TEATRO DE MARIONETAS DO PORTO

12-09-2004
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João Paulo Seara Cardoso é o director do Teatro de Marionetas do Porto. No seu percurso de vida dedicado aos bonecos sempre procurou resgatar linguagens vanguardistas para um género, muitas vezes, demasiado preso à tradição. Nesta entrevista, Seara Cardoso fala da estagnação do projecto para o novo auditório e lança um olhar crítico à programação da Capital da Cultura.

Começou a trabalhar em marionetas há vinte e um anos. Em 1988, fundou o Teatro de Marionetas do Porto. Seara Cardoso é o director de uma companhia que ajudou a provocar uma “micro-revolução” da contemporaneidade. O COMÉRCIO foi à pequena sala do Teatro de Belomonte (onde o TMP reside, enquanto não se muda para a Alfândega) para esta entrevista com um ex-estudante de mecânica que abandonou a engenharia por amor ao teatro e sem arrependimentos.

O Comércio do Porto - Em Portugal, já se sentiu, verdadeiramente, a revolução das vanguardas no Teatro de Marionetas?

Seara Cardoso - Para chegarmos a essa acepção contemporânea tivemos que lutar contra diversos estigmas, nomeadamente a da fórmula clássica e do público infantil, embora eu respeite bastante ambos. Mas, a arte das marionetas só pôde evoluir no momento em que se negou a tradição. CP - O público está a procura de uma coisa e encontra outra?

SC - Não. Nem estava a falar nesse sentido. Refiro-me mais aos criadores que dificilmente se libertaram desse peso. A maior parte dos espectáculos que eu vejo padece dessa questão. Uma grande parte das companhias são pequenos grupos que só se encontram subsistência no mercado que lhes é favorável, ou seja, no mercado escolar. CP - O Teatro de Marionetas do Porto é uma excepção?

SC - Espero que sim. A arte das marionetas é, neste momento, a arte do palco que pode mais facilmente conter o pensamento contemporâneo e ser a plataforma aglutinadora de todas as artes e dos novos meios de comunicação, como sejam o vídeo e a dança contemporânea. Isto acontece porque estamos mais libertos do fardo teatral que são os textos. CP - Em Portugal, há mais ou menos aposta do estado em relação a este tipo de actividade, comparativamente a outros países europeus? Pensa que deveria ser maior?

SC - O pior que podia acontecer a Portugal era ser governo por pensamentos neo-liberais radicais que acham que as artes não deviam ser subsidiadas por acharem que a cultura não é um bem público, como os transportes ou a saúde. Na verdade, viveu-se um período muito negro da cultura no nosso país com Santana Lopes, embora ele não tenha assumido essa postura neo-liberal, mas entendeu a arte dentro de princípios mercantilistas. Ele dava dinheiro a quem tinha mais público, o que é negar a essência do papel da arte numa sociedade. CP - Com o ministro Carrilho, as coisas mudaram?

SC - Foi o melhor responsável pela cultura no pós - 25 de Abril. Com o sucessor vivemos outro período negro. O Sasportes não tinha a mínima ideia para o sector e destruiu muito do que de bom tinha sido feito. Em relação ao actual não conheço suficientemente bem a prática, porque ao nível das ideias acho-o brilhante. Mas, parece-me que é alguém que está demasiado preso ao aparelho do partido para ter pensamentos ainda mais libertos e ambiciosos.

CP - Sei que têm um projecto para um novo auditório. Em que pé está?

SC - A nova sala já tem projecto, que inclui também um museu para mostrar as 500 peças do nosso espólio (marionetas que foram sendo criadas por diversos artistas plásticos da cidade), mas está bloqueado devido à queda de certas instituições. Depois da saída do ministro Carrilho, da direcção do IPPAI e da mudança do gestor do Plano Operacional da Cultura, o processo emperrou. Já temos terreno que foi cedido pela Câmara, situa-se junto à Alfândega. É um local privilegiado. Tenho a esperança de que a autarquia tenha vontade política para fazer avançar o projecto. CP - Está a acabar o ano. É altura de fazer um balanço à Capital da Cultura. Há dois blocos de opiniões, favoráveis e desagradáveis. Em qual deles se situa?

SC - Eu penso que ninguém pode negar que o Porto 2001 foi uma dádiva dos céus para esta cidade. Foi pena o conflito entre a Câmara e a Sociedade. Houve falta de solidariedade. Isso foi muito negativo. É uma questão de provincianismo, o não saber abraçar grandes projectos. Quanto à programação, acho que foi de qualidade, no entanto, considero que não teve o mínimo risco. Trouxeram-se os grandes espectáculos e as grandes referências, muito “à la carte”. Basta analisarmos o sentimento do público a meio do ano. Os grandes êxitos tinham sido o Merce Cunningam e o Pierre Boulez. Considero-os criadores fantásticos e que mudaram o panorama das artes na dança e na música, mas são referências de há cinquenta anos. CP - Ou seja, faltou vanguarda?

SC - Exactamente, é isso que me parece ter faltado. Isto sucedeu também porque, mercê de algumas vicissitudes (essa nem era, de resto, a ideia do Dr. Artur Santos Silva), a programação foi muito municipalizada. Eu penso que o Porto 2001 deveria ter tido um programador profissional. Quem acabou por ser a directora de programação foi a Drª. Manuela de Melo, porque não conseguiram contratar o Dr. António Pinto Ribeiro, devido a problemas que não vale a pena agora dissecar. CP - Não gostou do trabalho de Manuela de Melo?

SC - Fez um trabalho que eu respeito muito, até porque é uma figura incontornável na cultura desta cidade, mas muito longe duma concepção que eu teria para o Porto 2001. Uma programação de futuro e não com um olhar para o passado. O Ponti assumiu aí um corte positivo, foi uma excepção nesta área do teatro, muito municipalizada. Talvez a área que corresponda mais a esta visão seja a área do pensamento e a programação de Serralves. CP - Nesse aspecto, considera que o Porto é uma cidade conservadora?

SC - Terrivelmente. É uma cidade onde nunca nasceu, nem nunca poderia nascer uma vanguarda artística, porque ainda tem o estigma da cidade do trabalho, burguesa, materialista. Ao contrário de Lisboa. CP - É preciso uma revolução, já não há liberdade, mas das mentalidades?

SC - (pausa) O que é preciso é que se afirme fortemente a identidade cultural do Porto, não por oposição a Lisboa, nem por oposição a nada, mas se calhar por similitude. Eu ansiava que o Porto fosse como Barcelona, com as boas características de uma segunda cidade e, nomeadamente, com uma vida cultural intensíssima que lhe dá um grau civilizacional muito grande. O que é preciso é que, quando se pergunta a alguém quais são os ícones do Porto, que não digam Rosa Mota, Fernando Gomes, Duque da Ribeira mas sim Manoel de Oliveira, Rui Veloso ou Agustina Bessa Luís. CP - O que é que o João Paulo e o Teatro de Marionetas podem, no seu modesto contributo, fazer?

SC - Nós fazemos micro-revoluções. É o máximo que está ao nosso alcance, mas penso que muitas dessas micro-revoluções é que podem transformar o pensamento.

João Paulo Seara Cardoso é o director do Teatro de Marionetas do Porto. No seu percurso de vida dedicado aos bonecos sempre procurou resgatar linguagens vanguardistas para um género, muitas vezes, demasiado preso à tradição. Nesta entrevista, Seara Cardoso fala da estagnação do projecto para o novo auditório e lança um olhar crítico à programação da Capital da Cultura.

Começou a trabalhar em marionetas há vinte e um anos. Em 1988, fundou o Teatro de Marionetas do Porto. Seara Cardoso é o director de uma companhia que ajudou a provocar uma “micro-revolução” da contemporaneidade. O COMÉRCIO foi à pequena sala do Teatro de Belomonte (onde o TMP reside, enquanto não se muda para a Alfândega) para esta entrevista com um ex-estudante de mecânica que abandonou a engenharia por amor ao teatro e sem arrependimentos.

O Comércio do Porto - Em Portugal, já se sentiu, verdadeiramente, a revolução das vanguardas no Teatro de Marionetas?

Seara Cardoso - Para chegarmos a essa acepção contemporânea tivemos que lutar contra diversos estigmas, nomeadamente a da fórmula clássica e do público infantil, embora eu respeite bastante ambos. Mas, a arte das marionetas só pôde evoluir no momento em que se negou a tradição. CP - O público está a procura de uma coisa e encontra outra?

SC - Não. Nem estava a falar nesse sentido. Refiro-me mais aos criadores que dificilmente se libertaram desse peso. A maior parte dos espectáculos que eu vejo padece dessa questão. Uma grande parte das companhias são pequenos grupos que só se encontram subsistência no mercado que lhes é favorável, ou seja, no mercado escolar. CP - O Teatro de Marionetas do Porto é uma excepção?

SC - Espero que sim. A arte das marionetas é, neste momento, a arte do palco que pode mais facilmente conter o pensamento contemporâneo e ser a plataforma aglutinadora de todas as artes e dos novos meios de comunicação, como sejam o vídeo e a dança contemporânea. Isto acontece porque estamos mais libertos do fardo teatral que são os textos. CP - Em Portugal, há mais ou menos aposta do estado em relação a este tipo de actividade, comparativamente a outros países europeus? Pensa que deveria ser maior?

SC - O pior que podia acontecer a Portugal era ser governo por pensamentos neo-liberais radicais que acham que as artes não deviam ser subsidiadas por acharem que a cultura não é um bem público, como os transportes ou a saúde. Na verdade, viveu-se um período muito negro da cultura no nosso país com Santana Lopes, embora ele não tenha assumido essa postura neo-liberal, mas entendeu a arte dentro de princípios mercantilistas. Ele dava dinheiro a quem tinha mais público, o que é negar a essência do papel da arte numa sociedade. CP - Com o ministro Carrilho, as coisas mudaram?

SC - Foi o melhor responsável pela cultura no pós - 25 de Abril. Com o sucessor vivemos outro período negro. O Sasportes não tinha a mínima ideia para o sector e destruiu muito do que de bom tinha sido feito. Em relação ao actual não conheço suficientemente bem a prática, porque ao nível das ideias acho-o brilhante. Mas, parece-me que é alguém que está demasiado preso ao aparelho do partido para ter pensamentos ainda mais libertos e ambiciosos.

CP - Sei que têm um projecto para um novo auditório. Em que pé está?

SC - A nova sala já tem projecto, que inclui também um museu para mostrar as 500 peças do nosso espólio (marionetas que foram sendo criadas por diversos artistas plásticos da cidade), mas está bloqueado devido à queda de certas instituições. Depois da saída do ministro Carrilho, da direcção do IPPAI e da mudança do gestor do Plano Operacional da Cultura, o processo emperrou. Já temos terreno que foi cedido pela Câmara, situa-se junto à Alfândega. É um local privilegiado. Tenho a esperança de que a autarquia tenha vontade política para fazer avançar o projecto. CP - Está a acabar o ano. É altura de fazer um balanço à Capital da Cultura. Há dois blocos de opiniões, favoráveis e desagradáveis. Em qual deles se situa?

SC - Eu penso que ninguém pode negar que o Porto 2001 foi uma dádiva dos céus para esta cidade. Foi pena o conflito entre a Câmara e a Sociedade. Houve falta de solidariedade. Isso foi muito negativo. É uma questão de provincianismo, o não saber abraçar grandes projectos. Quanto à programação, acho que foi de qualidade, no entanto, considero que não teve o mínimo risco. Trouxeram-se os grandes espectáculos e as grandes referências, muito “à la carte”. Basta analisarmos o sentimento do público a meio do ano. Os grandes êxitos tinham sido o Merce Cunningam e o Pierre Boulez. Considero-os criadores fantásticos e que mudaram o panorama das artes na dança e na música, mas são referências de há cinquenta anos. CP - Ou seja, faltou vanguarda?

SC - Exactamente, é isso que me parece ter faltado. Isto sucedeu também porque, mercê de algumas vicissitudes (essa nem era, de resto, a ideia do Dr. Artur Santos Silva), a programação foi muito municipalizada. Eu penso que o Porto 2001 deveria ter tido um programador profissional. Quem acabou por ser a directora de programação foi a Drª. Manuela de Melo, porque não conseguiram contratar o Dr. António Pinto Ribeiro, devido a problemas que não vale a pena agora dissecar. CP - Não gostou do trabalho de Manuela de Melo?

SC - Fez um trabalho que eu respeito muito, até porque é uma figura incontornável na cultura desta cidade, mas muito longe duma concepção que eu teria para o Porto 2001. Uma programação de futuro e não com um olhar para o passado. O Ponti assumiu aí um corte positivo, foi uma excepção nesta área do teatro, muito municipalizada. Talvez a área que corresponda mais a esta visão seja a área do pensamento e a programação de Serralves. CP - Nesse aspecto, considera que o Porto é uma cidade conservadora?

SC - Terrivelmente. É uma cidade onde nunca nasceu, nem nunca poderia nascer uma vanguarda artística, porque ainda tem o estigma da cidade do trabalho, burguesa, materialista. Ao contrário de Lisboa. CP - É preciso uma revolução, já não há liberdade, mas das mentalidades?

SC - (pausa) O que é preciso é que se afirme fortemente a identidade cultural do Porto, não por oposição a Lisboa, nem por oposição a nada, mas se calhar por similitude. Eu ansiava que o Porto fosse como Barcelona, com as boas características de uma segunda cidade e, nomeadamente, com uma vida cultural intensíssima que lhe dá um grau civilizacional muito grande. O que é preciso é que, quando se pergunta a alguém quais são os ícones do Porto, que não digam Rosa Mota, Fernando Gomes, Duque da Ribeira mas sim Manoel de Oliveira, Rui Veloso ou Agustina Bessa Luís. CP - O que é que o João Paulo e o Teatro de Marionetas podem, no seu modesto contributo, fazer?

SC - Nós fazemos micro-revoluções. É o máximo que está ao nosso alcance, mas penso que muitas dessas micro-revoluções é que podem transformar o pensamento.

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