A hora e a vez de Fernando Lopes

23-12-2002
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A Hora e a Vez de Fernando Lopes

Sexta-feira, 20 de Dezembro de 2002 Era assim que devia ser sempre: há uns meses quando a Atalanta estreou "O Delfim" de Fernando Lopes, achou por bem contextualizar o filme com duas obras essenciais da filmografia do mesmo realizador. Agora o aparecimento do mesmo filme em DVD, numa edição histórica, beneficia da mesma vantagem: já dispúnhamos no mercado de excelentes edições restauradas de "Belarmino" e de "Uma Abelha na Chuva". Não se trata apenas de serviço inestimável ao cinema português, trata-se de uma concepção de cinema produtiva, que não se faz por acumulação, mas por articulação. "Belarmino" possui um valor histórico indiscutível: depois de "Verdes Anos", traz o cinema para a rua, filma Lisboa com uma urgência e uma argúcia ainda hoje actuantes. Próximo do cinema-verdade, mas aceitando o jogo entre real e ficção, vira do avesso o clima bafiento de melodramas conformistas e de comédias estafadas que era o do cinema português dos anos 50. No centro, uma figura de pugilista que se assume como uma abstracção do português comum preso à sua condição, quase ao seu martírio, de ter nascido neste fim-de-mundo. Existe uma óbvia dimensão crística no combate final com um Belarmino (que nunca foi e nunca poderia ter sido campeão) enfraquecido e exposto. Isto mesmo destaca Fernando Lopes na imprescindível entrevista (cerca de 32 minutos), contendo uma análise minuciosa de objectivos e de resultados conseguidos, incluída no DVD, conduzida por Augusto M. Seabra. E aqui convém sublinhar que Lopes é dos raros cineastas que tem um olhar crítico sobre a sua própria obra e sobre o cinema. O que diz não são nunca banalidades, antes são visões clarividentes sobre o objecto com um distanciamento que surpreende. Há nesta entrevista uma componente autobiográfica que se estende para a recepção ao cinema nos inícios dos anos 60. Essencial para entender "Belarmino", Fernando Lopes e o Cinema Novo, o documentário sinaliza importâncias e coloca todas as questões fundamentais. Entre a entrevista e a crónica, com uma fabulosa banda sonora jazzística, o filme rasga os caminhos da modernidade e continua sem uma ruga. Mas é sobretudo de DVD que falamos e neste "medium" passa toda a força do objecto e a oportunidade de o relermos: há materiais escritos sobre Belarmino, como o poema de O'Neill e um epitáfio escrito por Fernando Lopes aquando da morte do "boxeur", bem como um depoimento evocativo da sua carreira e das suas fragilidades pelo Dr. Pedro Reis. Há duas entrevistas esclarecedoras, embora limitadas com o "argumentista" Baptista-Bastos e com Manuel Jorge Veloso, o compositor, responsável por uma ambiências sonora muito particular. Por último temos a oportunidade de visionar uma preciosidade da curta-metragem que Fernando Lopes continua a cultivar com o rigor e a humildade, que o caracterizam, "As Palavras e os Fios" (1962). Igualmente extraordinário como DVD é o dedicado a "Uma Abelha na Chuva", a obra-prima do cineasta: mais um documentário "vintage", o até aqui quase invisível "As Palavras e o Tempo" (1961), mais uma prodigiosa entrevista (cerca de 26 minutos incontornáveis) contextualizante, a dizer tudo o que é importante sobre o filme, as suas estratégias de separação e complementaridade entre banda de som e de imagem, os ecos do expressionismo alemão, ou a influência decisiva da poesia de Carlos de Oliveira, a partir de "Micropaisagem" sobre a leitura-adaptação do romance. O filme tem uma beleza fantasmagórica, com um olhar sobre o país real e imaginado, transfigurando as hipóteses de neo-realismo com um olhar que passa pelo romantismo excerbado de Camilo ("O Amor de Perdição" como ícone e marca) e Verdi (a abertura de "A Força do Destino") para se deter na análise do gesto e no valor quase minimal do som, da palavra, da intenção. "Filme em estado de graça" lhe chama o realizador e com toda a propriedade. As pequenas entrevistas a Laura Soveral (14 minutos) e a Manuel Jorge Veloso (cerca de 11) ajudam a contextualizar; a entrevista a Jorge Silva Melo sobre Carlos de Oliveira fala da geração do escritor e organiza uma visão de conjunto, que liga o literário ao cinematográfico - da rarefacção progressiva do romance até à rarefacção do filme; neste sentido vai também um pequeno "teledisco" poético, em que Isabel Ruth diz o poema "Cinema". E chegamos ao DVD histórico de um filme recente, "O Delfim", concebido como um acto de amor ao filme e ao mundo do cineasta, a começar pela interessantíssima curta de João Lopes, "Paisagens Intermédias" (quase 12 minutos), a destacar as rimas internas entre "Uma Abelha" e "O Delfim", linhas de força poéticas e estéticas, pormenores de som e de coincidências (ou divergências) visuais mínimas. É um excelente ponto de partida para a viagem por este precioso DVD, sobretudo para quem já viu o filme em sala. Da colaboração entre Lopes e Lopes, nasce também um fabuloso comentário "off" com que pode visionar o filme na pista áudio 2. Como sempre, o realizador encontra o tom ideal para informar esteticamente as opções técnicas e outras. João Lopes interroga, acrescenta, suscita reacções, enfim um modelo quase perfeito para o, às vezes, estafado comentário. "Na Rodagem" (cerca de 22 min.) é o "Making of" possível, com intervenções do realizador, entrevistas aos actores, cenas por detrás dos bastidores, uma simpática resposta amadora e apaixonada a uma fórmula, por vezes apenas vazia, de promoção de um filme. A entrevista com Fernando Lopes (a começar pelos espinhos dos "romances cinematográficos para a sua adaptação ao cinema) faz um bom complemento, a ser visitado em conjunto obrigatório. Nesta visita guiada ao DVD, continue-se pelos documentos de recepção ao filme, que, desta vez excedem as críticas jornalísticas, estendendo-se às reportagens televisivas e a excertos de uma longa entrevista televisiva de Lopes a Maria João Avilez. Claro que uma ronda pelo DVDRom será utilíssima, mas o próximo passo aconselhado é o breve olhar proposto sobre Cardoso Pires, com um depoimento do seu editor e amigo, Nelson de Matos. Pode juntar-lhe a pequena entrevista a Vasco Pulido Valente que assina o magnífico argumento, explicitando, algumas das alterações necessárias, em relação ao romance. Elaborado este roteiro mínimo do DVD, que dizer do filme? Que ganha espessura a cada nova visão. Que ganha em ser visto em contexto, sobretudo, com "Uma Abelha", ligando as inventadas e "reais" gândra e gafeira. Que o seu lado documental se prolonga em belíssimos retratos complexos de fantasmas do nosso passado recente. Que a direcção de actores opera pequenas maravilhas. Que Eduardo Serra é um dos maiores directores de fotografia do mundo. Que a hora e a vez de Fernando Lopes voltou a estar na ordem do dia, quando muitos já o davam por acabado. O grande cinema português está vivo e acessível a todos os estudiosos em magníficos DVDs. Não perca. Mário Jorge Torres BELARMINO de Fernando Lopes com Belarmino Fragoso, Jean-Pierre Gebler e Maria Júlia Buisel Portugal, 1964, 74 min., Madragoa Filmes, 2002 UMA ABELHA NA CHUVA de Fernando Lopes com Laura Soveral, João Guedes, Zita Duarte, Adriano Reys e Ruy Furtado Portugal, 1971, 65 min., Madragoa Filmes, 2002 O DELFIM de Fernando Lopes com Rogério Samora, Alexandra Lencastre, Rui Morisson, Isabel Ruth e Milton Lopes Portugal, 2002, 83 min., Madragoa Filmes, 2002 OUTROS TÍTULOS EM Y FLASH

Robert Zemeckis

Daniel Day-Lewis

DESTAQUE

Abel Ferrara

"Exploitation auteur"

CINEMA

O senhor dos anéis

o senhor das trevas

a hora e a vez de Fernando Lopes

Extremamente Perigosa

TEATRO

Paulo Autran actor-poeta

Sexta, 20

DANÇA

A hora e a vez de Fernando Lopes

MÚSICA

Paulo Autran actor-poeta

o Pai Natal que veio do frio

2 Many DJs

Vários

NEON

all that baz

EXPOSIÇÕES

"Exploitation auteur"

A Hora e a Vez de Fernando Lopes

Sexta-feira, 20 de Dezembro de 2002 Era assim que devia ser sempre: há uns meses quando a Atalanta estreou "O Delfim" de Fernando Lopes, achou por bem contextualizar o filme com duas obras essenciais da filmografia do mesmo realizador. Agora o aparecimento do mesmo filme em DVD, numa edição histórica, beneficia da mesma vantagem: já dispúnhamos no mercado de excelentes edições restauradas de "Belarmino" e de "Uma Abelha na Chuva". Não se trata apenas de serviço inestimável ao cinema português, trata-se de uma concepção de cinema produtiva, que não se faz por acumulação, mas por articulação. "Belarmino" possui um valor histórico indiscutível: depois de "Verdes Anos", traz o cinema para a rua, filma Lisboa com uma urgência e uma argúcia ainda hoje actuantes. Próximo do cinema-verdade, mas aceitando o jogo entre real e ficção, vira do avesso o clima bafiento de melodramas conformistas e de comédias estafadas que era o do cinema português dos anos 50. No centro, uma figura de pugilista que se assume como uma abstracção do português comum preso à sua condição, quase ao seu martírio, de ter nascido neste fim-de-mundo. Existe uma óbvia dimensão crística no combate final com um Belarmino (que nunca foi e nunca poderia ter sido campeão) enfraquecido e exposto. Isto mesmo destaca Fernando Lopes na imprescindível entrevista (cerca de 32 minutos), contendo uma análise minuciosa de objectivos e de resultados conseguidos, incluída no DVD, conduzida por Augusto M. Seabra. E aqui convém sublinhar que Lopes é dos raros cineastas que tem um olhar crítico sobre a sua própria obra e sobre o cinema. O que diz não são nunca banalidades, antes são visões clarividentes sobre o objecto com um distanciamento que surpreende. Há nesta entrevista uma componente autobiográfica que se estende para a recepção ao cinema nos inícios dos anos 60. Essencial para entender "Belarmino", Fernando Lopes e o Cinema Novo, o documentário sinaliza importâncias e coloca todas as questões fundamentais. Entre a entrevista e a crónica, com uma fabulosa banda sonora jazzística, o filme rasga os caminhos da modernidade e continua sem uma ruga. Mas é sobretudo de DVD que falamos e neste "medium" passa toda a força do objecto e a oportunidade de o relermos: há materiais escritos sobre Belarmino, como o poema de O'Neill e um epitáfio escrito por Fernando Lopes aquando da morte do "boxeur", bem como um depoimento evocativo da sua carreira e das suas fragilidades pelo Dr. Pedro Reis. Há duas entrevistas esclarecedoras, embora limitadas com o "argumentista" Baptista-Bastos e com Manuel Jorge Veloso, o compositor, responsável por uma ambiências sonora muito particular. Por último temos a oportunidade de visionar uma preciosidade da curta-metragem que Fernando Lopes continua a cultivar com o rigor e a humildade, que o caracterizam, "As Palavras e os Fios" (1962). Igualmente extraordinário como DVD é o dedicado a "Uma Abelha na Chuva", a obra-prima do cineasta: mais um documentário "vintage", o até aqui quase invisível "As Palavras e o Tempo" (1961), mais uma prodigiosa entrevista (cerca de 26 minutos incontornáveis) contextualizante, a dizer tudo o que é importante sobre o filme, as suas estratégias de separação e complementaridade entre banda de som e de imagem, os ecos do expressionismo alemão, ou a influência decisiva da poesia de Carlos de Oliveira, a partir de "Micropaisagem" sobre a leitura-adaptação do romance. O filme tem uma beleza fantasmagórica, com um olhar sobre o país real e imaginado, transfigurando as hipóteses de neo-realismo com um olhar que passa pelo romantismo excerbado de Camilo ("O Amor de Perdição" como ícone e marca) e Verdi (a abertura de "A Força do Destino") para se deter na análise do gesto e no valor quase minimal do som, da palavra, da intenção. "Filme em estado de graça" lhe chama o realizador e com toda a propriedade. As pequenas entrevistas a Laura Soveral (14 minutos) e a Manuel Jorge Veloso (cerca de 11) ajudam a contextualizar; a entrevista a Jorge Silva Melo sobre Carlos de Oliveira fala da geração do escritor e organiza uma visão de conjunto, que liga o literário ao cinematográfico - da rarefacção progressiva do romance até à rarefacção do filme; neste sentido vai também um pequeno "teledisco" poético, em que Isabel Ruth diz o poema "Cinema". E chegamos ao DVD histórico de um filme recente, "O Delfim", concebido como um acto de amor ao filme e ao mundo do cineasta, a começar pela interessantíssima curta de João Lopes, "Paisagens Intermédias" (quase 12 minutos), a destacar as rimas internas entre "Uma Abelha" e "O Delfim", linhas de força poéticas e estéticas, pormenores de som e de coincidências (ou divergências) visuais mínimas. É um excelente ponto de partida para a viagem por este precioso DVD, sobretudo para quem já viu o filme em sala. Da colaboração entre Lopes e Lopes, nasce também um fabuloso comentário "off" com que pode visionar o filme na pista áudio 2. Como sempre, o realizador encontra o tom ideal para informar esteticamente as opções técnicas e outras. João Lopes interroga, acrescenta, suscita reacções, enfim um modelo quase perfeito para o, às vezes, estafado comentário. "Na Rodagem" (cerca de 22 min.) é o "Making of" possível, com intervenções do realizador, entrevistas aos actores, cenas por detrás dos bastidores, uma simpática resposta amadora e apaixonada a uma fórmula, por vezes apenas vazia, de promoção de um filme. A entrevista com Fernando Lopes (a começar pelos espinhos dos "romances cinematográficos para a sua adaptação ao cinema) faz um bom complemento, a ser visitado em conjunto obrigatório. Nesta visita guiada ao DVD, continue-se pelos documentos de recepção ao filme, que, desta vez excedem as críticas jornalísticas, estendendo-se às reportagens televisivas e a excertos de uma longa entrevista televisiva de Lopes a Maria João Avilez. Claro que uma ronda pelo DVDRom será utilíssima, mas o próximo passo aconselhado é o breve olhar proposto sobre Cardoso Pires, com um depoimento do seu editor e amigo, Nelson de Matos. Pode juntar-lhe a pequena entrevista a Vasco Pulido Valente que assina o magnífico argumento, explicitando, algumas das alterações necessárias, em relação ao romance. Elaborado este roteiro mínimo do DVD, que dizer do filme? Que ganha espessura a cada nova visão. Que ganha em ser visto em contexto, sobretudo, com "Uma Abelha", ligando as inventadas e "reais" gândra e gafeira. Que o seu lado documental se prolonga em belíssimos retratos complexos de fantasmas do nosso passado recente. Que a direcção de actores opera pequenas maravilhas. Que Eduardo Serra é um dos maiores directores de fotografia do mundo. Que a hora e a vez de Fernando Lopes voltou a estar na ordem do dia, quando muitos já o davam por acabado. O grande cinema português está vivo e acessível a todos os estudiosos em magníficos DVDs. Não perca. 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