Auditoria nacional à Casa do Gaiato avaliada pela comissão de protecção de menores

16-12-2004
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Auditoria Nacional à Casa do Gaiato Avaliada pela Comissão de Protecção de Menores

Por ALEXANDRA CAMPOS E ANTÓNIO MARUJO

Segunda-feira, 13 de Dezembro de 2004 Meio ano após a conclusão do relatório da Inspecção-Geral do Ministério da Segurança Social (IGMSS) que fala em indícios de maus tratos físicos e psicológicos na Casa do Gaiato (CG), a Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco vai avaliar hoje o documento, para decidir se se justifica ou não que as comissões municipais deixem de enviar menores para a famosa instituição criada pelo padre Américo Aguiar há mais de seis décadas, enquanto o processo não for clarificado. Admitindo que teve acesso às conclusões do relatório há já algum tempo, a presidente da Comissão Nacional, Dulce Rocha, justifica o facto de não ter avisado ainda as comissões municipais de protecção de crianças e jovens alegando que o documento trazia o carimbo de confidencial e que qualquer tipo de decisão a este nível deve ser tomado por todos os elementos da Comissão. Enquanto isso, no próximo sábado, um grupo de personalidades que decidiu constituir uma Associação de Amigos da Casa do Gaiato, na sequência da divulgação do relatório da IMGSS, vai deslocar-se à sede da instituição, em Paço de Sousa (Penafiel), para manifestar a sua solidariedade para com a instituição, que considera injustamente atacada no relatório. A divulgação das conclusões da IGMSS desencadeou, aliás, nas últimas semanas, manifestações de repúdio de várias pessoas, que dizem não acreditar na maior parte das conclusões do documento e o classificam como desajustado e exagerado. Concluído em Junho, o relatório terá apanhado de surpresa - pela dureza das suas conclusões - os próprios responsáveis ministeriais, que estão a tratar o assunto com pinças e encarregaram uma comissão presidida pelo juiz Armando Leandro de convencer os padres à frente da Obra da Rua (como também é conhecida a instituição criada pelo padre Américo) a fazer uma série de alterações. Depois de o PÚBLICO ter divulgado o relatório, o ministro da Segurança Social, da Família e da Criança, Fernando Negrão, anunciou que ia avançar com uma intervenção na instituição, a qual seria protagonizada por uma equipa mista, envolvendo técnicos da Segurança Social e da CG. O governante adianta agora que a ideia é tão-só a de criar "mecanismos que possam melhorar o que possa estar menos bem" (ver texto abaixo). Uma intervenção bem menos radical do que a preconizada no relatório - que sugeria a retirada imediata dos menores acolhidos na Casa do Gaiato ou, em alternativa, a colocação de equipas da Segurança Social em todos os estabelecimentos da Obra. Resta saber se os responsáveis da instituição estão abertos à intervenção preconizada por Fernando Negrão. Inconformado com o teor do documento, e apoiado em mais de meio século de experiência - "estamos fartos de educar gerações de rapazes" -, o padre Acílio Fernandes afirma que não está disposto a deixar entrar na CG mais técnicos da Segurança Social. O bispo do Porto - a quem a IGMSS enviou o relatório, mal este ficou pronto em Junho - chamou os padres, logo no mês seguinte, e tentou sensibilizá-los para a eventualidade de uma intervenção estatal na instituição. "Disse-nos que o melhor era a Casa do Gaiato abrir-se. E eu disse: 'Nem que nos cortem a cabeça'". O sacerdote prepara-se agora para falar com Fernando Negrão, que o convidou para um encontro. Mas avisa, desde logo: "Os princípios pedagógicos do padre Américo são intocáveis". Entretanto, nas diversas comarcas onde existem casas da Obra da Rua, o Ministério Público abriu já inquéritos para averiguar os indícios de maus tratos referidos no relatório, mas tudo indica que acabarão por ser arquivados, à semelhança do que já aconteceu com 11 processos em que o padre Acílio foi visado, durante a sua permanência à frente dos destinos da Casa de Setúbal. "Para haver maus tratos, é necessário que haja má fé. E o que parece suceder é que os responsáveis da CG são acusados por práticas que sempre aplicaram e consideram as mais indicadas para a educação dos rapazes", explicou ao PÚBLICO um magistrado conhecedor da situação. Seja como for, esta é uma etapa decisiva de um processo que começou com uma mera denúncia, em Abril de 2001, de dois irmãos que fugiram de Paço de Sousa, dizendo-se vítimas de abusos sexuais por parte de colegas mais velhos. Uma denúncia que permanece desde essa altura em investigação e em segredo de justiça no Ministério Público junto ao Tribunal de Penafiel, até porque ficou a aguardar pela conclusão da auditoria da IGMSS. Na sequência da denúncia, depois de uma primeira visita e um processo de averiguações, os inspectores elaboraram então um primeiro relatório muito crítico, em que falavam de "castigos" que incluiriam "coças com paus, cabos de vassoura e réguas", em "trabalho infantil" e ainda "em abusos sexuais generalizados". E sugeriram a imediata realização de uma auditoria a todas as casas. O relatório só sairia da gaveta depois de rebentar o escândalo da Casa Pia de Lisboa e de o "Diário de Notícias" o ter divulgado, em Novembro de 2002. Dias mais tarde, o então ministro da Segurança Social, Bagão Félix, mandou avançar com a auditoria a nível nacional, concluída um ano e meio ano depois, já quando Bagão estava de saída para o Ministério das Finanças. Desta vez, a IGMSS ouviu 286 dos 482 rapazes acolhidos nas cinco casas e quatro lares que a Obra da Rua tem no país. Ou seja, todos os que se mostraram disponíveis para falar. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Auditoria nacional à Casa do Gaiato avaliada pela comissão de protecção de menores

Fugas e reinserções

Ministro fala de "indícios de natureza criminal"

Meter-se na fossa para ser adoptado pelos gaiatos

"É bom saberem fazer um guisado"

A filosofia da Casa do Gaiato "está ultrapassada"

O padre Américo "já deve ter dado milhares de voltas na sepultura"

A filosofia da Casa do Gaiato "está ultrapassada"

Auditoria Nacional à Casa do Gaiato Avaliada pela Comissão de Protecção de Menores

Por ALEXANDRA CAMPOS E ANTÓNIO MARUJO

Segunda-feira, 13 de Dezembro de 2004 Meio ano após a conclusão do relatório da Inspecção-Geral do Ministério da Segurança Social (IGMSS) que fala em indícios de maus tratos físicos e psicológicos na Casa do Gaiato (CG), a Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco vai avaliar hoje o documento, para decidir se se justifica ou não que as comissões municipais deixem de enviar menores para a famosa instituição criada pelo padre Américo Aguiar há mais de seis décadas, enquanto o processo não for clarificado. Admitindo que teve acesso às conclusões do relatório há já algum tempo, a presidente da Comissão Nacional, Dulce Rocha, justifica o facto de não ter avisado ainda as comissões municipais de protecção de crianças e jovens alegando que o documento trazia o carimbo de confidencial e que qualquer tipo de decisão a este nível deve ser tomado por todos os elementos da Comissão. Enquanto isso, no próximo sábado, um grupo de personalidades que decidiu constituir uma Associação de Amigos da Casa do Gaiato, na sequência da divulgação do relatório da IMGSS, vai deslocar-se à sede da instituição, em Paço de Sousa (Penafiel), para manifestar a sua solidariedade para com a instituição, que considera injustamente atacada no relatório. A divulgação das conclusões da IGMSS desencadeou, aliás, nas últimas semanas, manifestações de repúdio de várias pessoas, que dizem não acreditar na maior parte das conclusões do documento e o classificam como desajustado e exagerado. Concluído em Junho, o relatório terá apanhado de surpresa - pela dureza das suas conclusões - os próprios responsáveis ministeriais, que estão a tratar o assunto com pinças e encarregaram uma comissão presidida pelo juiz Armando Leandro de convencer os padres à frente da Obra da Rua (como também é conhecida a instituição criada pelo padre Américo) a fazer uma série de alterações. Depois de o PÚBLICO ter divulgado o relatório, o ministro da Segurança Social, da Família e da Criança, Fernando Negrão, anunciou que ia avançar com uma intervenção na instituição, a qual seria protagonizada por uma equipa mista, envolvendo técnicos da Segurança Social e da CG. O governante adianta agora que a ideia é tão-só a de criar "mecanismos que possam melhorar o que possa estar menos bem" (ver texto abaixo). Uma intervenção bem menos radical do que a preconizada no relatório - que sugeria a retirada imediata dos menores acolhidos na Casa do Gaiato ou, em alternativa, a colocação de equipas da Segurança Social em todos os estabelecimentos da Obra. Resta saber se os responsáveis da instituição estão abertos à intervenção preconizada por Fernando Negrão. Inconformado com o teor do documento, e apoiado em mais de meio século de experiência - "estamos fartos de educar gerações de rapazes" -, o padre Acílio Fernandes afirma que não está disposto a deixar entrar na CG mais técnicos da Segurança Social. O bispo do Porto - a quem a IGMSS enviou o relatório, mal este ficou pronto em Junho - chamou os padres, logo no mês seguinte, e tentou sensibilizá-los para a eventualidade de uma intervenção estatal na instituição. "Disse-nos que o melhor era a Casa do Gaiato abrir-se. E eu disse: 'Nem que nos cortem a cabeça'". O sacerdote prepara-se agora para falar com Fernando Negrão, que o convidou para um encontro. Mas avisa, desde logo: "Os princípios pedagógicos do padre Américo são intocáveis". Entretanto, nas diversas comarcas onde existem casas da Obra da Rua, o Ministério Público abriu já inquéritos para averiguar os indícios de maus tratos referidos no relatório, mas tudo indica que acabarão por ser arquivados, à semelhança do que já aconteceu com 11 processos em que o padre Acílio foi visado, durante a sua permanência à frente dos destinos da Casa de Setúbal. "Para haver maus tratos, é necessário que haja má fé. E o que parece suceder é que os responsáveis da CG são acusados por práticas que sempre aplicaram e consideram as mais indicadas para a educação dos rapazes", explicou ao PÚBLICO um magistrado conhecedor da situação. Seja como for, esta é uma etapa decisiva de um processo que começou com uma mera denúncia, em Abril de 2001, de dois irmãos que fugiram de Paço de Sousa, dizendo-se vítimas de abusos sexuais por parte de colegas mais velhos. Uma denúncia que permanece desde essa altura em investigação e em segredo de justiça no Ministério Público junto ao Tribunal de Penafiel, até porque ficou a aguardar pela conclusão da auditoria da IGMSS. Na sequência da denúncia, depois de uma primeira visita e um processo de averiguações, os inspectores elaboraram então um primeiro relatório muito crítico, em que falavam de "castigos" que incluiriam "coças com paus, cabos de vassoura e réguas", em "trabalho infantil" e ainda "em abusos sexuais generalizados". E sugeriram a imediata realização de uma auditoria a todas as casas. O relatório só sairia da gaveta depois de rebentar o escândalo da Casa Pia de Lisboa e de o "Diário de Notícias" o ter divulgado, em Novembro de 2002. Dias mais tarde, o então ministro da Segurança Social, Bagão Félix, mandou avançar com a auditoria a nível nacional, concluída um ano e meio ano depois, já quando Bagão estava de saída para o Ministério das Finanças. Desta vez, a IGMSS ouviu 286 dos 482 rapazes acolhidos nas cinco casas e quatro lares que a Obra da Rua tem no país. Ou seja, todos os que se mostraram disponíveis para falar. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Auditoria nacional à Casa do Gaiato avaliada pela comissão de protecção de menores

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"É bom saberem fazer um guisado"

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