios de indústria. O capital é o da inércia política e a indústria é a dos operacionais do fogo posto e seus sinistros interesses.

Já bastava o Outono e o Inverno, falando apenas de estações do ano, tristes e deprimentes. Temos agora o Verão, triste, deprimente, degradante e revoltoso. São hectares de floresta ardida, casas, animais. São populações em desespero. São bombeiros extenuados. E políticos, claro, sempre preocupados, vigilantes e promissores.

Não será já tempo de usarmos eficazmente o exército e a força aérea no patrulhamento das nossas florestas? E a comunidade prisional na limpeza dos matos?

Se em relação às forças militares não há dúvida que o inimigo não é só externo mas também pode ser interno, já a ocupação da comunidade prisional na limpeza de matos levanta problemas axiológicos políticos: pode parecer mal; pode ser entendido como trabalhos forçados; pode dividir a esquerda nos direitos, liberdades e garantias constitucionais; pode rotular a direita de extrema e opressora.

Pois pode. É um facto.

Além de que obrigava a rever tanta coisa: legislação, modelos de gestão, carreiras militares, operacionalidade dos serviços prisionais, equipamentos, ordenamento do território

Será então melhor deixar correr tudo como até aqui. Fazendo mais do mesmo, colhendo o mesmo que nada. Como sempre. Como é natural no nosso cinzento de alma triste e predestinada, bem português. (Arteixei Rioma) Comentários: (1) Posted by Agildo at 03:02 PM

A queda das máscaras Na passada sexta-feira, assistiu-se em Portugal ao fim do baile de máscaras que começara com o pedido de demissão de José Manuel Durão Barroso do seu cargo de Primeiro-ministro para abraçar a patriótica carreira de Presidente da Comissão Europeia. A orquestra iniciara a sua melodia e o baile começara.

Principiou-se o cortejo de individualidades a Belém, tais Reis Magos a levar ao Presidente da República (doravante PR) ofertas de sabedoria e experiência para que este pudesse tomar uma decisão. Um a um, entravam e saíam de Belém, ora mudos ora opinativos, para serem escutados pelo PR. E nós assistíamos num misto de preocupação e de expectativa, tentando interpretar os sinais que daquela peregrinação emergiam. Somando a reacção dos partidos políticos e de analistas, a preocupação aumentava a par da expectativa. E assim esteve Portugal suspenso, com aquele ambiente que evidencia algo de novo e que ao mesmo tempo alerta os sentidos para a mudança.

Foram dias e dias corridos, em que se foi firmando a ideia de que o PR estava preocupado com o que se passava no país e que tinha consciência da necessidade de agir. Pelo menos era essa a ideia que se ia vincando na mente da maior parte de nós. O que tornava compreensível a delonga. Dias e dias de audições avolumavam a responsabilidade que pendia sobre os ombros do PR. Ainda mais tendo em conta a posição crítica tantas vezes protagonizada pelo PR quanto às políticas seguidas pelo governo, a sua crescente reacção alérgica ao fundamentalismo da consolidação das contas públicas, o seu discurso nos trinta anos da Revolução de Abril na Assembleia da República e a sua mensagem ao Parlamento genericamente interpretada como puxão de orelhas ao governo. Sem falar nos resultados das últimas eleições que obrigaram José Manuel Durão Barroso a prometer mais e melhor, pese embora sem alteração de rumo.

O resultado do somatório do tempo com os factos, indiciava a convocação de eleições antecipadas. Uma decisão tão difícil quanto legítima, mas que exigia a auscultação de responsáveis políticos e de personalidades na impossibilidade de se auscultar directamente o povo. Aparentava-se uma recolha de sinais por todos os quadrantes da sociedade portuguesa para sustentar, repito, uma difícil e legítima decisão de convocação de eleições antecipadas. Se assim não fosse, como se justificava tanto tempo, tanta auscultação, tanto cortejo.

Por fim, e como “agravante”, o PR resolveu convocar o Conselho de Estado, evidenciando que logo de seguida tomaria uma decisão. Ora, em caso de eleições antecipadas, a convocação prévia do Conselho de Estado é legal e constitucionalmente exigida.

Era, por isso, natural a confiança das forças políticas de esquerda na decisão do PR em eleições antecipadas. E era também natural a preocupação das forças políticas de direita.

Se por um lado, Ferro Rodrigues, após o sucesso obtido pelo seu partido nas últimas eleições tinha a sua derradeira oportunidade de ir a votos para constituir governo, após um longo e desgastante combate, Pedro Santana Lopes estava na eminência, uma vez mais, de ter de convencer os seus pares e de unir o partido à volta da sua liderança.

Não acredito que a maior parte da população não esperasse outra coisa que não a convocação de eleições antecipadas, concordasse ou não.

Porém, às 21.15 de sexta-feira, a nove de Julho de 2004, o PR parou o corrupio e pronunciou-se, e o final foi tão surpreendente quanto decepcionante.

A mim não me decepcionou o simples facto do PR não ter convocado eleições antecipadas. Fosse qual fosse a sua decisão final, sempre defendi que era legítima.

O que eu não aceito é o estilo e a argumentação da decisão do PR.

O estilo foi maçador. O PR demorou muito tempo para tomar um a decisão. Demasiado tempo. Criou ilusões de uma decisão difícil para, no fim, tomar a decisão mais fácil, aquela que não carecia de leituras políticas, de auscultações, de interpretação de sinais. Bastava cumprir a lei em sentido estrito, respeitando, sem mais, a maioria parlamentar existente e o processo estatutário do PSD de indicação do novo líder. Não era necessário rigorosamente mais nada. Uma vez conhecido o sucessor de José Manuel Durão Barroso, ouviria os líderes da coligação e decidia com base no compromisso da estabilidade governativa que estes últimos teriam de assumir. Isto, porque nas suas palavras, o PR disse claramente à nação que a dissolução da Assembleia da República seria a pior das soluções para a estabilidade política, tanto mais que a maioria parlamentar lhe garantiu poder constituir um novo governo que cumprisse o programa.

Afinal de contas para quê tanto tempo? Para que foram escutados, por exemplo, João Salgueiro ou Maria de Lurdes Pintasilgo? Alguém sabe para quê ou com que finalidade?

O PR arrastou-se e com ele arrastou o país, fazendo-o esperar numa corrida em que a sua desvantagem para o pelotão da frente é enorme, cada vez maior. Revelou uma total incompetência na gestão do tempo e um profundo desrespeito pelos anseios do povo. Acabou para contribuir para o problema ao invés de fazer parte da solução.

Mas o pior não foi isso.

O pior é que na sua mensagem ao país viu-se cair a sua máscara. Ninguém pode dizer que aquele PR que falou na sexta-feira de prossecução das políticas do governo era o mesmo que as criticava em momentos de solenidade. O PR que tanto auscultou a sociedade portuguesa para se pronunciar, apareceu depois como mero executor de preceitos constitucionais. E pior do que isso, a queda da máscara revelou um PR que prometeu o que sabia ser falso: estar vigilante a quem deu um claro voto de confiança. Como se estiveste disposto a dissolver o Parlamento se o governo não agisse em rigoroso respeito pela prossecução das suas políticas essenciais (as que tanto criticara), quando não o fez agora. Na verdade, o PR abdicou da sua intervenção política concreta e do seu sentido crítico responsável como garante máximo da nação, até ao fim do seu mandato.

Foi um PR desconcertante aquele que vi na sexta-feira. Um PR que parecia não estar a sustentar uma decisão legítima, que sem dúvida que é, mas antes a desculpar-se.

Mas esta não foi a única máscara que caiu na pretérita sexta-feira. Caiu também a máscara de Ferro Rodrigues, que tanto apregoou a confiança no PR, que tanto acreditou na convocação de eleições antecipadas que ao desiludir-se tomou uma decisão antes que a tomassem por ele: demitiu-se. Caiu a máscara do líder. A máscara que há muito lhe pesava no rosto, uma autêntica e genuína máscara de ferro.

Ferro Rodrigues aproveitou a ocasião da desilusão colectiva dos socialistas, para se retirar a tempo de receber alguns aplausos e umas tantas medalhas de sacrifício. Foi a oportunidade de sair como vítima antes que fosse empurrado por ser culpado. Mas exagerou na postura, atacando de modo incoerente o PR. Não havia mais a necessidade de defender a figura institucional do PR, a legitimidade da sua decisão. Fosse qual fosse a decisão, se Ferro Rodrigues não fosse já um líder em decadência, sempre se respeitaria a legitimidade da mesma. Mas não era. Estava gasto, cansado, sem resposta alternativa à direita e sem iniciativa política.

Se a máscara de Ferro Rodrigues caiu por necessário efeito do cansaço e do vazio, já a do PR não teve qualquer razão plausível.

Foi pena, era evitável, mas parece ser a nossa sina: os políticos continuam a viver num mundo à parte do nosso. (Arteixei Rioma) Comentários: (2) Posted by Agildo at 06:26 PM

Um coelho da cartola Um final de tarde triste, de céu macilento brindou a minha saída do escritório. Em bom rigor não era já final de tarde, era um pouco mais do que isso, cerca das 21 horas. Tomei a rotineira prática resultante de gestos mecanizados: abrir e fechar portas, ligar o motor, introduzir e retirar o cartão do parque e iniciar marcha por entre alcatrão remendado e desconcertante empedrado. Tudo normal, tudo habitual, perfeitamente identificável. Sucessivos compassos de espera, criados pelos circuitos alternativos que as obras de repavimentação causam sempre numa pequena cidade. Se bem que agora não se chame repavimentação, é um termo pobre, cheira a recauchutagem pelo que é desagradável e pouco estético. Agora chama-se requalificação urbana. É um conjunto de obras que grosso modo refaz o que já estava feito, mas acrescenta alcatrão, granito, repuxos e luzes. E não podemos esquecer as rotundas que são a grande solução actual para os cruzamentos. Aliás, vendo bem as coisas, a rotunda é uma solução tipicamente portuguesa: quando temos um problema, contornámo-lo. Nas rotundas é igual: contorna-se o problema do cruzamento, porque o pessoal é posto a contornar aquilo que seria o epicentro do problema. Talvez por isso as rotundas estejam a proliferar no nosso país, e a gente até ache bem. Qualquer um de nós sente-se à vontade a contornar as coisas, faz parte de nós, da nossa cultura: dar a volta.

Mas este é apenas um dos aspectos do meu fim de tarde de ontem. Fim de tarde não é bem assim, já passava das 21 horas. Mas adiante. Algum trânsito pela sucessiva paragem de alguns que queriam espreitar as obras ao mesmo tempo que circundavam por caminhos alternativos. Um ou outro lá espreitava para ver o que se estava a passar, ao mesmo tempo que tentava perceber o novo esquema rodoviário que as obras implicavam para que no dia seguinte pudessem ter maior certeza quanto aos trajectos a escolher. Claro que se trata de percursos provisórios, mas já se sabe da tendencial estabilidade do provisório nestas matérias. Quase sempre a precariedade do provisório em Portugal garante-nos sempre alguma segurança, chegando mesmo, por vezes, a consolidar-se em definitivo. O certo é que se andava devagar, quando se andava, e alguns olhavam em volta notoriamente à procura de uma qualquer indicação, algo que lhes explicasse o que se estava a passar, como se aquilo fosse uma visita guiada a um museu ou à casa onde outrora viveu alguém que se tornou santo e tudo se encontra legendado e a guia explica toda a panóplia de coisas expostas aos olhos dos curiosos: a bíblia, as imagens santas, a cadeira velha e ensebada, a almofada que usava para rezar, a placa dos dentes, o pote. Parecia uma visita de estudo, do estilo “drive pass”. Parecia, mas não era e talvez por isso alguns que não estavam a gostar do cortejo iniciaram a desgarrada de buzinas. Não sei se pelas manifestações sonoras, mas o corteja desfez-se passado pouco tempo.

Uma vez tomada a estrada lembrei-me que o carro tinha rádio e resolvi ligá-lo. Após três saltos de estações, descansei num noticiário. Não estava à espera de novidades: já sabia que o Presidente da República havia convocado o Conselho de Estado para sexta-feira (hoje) e já sabia o que pensava Santana Lopes, Ferro Rodrigues, Vítor Constâncio. Dificilmente seria surpreso por alguma coisa. Aliás em plena contagem decrescente da decisão presidencial, e atento o seu longo curso, até ela mesma arrisca-se a deixar de ser novidade. Tudo tão simples quanto prático: a esquerda quer eleições e a direita não quer. Depois soma-se a tomada de posição de individualidades e temos o quadro completo. Daqui não se poderia esperar surpresas. Lá de fora, quando muito, poderia vir algo, mas de onde: do Iraque? Dos EUA? De Israel? Da Palestina?

Dificilmente haveria novidades, apenas a repetição das mesmas vozes, das mesmas palavras, das mesmas especulações e das mesmas convicções captadas isoladamente que depois são amassadas em conjunto para fazerem a papa com que nos alimentam durante os noticiários. Mas mesmo assim eu escolhi o noticiário. Mesmo apesar de não esperar novidades. Mesmo apesar de não esperar nada de fora do comum, que suscitasse curiosidade, como a produção de bananas com sabor a outros frutos, nomeadamente a morango, já noticiada pela Chiquita Internacional durante esta semana. Uma novidade que rivaliza de igual para igual com as novidades que nos chegam de Saturno. Foi tornado público por um dos directores da Chiquita Internacional que estão a apostar na produção de bananas com sabor a outros frutos, nomeadamente, repito, a morango. Tudo porque segundo aquele responsável a banana tem vindo a perder o interesse pelos consumidores. Pelos vistos em termos de mercado a banana acusa algum desgaste e há quem esteja a preparar-se para recuperar esse interesse. Coisas de mercado. Foi dada a garantia que as bananas não sofrem alterações genéticas muito embora não tenha sido revelada a técnica. Assim, sim, são novidades que valem a pena saber: um dia poderemos comer bananas com sabor laranja ou até mesmo a presunto. É o tipo de novidade que nos faz sentir bem, que nos põe bem dispostos e que reflexamente nos mexe com a imaginação.

Ouvi toda sequela informativa e quando menos esperava, algo me captou a atenção: Jorge Coelho, coordenador autárquico do PS, a lançar um alerta geral ao seu partido em tom grave e sério, para a necessidade de haver muita união porque Santana Lopes, em caso de eleições antecipadas, é um adversário muito perigoso.

Ouvi e não quis acreditar. O PS a fazer campanha por Santana Lopes?! Mas será que Santana Lopes não é já suficientemente mediático que ainda precisa de Jorge Coelho para ser falado?!

Ouvi e tentei reflectir naquele alerta de Jorge Coelho. Estava preocupado, e muito, com o facto do PS ter de enfrentar Santana Lopes, não o PSD e o seu programa, mas Santana Lopes em pessoa, em carne e osso, em estilo mediático, galanteador e sedutor das massas. Percebi então o pesadelo de Jorge Coelho: comparou Ferro a Santana e assustou-se. Daí a necessidade de mobilização do PS em bloco. E essa mobilização se tiver de passar pela contraposição de ideias, pela apresentação de soluções credíveis que anulem o discurso e a postura mediaticamente populista de Santana Lopes, paciência. Dá mais trabalho: tem de se puxar a arena política para o campo das ideias, tem de se fazer compromissos profundos e sérios com o eleitorado. Paciência, terá de ser feito. Isto porque Santana Lopes é um adversário perigoso e assim o PS tem de se mobilizar em pleno, usar de todas as suas forças e argumentos.

Foi, possivelmente, um dos melhores elogios que Santana Lopes alguma vez recebeu de um adversário: o toque do alarme pela sua chegada. Mas compreende-se Jorge Coelho, o seu medo, para não dizer pânico. O PS não teve tempo de se renovar, manteve um secretário-geral que parte com uma imagem já muito desgastada junto do eleitorado quer por azar quer por mérito próprio. E este é o verdadeiro ponto fraco do PS em caso de eleições antecipadas: a imagem mediática do seu líder. E por azar, o ponto forte de Santana Lopes. O PS vai ter de se elevar acima da pessoa do seu líder, o que aliás sempre teria de o fazer. Mas o pior é que vai ter de trabalhar no campo estritamente político e ideológico. E isso é terrível. E é essa consciência do terrível que assola Jorge Coelho. A consciência do terrível que pode ser para um partido a palavra, a convicção, a ideia, a solução, o compromisso.

Afinal de contas sempre houve uma novidade, que vale mais pelo que se reflecte sobre ela do que pelo que conta. Num fim de tarde, que já não era bem fim de tarde pois passava das 21 horas, alguém conseguiu tirar um coelho da cartola, e o interessante é que foi o próprio. (Arteixei Rioma)

Comentários: (1) Posted by Agildo at 01:32 PM

"Here we may reign secure..." “Here we may reign secure; and in my choice

To reign is worth ambition, though in hell:

Better to reign in hell than serve in heaven.”

John Milton (1608-1674) in Paradise Lost (1667).

Teria sido muito proveitoso a José Manuel Durão Barroso, ler aquela obra de John Milton. Talvez assim poderia ter tido maior pudor em classificar de interesse nacional a sua ida para Bruxelas. Talvez assim tivesse até decidido ficar ao invés de partir.

Mas não.

Partiu consciente que fugia. Consciente que deixava para trás todos os que o elegeram. Consciente que dias antes prometera fazer mais e melhor por Portugal face a resultados eleitorais claramente reflexos do desalento e do descrédito da sua política.

Reactivamente José Manuel Durão Barroso garantiu que não iria mudar a sua postura, porque acreditava naquilo que fazia. Acreditava que aquele era o caminho. Acreditava que os sacrifícios exigidos ao povo eram necessários e que já começavam a dar frutos.

Pelo menos dizia acreditar.

Quem votou PSD nas últimas eleições não votou para o governo que José Manuel Durão Barroso constitui em aliança com o PP. Mas era um governo legítimo, suportado e sustentado por uma maioria parlamentar.

Faltou a coragem necessária, que se exige aos líderes, para constituir um governo minoritário. Faltou coragem em afrontar a oposição quando chegasse a discussão do Orçamento de Estado. Faltou coragem em apostar na inversão do ónus da prova e responsabilizar a oposição, desafiando-a votar contra o Orçamento de Estado, contra as Grandes Opções do Plano. Faltou coragem em obrigar a oposição a tomar posição, a derrubar o governo se caso assim fosse.

Faltou coragem de ir à luta.

Pode-se argumentar: o momento não era oportuno; era necessário criar a todo o custo a estabilidade governativa para implantar medidas de austeridade; vivia-se tempos difíceis e limitadores.

Pois bem, a aliança foi feita e seguiram-se dois anos de custos sociais e económicos. Foram dois anos de oficial austeridade, de apertos, de contenções, de dificuldades.

O pacto proposto por José Manuel Durão Barroso a Portugal foi muito claro: teremos dias difíceis, teremos de fazer sacrifícios mas tudo quanto penarmos será para construir um Portugal moderno, com contas públicas equilibradas, que aposta na eficácia e na racionalidade, na inovação e na ciência.

Ainda vegetava (e pelos vistos continua) a propalada retoma económica e já o autor do pacto, em conjuntura de efervescente delírio português com o Euro 2004, comunicava a sua decisão de ir para Bruxelas, a reboque de um convite que fazia dele a terceira escolha.

Pela segunda vez faltou coragem.

Como as palavras de John Milton fizeram falta a José Manuel Durão Barroso. Não apenas as palavras mas o carácter e a têmpera que as ordena. Jamais teria trocado a dificuldade pelo prestígio, a luta pelo conforto, a pátria pela carreira.

Não retomo a análise da oportunidade da decisão nem do seu mérito, o que já fiz de modo suficientemente claro noutros textos. Mas quero abordar outras inquietações que, aos poucos, vão surgindo na alma inquieta portuguesa.

Vivemos um momento de patente dúvida, de expectativa e de receios.

Independentemente da decisão do Presidente da República, qualquer que seja ela, é legítima e própria, temos o direito de nos interrogar sobre o carácter e a personalidade de quem se apresenta ao povo para dirigir os destinos da nação e qual o papel dos partidos políticos. De que massa é feita a nossa classe política? O que move realmente os partidos políticos?

Pessoalmente tenho algumas dúvidas acerca do valor da classe política em geral. Não defendo a tese catastrófica de que nada está bem, que vivemos no caos, que não há gente capaz e voluntariosa. Parece é que temos um enorme défice de líderes. Não na quantidade mas sim na qualidade. Faltam homens e mulheres com ideias concretas, com um sentido de vida, um sentido de Estado. Ideias concretas. Gente capaz de corrigir o que está mal, que toda gente sabe que está mal, mas que perdura. Gente capaz de motivar a transformação. Gente que apresente soluções e as ponha em prática. Basicamente, gente que cumpra o que promete.

Claro que nada disto é fácil. Claro que nada disto se faz por mero decreto ou por fórmula matemática. Mas tão claro é isso quanto o facto de cada vez mais ser necessário gente assim.

Espantem-se depois com o descrédito em que tem vindo a mergulhar a nossa classe política. Espantem-se com a crescente aversão do povo quanto à discussão da coisa pública. Espantem-se com o alheamento do povo aos actos eleitorais. Espantem-se com a malquerença, com a suspeição e o absentismo.

Alguém até hoje se preocupou em estudar as motivações daqueles que votam em branco? Em saber porque é que há gente que abdica do conforto do sofá, desloca-se a uma mesa de voto, identifica-se, toma o boletim de voto e o introduz em branco na urna? O que motiva alguém a exercer o seu direito de voto, considerando-o também um dever de cidadania, manifestando um claro repúdio por todos quantos se candidatam?

Após o último livro de José Saramago, “Ensaio sobre a Lucidez”, a classe política, um pouco por todo o lado, criticou a ideia tacitamente defendida por aquele autor no recurso ao voto em branco por banda daqueles que não se revêem em qualquer partido político ou candidato.

Não importa agora analisar a ideia de José Saramago em relação à sua própria pessoa. Importa, sim, a ideia em si mesma. Todo o cidadão tem o direito democraticamente legítimo de manifestar o seu desafecto aos partidos e candidatos concorrentes. Para isso tem o trabalho de ir votar. De manifestar a sua opinião, de se expressar. Não se confunda com quem não vota, quem prefere a praia ou pinhal, desvalorizando um direito que se conquistou.

É óbvio que a ideia de voto em branco para a classe política é inaceitável, criticável. Mas isso é assim porque não aceita a crítica que está implícita no voto em branco. Não aceita nem lhe convém aceitar o cabal e inequívoco atestado de incapacidade e incompetência que o voto em branco representa.

Custa-me por isso ver o fervor corporativo com que os partidos políticos reagem ao voto em branco. A sobranceria que denunciam e a altivez em que se colocam ao abordar o voto em branco, acabam por delatar a sua incapacidade e, pior, o seu desinteresse de perceberem que algo está mal.

Por vezes a luta política partidária tanto sobe no tom que abafa a voz daqueles que deveriam ser ouvidos. A discussão entre partidos políticos chega ao cúmulo de se falar no povo e nas suas aspirações como se de uma criança se tratasse. Argumenta-se, exemplifica-se, metaforiza-se, contesta-se, rebate-se e contrapõe-se. Mas de concreto, raramente alguém apresenta uma solução. A moda é falar-se de princípios enformadores, de linhas de orientação, directrizes. Rara é a vez que alguém diz, concretamente, como vai resolver, por exemplo, os problemas da justiça. Dando meios mais eficazes aos tribunais, assegurando uma melhor e mais célere comunicação entre os vários agentes da justiça Mas como? Como é que isso se faz? Alguém diz? Alguém ao menos sabe como se faz?

É bem mais simples fazer pavilhões, estádios e pontes.

Fossem os partidos políticos tão claros nos seus programas eleitorais, quanto são palpáveis e concretas as obra de betão. Estas ao menos o povo vê, toca.

O que fica então dos partidos políticos é a dinâmica própria de cada um, a mediatização das suas figuras, dos seus líderes. Pouco mais resta. Sem desprimor da importância que os partidos políticos têm na vida democrática do país. Mas é uma importância de terceiro grau. Isto porque é bom que os partidos políticos se recordem que acima deles está a democracia e acima desta está Portugal.

Mas também é bom que o povo não adormeça, é importante que esteja atento. Porque nunca se sabe se entretanto surge alguém que leu John Milton e se está disposto a reinar no inferno ao invés de servir no céu.

(Arteixei Rioma) Comentários: (3) Posted by Agildo at 02:51 PM

O país do fogo de artifício Não há festa popular em Portugal que não cuide de ter fogo de artifício a iluminar o céu, como lacre exuberante do encerramento festivo. São centenas, milhares de pontos luminosos que salpicam o breu da noite com as cores do arco-íris. Por breves instantes, tão intensos quanto efémeros, aqueles pontos de luz dão vida e alegria ao negro capote da noite. São manifestações de cor que se anunciam por petardos, compondo o espectáculo e a ilusão.

É assim em todas as cidades, vilas e aldeias de Portugal.

Tudo por uns breves instantes de beleza, fascínio, alegria, entusiasmo, sorvidos avidamente pelos olhos do povo. Para no fim tudo voltar à escuridão, ao negro e às trevas.

É esta a síntese do espectáculo do fogo de artifício, e tão portuguesa que ela é: uns breves minutos de explosão de cores, de fulminante esplendor para compensar horas de trânsito, calcadelas, empurrões, o barulho dos altifalantes das cassetes e dos leilões, os atropelos do corrupio da canalha, as roupas empoeiradas e em desalinho, os sapatos amassados e conspurcados, a paleta de odores de suor, os palavrões e os desordeiros.

É esta a síntese, também, do Portugal dos nossos dias. Nos tempos de hoje os nossos olhos são iludidos com as cores fugazes de grandes eventos, mormente catalogados por mentes brilhantes e iluminadas como “desígnios nacionais”.

Nos dias que correm, o conceito de “desígnio nacional” é tudo aquilo susceptível de atrair e manipular as massas com vista a um determinado feito. Seja uma exposição mundial, um campeonato europeu de futebol ou os jogos olímpicos. O que importa é que se crie a convicção nas massas que é bom para Portugal, que vai projectar a imagem do país além fronteiras, que nos vai tornar mais conhecidos, que nos vai granjear maior prestígio e respeito. Depois é só aproveitar essa convicção para que se mobilize toda a gente a participar, a comprar bilhetes, adereços, a ganhar vontade, desejo em conhecer, ver, estar lá, e depois poder dizer “eu fui”. As pessoas animam, sorriem, sonham. Tornam-se curiosas, orgulhosas. Finalmente surge algo que dá cor ao pardacento modo de viver neste país. Desperta em nós uma necessidade de satisfação.

Assim, investem-se milhões em betão, faz-se obra palpável, matéria física que se toca, que se sente, que se vê e se aprecia. Formas, espaços e volumes. Podemos caminhar sobre elas, subir os seus degraus, contemplar do alto. Está ali, existe, é concreto.

Não são discursos, promessas, projectos, visões, modelos, reformas ou programas.

Mas ao mesmo tempo, não deixam de ser encenações conspirativas, manhas e artes da ilusão pelo fascínio. Tal como o fogo de artificio.

É esta a nossa síntese portuguesa dos dias de hoje: breves momentos de euforia, de quimera, de luz. Uma luz ainda que breve mas que rompe a letargia melancólica, a modorra, a apatia.

E destes pequenos fascínios vamos vivendo, adiando sempre o que realmente falta construir, edificar, implantar, instituir, tornar matéria, tornar concreto.

Somos primordialmente outonais. Somos fado, somos saudade.

Todos os dias se protesta numa qualquer instituição do Estado, por diversos motivos, razões e interesses. Não há dia que alguém não se queixe legitimamente das condições de trabalho, do atendimento, das demoras, das filas, dos papéis, dos abusos, das ignorâncias, da arrogância e de tudo mais. Constantemente se invoca a cidadania, direitos, liberdades, garantias, inovação, evolução, qualidade, estruturação, desenvolvimento, eficácia, rentabilização. São palavras que invariavelmente estão na ordem do dia do discurso político e que pese embora façam parte do acervo cultural e social de cada um de nós, perpetuam-se na imobilidade, no adiamento, na petrificação conveniente.

Além das grandes iniciativas materializadas em betão, dos pavilhões, dos estádios e pontes, sobra muito pouco de concreto, sobra muito pouco de que nos possamos orgulhar verdadeiramente. Continuamos a padecer dos mesmos males na saúde, no ensino ou na justiça. Os mesmos males que dão o tiro de partida para a marcha de tantos projectos e reformas que se apregoam como urgentes e essenciais. Um tiro de partida que, invariavelmente, atinge o pé que inicia a marcha. Manca-se, tropeça-se, retrocede-se.

O mesmo cidadão que pode apreciar o Parque das Nações ou ver um jogo de futebol em dia de chuva sem se molhar, é o mesmo que se enfileira nas listas de espera do hospital, que aguarda que justiça seja feita nos tribunais, que foge aos buracos das ruas, que se sente inseguro, que se tem de aventurar nas estradas do seu país por sinalização deficiente, que não tem transportes públicos satisfatórios, que vive numa cidade sem ordem urbanística, que tem de aguardar em salas de espera decadentes e bafientas pelo parente que se encontra numa urgência hospitalar, que perde horas e horas da sua vida numa repartição para tratar de uma qualquer burocracia, que regressa a casa cansado do trabalho e do trânsito, sabendo que no dia seguinte tudo se vai repetir novamente.

É este o rosário de muita gente. Um rosário triste, fatídico, melancólico e entediante. Um cansaço que busca o conforto pelo preço da perigosa indiferença à política. A perda do sonho, da utopia, do idealismo e, por fim, da esperança.

Estranhem que o povo vibre com o futebol. Estranhem que o povo sonhe com campeonatos, taças e títulos. Estranhem que o povo anseie e devore uma Expo98. Estranhem que delire com o Euro 2004. Estranhem que se orgulhe do seu clube campeão. E que por isso saia às ruas, se manifeste.

Afinal de contas não são estes episódios fugidios das nossas vidas que ainda vão pincelando alguma cor ao quadro soturno do nosso país? Não são estes momentos que nos ressuscitam o sorriso? Que nos trazem à memória a alegria? Que nos fazem pensar e acreditar do que somos capazes?

Digam se depois da poeira, das cotoveladas, das calcadelas, dos empurrões e dos amasses, temos ou não direito a um fogo de artifício? A um pouco de beleza? A um pouco de ilusão?

Temos. Tristemente temos.

(Arteixei Rioma) Comentários: (1) Posted by Agildo at 03:34 PM

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