EXPRESSO: Artigo de Opinião

23-05-2002
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A grande lei de Gomes

Henrique Monteiro

«Um dia, decidiste trocar o Porto por Lisboa. Deixaste o lugar na Câmara, para o qual tinhas sido eleito, com o cuidado extreme de saber que ele ficava bem entregue. A alguém que teria de abrir buracos por toda a cidade, transformá-la num alvoroço, numa baderna num desconchavo; a alguém que teria de gerir conflitos, atolando-se na lama das obras, submergindo nas recriminações dos comerciantes, atascando-se na fúria dos transeuntes.»

Para o caso de não teres dado por isso, sou eu a dizer-to em primeira mão: acabas de pôr em prática uma excelente inovação na nossa vida política! Que homem! Que talento! E ainda dizem que não há criatividade nesta modorra nacional. Pois há! Se há! A prová-lo aí está a tua cabeça que faz jus à dessoutro Fernando Gomes que durante tanto anos, também aqui na Invicta, foi considerado o «cabecinha de ouro».

A coisa, de tão simples, ainda não tinha ocorrido a ninguém. É como o ovo de Colombo, que depois de ocorrer ao Cristóvão parece brincadeira de crianças. Mas é este dom da simplicidade, conjugado com o da criatividade, que distingue um génio como tu. Porque tu tens a chispa, a centelha, a faúlha, o brilho...!

E foste tu e só tu, sozinho, sem estados-maiores, através de elucubrações sucessivas - imagino as insónias que passaste, Fernando -, a ter esta ideia luminosa. E se bem o pensaste, melhor o fizeste.

Um dia, decidiste trocar o Porto por Lisboa. Deixaste o lugar na Câmara, para o qual tinhas sido eleito, com o cuidado extreme de saber que ele ficava bem entregue. A alguém que teria de abrir buracos por toda a cidade, transformá-la num alvoroço, numa baderna num desconchavo; a alguém que teria de gerir conflitos, atolando-se na lama das obras, submergindo nas recriminações dos comerciantes, atascando-se na fúria dos transeuntes.

Entretanto, no Sul, demonstravas subtilmente não teres vocação para a grande política nacional, mas sim para as artes locais. Disseste-o sub-repticiamente, num jogo de hóquei do FC Porto e numa ou outra intervenção igualmente (mas propositadamente, quero crer!) desastrada. Aqui, pelo Porto, o Cardoso que deixaste em testamento, suava as estopinhas para pôr de pé um estaleiro impossível e tu, de dama ofendida, fazias-te corrido de Lisboa, como todo o bom portuense que vai ao Terreiro do Paço e acha aquilo uma confusão do caneco. Fingiste amuar, chegando à denúncia de uma Fundação que varou o Vara e mais meia-dúzia deles. E esperaste. Mal chegou o tempo de tapar os buracos, voltaste ufano e fizeste um discurso. Que a cidade ia mal entregue, que não podia ser assim, mas que ali estavas tu, pronto e disponível - como sempre - para fazer a coisa voltar aos eixos. Recebeste os apoios e ainda te aplaudiram. Ganhas de novo a Câmara e voltas ao princípio, o contador a zero, como se nada tivesses a ver com a história.

Tivesse João Soares a tua fibra, o teu engenho, poderia ter deixado também a Câmara a um rapaz amigo, para agora voltar, solerte, a pôr-lhe defeitos em cima e a propor-se salvá-la. Mas nunca lhe assomou às meninges impulso criador semelhante ao teu. O Guterres, sim, ainda está a tempo de fazer o mesmo. Sair e deixar no seu lugar, por exemplo, o Pina Moura. Para depois voltar, crítico feroz da situação e dos buracos orçamentais, disposto a limpar mais umas legislativas como salvador da Pátria amada e entretanto agradecida. Se a coisa pega, mais ninguém conclui um mandato. A Lei Gomes, a tua grande contribuição, servir-lhes-á de exemplo, recordando-lhes a máxima deixada por nossos avós: atrás de mim virá quem de mim bom fará. O Cavaco que o diga...

Vai em frente que mereces.

Marques de Correia

(comendador@mail.expresso.pt)

A grande lei de Gomes

Henrique Monteiro

«Um dia, decidiste trocar o Porto por Lisboa. Deixaste o lugar na Câmara, para o qual tinhas sido eleito, com o cuidado extreme de saber que ele ficava bem entregue. A alguém que teria de abrir buracos por toda a cidade, transformá-la num alvoroço, numa baderna num desconchavo; a alguém que teria de gerir conflitos, atolando-se na lama das obras, submergindo nas recriminações dos comerciantes, atascando-se na fúria dos transeuntes.»

Para o caso de não teres dado por isso, sou eu a dizer-to em primeira mão: acabas de pôr em prática uma excelente inovação na nossa vida política! Que homem! Que talento! E ainda dizem que não há criatividade nesta modorra nacional. Pois há! Se há! A prová-lo aí está a tua cabeça que faz jus à dessoutro Fernando Gomes que durante tanto anos, também aqui na Invicta, foi considerado o «cabecinha de ouro».

A coisa, de tão simples, ainda não tinha ocorrido a ninguém. É como o ovo de Colombo, que depois de ocorrer ao Cristóvão parece brincadeira de crianças. Mas é este dom da simplicidade, conjugado com o da criatividade, que distingue um génio como tu. Porque tu tens a chispa, a centelha, a faúlha, o brilho...!

E foste tu e só tu, sozinho, sem estados-maiores, através de elucubrações sucessivas - imagino as insónias que passaste, Fernando -, a ter esta ideia luminosa. E se bem o pensaste, melhor o fizeste.

Um dia, decidiste trocar o Porto por Lisboa. Deixaste o lugar na Câmara, para o qual tinhas sido eleito, com o cuidado extreme de saber que ele ficava bem entregue. A alguém que teria de abrir buracos por toda a cidade, transformá-la num alvoroço, numa baderna num desconchavo; a alguém que teria de gerir conflitos, atolando-se na lama das obras, submergindo nas recriminações dos comerciantes, atascando-se na fúria dos transeuntes.

Entretanto, no Sul, demonstravas subtilmente não teres vocação para a grande política nacional, mas sim para as artes locais. Disseste-o sub-repticiamente, num jogo de hóquei do FC Porto e numa ou outra intervenção igualmente (mas propositadamente, quero crer!) desastrada. Aqui, pelo Porto, o Cardoso que deixaste em testamento, suava as estopinhas para pôr de pé um estaleiro impossível e tu, de dama ofendida, fazias-te corrido de Lisboa, como todo o bom portuense que vai ao Terreiro do Paço e acha aquilo uma confusão do caneco. Fingiste amuar, chegando à denúncia de uma Fundação que varou o Vara e mais meia-dúzia deles. E esperaste. Mal chegou o tempo de tapar os buracos, voltaste ufano e fizeste um discurso. Que a cidade ia mal entregue, que não podia ser assim, mas que ali estavas tu, pronto e disponível - como sempre - para fazer a coisa voltar aos eixos. Recebeste os apoios e ainda te aplaudiram. Ganhas de novo a Câmara e voltas ao princípio, o contador a zero, como se nada tivesses a ver com a história.

Tivesse João Soares a tua fibra, o teu engenho, poderia ter deixado também a Câmara a um rapaz amigo, para agora voltar, solerte, a pôr-lhe defeitos em cima e a propor-se salvá-la. Mas nunca lhe assomou às meninges impulso criador semelhante ao teu. O Guterres, sim, ainda está a tempo de fazer o mesmo. Sair e deixar no seu lugar, por exemplo, o Pina Moura. Para depois voltar, crítico feroz da situação e dos buracos orçamentais, disposto a limpar mais umas legislativas como salvador da Pátria amada e entretanto agradecida. Se a coisa pega, mais ninguém conclui um mandato. A Lei Gomes, a tua grande contribuição, servir-lhes-á de exemplo, recordando-lhes a máxima deixada por nossos avós: atrás de mim virá quem de mim bom fará. O Cavaco que o diga...

Vai em frente que mereces.

Marques de Correia

(comendador@mail.expresso.pt)

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