Negrão "limitou-se a gerir o que é possível gerir"

15-12-2003
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Negrão "Limitou-se a Gerir o Que É Possível Gerir"

Por CATARINA GOMES

Sexta-feira, 05 de Dezembro de 2003

Pela primeira vez, este fim-de-semana, a Associação Centro Jovem Tejo vai ter que pedir comida à porta de supermercados para poder alimentar os utentes da sua comunidade terapêutica que tentam deixar a toxicodependência. Trata-se de uma das cerca de 30 instituições em dificuldades económicas depois de cinco meses sem receber verbas do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT). No dia em que passa um ano da tomada de posse do seu presidente, esta é a crise que Fernando Negrão tem em mãos.

O tom das críticas é comum. Qualquer tipo de inovação na área da toxicodependência parece estar fora do horizonte. A falta de verbas dita a continuidade dos programas vindos do Governo socialista, a avaliação dos projectos em curso está marcada para 2004, mas há dificuldades no terreno.

Elísio Barros, presidente da comunidade terapêutica Centro Jovem Tejo (no Barreiro) e membro da direcção da Federação Portuguesa de Instituições Sociais afectas à Prevenção de Toxicodependências (FPISPTG), afirma que em 15 anos a trabalhar na área da toxicodependência nunca passou por uma "situação tão dramática". As dívidas em atraso ascendem a cerca de 1, 3 milhões de euros (o IDT paga cerca de 650 euros por utente) e cerca de mil trabalhadores destas comunidades estão por receber. Chegaram à situação em que não podem alimentar os utentes e vão, este fim-de-semana, ter que pedir alimentos à porta de supermercados e ao Banco Alimentar contra a Fome. Na opinião de Elísio Barros, não foi criado nada de novo na área, Negrão "limitou-se a gerir o que é possível gerir" com o "orçamento de manutenção" que tem à disposição.

A culpa dos atrasos nos pagamentos é atribuída também a uma reestruturação da área que resultou em mais burocracias, acrescenta Helena Patrício Paes, presidente da Federação. O IDT perdeu a autonomia financeira e passou a depender do Ministério da Saúde. O gabinete do ministro Luís Filipe Pereira garantiu que, em princípio, regulariza a situação até meados de Dezembro.

"Pouca sensibilidade do Governo"

Para Vitalino Canas, anterior responsável político da área no Governo socialista, "o IDT está praticamente paralisado", mas a situação não é imputável a Negrão, deve-se "à ausência de vontade política e recursos nesta área", sintoma da "pouca sensibilidade do Governo para a área". "Nem sequer para o básico há dinheiro". Vitalino nota a descida de contaminados pelo HIV entre toxicodependentes como "um indicador positivo", fruto das políticas de redução de riscos, mas teme "más notícias" se continuar a "tendência de desinvestimento" nesta área.

Elza Pais, antecessora de Negrão no cargo, afirma que continuamos com "um gravíssimo problema ao nível dos consumos problemáticos", mas não vê "medidas inovadoras" nem "indícios de politica estruturada": "as seringas nas prisões não vão avançar, as salas de injecção assistida não vão avançar".

Mesmo na área da prevenção, onde está a tónica do discurso de Negrão, não se dá o passo em frente previsto no Plano de Acção Nacional de Luta contra a Droga que se está a aplicar: continua a apostar-se nos planos municipais de prevenção, mas não se avança para a inserção de conteúdos de prevenção da toxicodependência nos planos curriculares das escolas, defende. Ao mesmo tempo, refere que os novos consumos de drogas estão a ser descurados.

O fenómeno dos novos consumos drogas sintéticas está em ascensão, revelou o Inquérito Nacional em Meio Escolar de 2002, mas a intervenção em espaços nocturnos preparada a nível das capitais de distrito não está a ter continuidade, afirma Elza Pais.

Os testes de despistagem da composição das pastilhas de ecstasy, que funcionaram durante 18 meses e duas carrinhas em áreas de diversão nocturna da capital, "parou quando estavam a produzir frutos", afirma um técnico responsável dos chamados "Pontos de Contacto", que prefere não ser identificado. "Estavam localizados os circuitos de consumidores de pastilhas em Lisboa", afirma. "Tínhamos começado a conseguir chegar a situações problemáticas". Esta valência não foi absorvida por outra instituição, há uma lacuna", refere. Quanto ao futuro, "estamos a aguardar o que é que se vai passar para o ano".

Negrão "Limitou-se a Gerir o Que É Possível Gerir"

Por CATARINA GOMES

Sexta-feira, 05 de Dezembro de 2003

Pela primeira vez, este fim-de-semana, a Associação Centro Jovem Tejo vai ter que pedir comida à porta de supermercados para poder alimentar os utentes da sua comunidade terapêutica que tentam deixar a toxicodependência. Trata-se de uma das cerca de 30 instituições em dificuldades económicas depois de cinco meses sem receber verbas do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT). No dia em que passa um ano da tomada de posse do seu presidente, esta é a crise que Fernando Negrão tem em mãos.

O tom das críticas é comum. Qualquer tipo de inovação na área da toxicodependência parece estar fora do horizonte. A falta de verbas dita a continuidade dos programas vindos do Governo socialista, a avaliação dos projectos em curso está marcada para 2004, mas há dificuldades no terreno.

Elísio Barros, presidente da comunidade terapêutica Centro Jovem Tejo (no Barreiro) e membro da direcção da Federação Portuguesa de Instituições Sociais afectas à Prevenção de Toxicodependências (FPISPTG), afirma que em 15 anos a trabalhar na área da toxicodependência nunca passou por uma "situação tão dramática". As dívidas em atraso ascendem a cerca de 1, 3 milhões de euros (o IDT paga cerca de 650 euros por utente) e cerca de mil trabalhadores destas comunidades estão por receber. Chegaram à situação em que não podem alimentar os utentes e vão, este fim-de-semana, ter que pedir alimentos à porta de supermercados e ao Banco Alimentar contra a Fome. Na opinião de Elísio Barros, não foi criado nada de novo na área, Negrão "limitou-se a gerir o que é possível gerir" com o "orçamento de manutenção" que tem à disposição.

A culpa dos atrasos nos pagamentos é atribuída também a uma reestruturação da área que resultou em mais burocracias, acrescenta Helena Patrício Paes, presidente da Federação. O IDT perdeu a autonomia financeira e passou a depender do Ministério da Saúde. O gabinete do ministro Luís Filipe Pereira garantiu que, em princípio, regulariza a situação até meados de Dezembro.

"Pouca sensibilidade do Governo"

Para Vitalino Canas, anterior responsável político da área no Governo socialista, "o IDT está praticamente paralisado", mas a situação não é imputável a Negrão, deve-se "à ausência de vontade política e recursos nesta área", sintoma da "pouca sensibilidade do Governo para a área". "Nem sequer para o básico há dinheiro". Vitalino nota a descida de contaminados pelo HIV entre toxicodependentes como "um indicador positivo", fruto das políticas de redução de riscos, mas teme "más notícias" se continuar a "tendência de desinvestimento" nesta área.

Elza Pais, antecessora de Negrão no cargo, afirma que continuamos com "um gravíssimo problema ao nível dos consumos problemáticos", mas não vê "medidas inovadoras" nem "indícios de politica estruturada": "as seringas nas prisões não vão avançar, as salas de injecção assistida não vão avançar".

Mesmo na área da prevenção, onde está a tónica do discurso de Negrão, não se dá o passo em frente previsto no Plano de Acção Nacional de Luta contra a Droga que se está a aplicar: continua a apostar-se nos planos municipais de prevenção, mas não se avança para a inserção de conteúdos de prevenção da toxicodependência nos planos curriculares das escolas, defende. Ao mesmo tempo, refere que os novos consumos de drogas estão a ser descurados.

O fenómeno dos novos consumos drogas sintéticas está em ascensão, revelou o Inquérito Nacional em Meio Escolar de 2002, mas a intervenção em espaços nocturnos preparada a nível das capitais de distrito não está a ter continuidade, afirma Elza Pais.

Os testes de despistagem da composição das pastilhas de ecstasy, que funcionaram durante 18 meses e duas carrinhas em áreas de diversão nocturna da capital, "parou quando estavam a produzir frutos", afirma um técnico responsável dos chamados "Pontos de Contacto", que prefere não ser identificado. "Estavam localizados os circuitos de consumidores de pastilhas em Lisboa", afirma. "Tínhamos começado a conseguir chegar a situações problemáticas". Esta valência não foi absorvida por outra instituição, há uma lacuna", refere. Quanto ao futuro, "estamos a aguardar o que é que se vai passar para o ano".

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