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06-09-2002
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EDITORIAL

Serenidade Procura-se no Parque

Por MANUEL CARVALHO

Domingo, 29 de Julho de 2001

Ganhe quem ganhar as próximas eleições autárquicas, o futuro do Parque da Cidade estará nas mãos dos cidadãos. Depois de deixar alastrar a suspeita que os negócios imobiliários na mais ampla e querida mancha verde da cidade estavam a ser feitos no silêncio dos gabinetes e de costas voltadas para a cidade, Nuno Cardoso já não tem força política suficiente para decidir a sorte do Parque. Seja por "falhas de comunicação", como sugeriu Fernando Gomes, por descuido ou por um qualquer surto de arrogância que costuma afectar o poder, a mobilização dos cidadãos impôs um referendo à autarquia e, apesar de todos os excessos, o Porto mostrou neste processo que os velhos pergaminhos de mobilização cívica não se perderam.

Estabelecido que está o referendo, espera-se agora que o debate se eleve e não resuma ao estereótipo de uma luta entre o betão e a relva, entre o mal e o bem, entre as trevas e a luz. Toda e qualquer discussão que se faça em volta do Parque deve ter por princípio a constatação que, haja ou não frente urbana, a área verde vai crescer muito para além do que se suspeitava nos primórdios do Parque. Mas, se esta conquista está aparentemente consolidada, é legítimo perguntar: porque é que não podemos aspirar a mais, excluindo à partida toda e qualquer possibilidade de construção?

Se o mundo fosse perfeito, esta seria talvez a solução ideal. O "problema" é que há na cidade quem esteja interessado em ganhar dinheiro na promoção imobiliária, o que, como se sabe, é normal e conforme às leis. É o caso do consórcio liderado pela Imoloc, que, jogando em antecipação, comprou os créditos aos proprietários dos terrenos da frente marítima dos quais a câmara já tinha tomado posse administrativa. Pode irritar tanta astúcia, mas no mundo dos negócios quem tem um olho é rei. Ora, para reaver esses terrenos, pela via judicial ou não, a câmara tem duas opções: pagar uma indemnização, ou, como defende Nuno Cardoso e Fernando Gomes, permutar os terrenos em causa com uma área de três hectares na fronteira da Circunvalação. Como se desconhece qualquer vocação filantrópica à Imoloc, para que o verde domine na frente norte, a câmara terá de desembolsar uma avultada quantia.

Entre a declaração onírica de um parque total, verde e integralmente disponível para o usufruto dos cidadãos e o alerta para os custos milionários dessa solução, o primeiro impulso de qualquer cidadão é naturalmente favorável ao "verde". Para se defender a permuta de terrenos e a consequente autorização de construção, como o fez Nuno Cardoso e Fernando Gomes, é preciso ter coragem. Serenamente, sem demagogia e com a necessária ponderação entre custos e proveitos, os cidadãos do Porto têm de ponderar esta questão e situá-la no centro do debate. Com a consciência que toda a operação financeira exigível ao processo é paga com o seu dinheiro.

Por muito que custe aos mais extremados defensores de um parque sem betão na frente norte, vale a pena também equacionar as vantagens e os inconvenientes do projecto da Imoloc assinado por Souto de Moura. Desde que se não avançe com a mastodôntica torre de 26 andares, os cidadãos terão de pensar se é melhor que o parque acabe no asfalto da Circunvalação, de caras com o horror urbanístico de Matosinhos-Sul, ou numa área residencial bem enquadrada que nos poderá servir de passagem para uma avenida na qual se pode caminhar, tomar um café, ou fazer compras. Cada um terá a sua opinião, mas convém à partida desdramatizar o contexto. Não parece haver tragédia se a construção avançar, como não haverá tragédia se o Parque acabar junto ao alcatrão.

Com os dados lançados, o pior que pode acontecer ao debate é deixar triunfar o primarismo dos argumentos em detrimento da discussão aberta, serena e ponderada. O perigo é real e tende a avolumar-se, basta para o efeito notar a sobranceria de alguns promotores do Movimento pelo Parque ou a arrogância de certos defensores do avanço da construção. Seja qual for a opção de cada um, não podemos deixar que a discussão seja dominada por dois campos opostos de fundamentalismo entre os que manifestam a visão idílica que o verde está acima de todos os interesses e os que, numa leitura utilitarista do mundo, propalam o valor do dinheiro acima da vontade das pessoas.

EDITORIAL

Serenidade Procura-se no Parque

Por MANUEL CARVALHO

Domingo, 29 de Julho de 2001

Ganhe quem ganhar as próximas eleições autárquicas, o futuro do Parque da Cidade estará nas mãos dos cidadãos. Depois de deixar alastrar a suspeita que os negócios imobiliários na mais ampla e querida mancha verde da cidade estavam a ser feitos no silêncio dos gabinetes e de costas voltadas para a cidade, Nuno Cardoso já não tem força política suficiente para decidir a sorte do Parque. Seja por "falhas de comunicação", como sugeriu Fernando Gomes, por descuido ou por um qualquer surto de arrogância que costuma afectar o poder, a mobilização dos cidadãos impôs um referendo à autarquia e, apesar de todos os excessos, o Porto mostrou neste processo que os velhos pergaminhos de mobilização cívica não se perderam.

Estabelecido que está o referendo, espera-se agora que o debate se eleve e não resuma ao estereótipo de uma luta entre o betão e a relva, entre o mal e o bem, entre as trevas e a luz. Toda e qualquer discussão que se faça em volta do Parque deve ter por princípio a constatação que, haja ou não frente urbana, a área verde vai crescer muito para além do que se suspeitava nos primórdios do Parque. Mas, se esta conquista está aparentemente consolidada, é legítimo perguntar: porque é que não podemos aspirar a mais, excluindo à partida toda e qualquer possibilidade de construção?

Se o mundo fosse perfeito, esta seria talvez a solução ideal. O "problema" é que há na cidade quem esteja interessado em ganhar dinheiro na promoção imobiliária, o que, como se sabe, é normal e conforme às leis. É o caso do consórcio liderado pela Imoloc, que, jogando em antecipação, comprou os créditos aos proprietários dos terrenos da frente marítima dos quais a câmara já tinha tomado posse administrativa. Pode irritar tanta astúcia, mas no mundo dos negócios quem tem um olho é rei. Ora, para reaver esses terrenos, pela via judicial ou não, a câmara tem duas opções: pagar uma indemnização, ou, como defende Nuno Cardoso e Fernando Gomes, permutar os terrenos em causa com uma área de três hectares na fronteira da Circunvalação. Como se desconhece qualquer vocação filantrópica à Imoloc, para que o verde domine na frente norte, a câmara terá de desembolsar uma avultada quantia.

Entre a declaração onírica de um parque total, verde e integralmente disponível para o usufruto dos cidadãos e o alerta para os custos milionários dessa solução, o primeiro impulso de qualquer cidadão é naturalmente favorável ao "verde". Para se defender a permuta de terrenos e a consequente autorização de construção, como o fez Nuno Cardoso e Fernando Gomes, é preciso ter coragem. Serenamente, sem demagogia e com a necessária ponderação entre custos e proveitos, os cidadãos do Porto têm de ponderar esta questão e situá-la no centro do debate. Com a consciência que toda a operação financeira exigível ao processo é paga com o seu dinheiro.

Por muito que custe aos mais extremados defensores de um parque sem betão na frente norte, vale a pena também equacionar as vantagens e os inconvenientes do projecto da Imoloc assinado por Souto de Moura. Desde que se não avançe com a mastodôntica torre de 26 andares, os cidadãos terão de pensar se é melhor que o parque acabe no asfalto da Circunvalação, de caras com o horror urbanístico de Matosinhos-Sul, ou numa área residencial bem enquadrada que nos poderá servir de passagem para uma avenida na qual se pode caminhar, tomar um café, ou fazer compras. Cada um terá a sua opinião, mas convém à partida desdramatizar o contexto. Não parece haver tragédia se a construção avançar, como não haverá tragédia se o Parque acabar junto ao alcatrão.

Com os dados lançados, o pior que pode acontecer ao debate é deixar triunfar o primarismo dos argumentos em detrimento da discussão aberta, serena e ponderada. O perigo é real e tende a avolumar-se, basta para o efeito notar a sobranceria de alguns promotores do Movimento pelo Parque ou a arrogância de certos defensores do avanço da construção. Seja qual for a opção de cada um, não podemos deixar que a discussão seja dominada por dois campos opostos de fundamentalismo entre os que manifestam a visão idílica que o verde está acima de todos os interesses e os que, numa leitura utilitarista do mundo, propalam o valor do dinheiro acima da vontade das pessoas.

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